segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

PRISÃO DE PARNAIBANOS NO RIO DE JANEIRO


PRISÃO DE PARNAIBANOS NO RIO DE JANEIRO

Alcenor Candeira Filho

     Há tempos alguns amigos  me cobram um texto sobre episódio acontecido no Rio de Janeiro, no sombrio ano de 1970, que resultou na prisão de vários parnaibanos efetuada em apartamento da rua Senador Vergueiro, Flamengo, em final de tarde de um sábado.
     Os parnaibanos fomos levados em  três viaturas  policiais (fuscas)  com sirenes ligadas e barulhentas à delegacia da rua Bambina, em Botafogo.
     Após enfadonhos depoimentos, todos fomos liberados sem necessidade de habeas corpus, com direito a imediata comemoração em bar próximo da delegacia.
     Nunca nos envergonhamos nem nos vangloriamos da ocorrência: afinal de contas não éramos heróis e fomos detidos por pouco tempo – no máximo sete horas - , não pela prática de ato delituoso mas pelo simples fato de havermos “entrado de gaiatos no navio” ou de estarmos “no lugar certo  em hora errada”.
     O lugar era “certo” porque se tratava do apartamento do 11º andar em que moravam os parnaibanos Weber Mualem de Moraes, Antônio Dutra (Cambel) e os irmãos Benedito, Paulo e João Paulino Soares. O pequeno apartamento era um dos lugares de reunião de nossa turma nos finais de semana e por isso eu, Gervásio Pires de Castro Neto, Raimundo Furtado de Mendonça Neto (Raimundinho Arraia) e Arnaldo Prado lá nos encontrávamos como visitantes.
     Nessas visitas  costumávamos tomar os primeiros copos de cerveja para, em seguida, com a chegada da noite, vagar de bar em bar até o amanhecer, porque gostávamos de ver o sol nascer no vazio da cidade maravilhosa.
     Se o lugar era “certo”, o momento foi “errado”, porque ninguém esperava a chegada repentina de Antônio  Dutra, o Cambel, inteiramente fora de si, furioso, desafiador, provocador, insultando o tempo todo os irmãos Soares. Lembro-me  de uma panela com ovos no fogão e de Cambel ameaçando jogar nos desafetos a água que nela fervia. Ele bradava: “Aqui, só respeito o Noba, porque joguei botão na casa dele várias vezes e sempre perdia”. Nunca se soube se Cambel estava drogado. Mas sem dúvida  estava transtornado. Chegou a agredir fisicamente os irmãos Soares , que reagiram moderamente, na medida suficiente para dominar ou domar o  agressor. Em verdade, todos tínhamos as mesmas parnaibanas raízes e éramos amigos.
     Mas Cambel estava possesso. Mesmo depois da surra que levou, começou a jogar da janela do apartamento garrafas vazias de cerveja no pátio do edifício. Os vizinhos ligaram, e logo viaturas da polícia estacionaram em frente do prédio. Os  policiais entraram  no pequeno apartamento, com armas na mão e gritando: “Todos com as mãos na parede”. E visitantes, moradores e apartamento foram minuciosamente revistados. Nenhuma droga foi encontrada. Em seguida, todos fomos algemados: eu junto com Gervásio, Raimundinho com Arnaldo, Benedito com Paulo, enquanto Cambel e João Paulino foram algemados sozinhos.
     Weber havia saído do apartamento minutos antes da chegada da polícia. Saíra para  buscar socorro. Um oficial da aeronáutica, morador do prédio e amigo de Weber, explicou aos policiais quem eram os envolvidos. Nenhum bandido. A preocupação maior era com Maninho Medeiros, que morava no Flamengo e visitava sempre os conterrâneos naquele endereço.
     Maninho saiu de Parnaíba nos anos 60 para morar no Rio de Janeiro, deixando na cidade natal e no curriculum a fama de comunista. Envolvido em inquérito policial militar instaurado em Parnaíba em 1964, foi preso e impedido de tomar posse como funcionário do Banco do Brasil após aprovação em concurso, sob a acusação de ser subversivo. Anos depois, conseguiu assumir o tão sonhado emprego .  Os órgãos repressores chegaram â conclusão de que Maninho era apenas um cidadão decente que defendia a dignidade humana. Mas no momento dos acontecimentos narrados, a eventual prisão de Maninho, que felizmente não aconteceu (ele fora avisado pelo Weber do que estava ocorrendo lá em cima), poderia ressuscitar encrencas do passado em razão de registros em sua ficha no DOPS.
     Na delegacia da rua Bambina, prestamos depoimentos até de madrugada. Do momento de meu depoimento, lembro a indumentária quase carnavalesca do delegado: camisa manga comprida amarela/corrupião, gravata verde/pavão e calça preta/urubu. Não fitei os sapatos ou meias, mas os cabelos compridos com rabo de cavalo jamais me sairão das retinas.
     Ao saber que eu  fazia o quarto ano de direito, disse: - Você está começando muito bem a vida de advogado.  Cuidado. Pare  com essa cachaça e vá estudar.
     Gostei da atitude educada e simpática do delegado, que passou a inquirir Gervásio Neto.
     Naquele fim de semana Gervásio se  despedia dos amigos. Iria na  semana seguinte para Curitibanos para assumir emprego no Banco do Brasil. Naquele momento, portanto, ele não estudava nem trabalhava. E o delegado:
     - O que você faz na vida?
     - Já compro feito.
     - E seu  dinheiro cai do céu?
     Tudo esclarecido, Gervásio foi liberado, o que aconteceria com os demais.
     Informações sobre as personagens deste texto:
     - Raimundinho: em 1970 era estudante de arquitetura no Rio de Janeiro. Rebelde, contestador do regime ditatorial, algumas detenções, alimentava o sonho de morar em Londres. Realizou o desejo e tomou gosto por viagens internacionais, que realiza até hoje.
     Casado com  Fátima,  voltou a fixar residência em Parnaíba, com temporadas constantes no Rio , onde mora sua única filha, e Brasília, onde residem os pais e irmãs.

     - Gervásio: naquele tempo produziu os primeiros desenhos: charges e caricaturas, que já prenunciavam o grande artista que é hoje, com trabalhos conhecidos e admirados por muita gente.
Criador de capas de diversos livros, inclusive de dois de minha autoria.
     Aposentado, é casado com Ana Maria, com quem tem duas filhas. Mora no Rio de Janeiro e anualmente vem a Parnaíba.
     - Weber: era o músico da turma. Até hoje curte violão. No auge da mocidade integrou a banda de música “Os Bárbaros”, que tocava principalmente em festas realizadas nos clubes chiques da Parnaíba. com a presença maciça de jovens.  Bancário aposentado e casado há mais de quarenta anos com Lúcia Beré, com quem tem duas filhas e três netos.
     - Vicente, Benedito e João Paulino Soares: trabalhavam no Rio de Janeiro nas áreas financeira e comercial.  Voltaram a residir em Parnaíba, onde se casaram e tiveram filhos.
     - Cambel: em 1970 estudava e trabalhava no Rio de Janeiro. Formou-se em engenharia. Faleceu há pouco tempo em Brasília,
onde exercia o cargo de auditor fiscal da receita federal.
     - Arnaldo: Saiu muito jovem de Parnaíba com a fama de bonitão, que lhe valeu o apelido de “Pão”. Muito disputado pelas mulheres, Arnaldo morreu com menos de quarenta anos de idade, no Rio de Janeiro.
     - Maninho: já falamos de sua trajetória de vida. Faleceu no Rio de Janeiro com cerca de 70 anos de idade, deixando esposa e filhos.
     - Alcenor: morou no Rio de Janeiro enquanto fez o cursinho pré-vestibular e o curso de direito (1966-1971). Vive em Parnaíba. Casado com Ana Lúcia. Tem três  filhos.
  
     Informações sobre as personagens deste texto:
     - Raimundinho

DIÁLOGO COM TODAS AS COISAS, OBJETOS E SERES: A POESIA DE NATHAN SOUSA

Nathan Sousa



DIÁLOGO COM TODAS AS COISAS, OBJETOS E SERES: A POESIA DE NATHAN SOUSA

CUNHA E SILVA FILHO

Com pouca informação sobre o autor, o poeta piauiense Nathan Sousa, 43 anos, sem lhe conhecer a produção até agora editada, me agarro a seu mais recente livro publicado, Dois olhos sobre a louça branca(Guaratinguetá: Penalux, 2016, 85 p.). Essa editora vem publicando outros poetas e ensaístas, alguns dos quais conheço, como Luiz Filho de Oliveira, poeta piauiense, e Valdemar Valente, ensaísta.

Residindo no Rio de Janeiro há tanto tempo, não tenho condições de acompanhar tudo que tem sido publicado no Piauí, sobretudo seus autores mais jovens ou menos jovens..O que me vem ao conhecimento é quase por acaso. As minhas referências aos novos autores vou buscar nos poucos historiadores literários de que o Piauí dispõe, como Francisco Miguel de Moura e Herculano Moraes.

Como diria os mais velhos até do que eu, de um assentada li o livro em exame. Leitura rápida que me impulsionava a ir adiante. Foi o que fiz e posso adiantar: não foi tempo perdido. O jovem poeta como aconteceu com Luiz Filho de Oliveira, me surpreende por várias razões, (com a sensação estranha e satisfação com que li o poeta Elmar Carvalho nos anos 1990 e quando lhe analisei a obra poética nos anos seguintes), em especial pela qualidade inquestionável de seus versos.

Eu tentei ver se na obra de Nathan poderia encontrar uma imperfeição, seja de natureza da linguagem literária, seja da própria elaboração da sua fatura poética, a meu singular, orignal, na qual, a palavra, a frase, a estrofe e o poema inteiro vão-nos deleitando pela leque de situações formais e humanas levantadas pelo autor. Aposto na consagração desse poeta e logo logo na sua visibilidade fora dos limites do Piauí.

Nathan Sousa nos enseja uma poética que muito se aproxima do âmbito filosófico, sem, no entanto, desprezar a concretude da vida, a realidade quotidiana e seus problemas e impasses, os objetos inanimados, a flora, a fauna, coisas em geral, i.e., o mundo natural e o mundo cultural, Tudo no livro parece querer atingir uma dimensão universal. Em Nathan nada lhe escapa ao que se convenciona denominar de mundo real e mundo abstrato. Luz, sombra e mitos. Por isso, sua poesia é tão invadida por objetos, coisas, seres humanos ou irracionais, pela frequência alusiva, ou seja, pelo intertextualidade, quer endoliterária, quer exoliterária (Cf. Vítor Manuel de Aguiar e Silva. Teoria da literatura. 8 ed. 19ª impressão. Coimbra: Livraria Almedina, 2011, p. 629-630), um traço muito comum nos poetas de hoje e já anunciado, conforme amiúde tenho repetido, desde a previsão do crítico literário inglês I.A. Richards. (1893-1979)) 

Optou – seria o termo certo para r uma poesia constelada de signos, metáforas e símbolos? - por um poesia de corte contraditoriamente aristocrático, na qual os verso resultam de poderosa imagística que toca em muitos ângulos do se podia rotular de grande poema em todas as épocas. Contudo – cabe ressaltar - o adjetivo “aristocrático,” aqui particularmente empregado, não tem nada a ver com um poesia tradicional parnasiana ou neo-parnasiana. Longe disso. O adjetivo refere a um tipo de poesia inapelavelmente pós-moderna no sentido mais lato possível. Quer dizer, uma poesia que supera as vanguardas brasileiras a partir das mudanças efetuadas pelo Concretismo de 1956 e outras formas de vanguardas pós-concretistas. Nathan faz parte de um grupo de poetas que pertenceriam a uma fase na qual os ismos datados forma superados e, em lugar dele, a poesia teria em cada poeta uma forma individual de composição. Não significa por isso que há nesses novos poetas que estão surgindo no pais a anarquia da forma e de temas, mas um percurso poético pessoal que tenha recebido as mais diversas contribuições tanto da tradição literária quanto das diferentes vanguardas pelas quais passou a poesia brasileira..

A poesia de Nathan Sousa, em alguns aspectos formais e de comportamento com a linguagem, me lembra outro poeta brasileiro que conheci muito, o Jurandyr Bezerra (1928-2014), autor de um único livro publicado, Os limtes do pássaro(Belém: Editora SEJUP, 1993) bem recebido pela crítica especializada. Tinha prontos, pelo menos oito livros de poesia a serem editados. Bezerra nasceu no Pará e, em seguida, radicou-se no Rio de Janeiro. Recebeu prêmios e teve poemas traduzidos para o italiano e eu mesmo verti um poema dele para o inglês, de título “Poema para Izabel,”extraído do livro já mencionado.

Como Nathan, ostenta uma poesia de fino senso de beleza, onde o sentido do poema se encontra no próprio fruir da linguagem e de seus recursos imagéticos, em sua potência criativa e no seu substrato profundamente humano além de musical, visível influência dos simbolistas.

Jurandyr Bezerra foi leitor voraz dos grandes poetas não só brasileiros (Cecília Meireles, Cruz e Sousa, Murilo Mendes, Fernando Pessoa), mas um do porte do expressionista alemão Georg Trakl.(1887-1914). Tinha especial interesse pela leitura de respeitados ensaístas, por exemplo, um Mário Faustino, um Benedito Nunes, um Antônio Olinto, um Antonio Carlos Secchin, um José Guilherme Merquior.

Recordo vivamente que Jurandyr citou especialmente o último dos citados poetas no parágrafo anterior, da mesma maneira que gostava de citar Cecília Meireles, os simbolistas. Foram, assim, uns mais outros menos, os que, segundo ele, lhe ensinaram finalmente o que é poesia depois de tanto tempo e canseiras de releituras, porque, acrescentava ele, a poesia é também um aprendizado do domínio técnico – uma espécie de epifania, uma porta aberta aos olhos espantados dos que amam e querem para si a entrada firme e certeira do sentido da linguagem e da matéria poética que se traduz, ao fim, em criação verbal e de apreensão do que seja o grande verso, a grande poesia.

Jurandyr, tal qual todo bom poeta, passou a vida inteira lendo o que havia de melhor na poesia universal tanto de brasileiros quanto de estrangeiros. E como sabia ter a vocação e a maneira cavalheiresca de ofertar obras da grande poesia aos amigos! Uma desta ofertas foi uma antologia de poetas expressionistas alemães.

O livro Dois olhos sobre a louça branca, de resto, de título insólito e enigmático, compõe-se de quatros partes, respectivamente intituladas “Ogiva de Vidro” “Lágrima de quartzo,” “China,” e “Estuário / Saliva.” As quatro partes reúnem cinquenta e um poemas. É óbvio que, numa simples resenha, não daria conta de um comentário abrangente o suficiente para apreender a riqueza facilmente detectável em seus poemas, em que a linguagem da poesia é medida milimetricamente e se encaixa no tema eleito.Esse frêmito também, em relação a novos poetas do Piauí, experimentei na leitura da poesia de Sonia Leal Freitas, O cedro do Éden (2002) e na poesia satírico-social mas também estruturalmente refinada de Luiz Filho de Oliveira na obra Das bocadas infernéticas (2016).

Não seria neste espaço que adensaria minha análise da poesia de Nathan Sousa, mas me impulsiona o desejo de tecer alguns breves comentários gerais do livro. Tomemos, por exemplo, três poemas, entre tantos no livro, que me suscitam a curiosidade crítica: “Eu e a Cidade” (p.32-33), “Sabor”(p.75) e “Ceia de cegos” (p.85) e 

O primeiro escolhido retoma um tema já poetizado por outros autores piauienses, um deles sendo Paulo Machado. Todavia, o tratamento entre este o de Nathan é bem diverso e reflete outros tempos poéticos. Nos poemas de Paulo Machado sobre Teresina a poesia, num lirismo distanciado, se entronca com a denúncia social e o testemunho do tempo histórico, enquanto que em Nathan Sousa existe uma relação mais íntima entre o sujeito lírico e o tema de Teresina, ou seja, entre o sujeito lírico e o objeto amado complicado desta vez pelos tempos de agora, líquidos e apressados no torvelinho da pós-modernidade impessoal e brutal.

O poema é uma mini-autobiografia do poeta que se debruça corajosamente sobre o seu tempo presente e o passado. Fala do presente da sua cidade, Teresina, em constante metamorfose. É um belo poema, um dos melhores do livro costurado entre a saudade dos entes queridos e as transformações que o amadurecimento vai exercendo sobre o homem-poeta: “retorno à cidade onde nasci/e onde vi meu pai e (pouco depois) minha mãe partirem/para sempre”.(p.32, primeira estrofe). 

Nesse poema há um controlado halo de nostalgia indefinida do que foi a cidade do período existencial do autor por ele mesmo situado: “Será esta a Teresina/que se abriu em cores e vozes/ naquele distante ano de 1973? (p. 33, estrofe 7). É evidente que essa sensação de estranheza sentida por alguém que se afastou da sua cidade berço é compartilhada por outros pessoas, até pelo “homem comum,” porém sobremodo pelos artistas, poetas, escritores em geral, gente com maior sensibilidade de transmitir emoção e beleza através da comunicação literária.O poema é um grande mergulho no sentimento da saudade contida pela emoção controlada pela mensagem sintética tão afinada que deve ser com o ato poético e pela consciência e razão metapoética.

No poema ‘O sabor,” existe um “topos,” o da imagem da “louça branca” que, ,por sinal , faz parte do título do livro. Ele, portanto, é recorrente, aparece aqui e ali na obra.Não é meu intuito aqui me éter neste sintagma ou no lexema “louça.” Sua hermenêutica será certamente uma das linhas de força do poema. Nathan, tanto quanto outros poetas de hoje, usam de alguns artifícios que já foram empregados por poetas da modernidade, como um Vasco Graça Moura (1942-2014) poeta português, ou um mais antigo, e o norte-americano e.e.cummings (1894-1962). Eles usaram letra minúscula para nomes próprios, assim também as empregaram depois de um ponto. Outra traço tipográfico semântico-visual igualmente encontrado na poesia de Luiz Filho de Oliveira) é, entre parênteses, incluir um enunciado alusivo ao poema ou mesmo de sentido enigmático ou indecifrável.

Cumpre não esquecer que a poesia atualizada de Nathan Sousa tematicamente se irradia para múltiplas direções, não somente para o olhar dirigido aos objetos, coisa e seres, segundo assinalei, mas para outras questões que embutem no poema voltadas ao universo das artes, da temas sociais e globais, Combina os mundos ocidental e oriental. Desloca-se como uma espécie de globe-trotter.

Há uma visada para uma abrangência universal atingindo, além disso, outros espaços naturais, a água, o líquido, os pássaros (frequente nele também é suas referência a essa espécie animal. Voltemos ao poema “Sabor.” Há sempre um segundo ou terceiro ou mais sentidos num só poema que converge para uma opacidade de sentido abrindo-se ao hermetismo e a um esteticismo acessível a poucos iniciados.

Neste ponto, sua poesia é muito mais sofisticada do que foram os poetas da geração-70, com o mimeógrafo, com alguns poetas reunidos em antologia a cargo de Heloísa Buarque de Holanda, antologia que se tornou, por assim dizer, um clássico, sob o título de 26 poetas hoje ou mesmo com os da geração-90, que teve duas edições (Editora Aeroplano) e mereceu uma outra antologia intitulada Esses poetas, também organizada por Heloísa Buarque de Holanda.

No poema “sabor” é evidente uma dicotomia entre o abismo de uma hecatombe natural insinuada pelo binômio “goela e o big bang e um desejo meio que incerto, a despeito do risco, do recurso à poesia. O poema se inscreve entre o disfêmico ( big bang, “mefistofélico”, “combustão desavisada” e “armas” e o eufêmico ( “louça branca,” “canto de louvação,” “educada”). O poema não afirma abertamente, se camufla semanticamente.

No poema “Ceia dos cegos,” o derradeiro do livro, que exibe uma epígrafe de escritor português Miguel Torga, está associado à religiosidade cristã na acepção do conhecimento atento do Novo Testamento, do qual é citado uma frase de Mateus (não sei por que o poeta grafou em inglês mathew, quando poderia fazê-lo em português).

As referências ao “mito” e ao “sono da caverna” são bem indicativas das intenções oblíquas (se é que há intenções num poema) da natureza do tema do poema. Apontam para muitos questionamentos de cunho mitológico, social, estético e filosófico. A citação de Mateus, por sua vez, reenvia ao topos dos “olhos” e da “louça branca” que formam o título da obra. O poema “Ceia dos cegos” não se torna por isso religioso, católico ou de outra denominação. A uma afirmação do sujeito lírico corresponde uma desconstrução. O conceitual se desfaz, muda de rumo e causa estranhamento não pelas aporias existentes como ainda por sua súbita metamorfose semântica, levando àquela opacidade, àquela conceituação de Mallarmé:

(...) referir-se a um objeto pelo seu nome é suprimir três quartas partes da fruição do poema, que consiste na felicidade de adivinhar pouco a pouco; sugeri-lo, eis o que sonhamos. É o uso perfeito desse mistério que constitui o símbolo; evocar pouco a pouco um objeto para mostrar um estado de alma, ou, inversamente, escolher um objeto para e desprender dele um estado de ama por uma série de decifrações.” (apud Tavares, Hênio, Teoria literária. Belo Horizonte: Editora Itatiaia Limitada, 8.ed. rev. e aum., 1984, p.89).

As múltiplas vozes de espaços e tempos diferentes tornam a poesia de Nathan Sousa um poliedro que, num melting-pot, sabe agasalhar ou recusar todos os caminhos possíveis da poiésis – um desabrochar de temas cruciais e de questões filosóficas, que atravessam rios, oceanos, mares, lagos, continentes do Ocidente e do Oriente e tentam encontrar ressonâncias ao seu canto de pássaro ávido para ao menos tornar o nosso universo mais humano e fecundo, onde o lirismo se faz onipresente mesmo em meio à contramaré da contraditória e tumultuada existência contemporânea na Terra.

domingo, 29 de janeiro de 2017

Seleta Piauiense - William Melo Soares


Risco 

William Melo Soares (1953)

ventos de maio 
pipas no ar 
cerol na linha da emoção 
deixa o menino 
correr o risco 
de ser feliz   

sábado, 28 de janeiro de 2017

Humberto de Campos e suas Memórias


Humberto de Campos e suas Memórias (*)

Lourival Serejo (**)

O Instituto Geia tem prestado notável serviço à cultura maranhense com a publicação reiterada de obras novas e raras sobre temas do nosso interesse. São livros especiais que não encontrariam editora disponível para publicá-los, pelas regras do mercado editorial brasileiro. Talvez por isso mesmo é que o valor dessas obras se destaca.

Pertenço à Confraria dos Bibliófilos do Brasil, que se compraz exatamente em publicar, anualmente, as obras já esgotadas e que não encontrariam editoras dispostas a publicá-las. São publicações bem trabalhadas, que já se tornaram raridade entre os amigos dos livros. A propósito, seria até uma idéia para avaliação do Geia, tornar-se uma confraria de bibliófilos maranhenses.

Feitas essas observações, volto-me ao principal objetivo desta matéria: a homenagem que será prestada, hoje, no Festival Geia de Literatura, em São José de Ribamar, ao escritor maranhense Humberto de Campos, atirado no canto do esquecimento pela concorrência do mercado editoral e pelas nuances da vida literária. Alguns críticos ousariam acrescentar, pelas limitações do seu talento, também. Os livros escolhidos para essa homenagem patrocinada pelo Instituto Geia, reunidos num só volume, são os mais populares da sua vasta produção: “Memórias e Memórias inacabadas”.

Em vida, até o ano de sua morte (1934), Humberto de Campos era o escritor brasileiro mais lido, mais admirado, mais amado pelo público. Em recente crônica, publicada pelo suplemento literário “Ideias&Livros”, do Jornal do Brasil, Wilson Martins transcreve depoimento de José Olympio reconhecendo a contribuição de Humberto de Campos para o fortalecimento da Livraria José Olympio, em seus primeiros anos, graças à venda das obras daquele escritor.

A popularidade de Humberto de Campos era tão grande que no dia do seu falecimento, as portas do comércio do Rio de Janeiro fecharam-se em sinal de luto, sem que houvesse necessidade de decreto do governo. O luto não foi oficial, foi emocional. Mesmo sendo um homem infeliz, como se constata da leitura do seu “Diário Secreto”, Humberto de Campos consolava as pessoas com suas crônicas. Recebia inúmeras cartas de admiradores com solicitações de conselhos para suas dores e problemas. Aproveitava muitos desses clamores para transformá-los em crônicas. Para ele, porém, não vinha o consolo que esperava. Abatido pelo sofrimento, perguntava-se: Para quem escrevo?

Cresci ouvindo histórias de Humberto de Campos. Meus pais liam e reliam constantemente suas obras. Minha mãe, ao formar-se em Farmácia, na década de 30, foi trabalhar em Parnaíba, numa farmácia da família Veras. Ali, ouvia ao vivo as histórias do respeitável escritor. Foi ela que me descreveu o cajueiro do memorialista, cujo capítulo, inserido em seu livro de memórias, Carlos Heitor Cony considera a melhor crônica da literatura brasileira. Alguns apontam como causa do seu esquecimento o fato de não ter escrito romances, como Aluísio Azevedo. Até certo ponto pode ser verdade essa conclusão. Mas, e Coelho Neto, que tantos romances escreveu e hoje é tão esquecido como o autor de “Mealheiro de Agripa”?

Lançado ao público pela poesia (“Poeira”, 1910), foi, entretanto, pela crônica que Humberto de Campos notabilizou-se. A crônica é o gênero literário que atende os reclamos do momento, que reflete o sentimento do povo, que interpreta o cotidiano. Apesar de exigente em sua feitura, em sua forma de agradar o público, ela se esvai com sua publicação. Não tem a perenidade dos outros gêneros literários.

As crônicas que Humberto de Campos publicava, em diversos jornais, é que asseguravam seu pão diário. Como ele mesmo disse, era vendendo miolo do cérebro que ele conseguia miolo de pão.
As obras de Humberto de Campos foram publicadas pela Editora Jackson, em 29 volumes. A última edição é de 1960. Recentemente, adquiri uma coleção dessas, em um sebo de Cuiabá, pois a que possuía era incompleta. Em 1981, foi publicada uma coleção com apenas 10 volumes das suas obras, com o selo da editora Opus, que contava, em sua equipe editorial, com a presença de Humberto de Campos Filho.

As obras sobre Humberto de Campos são esparsas, mas sempre renovadas. Destaco cinco que são do meu conhecimento e posse, as quais tratam de dados biográficos e de sua produção literária: “Humberto de Campos”, de Macario de Lemos Picanço (Rio de Janeiro:Minerva, 1937); “O miolo e o pão”, publicado sob coordenação de Roberto Reis (Niterói (RJ): EDFF; Brasília: INL, 1986); “Irmão X, meu pai”, de Humberto de Campos Filho (São Paulo: Lumen Editorial, 1997); “Humberto de Campos, evocação de uma vida”, de Amparo Coêlho (São Luís, 2005); e “A crônica e seus diferentes estilos em Humberto de Campos”, de Roberta Scheibe (Imperatriz: Ética, 2008).

Os cursos de Letras, no Maranhão, deveriam incentivar a elaboração de monografias a respeito de Humberto de Campos, para manter vivo o interesse pelo poeta e cronista de Miritiba.

Por homenagear nosso grande escritor esquecido, por ter tido a sensibilidade de prestar tamanho serviço à cultura e às letras maranhenses, o Instituto Geia merece nossos aplausos e incentivos. Os admiradores de Humberto de Campos agradecem, e o Maranhão parabeniza o Geia.

(*) Publicado no jornal O Estado do Maranhão, Caderno Alternativo, em 27/08/2009. O autor é desembargador do TJ-MA, escritor e membro da Academia Maranhense de Letras.

(**) Nas próximas semanas escreverei uma crônica sobre as circunstâncias que me levaram a localizar a vertente crônica na internet.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

4 SONETOS DE ALCENOR CANDEIRA FILHO

Alcenor, em charge de Fernando Castro


         1. SONETO DOS VINTE ANOS

          aos vinte anos, deslumbrado, e sem jeito, 
          pensando em prova, - na Filosofia
          o calouro mergulha de direito.
          das maçantes lições de Axiologia,

          de que não colhe o mínimo proveito,
          vai, no pé sem freio, à Ontologia,
          que o deixa mais ainda  contrafeito.
          nesse vaivém, - vem a Gnoseologia

          com as mesmas sempre celebridades
          John Locke, Max Scheler, Emanuel Kant
           Heidegger, Descartes... na madrugada,

          perto do sol, o tédio a alma lhe invade...
          dos livros se livra, pondo-os na estante,
          e  mergulha em versos pra ausente amada.



         2.  SONETO DOS QUARENTA ANOS

          mergulho nos quarenta anos de idade
          como um lobo raivoso e descontente.
          que auroras de porvir se agora outroras
          do instante estão de fora tão presente!

          mergulho nos quarenta anos de idade
          absorto no pretérito distante
          onde no fluido que reduz o alcance
          já não reluzem mitos como antes.

          mergulho nos quarenta anos de idade
          certo de que quarenta anos morri
          e nessa morte, que é da vida o gosto,


          mergulho, aos quarenta anos de idade, 
          tostado pelo sol, me protegendo,
          de sol em sol, da sombra do sol-posto


         3.  SONETO DOS SESSENTA ANOS

          de planeta terra nos sessenta anos
          mergulho com orgulho de quem ama
          e releva a contradição de tudo
          que menos diz talvez que a voz de mudo.

          todo o passado, - passos de saudades;
          e do raivoso lobo dos quarenta
          (lembrado em "Soneto  dos Quarenta Anos")
          sobrou o que contente sobrevive.

          a cada nova idade, - a arte dos cortes
          (isso aprende-se da teoria fora):
          co'a arma dourada do perdão erguida,

          cortar a dor dos assassinos tiros;
          cortar do galho a fresca rosa branca
          qual quem corta bolo de  aniversário.


          4.  SONETO DOS SETENTA ANOS

                    a partir de agora
                    aos setenta de idade
                    primeiro dia de
                    aposentado pleno
                    sem agenda e hora
                    que ainda valham a pena
                    hei de mostrar hora a hora
                    ser plenamente pleno
                    na imperfeição d'outrora:
                    em volta ouvido e voz
                    noite tarde manhã
                    de gente ímã e irmã
                                além d'horas ao léu
                                co'a pena no papel. 

quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

HISTÓRIAS DE ÉVORA - Capítulo XXXVIII

Fonte: Google

HISTÓRIAS DE ÉVORA

Este romance será publicado neste sítio internético de forma seriada (semanalmente), à medida que os capítulos forem sendo escritos.


Capítulo XXXVIII
         
         Epílogo

         Elmar Carvalho

        Com a continuação do namoro, Marcos e Lívia puderam se conhecer melhor, em suas qualidades positivas e defeitos. Sentiam a falta um do outro, e não perdiam a oportunidade de estar juntos. Mesmo em seus silêncios, o rapaz sentia que a moça o compreendia, como nenhuma mulher antes o compreendera.


Passou a lhe frequentar a residência, e observou quão ela era boa irmã e excelente filha, afetiva e atenciosa. Na verdade, formavam uma exemplar família de classe média, muito bem constituída. Seus pais eram unidos, e nunca os viu discutindo, ou um levantando a voz além do estritamente necessário.

Não demorou a compreender que Lívia era a sua “cara metade”, e que parecia feita para ser a sua esposa. Não tinha nenhuma dúvida, era Lívia a sua mulher ideal, conquanto a notasse levemente possessiva e um tantinho ciumenta. Mas esses eram pecadilhos quase virtudes, e a seu ver facilmente perdoáveis. Na verdade, isso quase lhe proporcionava certo júbilo.

No começo do ano, quando fizera 33 anos de idade, ainda com aparência jovem em seu início de maturidade, Marcos combinou o casamento com Lívia para o final de maio, o mês das noivas, embora não tenham formalmente firmado esse compromisso, com trocas de aliança e tudo mais que a praxe recomendava.

Sabia que sua vida mudaria bastante, e que a sua liberdade minguaria, pois Lívia lhe merecia todo respeito, atenção e carinho. Mesmo porque, disso tinha plena consciência, as relações afetivas, sobretudo as conjugais, eram feitas de trocas e correspondências, e se ele desejava esse tratamento, deveria de igual forma tratá-la.

Por isso mesmo, no final de semana que antecedera o de seu casamento, resolveu ir a Évora, para comemorar a sua despedida de solteiro, o seu bota-fora da condição de homem livre, sem freios e peias conjugais. Cauteloso, para não criar nenhum problema antes de seu casório, convidou-a a ir em sua companhia. Mas ela, mulher sábia, ouviu os conselhos da mãe, e o deixou partir sozinho, pois reconhecia que aquele deveria ser um momento só dele e de seus amigos, contanto que não houvesse nenhuma sirigaita pelo meio.

Preparou uma trilha sonora de sua despedida de solteiro, gravada com esmero na melhor fita K7 da época, e seguiu a ouvi-la no toca-fitas de seu Monza prateado. Ao chegar em Évora, um pouco depois do meio-dia daquele sábado, percebeu que a sua despedida seria a de um homem só; a sua despedida seria de si mesmo, ou melhor, da vida livre, leve, solta, sem amarras e cabrestos, que levara até então. Mas sabia que o casamento tinha lá as suas vantagens, senão ninguém casaria, lógico.

Mário Cunha já se tornara carioca há um bom tempo, Fabrício viajara em inspeção a uma de suas lojas e Maurício Vanderley fora passar o final de semana em sua fazenda na Serra do Cachimbo. Marcos, conquanto se policiasse, não pôde deixar de lembrar, com saudade, de Ester, prima do amigo, linda serrana, de estelares olhos azuis, que nunca mais reviu e jamais voltaria a rever.

Resolveu fazer o seu périplo nostálgico, elegíaco, poético, patético e sentimental sozinho. Foi iniciá-lo no Recanto da Saudade, à beira do Paraguaçu. O comandante Augusto se mostrou muito feliz e honrado com a sua visita, e incontinenti lhe trouxe um copo americano gelado e uma cerveja “empoada”, ou “véu de noiva” ou “pescoço de águia americana”; ou, para resumir, gelada até o ponto ideal.

Augusto, já de posse de sua flanela vermelha, para limpar os seus discos de Vinil, pelos quais nutria um ciúme doentio, perguntou a Marcos qual a música que ele gostaria de ouvir, tendo este respondido:
– Por favor, caro amigo Augusto, peço que ponha para tocar o Juramento de Playboy, de Carlos Gonzaga. E, se possível, desde que não aborreça os seus outros fregueses, repita essa música duas vezes, pois estou me despedindo de minha vida de solteiro... No próximo sábado, passarei a ser um homem sério, ou seja, enforcado ou algemado pelo casamento.

Ambos sorriram, e em pouco tempo se ouvia, na bela e inconfundível voz de Carlos Gonzaga:

Eu jurei fazer de tudo pelo nosso amor
Eu jurei deixar a minha vida de playboy
Eu jurei trocar meu pé de bode por um Volks
E as calças justas por um terno de senhor (...)

Quando Marcos foi pagar as duas cervejas que tomara, dom Augusto pediu:
– Por favor, deixe, desta feita, que este pobre dono de bar e garçom pague a conta por você.  

Os dois se abraçaram, e Marcos, após contemplar as águas morosas e amorosas do Paraguaçu, nas quais banhara vezes sem conta, partiu, em seu carro, ouvindo sua exímia trilha sonora, para o centro histórico da cidade, que fora recentemente tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN. Tinha certo orgulho de haver contribuído, com seus artigos e crônicas para que isso tenha acontecido. Participou da comitiva de artistas e intelectuais que entregara fundamentado e circunstanciado memorial, por ele redigido, à diretora desse órgão no estado.

Foi até a Praça Lucas Mendes Furtado, para abraçar o amigo Louro, sempre muito simpático em sua frequentada banca de revistas e jornais. Mais uma vez lamentou que um alcaide, “prefeito jumento e jumento perfeito”, como vociferou notável poeta satírico, a tenha destruído, e reconstruído em linhas modernosas, tão diferentes do traçado belo e elegante, que lhe marcara a infância, a adolescência e a juventude.

Quanta saudade sentia da velha praça, dos momentos que ali passara. Lembrança das quermesses, dos volteios, das primeiras namoradas, dos primeiros amores tão cheios de mágoas... Quem lhe traria de volta o belo e velho coreto e a sua linda cúpula? Quem lhe traria de volta a saudosa pérgula, em cujo tanque sinuoso os peixes e a tartaruga nadavam, provocando-lhe tanto encantamento em seu tempo de criança? E o odorífero caramanchão, em cuja sombra aconchegante estivera algumas vezes, a abraçar e beijar, com muita ternura, a inesquecível namorada de sua perdida inocência?

Tudo, como no filme, o tempo levara, menos em sua memória, “lâmina de desassossego / cornucópia insana insaciável / a jorrar o passado / que não morre nunca / sempre ressuscitado / no eterno regresso / a nós mesmo”. Olhou em volta da praça. Alguns casarões foram demolidos, por ignorância dos donos ou por apego aos metais.

Pensou nos amigos de outrora e do futebol. Alguns partiram para lugares distantes, em busca de melhores dias, iludidos, muitas vezes, por falsas promessas e acenos enganosos de sereias. E os amigos mortos, que nos acompanham cada vez mais vivos? Amigo, como diz a canção, é coisa para se guardar, no lado esquerdo do peito.

Reviu o prédio onde funcionara o Évora Clube. Lembrou as tertúlias dançantes e as gatinhas de sua época, jovens, belas e felizes. Hoje, tudo era apenas saudade. Saudade de uma época morta, que não mais existiria, em que fora tão emotivo e tão sentimental. A matriz ainda se mantinha bela e imponente, e isso lhe trouxe mais recordações. Seguiu a pé para a Zona Planetária, que ficava bem ali, a dois quarteirões apenas.

Teve um choque. Era o início do pôr-do-sol; as nuvens já se mostravam avermelhadas e a melancolia já se lhe infiltrava na alma, quando viu   que vários casarões ou “planetas” haviam caído. Um passante lhe informou que a velha zona meretrícia tombara durante uma chuva torrencial, um verdadeiro dilúvio que desabara sobre Évora, dois dias atrás. Não bastasse o aguaceiro, uma violenta ventania açoitou a cidade, fustigando de forma impiedosa as velhas casas do lupanar.

Marcos não teve como não lembrar os versos iniciais de A Zona Planetária:

Anfion percorre os sulcos
dos discos das vitrolas e as
emoções são alinhadas pedra a pedra.
Apolo é qualquer moço feio
que nos vitrais Narciso se julga.
(...)
Nas calçadas altas da Zona Planetária
meretrizes expõem suas carnes
em varais de açougues imaginários
aos transeuntes ou faunos eventuais

Ao olhar aqueles escombros, ao andar pelas ruínas das telhas e dos frágeis adobes dos velhos cabarés, onde andara muitas vezes em sua ardente adolescência, sentiu-se o rapaz o próprio Jeremias, da evocação do poema Saudade, de Raimundo Correia:

 Tudo passou! Mas dessas arcarias
Negras, e desses torreões medonhos,
Alguém se assenta sobre as lájeas frias;

Em torno os olhos úmidos, tristonhos,
Espraia, e chora, como Jeremias,
Sobre a Jerusalém de tantos sonhos!...

Marcos Azevedo parecia ouvir os acordes vívidos, vibrantes e, contudo, melancólicos da marcha turca Ruínas de Atenas, do inigualável Beethoven, que não fazia parte de sua trilha temática. Sentiu então, como jamais sentira antes e como jamais sentiria depois, o pungir agridoce da saudade. Pressentiu que a sua vida e a de Évora tomariam novos rumos.

Os punhais de seda da saudade lhe golpearam as entranhas mais profundas de sua alma. Punhais de seda, sim, macios sim, mas que feriam, como um néctar venenoso – doce, inebriante e letal.

terça-feira, 24 de janeiro de 2017

O plano editorial da APL

O plano editorial da APL

Reginaldo Miranda
Escritor e historiador

O plano editorial da APL
              Em sua trajetória quase secular, a Academia Piauiense de Letras tem cumprido fielmente com seus objetivos, entre esses a promoção e desenvolvimento da literatura piauiense. Sem sombra de dúvidas, é a instituição que mais tem editado livros no Piauí. Para isso tem buscado a cooperação de diversos parceiros, estimulando-os nesse objetivo, a exemplo do Governo do Estado, Prefeitura de Teresina, Universidade Federal do Piauí, Senado Federal, Banco do Nordeste e Banco do Brasil, entre outros.
Ainda há pouco concluímos a reedição, em parceria com a FUNDAC, de nove obras fundamentais para a compreensão da realidade piauiense, iniciadas ainda na gestão do ex-presidente Manfredi Cerqueira. Trata-se da Coleção Grandes Textos, composta pelas seguintes obras: Piauí Colonial, de Luiz Mott; Descrição do Sertão do Piauí, do Pe. Miguel de Carvalho; Etnohistória Indígena Piauiense, de João Gabriel Baptista; Lira Sertaneja, de Hermínio Castelo Branco; Nas Ribas do Gurguéia, de Artur Passos; Chão de Meu Deus, de Fontes Ibiapina; A Tragédia Ocular de Machado de Assis, de Hermínio Conde; Vaqueiro e Visconde, de José Expedito Rego; e, Cronologia Histórica do Piauí(vol II), de Pereira da Costa.
Como resultado de um convênio celebrado com o Senado Federal, lançaremos nos próximos dias o livro As Ideias no Tempo, do Prof. Cunha e Silva Filho. Para o próximo ano, por esse convênio, serão publicadas as seguintes obras: Memórias: traços autobiográficos, de Higino Cunha; Autos de Devassa da Morte dos Índios Gueguês, de Reginaldo Miranda; e, Estudos de História do Piauí(reunião de quatro monografias em um só volume), do historiador Odilon Nunes.
Também, desejamos publicar durante o ano próximo vindouro oito edições da Revista da Academia Piauiense de Letras, reunindo estudos de história e literatura, por diversos autores. Essas sucessivas edições vêm resgatar uma dívida da Academia para com a sociedade piauiense.
É também nosso desejo lançar a Coleção Centenário, como parte das comemorações alusivas ao primeiro centenário de fundação da Academia Piauiense de Letras, que ocorrerá em dezembro de 2017. Para isso buscaremos apoio no setor público e na iniciativa privada. Essa coleção visa publicar obras de importância para a compreensão da realidade piauiense. Certamente, se encontrarmos apoio no seio da sociedade piauiense, que ora conclamamos, iremos implementar o mais ousado plano editorial que já teve o Piauí, editando livros novos e reeditando as principais obras de Abdias Neves, Anísio Brito, Odilon Nunes, Monsenhor Chaves, Padre Cláudio Melo, Wilson Brandão, Pereira da Costa, Alencastre, Carlos Eugênio Porto, Francisco de Assis Iglésias, Agenor Miranda, Clodoaldo Freitas, Higino Cunha, Celso Pinheiro, Da Costa e Silva, e tantos outros que têm enfocado os diferentes aspectos da realidade piauiense. A ideia está lançada. Que se habilitem os parceiros.

* Artigo publicado no jornal Meio Norte, 21.1.2011, pelo então presidente da Academia Piauiense de Letras, Reginaldo Miranda.
** Fotografia oficial dos dez fundadores da Academia `Piauiense de Letras, tirada em 30.12.1917.  

segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Os Ciganos no Curador


Os Ciganos no Curador

José Pedro Araújo
Escritor, romancista e cronista

Situado em uma encruzilhada rodoviária, o Curador sempre foi corredor de passagem para quem transita para muitas partes do estado maranhense. Isso desde quando as rodovias eram somente longilíneos riscos na mata cerrada, caminhos para tropas de burro ou, no máximo, para carros-de-boi. E em meio às tropeadas, também passavam por aqui os ciganos. Geralmente, componentes daqueles grupos paupérrimos e esfarrapados vivam eles do que ganhavam as mulheres com a leitura da sorte dos nativos, mas, e principalmente, dos negócios que efetuavam com a troca de animais. Cláusula pétrea do escambo: só realizavam o negócio se houvesse uma torna em seu favor. Pois era dali que retiravam o sustento.

Quando menino fui testemunha dos muitos grupos de miseráveis e maltrapilhos ciganos que acampavam na entrada da cidade, ao relento, ao mais das vezes sob a copa de árvores. E vinham eles precedidos de má fama. Diziam-se que roubavam crianças, e aí as donas de casa ficavam alerta e apertavam o cerco aos filhos ainda pequenos. Depois, diziam-se que roubavam tudo que se achasse à altura das mãos e por onde passavam. Talvez haja grande excesso de preconceito nessas afirmações, mas, o certo é que eles formavam uma trupe amedrontadora, sobretudo quando cruzavam com outro grupo adversário. Aí a possibilidade de haver confronto era grande, pois sempre haviam rixas a serem resolvidas. E não foram poucas as vezes que do embate alguns cadáveres restaram caídos no pó das estradas.

Para nós, pré-adolescentes, havia outra fama a ser conferida. Dizia-se à boca pequena que as meninas ciganas faziam a sua iniciação sexual ainda bem jovens, e que se ofereciam a troco de qualquer presente. Bem, nunca constatei isso. Mas alguns colegas contavam - de ouvir dizer, é certo - que o fulano de tal havia espalhado que havia se envolvido com uma ciganinha simpática e oferecida nas margens de um riacho em Tuntum quando o seu grupo de viandantes passou por aquela cidade.

Mas não existem apenas bandos de ciganos maltrapilhos. Existem aqueles grupos mais ricos, que transitam em uma frota de veículos automotores, alguns deles em carros de última geração. Estes, acomodam-se também em tendas de grande estilo, lindas de se ver, algumas tão grandes que possuem até mesmo divisórias internas e alpendre. Do mesmo modo, existem ciganos ricos e semissedentários, que desenvolvem atividades lucrativas e possuem endereços fixos. A história antiga já apontava que em bairros do Rio de Janeiro como o da Saúde, Gamboa e Santo Cristo, por exemplo, moravam muitas famílias ciganas. E ainda hoje existem muitos deles abastados e que residem na cidade, como de resto em muitas outras pelo Brasil afora.

Mas eu quero aqui me reportar a um grupo nômade que transitiva por esse Brasil imenso com conforto e a bordo de uma moderna frota de veículos. Isso se deu lá pelo fim dos anos sessenta, quando eu ainda residia permanentemente na cidade. Naquele tempo a parte de baixo da Praça do Mercado era um grande vazio e local em que os circos se estabeleciam. Foi lá também que a comitiva de ciganos bem postados na vida ergueu as suas tendas vistosas e coloridas. Logo viraram atração pública. Eu, que na época cursava o ginásio no Colégio Presidente Dutra, a poucos passos dali, também matava a minha curiosidade todos os dias em visitas àquele local. Mas havia outra razão para sempre passar por lá. E isso podia acontecer no horário de ir para o colégio, à noite, mas também em outras horas do dia. A razão da minha atração era um par de moças, das mais lindas que eu havia visto até então. Até parecia que a Gigliola Cinquetti, a Marilyn Monroe, ou mesmo a Audrey Hapburn haviam desembarcado na cidade.

A trupe era composta por ciganos legítimos, daqueles originários de países como a Hungria ou a Bulgária, a julgar pelo aspecto dos homens, dos trajes excêntricos e da fala com forte sotaque estrangeiro. E as duas princesas eram filhas do chefe daquele grupo que negociava com produtos à base de cobre, joias e semijoias finas. Era dali que eles tiravam o sustento. Mas as mulheres também faziam a leitura das mãos, praticavam a dadomancia ou jogavam runas e ganhavam o próprio dinheirinho, como já é praxe no meio em que vivem. E como se tratasse de mulheres finas, bem vestidas e perfumadas, não precisavam sair pela rua em busca de clientes. Permaneciam nas tendas e recebiam uma vasta clientela interessada em conhecer o seu futuro, mas também em matar a curiosidade de conhecer in loco a razão de tanta euforia na cidade.

As duas moças, como já falei, eram lindas de viver. E apesar de irmãs, uma era bem alva, olhos claros, e a outra possuía a pela amorenada, cabelos bem escuros e olhos amendoados. Não dava para saber qual era a mais bonita. Ou melhor, dava. E isso por uma razão simples: o galã da cidade, Remy Soares, fez a corte a mais alva. E dizem que chegou a namorar com ela. Remy era também um rapaz bonito, rico, e muito articulado, que veio depois a ser um dos maiores líderes políticos da terra, sobre quem já escrevi um longo texto e o publiquei aqui nesse espaço. E em sendo assim, a inveja que se abateu sobre todos nós transformou a sua escolhida na mais bonita das duas moças. A disputa foi resolvida simplesmente assim. A mais alva era a mais bonita. Pronto.

E então, as histórias mais criativas começaram a circular pela cidade. Algumas pessoas mais bem informadas afirmavam que as duas moças, juntamente com os pais, foram recebidos pelo casal Salomão Soares e dona Zilda Soares em um lauto jantar na sua bela e confortável residência. O casal de anfitriões era considerado o mais rico da cidade, e a casa de morada que habitavam a mais chique daquele tempo. Daí ter sido assunto mais que tratado nas rodas de conversa. Afirmam também que a eleita pelo jovem conterrâneo recebera de presente uma moderna vitrola (chamávamos radiola). Afirmavam, por fim, que o galã ficou muito triste quando as moças se foram, e que chegara até a propor uma relação mais firme com a sua eleita. Mas, fora alertado que quem se unia a um dos membros daquela família teria que seguir com o grupo, morar com eles e viver da mesma forma que eles. E isso fez com que o rapaz refluísse do seu propósito. Mesmo com grande tristeza instalada no coração.

Bem, deixando para lá essas divagações, posso afirmar mais uma vez que as moças eram de incomparável beleza, altas, esguias, e se apresentavam sempre belas e perfumadas, vestindo-se com aqueles característicos trajes que somente víamos nas telas de cinema: vestimentas com muitos adereços dourados e sapatos belos e encimados por fivelas também douradas. É tudo o que eu me lembro agora, decorridos tantos anos. Deixaram saudade quando foram-se embora. E para uma cidadezinha sem grandes novidades, deixaram um vazio no largo do mercado, até que o próximo circo ali veio se estabelecer e trouxe as suas artistas para alegrar o público saudoso.

Agora, contudo, estávamos mais exigentes quanto à beleza e a elegância das nossas musas. Não seria qualquer trapezista ou partner de palhaço que iria cair no nosso gosto. Não! Teria que ser bela, vestir-se elegantemente e despejar simpatia a mãos cheias como fizeram as duas ciganas mais belas que o sol do Curador já banhou com seus raios luminosos. Se existiam outras moças naquele grupo? Existiam, sim. Muitas outras, até certo ponto belas também, mas não me recordo de nenhuma delas.

domingo, 22 de janeiro de 2017

Seleta Piauiense - Paulo Véras


Traços noturnos

Paulo Véras (1953 – 1983)

quintal amargando
abrigando velhas fruteiras
sombras, verdes, enormes

morcegos em voos rasantes

frutas se despencando maduras
mordidas, nuas

mormaço arfando
nos troncos calosos

vozes mornas na cozinha

varal vestido de peças várias
mangas, golas, bolsos, laços

pedaços de conversa
na lata de lixo

restos de olhos verdes do gato
na água escura do prato.


(Poemágico – a nova alquimia, 1985)

sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

SÃO SEBASTIÃO: PADROEIRO DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO



SÃO SEBASTIÃO: PADROEIRO DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO

Cunha e Silva Filho

Salve, Sebastião, hoje no seu dia, que e feriado na Cidade Maravilhosa de São Sebastião. Salvai o Rio de Janeiro! Salve! Protegei a nossa cidade tão necessitada de vossa ajuda, de vosso cuidado, de vossa força. São Sebastião, não só salvai a cidade, os cariocas e todos os que por passem po essa cidade como visitantes, turistas, nacionais ou estrangeiros.


Salvai o Estado do Rio de Janeiro, os fluminenses, os emigrantes, os imigrantes, os refugiados, os que aqui se estabeleceram e ficaram para sempre. Salve São Sebastião! Salvai todos os que têm o Rio de Janeiro no coração!


Ó Sebastião, tende piedade de nós que atravessamos crises diversas em quase todos os setores do governo estadual principalmente. Ó São Sebastião, livrai a nossa cidade dos malfeitores, dos maus políticos, dos que querem afundar o Rio de Janeiro por causa de sua ganância, de sua falta de dignidade e respeito à população. Salve São Sebastião!


Ó São Sebastião, não permitais que os oportunistas, os demagogos, os parasitas do Estado do Rio de Janeiro conspurquem o bom nome sua capital ainda desfruta junto à comunidade mundial Salve São Sebastião!


Ó São Sebastião, afastai todas as mazelas morais, políticas, financeiras que só têm infernizado os habitantes dessa excelsa cidade e deste Estado amado” 


Sei, São Sebastião, que hoje, no seu dia tão esperado e digno de tantas honrarias, haveis de olhar pelo aflições por que passamos todos os que convivemos sob a sua proteção e as suas energias.


Não só olheis para o Rio da Zona Sul, a área da Barra da Tijuca, do Recreio dos Bandeirantes mais bem cuidados e servidos, mais cantado em prosa e verso por seus cronistas, poetas e letristas. Olhai também e com o mesmo desvelo para a Zona Norte, para os subúrbios ( muitas vezes esquecidos), para as periferias, para as comunidades sofridas e humilhadas. Olhai pela nossa saúde, nossa moradia, nosso transporte, nossa educação, nosso lazer, Livrai de nós os violentos, os criminosos, os homens maus. Desterrai para bem longe os traficantes, curai os drogados, olhai pelas nossa crianças, sobretudo pelas mais carentes.


Não permitais que os malfeitores nos espreitem e nos matem nas ruas, nos parques, nas praças, nos restaurantes, nas lojas, nos shoppings, nos locais mais humildes. 


Devolvei à nossa cidade e ao nosso Estado a paz, a tranquilidade, a alegria antiga dos cariocas s e dos fluminenses.


Olhai também para os defeitos que o Rio apresenta: lixos derramados pelas exalados por excrementos de cachorros e dos humanos desalmados, o mau-cheiro de alguns lugares, os esgotos e ralos entupidos, calçadas maltratadas, os prédios pichados, os monumentos, estátuas, hermas, vítimas de vândalos, tal como já fizeram com as estátuas do poeta Carlos Drummond de Andrade, com a do compositor Noel Rosa e de outros nomes ilustres . 


São Sebastião, bem que podeis dar uma mãozinha em todos esses defeitos que o Rio de Janeiro ainda mantém. No tempo de Machado de Assis, ele já dizia: “Os cariocas somos pouco dados ao jardins públicos.” Ainda vale essa crítica do fino escritor carioca, visto que praças existem que nos envergonham pelo pouco zelo com que o povo e o próprio governo municipal as tratam.


Salve São Sebastião! Salvai-nos das agruras do Rio de Janeiro, livrai-nos de todos os males da terra e do espírito. Dai-nos governantes responsáveis, competentes, amigos da cidade e do seu Estado, homens íntegros, probos que possam gerenciar nossa cidade e nosso Estado em benefício da população. Livra o Rio de Janeiro, a cidade e o Estado dos seus inimigos. 


Tende piedade de nossa cidade e do nosso Estado. Queremos que o Rio de Janeiro “continue lindo de braços abertos (como na belíssima escultura de Cristo situada no Corcovado) para todos os que aqui nos venham visitar, conhecer nossas maravilhas, nosso s encantos, nosso charme, nosso charme, nossos lugares paradisíacos, nosso espírito brincalhão, galhofeiro, nosso um tanto abalado bom humor, nossas gírias, nosso “s” medial ou final chiado que encanta e até é imitado por nordestinos ao voltarem para a terra natal e se passarem por cariocas.


Salve São Sebastião! Defendei seus devotos e não devotos, i.e., todos os que sonham com um Rio de Janeiro dos idos tempos melhores e mais serenos!


Enfim, para concluir esta crônica me valho para estancar o desespero da cidade e do Estado do Rio de Janeiro, neste dia do padroeiro, a estrofe inicial do poema “Rio de Janeiro, extraído da obra Estrela da tarde (1960) de Manuel Bandeira, outro artista apaixonado pelo Rio de Janeiro: Louvo o Padre, louvo o Filho/E louvo o Espírito Santo./Louvado Deus, louvo o santo/De quem este Rio é filho./Louvo o santo padroeiro/___Bravo São Sebastião__/


Que num dia de janeiro/Lhe deu santa defensão.


Salve São Sebastião! O Rio de Janeiro salvai! Meu São Sebastião, tende misericórdia dos males que afligem tanto o Rio de Janeiro, cidade e Estado que não merecem todas as aperturas financeiras vividas agora pelos funcionários estaduais vítimas dos desatinos e da rapinagem de, pelo menos, últimos governantes. Ó São Sebastião, por favor, não esqueçais de nós, habitantes castigados pelos que decerto não amam esta cidade “de encantos mil”. Salve, Salve nosso padroeiro! Salvai-nos!