Carlos Evandro M. Eulálio, Celson Chaves, Elmar Carvalho e Domingos José Carvalho |
Carlos Evandro M. Eulálio*
É com imensa satisfação que nesta
radiosa manhã de outono, na Terra dos Carnaubais, participo do lançamento da
obra “O poeta e seu labirinto”, do renomado escritor Elmar Carvalho, livro que
singelamente o autor denomina opúsculo. Do latim, opusculum, é diminutivo de
opus, obra. Tipo de publicação de
caráter literário ou científico, bastante utilizada no final do século XIX e
início do século XX, contendo geralmente entre 20 e 30 páginas. O opúsculo possui ainda outra característica,
o fato de ser escrito e editado como uma obra isolada. Para exemplificar, cito
A Paz Perpétua, opúsculo de Kant, sobre o finalismo, publicado em 1795. Na literatura brasileira, um dos primeiros e
mais conhecidos opúsculos foi da autoria de José de Alencar: “Como e Por Que Sou Romancista,” de 1873, autobiografia literária em forma de carta, com a
finalidade de oferecer informações a respeito de si mesmo, a Inocêncio
Francisco da Silva, autor do Dicionário Bibliográfico Português. No Piauí, O.
G. Rego de Carvalho, seguindo o modelo de Alencar, deixou-nos o opúsculo "Como e Por Que me Fiz Escritor", editado pelo Projeto Lamparina, em 1994. Com esses
dados, queremos apenas ressaltar a importância deste gênero de publicação,
bastante utilizado por notáveis escritores da literatura brasileira de todas as
épocas.
Em O Poeta e seu Labirinto, o
autor reúne 21 poemas que extrai de sua monumental obra Rosa dos Ventos
Gerais. O termo labirinto, com base no
imaginário coletivo, leva-nos num primeiro momento a concebê-lo como um complexo
de caminhos enredados, de difícil saída. Na poesia de Elmar Carvalho, o
labirinto constitui a metáfora da própria existência que, apesar dos tortuosos
caminhos que percorreu, há sempre uma luz no final do túnel. Assim canta o
poeta:
Minha estrada
é a esteira de
luz
que o sol
traça no mar.
Meu
arco-do-triunfo
é o arco-íris
que o sol
pinta no céu.
(CARVALHO,
2023, p.29)
No nosso ensaio sobre os poemas
do livro Rosa dos Ventos Gerais, já em
sua terceira edição, após tecer algumas considerações sobre o cenário
sociopolítico e literário brasileiro, no qual situo o poeta e as suas primeiras manifestações literárias,
enfatizo também seus vínculos com a modernidade poética, sem abandonar a
tradição literária e dela extraindo sábias lições que refletem e refratam
originalmente em suas criações poéticas, mediante emprego de recursos
linguísticos, plásticos e sonoros, nas mais diversas e expressivas combinações.
A seleção de poemas inserta neste opúsculo foi feita criteriosamente pelo
próprio poeta, com foco nos temas que abrangem a vida, o amor, a mulher, o
poeta, o poema, o sexo, o tempo e memória.
A lírica funde-se ao épico e ao
dramático para desvelar uma poesia de caráter mítico e histórico, não porque
narra eventos históricos, mas porque dialoga com os homens de todas as épocas,
por meio da intertextualidade. Assim é o diálogo com a mitologia no poema Na
Noite, pelo qual o eu lírico, isto é, a voz que enuncia o poema, resgata um dos
mitos gregos mais conhecidos: O labirinto de Creta, edificado por Dédalo, para
nele encarcerar o monstro Minotauro,
meio homem, meio touro, alimentado com jovens a ele oferecidas. E Teseu, guiado
por Ariadne, marca o caminho com um fio de novelo, a fim de destruir Minotauro.
Eis o poema:
Na
noite
um
sapo coaxa.
Uma
puta triste
acha
graça. Acha graça.
Um
galo
às
desoras desfere um canto
fora
de hora. E chora.
Um
cão ladra por nada:
nenhuma
cadela no cio.
O
silêncio
grita
como louco
na
concha acústica
dos
labirintos dos ouvidos moucos
por
onde um Teseu lasso caminha
em
busca do Minotauro – perdido
sem
o fio de Ariadne –
conduzido
por outro fio
que
parte / se parte e
se
reparte entre o ser
e
o não ser.
E
os gritos de Teseu
arrancam
ecos
que
já ecos de si mesmos
se
repetem se repetem
até
a mais completa
absoluta
exaustão.
(Na
Noite)
A poesia de Elmar Carvalho,
reconstitui pela linguagem cenários, flagrantes de uma existência, imagens do
passado que são ícones de uma época que já vai longe de todos, mas impregnam a
mente com o vigor da recordação liricamente recuperados. Assim canta o poeta em
trecho do poema Eterno Retorno:
[...]
recordações de fantasmas
que
já nos abandonaram
de
amigos mortos
que
nos acompanham
cada
vez mais vivos
de
sustos e gritos
de
proscritos e malditos
de
agouros e assombrações
de
desdouros e sombras vãs, malsãs,
oriundos
dos porões escavados
nos
subterrâneos dos sobrados
subterfúgios
e refúgios
da
memória.
Os poemas de Elmar transmitem ao
leitor inesquecíveis ensinamentos. Nesse sentido surpreendemos em sua obra um
aspecto que reputo da mais alta importância: o caráter pedagógico de seus
textos, como assinala Mário Faustino nos Diálogos de Oficina: “Os grandes
poetas sempre se interessaram ativamente pela Filosofia, pelas ciências e pela
política de sua época, encontrando-se em cada um deles o retrato mais ou menos
fiel e minucioso do que se passava e do que se fazia na dinâmica social do
tempo em que viveram. [...] Toda poesia verdadeira é didática. E nenhum meio de
comunicação ensina tão profundamente e de modo tão inesquecível quanto a
poesia” (FAUSTINO, 1977).
Ao conhecer o poeta Elmar, no
início dos anos 1980, tive o privilégio de assistir à gestação do épico
Dalilíada, poema inspirado na obra de Salvador Dali. Ao acompanhar de perto o
seu trabalho, constatei que acabara de conhecer um erudito. Um poeta que não se rende aos apelos da
inspiração, porque concebe o poético como produto de um trabalho elaborado e
planejado. Assim vejo o poeta e os seus poemas. Estes não brotam de um momento
circunstancial, ou como um Deus ex machina, isto é, como aparição do
inesperado, mas do trabalho de oficina, eivado de reflexão e sabedoria. É o
poeta fabro, ou seja, o poeta fazedor, o poeta artífice da palavra, cujo
trabalho também contribui para elevar e aperfeiçoar o nosso idioma.
*Carlos Evandro Martins Eulálio,
professor de Latim e de Língua portuguesa, é membro da Academia Piauiense de
Letras, ocupante da cadeira 38.
Muito percuciente essa crítica construtiva levada a efeito pelo professor e acadêmico Evandro Eulálio, a respeito de uma pequena parte da grandiosa obra do poeta Elmar Carvalho, com certeza o melhor poeta vivo do estado do Piauí!
ResponderExcluirAmigo anônimo (mas já sei quem), você me elevou muito alto...
ResponderExcluirMeu medo é a queda.
Mesmo assim, muito obrigado, prezado amigo.
O silêncio grita como louco
ResponderExcluirNa concha acústica de ouvidos moucos...
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