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Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva, pioneiro da literatura piauiense.
O primeiro piauiense a
incursionar no campo da poesia foi Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva. Nascido
em 1786, na vila de S. João da Parnaíba, hoje cidade de Parnaíba, no norte do
Estado, era filho de Antonio Saraiva de Carvalho e Margarida Rosa da Silva.
Apenas completada a idade de seis anos, o que remete ao ano de 1792, os pais
lhe mandaram estudar em Portugal, certamente morando na casa de familiares. É
que o Piauí ainda não contava com escolas. Sobre esse prematuro afastamento do
lar paterno, longe das brincadeiras entre amigos e dos afagos maternos, assim
como a sofrida travessia do Oceano, aos dezoito anos de idade ele vai recordar:
“Passaram três lustros e mais três anos/Que à estância dos mortais volvi do
nada;/Mas bem que ainda não seja adiantada/Minha idade, sofrido hei já mil
danos;//Além dos torvos mares desumanos,/Recebi dos meus pais a vida ervada;/E contando
anos seis à Pátria Amada/Arrancaram-me os pais com vis enganos”. Vê-se nesse
soneto um traço de revolta pelo afastamento da “Pátria Amada” ainda em tenra
idade, o que marcou profundamente a sua personalidade. Assim, parece injusta a
crítica de que só tinha de piauiense a origem do nascimento. A verdade é que
embora gostasse da sua terra, sua formação se dera toda em Portugal.
Em 29 de outubro de 1805,
ingressa no curso de Leis da Universidade de Coimbra, onde se forma em 15 de
junho de 1810. Segundo alguns relatos, por esse tempo passa a morar,
sucessivamente, no Arco da Traição, n.º 13 e nos Palácios Confusos, n.º 7 e 65,
designações singelas de repúblicas de jovens universitários. Tentando definir
esse ambiente dissoluto assim informa o historiógrafo João Pinheiro: “Os
Palácios Confusos eram um manancial de onde, do bairro alto, rolavam as
catadupas da troça à cidade baixa, para a Ponte, para o Sansão e para Sophia. O
acadêmico estróina, o faceiro, o arruador, o díscolo, o cábula, o poeta guloso
e bêbado do outeiro, o perturbador do seráfico sossego dos mosteiros de Chellas
e de Sant’ana, arruavam-se nos Palácios Confusos. Da malta de facínoras,
chamada de Carqueja, o maior número dos sócios foi dali para o degredo e para a
forca. O Ovídio brasileiro compreendia a natureza, como ela especialmente se
exibia nos Palácios Confusos. Tangia a viola e compunha as letras de suas
cantigas, que ainda vivem e gemem no primeiro livro dos seus versos”
(Literatura Piauiense – escorço histórico, 1994:15). É desse tempo de
convivência entre a Universidade e essa malta de boêmios que publica seu
primeiro livro Poemas, em 1808. No mesmo período Portugal foi invadido pelas
tropas francesas de Napoleão Bonaparte, obrigando fugirem para o Brasil o
Príncipe Regente, toda a família real e os demais graúdos da Corte. A apreensão
era grande, os pais no distante Piauí se preocupavam com a sorte do filho que
persistiu até a conclusão do curso. E mesmo esse ambiente incerto não impediu o
casamento do estudante piauiense.
Dessa forma, formado em Leis e
casado, pleiteia passaporte para retornar ao Piauí com a jovem esposa, “em face
da repentina invasão do inimigo” francês. Esse passaporte para a viagem foi
expedido em nove de outubro de 1810, o descrevendo como “de estatura ordinária,
de idade de vinte e quatro anos, rosto redondo e pálido, olhos pardos, (e)
nariz regular”. Traz a Informação de que o titular “intenta passar para a
cidade do Maranhão na companhia de sua mulher Dona Umbelina Joana Almadamim,
para se transportarem para o Piauí”. Retornava, assim, à terra natal depois de
quase vinte anos ausente. Vinha rever os pais e apresentar-lhes a esposa. Era,
ao que tudo indica, o segundo bacharel piauiense. Nos autos cíveis para a
justificação de passaporte foram ouvidas em Coimbra quatro testemunhas:
Jerônimo Luís da Silva, solteiro, 27 anos, bacharel em Leis, residente na Rua
dos Sapateiros; José Francisco de Medeiros, solteiro, 28 anos, bacharel em
Leis, residente na Rua dos Douradores, freguesia de S. Nicolau; Manoel Francisco
de Medeiros, solteiro, 18 anos, estudante do curso de Leis da Universidade de
Coimbra, residente na mesma Rua dos Douradores; e consta, também, um atestado
de sua naturalidade, casamento e intenção de retornar ao Piauí firmado por
Joaquim Félix de Menezes, Feliciano Nogueira e o padre José Maria de Sousa
Lima, capelão da Brigada Real da Marinha. Todavia, o poeta se declara batizado
na freguesia de N. Sra. do Rosário, da dita vila de Parnaíba, em evidente
equívoco. É que ao tempo de seu batizado não existia freguesia em Parnaíba,
pertencendo esta à freguesia de N. Sra. do Carmo de Piracuruca.
Ao contrário do que muitos
apregoam, nos parece que Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva, não trazia muitas
saudades de Portugal, onde fora criado longe do aconchego familiar. Os temas
ligados à Corte de que trata em sua obra são em face de sua formação toda ela
transcorrendo em Portugal, sob a influência de Bocage. Os cantos de seu
primeiro livro são as impressões de um jovem estudante de dezoito anos de
idade, cujos últimos dois terços da existência se dera longe da terra natal. Os
temas abordados, assim como os oferecimentos às autoridades representam a
tentativa vã de um jovem bacharel da Colônia para angariar boa colocação na
Corte, frustrada com a mudança de rumos na política européia. Consta que depois
de seu regresso não mais retornou a Portugal, fazendo toda a sua carreira
profissional no Brasil. Também, demonstrando afeto com a “Pátria Amada” soube
cantar: “Os bronzes da tirania/já no Brasil não rouquejam./Os monstros que os
escravizam/já entre nós não vicejam”; “Amanheceu finalmente/a liberdade no Brasil/Ah!
Não desça à sepultura/o dia sete de abril”. Em 1821, embora eleito
representante do Piauí junto às Cortes Constituintes de Lisboa, não aceita o
mandato porque se encontrava radicado no Brasil, sendo substituído pelo padre
Domingos da Conceição, que se encontrava no reino. De fato, preferia a vida em
seu jovem País. Em 1812, é nomeado juiz de fora da comarca de Mariana, em Minas
Gerais, de onde passou para a comarca de N. Sra. do Desterro, atual
Florianópolis(SC). Mais tarde, assumiu o cargo de desembargador da Relação do
Rio de Janeiro, onde se aposentou. Faleceu na cidade de Piraí (RJ), em 11 de
janeiro de 1852.
Conforme dissemos, o poeta Ovídio
Saraiva estreou em livro aos dezoito anos de idade com Poemas (1808).
Participando ativamente das manifestações patrióticas estudantis que rechaçavam
a invasão francesa, publicou: Ode pindárica e congratulatória ao Príncipe, à
Pátria e à Academia pela restauração do Governo Legítimo (Coimbra, 1808);
Narração das marchas feitas pelo corpo acadêmico, desde 21 de março, quando
saiu de Coimbra, até 12 de maio, sua entrada no Porto(Coimbra, 1809) e Os
sucessos da restauração do Porto (Coimbra, 1812). De retorno ao Brasil,
publicou: O patriotismo acadêmico (Rio de Janeiro, 1812); O pranto americano
(Rio de Janeiro, 1812); O amigo do rei e da nação (Rio de Janeiro, 1821); As
saudosas cinzas do Sr. João de Castro Mello, Visconde de Castro (1821);
Considerações sobre a legislação civil e criminal do Império do Brasil (Rio de
Janeiro, 1837); Heroídes de Olímpia e Herculano (Rio de Janeiro, 1840); Defesa
de João Guilherme Ratcliff, caso rumoroso que lhe deu notoriedade e associou
seu nome ao movimento nativista, ao defender esse português descendente de
poloneses, que se envolveu na Confederação do Equador(1824); é, também, autor
de uma letra do hino “Ao grande e heróico sete de abril” (1831), considerada
fraca, embora musicada por Francisco Manuel da Silva(1795 – 1865).
No entanto, a importância da obra
literária de Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva para a literatura piauiense é
meramente cronológica, em face de ser considerada fraca e não representar
temas, costumes e modus vivendi local. Citando Ronald de Carvalho, afirma João
Pinheiro, que esse poeta era “entusiasta admirador de Bocage, filiou-se aos
Elmanistas, entre os quais muito se distinguiu por diversos trabalhos em que,
como quase todos os congêneres da época, sentia-se ainda o influxo dos árcades
portugueses”. Para Herculano Moraes, historiador da literatura piauiense, o
livro “Poemas é um vasto conjunto de versos da corrente elmanista” com “nítida
influência de Bocage, notadamente na construção do soneto, rigorosamente
decassílabo”. Acrescenta que a poética desse autor é marcada por temáticas de
expressões simbolistas, falando de sofrimento, desengano, desgraça, morte,
tristeza, solidão, tortura, desespero, langor e outras expressões
sinônimas(Visão histórica da literatura piauiense. 4ª ed. Teresina, 1997). É a
mesma opinião do crítico literário Francisco Miguel de Moura: “A estética de
Ovídio Saraiva era portuguesa, demonstrando forte influência arcádica e acentos
bocagianos” (Literatura do Piauí, 2001).
Em ligeiro traço é este o perfil
de Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva, o primeiro poeta e escritor nascido na
bacia oriental do rio Parnaíba, embora dela, aos prantos, tenha sido arrancado
em tenra idade.
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*REGINALDO MIRANDA, autor de
diversos livros e artigos, é membro efetivo da Academia Piauiense de Letras, do
Instituto Histórico e Geográfico Piauiense e do Tribunal de Ética e Disciplina
da OAB-PI. Contato: reginaldomiranda2005@ig.com.br
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