Chagas Vieira |
A MORTE E A
CEGUEIRA DE KETY
Elmar Carvalho
Fui cortar as
minhas cada vez mais ralas e raras madeixas com o irmão maçônico Chagas Vieira.
Desde 1971, ele exerce sua atividade em Teresina. Conheço-o desde a segunda
metade da década de 1980, quando eu trabalhava na extinta SUNAB. Ele trabalhava
no Salão Piauí, pertencente ao senhor Felinto Lima, já falecido. Em 1998,
fundou seu próprio estabelecimento, o Salão do Povo, situado na rua Rui
Barbosa, 441, perto do antigo supermercado São Gonçalo, onde hoje funciona um
templo da Igreja Universal.
Durante alguns
anos, ausentei meus cabelos de sua tesoura e navalha, por mudanças de hábito e
circunstâncias. Há alguns anos, voltei a integrar sua clientela. Antes de
adotar posição estática, para ele melhor exercitar as suas habilidades de
escultor capilar, pedi-lhe que me repetisse a história de sua cadelinha.
Chamava-se Kety e era uma pequinês, pequenina, peluda e de brancura imaculada.
Quando Chagas
saía para o trabalho, ela o acompanhava até a porta da rua. Ficava triste, aguardando
o seu retorno, quando ia esperá-lo à porta, e ficava se achegando a ele, até
ser colocada no colo. Tinha muito amor a seu dono, e a recíproca era
verdadeira, na mesma intensidade. A cadelinha chegava ao ponto de comer no
mesmo prato dele, com a sua cúmplice permissão complacente.
Teve longa
vida, para os padrões caninos. Aos dezessete anos cegou, primeiro de um olho e
logo em seguida do outro. Com a cegueira, a cachorrinha, por alguma espécie
intuitiva de pudor, ou por receio de incomodar seus donos ou por simples
higiene, passou a se esgueirar pelas paredes, como tateando, em busca de alguma
saída para fazer suas necessidades fora da casa.
Numa dessas
buscas, saiu para a rua, quando foi tragicamente colhida pelas rodas de um
carro, que lhe esmagou a pequenina cabeça. O irmão Chagas providenciou-lhe o
enterro, no quintal da residência. Mas pela casa ainda vaga a lembrança e a
saudade de Kety, que se mantém viva na retentiva amorosa de seus donos.
30 de abril de 2010
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