A LEMBRANÇA DE BRUENQUE
Elmar Carvalho
No meu discurso proferido quando
recebi o Título de Cidadão Regenerense, abordei o fato histórico do aldeamento
dos índios nesta região. Falei na figura sinistra de João do Rêgo Castelo
Branco, de sua fúria feroz e sanguinária na perseguição dos indígenas, e que
por isso mesmo foi chamado de El Matador pelo poeta H. Dobal, em poema com esse
título.
Segundo me contaram, quando
estavam sendo feitos os serviços de ampliação da igreja de São Gonçalo, foram
encontrados indícios de que o local poderia ter sido um cemitério indígena.
Feito esse breve preâmbulo, entrarei no mérito do que quero contar.
Fui convidado, pelo presidente
João Alves Filho, para fazer o discurso de louvação dos patronos da Academia
Campomaiorense de Artes e Letras – ACALE, cuja solenidade aconteceu no dia 29
de maio. A peça retórica foi planejada para ser parte escrita e parte
improvisada. Eu teria que falar, entre vários outros, em Bernardo de Carvalho e
Aguiar, fundador da fazenda Bitorocara, que deu origem à cidade de Campo Maior.
Foi ele um dos chamados heróis da
Conquista e mestre de campo, considerado fundador de outras cidades, no Piauí e
no Maranhão. Ressaltei que ele combatera os índios, porém sem a ferocidade e
sanguinolência de João do Rêgo, o que desagradava os senhores da Casa dos
Ávila, na Bahia. Citei os historiadores padre Cláudio Melo e Afonso Ligório de
Carvalho para dizer que ele tinha o respeito dos índios, e que chegou a
defendê-los e protegê-los da fúria de seus perseguidores.
Porém, quando eu meditava sobre o
que ia dizer sobre Antônio da Cunha Souto Maior, que o antecedera no comando
das armas do Piauí, e que fora um feroz e brutal perseguidor de indígenas,
tanto que foi assassinado numa espécie de rebelião de silvícolas, que estavam
sob seu comando, aconteceu um fato
estranho, para o qual não desejo emitir opinião, mas apenas dizer enfaticamente
que aconteceu.
Em Regeneração, cidade ligada aos
massacres e extermínios de índios, por causa das deserções ocorridas no
aldeamento de São Gonçalo, a que já me referi, resido num dos apartamentos do
condomínio Pingo d' Água. Quando mentalizei o nome de Souto Maior, imediatamente
minha rede vazia foi sacudida com muita força, e ouvi um ruído de ferros, como
se fora um ranger de correntes. Isso foi ao entardecer, quase anoitecendo.
Fiquei arrepiado durante um bom tempo. Em meu imaginário, era como se os
espíritos dos índios trucidados quisessem protestar contra a lembrança de um
homem cruel.
Lembrei-me do bravo e indômito
cacique Bruenque, em sua luta contra as crueldades, falsas promessas e traições
dos seus algozes, cuja saga heroica foi bem relatada pelo historiador Reginaldo
Miranda, em seu livro São Gonçalo da Regeneração, que está a merecer nova
edição. Julguei que a agitação da rede tivesse sido provocada pela ventilação
do aparelho de ar-condicionado, mas verifiquei que suas aletas estavam
direcionadas para baixo. E por que essa ventilação só sacudira a rede naquele
dia e no momento em que pensei nas atrocidades do Souto Maior?
Descarto, pela mesma razão, o
vento que poderia passar pelas venezianas da janela do quarto, ainda mais
porque a porta estava fechada e, portanto, não poderia ser formada uma corrente
de ar. É certo que várias explicações poderão ser aventadas. Deixo que cada um
fique com a sua. Eu, na minha condição de franco atirador e de não sectário,
admitirei todas as possibilidades. Contudo, não me apegarei a nenhuma.
9 de junho de 2010
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