quarta-feira, 24 de março de 2021

Minha cronologia pessoal de Teresina

Fonte: Google

Fonte: Google/Docomomo Brasil


DIÁRIO

[Minha cronologia pessoal de Teresina]

Elmar Carvalho

24/03/2021 

Motivado por uma reunião virtual da Academia Piauiense de Letras, dedicada ao aniversário de Teresina, relativa ao corrente ano, optei por discorrer sobre minhas lembranças mais fortes e mais emotivas de minha vivência em nossa mesopotâmica e outrora verde capital. Tentarei reconstituir o que disse, sem recorrer a anotações e documentos, ou pesquisas em livros.

Menino, de 7/8 anos, vim com meus pais a Teresina, em 3 ou 4 oportunidades. O terminal rodoviário era a Praça Saraiva. Ali ficava a famosa Agência Cruz, que vendia passagens. Dessa praça me ficou muito nítida a lembrança de um carro-guincho, geringonça que jamais havia visto. Lembro vagamente de suas praças, igrejas e estátuas. Décadas depois, pus essas estátuas num de meus poemas; nele estão o bigode de bronze do barão, no esplendor de sua exuberância frondosa e a postura hierática e estática de Saraiva, a contemplar com seus olhos cegos o progresso da cidade por ele construída. E me ficaram na retentiva os pássaros e os bichos da Praça Marechal Deodoro, de forma um tanto enevoada e talvez um tanto mi(s)tificada. 

Em 1973, na virada de meus 16 para os 17 anos de idade, morei em Teresina, na Casa do Estudante, durante apenas 4 meses, porquanto resolvi retornar para minha terra natal, onde dei prosseguimento ao primeiro ano do Curso Científico. Fiz o primeiro semestre desse ano letivo no Liceu Piauiense. Me deslumbravam a linda praça, que lhe ficava em frente, com as suas escadarias, e a beleza imponente do velho colégio. Adolescente, interiorano e um tanto bisonho, ficava encantado com o auditório, cujas esculturas, que pareciam lhe sustentar o teto, se me afiguravam enormes. Eram cariátides, décadas depois fiquei sabendo.

Sonhava, então, recitar os meus poemas nesse auditório, como, mais de século antes, também muito moço, o fizera Castro Alves no Teatro de Santa Isabel, no Recife. Ainda vi balsas e chalanas a navegarem o Parnaíba, o Velho Monge de Da Costa e Silva. E vi também, em pleno funcionamento, o cine Rex e o Royal. Algumas vezes fui à Praça Pedro II, para contemplar embevecido os volteios das moças em flor, a exibirem o esplendor de sua beleza juvenil, ainda a desabrochar.  

Em 15 de setembro de 1975, após curso no Recife, tomei posse de meu cargo na Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. No ano seguinte, no Cursão, fiz o chamado pré-vestibular e o terceiro ano do Científico. Um dia, num evento da empresa, recitei um poema sobre cartas e suas expectativas. Enquanto esperava receber o meu primeiro salário, fiquei dois meses morando com uns parentes, cuja casa ficava na Avenida Frei Serafim, perto do Cruzeiro, no ponto em que começava a descida da ladeira para o rio Poti.

Nesse início laboral, um dos meus turnos era à noite. Eu vinha a pé por essa avenida, na época uma verdadeira alameda, de belos lustres, com as suas lindas e refrescantes fontes luminosas em perfeito funcionamento. Nunca fui abordado por nenhum meliante, de modo que nunca sofri nenhum sobressalto, muito menos assalto. Um dia, perto da casa de meus anfitriões, quase às 10 horas da noite, me deparei com uma magnífica e escultural morena, alta e esbelta, de corpo sinuoso, capaz de causar inveja a uma legítima mulata do Sargentelli.

Já não me recordo bem. Mas o certo é que, embora um tanto tímido, me dirigi a ela, talvez encorajado por sorrisos e aliciantes olhares. Um pouco depois descíamos a ladeira, em direção aos terrenos baldios da margem do Poti, onde hoje se ergue, creio, o prédio da Unimed. Pude, então, à luz das estrelas e da lua, contemplar o seu lindo corpo desnudo. Tive mais um ou dois encontros com ela. Numa das vezes, ela me disse que não saía à noite por dinheiro, mas porque gostava. Nada lhe perguntei sobre sua vida, e nem ela sobre a minha. Logo depois, deixei a casa de meus parentes, e nunca mais a revi. Tive outros casos, claro, mas que não vêm ao caso.

Por um curto período, fui trabalhar na Seção de Encomendas Internacionais da ECT, que funcionava no Prédio do Ministério da Fazenda, salvo engano no sexto andar. Foi designado para ser o fiscal dessa seção, pela parte da Receita Federal, o controlador de arrecadação federal (CAF), hoje auditor-fiscal,  o saudoso José Parentes de Sampaio. Era culto, apreciador de belas músicas, sobretudo as das grandes orquestras americanas. Gostava de conversar comigo e demonstrava admirar os poemas que eu então escrevia.

Entre outros fazendários, vinham conversar com ele o Alberone Lemos, jornalista e correspondente de um grande jornal do Sul do país, que ostentava belas gravatas, acho que de seda, e o professor Barreto, o Barretão de guerra, de voz poderosa, quase estentórica, um tanto excêntrico e sempre de bom-humor. Contavam-se deste inúmeros casos jocosos, anedóticos.

Um dia, em sua presença, recitei um poema, feito há pouco tempo, em que eu falava que gostaria de ter a humildade de um leproso. Mal terminei a declamação, o Barretão caiu por terra; digo, prostrou-se no carpete, como se fora um árabe em oração, e exclamou, a plenos pulmões: “Caramba! Grande, grande humildade, grande poema!” E beijava o chão, em sinal de sua humildade, incorporando o espírito de um muçulmano, como se fora um novo Malba Tahan teresinense. Ainda nessa época, vinha retirar suas encomendas uma jovem canadense, de celestiais e grandes olhos azuis, alva, muito loura e muito linda. Um dia ela me deu um broche, que durante algum tempo usei, em sinal de minha admiração afônica e platônica. Em março de 1977, voltei para Parnaíba, a fim de cursar Administração de Empresas, e perdi o contato com essas pessoas.   

Em agosto de 1982, voltei a morar em Teresina, em virtude de aprovação em concurso do DASP para o cargo de fiscal da SUNAB, extinta na segunda metade dos anos 1990. Teresina já não era a mesma. Já começava a tomar ares de cidade grande. Verticalizava-se vertiginosamente. Os espigões pareciam querer tocar as nuvens. Surgiram três grandes shoppings, enquanto o centro da cidade foi modificado por estacionamentos, em que foram destruídos vários sobrados e  vetustos casarões, e por um processo de decadência e abandono de imóveis. A frota de veículos aumentava assustadoramente.

Morei em república e depois em casa própria. Aqui fiz várias conquistas em minha vida profissional e privada. Em apertadíssima síntese: casei com a Fátima em 1985. Em 1986 e 1988 nasceram nossos filhos João Miguel e Elmara. Em 1988 concluí o curso de Direito. De 1982 a esta parte, ingressei em várias Academias de Letras, inclusive na Parnaibana, na do Vale do Longá, na Campomaiorense e na Piauiense. Publiquei vários livros e participei de várias coletâneas e antologias. Presidi a União Brasileira de Escritores do Piauí – UBE-PI e o Conselho Editorial da Fundação Cultural Monsenhor Chaves.

Em Teresina, passei a maior parte de minha juventude e toda a minha maturidade. Em 19 de dezembro de 1997, aos 41 anos de idade, ingressei na magistratura piauiense, em que laborei até 20 de dezembro de 2014, quando tinha mais de 39 anos de serviço público. Aqui comecei a minha vida de idoso. Agora, com todo respeito que se deve ter à morte, tento me preparar para ela.

Minha querida e saudosa mãe, que não a temia, conquanto não falasse dela com leviandade ou chiste, dizia que nunca saberíamos como seria nossa morte. E nem quando acontecerá, acrescento. Portanto, oremos e vigiemos. E tentemos estar preparados, com cada coisa em seu lugar, como Manuel Bandeira em “Consoada”. Sobretudo, nestes sombrios tempos de pandemia.      

5 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  2. Teresina, cidade onde nasci e me criei, começou a crescer no início dos anos 80, onde posso citar os famosos: bairro do Mocambinho e Escola Edgar Tito, fundados no início desta década.Porém foram nos anos 90 e nos anos 2000 que Teresina atingiu o apogeu do crescimento territotial e populacional. Ás vezes até infelizmente, por que com elas vem as mazelas, como o aumento da criminalidade, mas isso faz parte do "jogo", é uma apenas uma consequência, que devemos sabiamente conviver.

    ResponderExcluir
  3. Me fez recordar minhas férias que passava em Teresina, na casa de Dona Amália e Sr Honório Meneses, ex gerente dos Correios e Telégrafo de Parnaíba,onde fiz amizade com suas filhas e sempre passava dias com a família. Eles moravam na rua 7 de Setembro, pertinho do Liceu e do centro. Saímos muito, aproveitamos muito nossa juventde. Revivi tudo como escreveu.

    ResponderExcluir
  4. Fiquei contente com os comentários do João Miguel e da Inês.

    ResponderExcluir
  5. Muito bom, meu amigo! ��������������
    Conseguiu transmitir com muito sentimento.

    Claucio Ciarlini

    ResponderExcluir