sábado, 26 de maio de 2018

Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva, pioneiro da literatura piauiense.

Fonte: Google


Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva, pioneiro da literatura piauiense.

Reginaldo Miranda

O primeiro piauiense a incursionar no campo da poesia foi Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva. Nascido em 1786, na vila de S. João da Parnaíba, hoje cidade de Parnaíba, no norte do Estado, era filho de Antonio Saraiva de Carvalho e Margarida Rosa da Silva. Apenas completada a idade de seis anos, o que remete ao ano de 1792, os pais lhe mandaram estudar em Portugal, certamente morando na casa de familiares. É que o Piauí ainda não contava com escolas. Sobre esse prematuro afastamento do lar paterno, longe das brincadeiras entre amigos e dos afagos maternos, assim como a sofrida travessia do Oceano, aos dezoito anos de idade ele vai recordar: “Passaram três lustros e mais três anos/Que à estância dos mortais volvi do nada;/Mas bem que ainda não seja adiantada/Minha idade, sofrido hei já mil danos;//Além dos torvos mares desumanos,/Recebi dos meus pais a vida ervada;/E contando anos seis à Pátria Amada/Arrancaram-me os pais com vis enganos”. Vê-se nesse soneto um traço de revolta pelo afastamento da “Pátria Amada” ainda em tenra idade, o que marcou profundamente a sua personalidade. Assim, parece injusta a crítica de que só tinha de piauiense a origem do nascimento. A verdade é que embora gostasse da sua terra, sua formação se dera toda em Portugal.

Em 29 de outubro de 1805, ingressa no curso de Leis da Universidade de Coimbra, onde se forma em 15 de junho de 1810. Segundo alguns relatos, por esse tempo passa a morar, sucessivamente, no Arco da Traição, n.º 13 e nos Palácios Confusos, n.º 7 e 65, designações singelas de repúblicas de jovens universitários. Tentando definir esse ambiente dissoluto assim informa o historiógrafo João Pinheiro: “Os Palácios Confusos eram um manancial de onde, do bairro alto, rolavam as catadupas da troça à cidade baixa, para a Ponte, para o Sansão e para Sophia. O acadêmico estróina, o faceiro, o arruador, o díscolo, o cábula, o poeta guloso e bêbado do outeiro, o perturbador do seráfico sossego dos mosteiros de Chellas e de Sant’ana, arruavam-se nos Palácios Confusos. Da malta de facínoras, chamada de Carqueja, o maior número dos sócios foi dali para o degredo e para a forca. O Ovídio brasileiro compreendia a natureza, como ela especialmente se exibia nos Palácios Confusos. Tangia a viola e compunha as letras de suas cantigas, que ainda vivem e gemem no primeiro livro dos seus versos” (Literatura Piauiense – escorço histórico, 1994:15). É desse tempo de convivência entre a Universidade e essa malta de boêmios que publica seu primeiro livro Poemas, em 1808. No mesmo período Portugal foi invadido pelas tropas francesas de Napoleão Bonaparte, obrigando fugirem para o Brasil o Príncipe Regente, toda a família real e os demais graúdos da Corte. A apreensão era grande, os pais no distante Piauí se preocupavam com a sorte do filho que persistiu até a conclusão do curso. E mesmo esse ambiente incerto não impediu o casamento do estudante piauiense.

Dessa forma, formado em Leis e casado, pleiteia passaporte para retornar ao Piauí com a jovem esposa, “em face da repentina invasão do inimigo” francês. Esse passaporte para a viagem foi expedido em nove de outubro de 1810, o descrevendo como “de estatura ordinária, de idade de vinte e quatro anos, rosto redondo e pálido, olhos pardos, (e) nariz regular”. Traz a Informação de que o titular “intenta passar para a cidade do Maranhão na companhia de sua mulher Dona Umbelina Joana Almadamim, para se transportarem para o Piauí”. Retornava, assim, à terra natal depois de quase vinte anos ausente. Vinha rever os pais e apresentar-lhes a esposa. Era, ao que tudo indica, o segundo bacharel piauiense. Nos autos cíveis para a justificação de passaporte foram ouvidas em Coimbra quatro testemunhas: Jerônimo Luís da Silva, solteiro, 27 anos, bacharel em Leis, residente na Rua dos Sapateiros; José Francisco de Medeiros, solteiro, 28 anos, bacharel em Leis, residente na Rua dos Douradores, freguesia de S. Nicolau; Manoel Francisco de Medeiros, solteiro, 18 anos, estudante do curso de Leis da Universidade de Coimbra, residente na mesma Rua dos Douradores; e consta, também, um atestado de sua naturalidade, casamento e intenção de retornar ao Piauí firmado por Joaquim Félix de Menezes, Feliciano Nogueira e o padre José Maria de Sousa Lima, capelão da Brigada Real da Marinha. Todavia, o poeta se declara batizado na freguesia de N. Sra. do Rosário, da dita vila de Parnaíba, em evidente equívoco. É que ao tempo de seu batizado não existia freguesia em Parnaíba, pertencendo esta à freguesia de N. Sra. do Carmo de Piracuruca.

Ao contrário do que muitos apregoam, nos parece que Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva, não trazia muitas saudades de Portugal, onde fora criado longe do aconchego familiar. Os temas ligados à Corte de que trata em sua obra são em face de sua formação toda ela transcorrendo em Portugal, sob a influência de Bocage. Os cantos de seu primeiro livro são as impressões de um jovem estudante de dezoito anos de idade, cujos últimos dois terços da existência se dera longe da terra natal. Os temas abordados, assim como os oferecimentos às autoridades representam a tentativa vã de um jovem bacharel da Colônia para angariar boa colocação na Corte, frustrada com a mudança de rumos na política européia. Consta que depois de seu regresso não mais retornou a Portugal, fazendo toda a sua carreira profissional no Brasil. Também, demonstrando afeto com a “Pátria Amada” soube cantar: “Os bronzes da tirania/já no Brasil não rouquejam./Os monstros que os escravizam/já entre nós não vicejam”; “Amanheceu finalmente/a liberdade no Brasil/Ah! Não desça à sepultura/o dia sete de abril”. Em 1821, embora eleito representante do Piauí junto às Cortes Constituintes de Lisboa, não aceita o mandato porque se encontrava radicado no Brasil, sendo substituído pelo padre Domingos da Conceição, que se encontrava no reino. De fato, preferia a vida em seu jovem País. Em 1812, é nomeado juiz de fora da comarca de Mariana, em Minas Gerais, de onde passou para a comarca de N. Sra. do Desterro, atual Florianópolis(SC). Mais tarde, assumiu o cargo de desembargador da Relação do Rio de Janeiro, onde se aposentou. Faleceu na cidade de Piraí (RJ), em 11 de janeiro de 1852.

Conforme dissemos, o poeta Ovídio Saraiva estreou em livro aos dezoito anos de idade com Poemas (1808). Participando ativamente das manifestações patrióticas estudantis que rechaçavam a invasão francesa, publicou: Ode pindárica e congratulatória ao Príncipe, à Pátria e à Academia pela restauração do Governo Legítimo (Coimbra, 1808); Narração das marchas feitas pelo corpo acadêmico, desde 21 de março, quando saiu de Coimbra, até 12 de maio, sua entrada no Porto(Coimbra, 1809) e Os sucessos da restauração do Porto (Coimbra, 1812). De retorno ao Brasil, publicou: O patriotismo acadêmico (Rio de Janeiro, 1812); O pranto americano (Rio de Janeiro, 1812); O amigo do rei e da nação (Rio de Janeiro, 1821); As saudosas cinzas do Sr. João de Castro Mello, Visconde de Castro (1821); Considerações sobre a legislação civil e criminal do Império do Brasil (Rio de Janeiro, 1837); Heroídes de Olímpia e Herculano (Rio de Janeiro, 1840); Defesa de João Guilherme Ratcliff, caso rumoroso que lhe deu notoriedade e associou seu nome ao movimento nativista, ao defender esse português descendente de poloneses, que se envolveu na Confederação do Equador(1824); é, também, autor de uma letra do hino “Ao grande e heróico sete de abril” (1831), considerada fraca, embora musicada por Francisco Manuel da Silva(1795 – 1865).

No entanto, a importância da obra literária de Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva para a literatura piauiense é meramente cronológica, em face de ser considerada fraca e não representar temas, costumes e modus vivendi local. Citando Ronald de Carvalho, afirma João Pinheiro, que esse poeta era “entusiasta admirador de Bocage, filiou-se aos Elmanistas, entre os quais muito se distinguiu por diversos trabalhos em que, como quase todos os congêneres da época, sentia-se ainda o influxo dos árcades portugueses”. Para Herculano Moraes, historiador da literatura piauiense, o livro “Poemas é um vasto conjunto de versos da corrente elmanista” com “nítida influência de Bocage, notadamente na construção do soneto, rigorosamente decassílabo”. Acrescenta que a poética desse autor é marcada por temáticas de expressões simbolistas, falando de sofrimento, desengano, desgraça, morte, tristeza, solidão, tortura, desespero, langor e outras expressões sinônimas(Visão histórica da literatura piauiense. 4ª ed. Teresina, 1997). É a mesma opinião do crítico literário Francisco Miguel de Moura: “A estética de Ovídio Saraiva era portuguesa, demonstrando forte influência arcádica e acentos bocagianos” (Literatura do Piauí, 2001).

Em ligeiro traço é este o perfil de Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva, o primeiro poeta e escritor nascido na bacia oriental do rio Parnaíba, embora dela, aos prantos, tenha sido arrancado em tenra idade.

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*REGINALDO MIRANDA, autor de diversos livros e artigos, é membro efetivo da Academia Piauiense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico Piauiense e do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-PI. Contato: reginaldomiranda2005@ig.com.br   

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