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ESTADO DE SÍTIO E O COVID-19
Valério Chaves
Des. Inativo do TJPI, escritor e memorialista
Ao longo da existência
do homem sobre a face da terra e desde que ele saiu das cavernas e passou a
viver em sociedade, a noção de direito, de ideais de liberdade, de justiça e de
dignidade das pessoas, sempre estiveram presentes, em maior ou menor escala.
Segundo
os historiadores, no correr da história dos grupos humanos, os bens de valores
adquiridos por cada indivíduo, pertenciam a todos formando uma verdadeira
comunhão democrática de interesse, sem haver qualquer espécie de subordinação
de caráter social ou político.
Na sequência
dessa evolução histórica, a restrição ao direito de ir e vir era adotada não
como medida visando tolher a liberdade do homem, mas para pôr fim à vida de
quem ousasse conspirar contra a autoridade do regime político dominante.
Gradativamente, porém, o espetáculo das punições públicas foi se extinguindo,
deixando pouco a pouco de ser uma cena que fazia o “carrasco se parecer com
criminoso, os juízes aos assassinos e o suplicado um objeto de piedade” (Michel
Foucault – Vigiar e Punir, pp. 14-69).
O contrário
sensu, o que se vê nestes tempos difíceis pelos quais passa o mundo marcado pela epidemia da covid-19, são alguns
governantes usarem o poder que o povo lhe outorgou pelo voto, adotarem medidas
restritivas da liberdade (lockdown, toque de recolher, limitações de horários
etc.), em total violação ao direito fundamental à liberdade e à vida das
pessoas (art. 5º, caput, CF).
Nesse
contexto, não se desconhece que, embora seja o Brasil uma República Federativa
configurada em Estado Democrático de Direito, pode, em caso de risco para a
saúde da população (como a atual pandemia do coronavirus), ser submetido a situações excepcionais previstas em
nosso ordenamento jurídico, especialmente na Constituição Federal.
Em tais hipóteses, visando combater os
imprevistos, comoção grave de repercussão nacional e, sobretudo, restabelecer a
ordem pública ou a paz social ameaçadas, o Presidente da República, após ouvir
o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, e solicitar
autorização ao Congresso Nacional, pode decretar medidas excepcionais com
abrangência em todo o território nacional, tais como: intervenção Federal; Estado
de Sítio e Estado de Defesa previstas nos artigos 136 e 137, caput, CF.
Importa
lembrar por outro lado, que não obstante o Supremo Tribunal Federal já tenha
reconhecido a competência concorrente dos Estados, Distrito Federal e Municípios
no combate à covid-19, na prática, nem sempre os decretos respectivos contêm as
mesmas regras, alguns chegam a impor suspensão de direitos individuais sob a alegação
de garantir o direito à vida e controlar a pandemia da covid-19.
E é justamente
nesse aspecto onde reside a semelhança entre o Estado de Sítio e as medidas
restritivas de direitos fundamentais (lockdown), porquanto em alguns municípios
brasileiros, não somente as pessoas estão sendo proibidas de sair de casa em
determinados horários, como também às empresas são estabelecidos horários de
funcionamento, o que resulta em sérias consequências para a sociedade, levando
de roldão o direito-dever do Estado de restabelecer a ordem pública e a paz
social.
Em que pese
serem medidas revestidas de excepcionalidades, não deixam de implicar
restrições às liberdades individuais – e só por isso, devem adotadas com o
máximo de cautela.
É como penso.
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