Um ajuste de casamento num serão de farinhada
(Fragmento)
Hermínio Castelo Branco (1851 - 1889)
(...)
Ligeiro o rodo percorre
Sobre o forno fumegante,
Impelido com mestria
Pelo braço do João Bento,
Conhecido entre os roceiros
Pelo tio – João Quadria.
Uma mulher quarentona,
Junto dum cocho sentada,
Tendo nas mãos a peneira
Se remexe, diligente,
Sacudindo a urupema,
E separando a crueira.
Na tacaniça do rancho,
Sibila a roda cortante,
Sobre os eixos discorrendo,
Entre os pulsos vigorosos
De dois roceiros robustos,
Na matraca rebatendo.
No banco do cevador,
Orgulhosa do trabalho,
Naturalmente escanchada,
Uma matuta gorducha,
Aplica no caititu,
Grossa mandioca raspada.
Grita a raiz comprimida
Sob os dentes da rodeta,
A seiva longe esguichando;
E chove a massa gomosa,
Pelas esteiras do cocho,
Alvas colunas formando.
A cevadeira reclama
Outro cofo de mandioca,
Que nas pernas agasalha,
Tendo, antes, o cuidado
De arranjar sobre as coxas
As dobras duma toalha.
Entretanto os puxadores,
Deixando, por um momento,
O férreo veio da mão,
Limpam bagas de suor,
Amarrando na cintura
A camisa de algodão.
Grande tulha de raízes,
No centro do ranchozinho,
Se eleva à cumeeira,
Reforçado pelos cofos,
Que se despejam cantando,
Conduzidos na carreira.
Velhos, moças e rapazes,
Sem ordem, sem distinção,
Ali, em roda, sentados,
Sob apostas inocentes,
Raspam mandioca ligeiros,
Com seus quicés amolados.
Dum lado numas gamelas,
Três mulheres ocupadas,
Com os braços seminus,
Em tirar a tapioca,
Espremendo a fresca massa,
Para fazer os beijus.
No terreiro, bem varrido,
Sobre a branca e fina areia,
Pela lua prateada,
Os meninos, reunidos,
Brincam no joão-galamarte
Em confusa gargalhada.
Eis o quadro meu leitor,
Que apresento, fielmente,
A teus olhos pouco afeitos
A essa vida inocente
Do matuto, honesto, honrado,
Que trabalha no roçado.
(...)
Fonte: Lira Sertaneja, 1988, Projeto Petrônio
Portella/Academia Piauiense de Letras
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