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Fonte: Google/Portal Entretextos |
Coronel Antônio Borges Marim, o
Senhor de Bocaina
Reginaldo Miranda *
Entre os fundadores de
fazendas e militares com serviços prestados no assentamento da base colonial
portuguesa, figura o coronel Antônio Borges Marim, que chegou ao Piauí no ano
de 1714. Naquele período em que ainda não estava organizada complexa estrutura
governamental entre nós, era a patente militar que distinguia a hierarquia não
só militar, como também social, entre os colonos. E a implementação das
fazendas com criatório de gado, dizia da posição de mando e das relações de
trabalho, distinguindo os mais dos menos nobres.
Era também costume identificarem
em sua terra, os jovens pelo nome dos pais, por alguma profissão ou por
características que lhes fossem peculiares. No entanto, aqueles que saíam em
trabalhos do real serviço ou mesmo em busca de oportunidades, geralmente eram
identificados pela terra de origem, que, em muitos casos lhes era incorporada
ao patronímico familiar. Era essa a razão de muitas famílias terem denominação
com origem geográfica. Não foi diferente com esse Antônio Borges, natural de
vila Marim, no concelho de Vila Real, onde nascera por volta de 1668. Existe
outra vila desse nome em Portugal, ambas derivando do latim marinus.
Nada sabemos sobre os primeiros
anos de vida de Antônio Borges, no entanto é de supor-se que tenha vivido
infância e adolescência na terra natal. É bastante significativa a existência
desse termo de casamento realizado em 27 de maio de 1690, na vizinha freguesia
de São João de Lobrigos:
“Antonio Borges, natural da fregª
de Villa Marim e Anna Roiz, natural da fregª de Abbacas, se receberão nesta
fregª de Sam João de Lobrigos, em minha presença, aos 27 de Mayo de 1690, de
quem forão padrinhos como t.tas Joseph Lopes de Barros e Domingos Guedes V...,
todos desta fregª era et supra”.
Esse casal teve três filhos, que
permaneceram no reino, a saber: 1. Manoel Borges (bat. 20.1.1692), foi casado
com Maria Pereira; 2. Simão (bat. 1.11.1694); 3. Francisco Borges (bat.
28.2.1698), foi casado com Maria Guedes. No entanto, não sabemos informar com
segurança, se esse Antônio Borges é o mesmo que, mais tarde, veio para o Piauí.
Caso positivo teria ficado viúvo, pois aqui já vivia em novas núpcias com Maria
de Sousa da Conceição. De toda forma, é muito tentador pensar-se positivamente,
e que nosso biografado teria tidos duas núpcias, ficando os filhos do primeiro
consórcio em
Portugal(http://www.genearc.net/index.php?op=ZGV0YWxoZVBlc3NvYS5waHA=&id=MTMyNTE=).
Desde cedo ingressou na carreira
militar, servindo inicialmente no reino. Mais tarde, foi mandado para servir no
posto de capitão de infantaria das ordenanças, nas tranqueiras de Saibana, em
Baçaim, hoje Vasai-Virar, porto no extremo sul de uma ilha localizada a 50km de
Bombaim, no noroeste da Índia, onde, certamente, em sua carreira ultramarina
enfrentou guerra na defesa dos interesses econômicos e comerciais de Portugal.
Por ato de 23 de novembro de
1701, foi promovido ao posto de coronel de ordenanças, das vilas de Santo
Antônio de Itabaiana e Santo Amaro das Brotas (ou de Cutinguiba), em Sergipe
del Rey, onde permaneceu por mais de uma década. Foi justificada a promoção em
face de ser prático na disciplina militar e ter experiência na guerra. Em
Sergipe situou fazendas, como era a praxe da época (PT/TT/RGM/B/0014. RGM,
Mercês de D. Pedro II, liv. 14, fl. 1v).
Em 1712, com a idade aproximada
de 44 anos, foi destacado para servir no Piauí, a fim de combater os indígenas
rebelados e proteger os currais que sustentavam a economia piauiense. No
entanto, somente dois anos depois, adentrou o sertão de dentro à frente de
numerosa tropa, instalando-se em fazenda que fundou na ribeira do Guaribas,
vale do rio Itaim, com o nome de Bocaina, hoje cidade de mesmo nome. Essa
fazenda se situava entre serras assemelhadas a uma boca, onde nasce uma das
vertentes do referido riacho, de onde derivou a denominação.
Com o aumento do rebanho situou
outras fazendas na mesma ribeira, entre as quais: contígua àquela, uma porção
de terras com cem braças de comprido e cinquenta de largura, onde possuía
engenho e roças de lavoura; povoou a fazenda Sussuapara, hoje cidade de mesmo
nome, com légua e meia de comprimento e uma de largura; também a fazenda do
Pico, com uma légua de comprido e légua e meia de largura; por fim, o sítio
Monte Alegre, com uma légua de comprido e meia de largura.
Em 1714, estava o mestre-de-campo
da conquista, Bernardo de Carvalho e Aguiar enfrentando muitos trabalhos e
incômodos na guerra que travava contra os indígenas rebelados. Era o conflito
que ficou denominado de Levante Geral ou Revolta de Mandu Ladino. No início do
levante haviam os indígenas matado seu antecessor, mestre-de-campo Antônio da
Cunha Souto Maior. Então, adoecendo Bernardo de Carvalho, retirou-se para suas
fazendas a fim de se refazer. Foi quando tomou conhecimento de que chegara ao
Piauí, o português Antônio Borges Marim, coronel das vilas de Santo Amaro e
Itabaiana. Por carta de 13 de junho daquele ano, pediu que este o acompanhasse
na guerra geral e no realdeamento dos Jaicós, que haviam abandonado sua missão
por influência dos rebeldes, com quem haviam se associado. Desde 1701, que
esses indígenas, juntamente com os Icós, estavam aldeados no vale do rio Itaim,
por ação missionária do padre Tomé de Carvalho e Silva, vigário da Mocha.
Então, reunindo trezentos homens
de sua tropa e fazenda, o coronel Antônio Borges Marim seguiu ao arraial de
Bernardo de Carvalho, onde uniu a estes mais 120 homens armados, que tinham por
cabo o tenente-coronel Manoel Gonçalves Pimentel, moradores no distrito do
Ceará, distante do dito arraial cem léguas. E, de fato, subindo Parnaíba acima
deu combate a muitos indígenas revoltados e confederados, de cujo resultado fez
pazes com os Jaicós, os aldeando no vale do rio Itaim, em terras dele
conquistador, Antônio Borges Marim. Foi este o primeiro feito eloquente
praticado por este militar em terras do Piauí. Desde então, permaneceu lutando
ao lado do mestre-de-campo Bernardo de Carvalho, até a subjugação total dos
indígenas rebelados, em 1717. Desta data à frente, voltou-se aos cuidados
administrativos com o aldeamento N. Sra. das Mercês, dos índios Jaicós e com
campanhas esporádicas contra os índios de corso. A par dessa atividade militar,
dedicou-se ao apascentamento de rebanhos bovinos no vale do Guaribas e seu
posterior comércio nas feiras da Bahia e Pernambuco, para onde mandava as suas
boiadas, anualmente, a exemplo de outros grandes criadores desse nosso sertão
(AHU. ACL. CU 009. Cx. 12. D. 1199).
Foi nessa lida na Bocaina, que
viveu a última fase da maturidade e a velhice honrada, entre familiares,
vaqueiros, agregados e escravos. Já em idade madura convolou segundas núpcias
com a jovem Maria de Sousa da Conceição. Porém, de núpcia anterior ao menos uma
filha permaneceu residindo em Sergipe del Rey, dona Catarina Borges Marim,
casada que fora com o coronel do regimento da Vila Nova de Santo Antônio do Rio
São Francisco, de Itabaiana e Santo Amaro da Cutinguiba, Manuel Nunes Coelho,
natural de Lisboa(1681), filho de outro de mesmo nome. Mais tarde, essa filha,
então viúva, iria solicitar autorização de el rei para fundar, às suas custas,
em Sergipe, onde era moradora, um recolhimento para viúvas e donzelas nobres.
No entanto, seu genro o acompanhou ao Piauí e em 1716, estava situando fazenda
no vale do rio Itapecuru, no Maranhão, depois retornando a Sergipe, onde
sucedeu o sogro no comando do regimento militar. Esse casal teve ao menos um
filho, o coronel Manoel José de Vasconcelos de Figueiredo, que fora casado com
dona Clara Leite de Sampaio, sendo eles pai de Manuel José Nunes Coelho de
Vasconcelos e Figueiredo (em alguns documentos aparece apenas Manoel José Nunes
Coelho), coronel de um dos terços de cavalaria da cidade de Sergipe del Rey.
Também, o acompanhou o ajudante José Pereira de Brito e seu tio Manaoel
Rodrigues de Brito, que se estabeleceram no Piauí (AHU. ACL. N-SE 376. Cx. 07.
D. 18; Cx. 8. D. 13, 14 e 15. Cx. 9. D. 32; Cx. 4. D. 59).
Faleceu o coronel Antônio Borges
Marim, em 1749, com cerca de 61 anos de idade, em sua fazenda Bocaina, na
ribeira do Guaribas, então termo de Oeiras. Deixou viúva a sua segunda esposa,
dona Maria de Sousa da Conceição e ao menos mais dois filhos: 1. Euzébio Borges
Marim (nesse caso encontramos a grafia Marinho), que depois de adulto passou a
morar na fazenda Guaribas, na mesma ribeira, casado com Florinda Ferreira de
Jesus; 2. Antônio Borges Marim, o moço, sobre quem teceremos breves
comentários; 3. Ana Borges, filha mais nova.
Depois de viúva, ainda jovem,
dona Maria de Sousa da Conceição contrairia novas núpcias com Gonçalo Rodrigues
de Brito, que sucederia o primeiro consorte de sua esposa na administração da
fazenda Bocaina. Uma relação de todos os possuidores de terras do Piauí,
elaborada em 16 de novembro de 1762, pelo conselheiro Francisco Marcelino de
Gouveia, esclarece esse situação:
“Gonçalo Rodrigues de Brito,
possue hua fazenda na mesma ribeyra(do Itaim, em que vão incluídas as de
Guaribas e Riachão), chamada a Bocayna, com três legoas de comprimento e hua de
largura, a qual possuía o coronel Antonio Borges Marim, por morte do qual
pertenceo a sua mulher, que hoje é do atual possuidor”.
Também, consta no Censo
Descritivo do Piauí, finalizado em 6 de junho de 1765, que naquele tempo
residia na fazenda da Bocaina, a viúva Maria de Sousa com o segundo esposo
Gonçalo Rodrigues e dois filhos seus, Antônio Borges Marim, o moço, e Anna
Borges, acompanhados de quatro escravos, cinco escravas, a mulatinha forra
Izabel e mais o casal Quitério Luciano e sua mulher Antônia de Sousa. É a
população de então, na Bocaina.
Todavia, cumpre ressaltar que
naquele período muitos outros desse sobrenome também residiam naquela ribeira,
a saber: na fazenda Guaribas, além do
citado Euzébio Borges Marim, também Adriano Borges, solteiro; Hortênsio Borges,
solteiro; na fazenda do Engano, a viúva Antônia Vieira da Rocha, com os filhos
Manoel e Félix Borges Leal, solteiros; a filha Leonor Borges Leal, casada com
João de Aragão; o filho Francisco Borges Leal, casado com Caetana Vieira; o
filho Marcolino Borges, casado com Rosa Maria da Conceição; na fazenda do
Buraco, Josefa Borges leal, casada com Maximiano de Moura Fé; Mathias Borges
Leal, casado com Maria de Moura Fé; e Maria Borges Leal, casada com Leonardo de
Moura Fé.
No que se refere a Antônio Borges
Marim, o moço, era filho desse último consórcio. Nasceu na fazenda Bocaina, em
25 de janeiro de 1745. Continuaria a carreira militar do pai, tendo assentado
praça de furriel do regimento de cavalaria auxiliar da capitania. Foi promovido
a quartel-mestre do mesmo regimento, em 3 de agosto de 1793. Também,
desempenharia saliente papel na vida pública, tendo sido vereador de Oeiras por
diversas vezes e membro de uma junta de governo do Piauí(1791). Em 27 de
outubro de 1798, conseguiu por sesmaria a fazenda Bocaina, que já se achava
demarcada e cuja posse houvera de herança de seu pai que a possuíra, embora sem
data confirmada. A carta de sesmaria esclarece que, àquela altura, media a
fazenda três léguas de comprido e uma de largo, correndo seu comprimento de
norte a sul e a largura de nascente a poente, extremando para o sul com a
fazenda Rodeadouro; para o norte com o lugar chamado Três Irmãos; e na largura
para o nascente, com caatingas brutas; e para o poente com a fazenda da
Sussuapara, na forma que se acha demarcada. Foi esse filho homônimo o sucessor
do pai na posse da fazenda principal, na carreira militar, política e no
prolongamento de seu nome (AHU. ACL. CU 016. Cx. 20. D. 1028; Cx. 24. D. 1252).
A nosso ver o maior legado do
coronel Antônio Borges Marim, foi reforçar o contingente lusitano na
colonização do Piauí, pois ao chegar possuía uma força de trezentos homens. É
bem verdade que muitos desses soldados retornaram ao seu quartel em Sergipe,
porém, diversos outros permaneceram com ele no vale do rio Itaim, onde
chantaram a caiçara de currais e deram origem a diversas famílias, logo mais
participando da fundação da vila da Mocha, hoje cidade de Oeiras e da vida
pública piauiense. Antônio Borges Marim, é nome que se faz notar no processo de
colonização, no combate ao elemento indígena e no assentamento da base colonial
portuguesa.
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* REGINALDO MIRANDA, autor de
diversos livros e artigos, é membro efetivo da Academia Piauiense de Letras, do
Instituto Histórico e Geográfico do Piauí e do Tribunal de Ética e Disciplina
da OAB-PI. Contato: reginaldomiranda2005@ig.com.br