Francisco de
Sousa Martins
Reginaldo Miranda
Da Academia Piauiense de
Letras
O dia 5 de janeiro de 1805,
assinala o nascimento de Francisco de Sousa Martins, notável advogado,
magistrado e político brasileiro. Nasceu em casa de seus pais, na fazenda
Canabrava, freguesia de N. Sra. das Mercês, hoje Jaicós, então termo de Oeiras.
Era filho do coronel Joaquim de Sousa Martins, governador das armas do Piauí, e
de sua esposa Teresa de Jesus Maria. Pelo lado paterno era neto do açoriano
Manuel de Sousa Martins e de sua esposa Ana Rodrigues de Santana. Eram seus
avós maternos o coronel Francisco Pereira da Silva, ouvidor-geral e membro da
junta governativa do Piauí e sua esposa Isabel José da Conceição, todos
descendentes das primeiras levas de colonizadores portugueses.
Designado para a vida
eclesiástica, cedo foi mandado para a vizinha fazenda Boa Esperança, para, sob
a orientação de um ilustrado parente, o grande pároco e educador Marcos de
Araújo Costa, iniciar as primeiras letras e preparar-se para o sacerdócio.
Nesse educandário, o famoso Colégio da Boa Esperança, permaneceu por toda a
juventude até concluir o curso de humanidades.
Concluídos esses estudos em
1825, seguiu com o pai para o Rio de Janeiro, matriculando-se no Seminário de
São José, onde prosseguiu em sua formação intelectual, estudando teologia e
liturgia, cujas noções eram necessárias para a ordenação. Por esses dias seu pai
havia entrado em desavença com o presidente da província, o irmão primogênito
Manuel de Sousa Martins(2.º do nome), brigadeiro e futuro visconde da Parnaíba,
abrindo uma facção de oposição ao mesmo. E aproveitou a viagem à corte para
tratar de assuntos políticos, formulando denúncias contra os desmandos que
entendia existirem no Piauí.
Todavia, antes da ordenação
resolveu Sousa Martins abandonar o seminário para ingressar na carreira
jurídica. E aproveitando-se da amizade que travou com alguns seminaristas
portugueses que ali também estudavam e tomaram a mesma resolução, rumou para
Portugal em 1827, matriculando-se na Universidade de Coimbra, depois, é óbvio,
de obter o consentimento e apoio dos pais. Entretanto, não pôde prosseguir no
curso jurídico por muito tempo, porque no ano seguinte a referida universidade
foi temporariamente fechada, em face da agitação política que passava a nação
portuguesa, em torno da sucessão de D. João VI, tendo por personagem central D.
Miguel.
De regresso ao Brasil,
dirigiu-se diretamente para Olinda, porque sua chegada coincidia com a fundação
do curso jurídico que ali se iniciava. Então, matriculou-se na primeira turma
de 1828, recebendo o grau de bacharel em 1832, depois de ser aprovado com
distinção em todas as disciplinas.
De imediato, retorna ao
Piauí, fixando residência na cidade de Oeiras, então capital da província,
dedicando-se à advocacia. Ao mesmo tempo é nomeado procurador fiscal da
Tesouraria da Fazenda. Por esse tempo, seu pai já havia se reconciliado com o
poderoso irmão, fato que facilitou a ascensão do jovem bacharel aos mais
elevados cargos públicos na província natal.
Em 1833, Francisco de Sousa
Martins foi nomeado juiz de direito da comarca de Oeiras, em cujo exercício
permaneceu até o ano seguinte.
No entanto, em 1834 ingressa
na política, sendo eleito deputado geral(hoje federal) pelo Piauí e permanece
no parlamento, com pequenos interregnos, em face de gestões administrativas,
até o ano de 1847, por cinco mandatos consecutivos, alguns deles também pelo
Ceará. Durante esses mandatos parlamentares distinguiu-se entre seus pares,
tanto nas comissões técnicas, por seu reconhecido conhecimento em finanças
públicas, área em que se especializou, quanto na tribuna parlamentar,
proferindo eloquentes discursos que ficaram marcados nos anais do parlamento
nacional.
Ainda ao final de 1834, foi
nomeado presidente da província da Bahia, então uma das mais importantes do
Império, tomando posse em 10 de dezembro, à frente de cujo governo demorou-se até
18 de abril do ano seguinte. Essa passagem pelo governo da Bahia foi marcada
pela Revolta dos Malês, quando, desassombradamente, de arma em punho, com a sua
guarda, enfrentou os negros muçulmanos que tentavam tomar o governo da
província e proclamar um reinado. Para isso planejaram assaltar o Palácio do
Governo, o Quartel Militar, o Forte de São Pedro e o Quartel de Infantaria de
Linha, dominando, assim, a cidade de Salvador, para matar todos os brancos
cristãos e coroar a escrava Sabrina, que a tinham como princesa em sua terra. A
maioria dos negros revoltados era formada por ex-escravos libertos, africanos,
islâmicos da etnia nagô, que exerciam atividades livres em Salvador, daí serem
chamados “negros de ganho”(alfaiates, pequenos comerciantes, artesãos e
carpinteiros). Embora livres e com pequenas economias eram discriminados em
face da cor e da religião. Principalmente esses mais abonados lideraram o
movimento e forneceram armas e munições. Tudo foi arquitetado em sigilo,
através de suas associações religiosas e sociedades secretas. A data do levante
foi estrategicamente designada para a noite de 24 para 25 de janeiro de 1835,
durante os festejos do Senhor do Bonfim, que atraía grande parte da população
local. O plano é era surpreendê-la e chaciná-la. É que os negros maometanos
contavam com a ausência de forças militares na Bahia e demais províncias do
Norte, que se encontravam combatendo a Revolta dos Farrapos, no Rio Grande do
Sul. Então, nesse momento de tensão, a firmeza de pulso desse varão piauiense
foi crucial para abafar o movimento rebelde. Sobre o assunto diria mais tarde,
o desembargador José Manoel de Freitas, no Diário
de Pernambuco: “A presidência do Dr. Francisco de Sousa Martins na Bahia é
um de seus momentos de glória. Ainda hoje os baianos agradecidos referem-na com
mostras de júbilo, de satisfação, e nossa história contemporânea não poderá
deixar de registrá-la. (...). No dia do cataclisma, o Dr. Sousa Martins não era
somente o presidente enérgico e resoluto; não, ele era também o soldado
destemido e valoroso que peito a peito se debatia com os insurgentes; a
insurreição sucumbiu de repente, em presença de tão porfiada resistência”(Diário de Pernambuco. Maio, 1857).
Depois de retornar ao
Parlamento, em 1839, foi nomeado presidente da província do Ceará, tomando
posse em 3 de fevereiro de 1840 e permanecendo até 9 de setembro, por sete
meses. Novamente, ficou atento à revolta dos Balaios, que eclodia no Meio-Norte
brasileiro e ameaçavam invadir Frexeiras, perto de Granja. Por essa razão,
dirigiu-se para a cidade de Sobral, visando preparar a defesa da fronteira
cearense. Em sua gestão tem início a edificação do farol do Mucuripe, em
Fortaleza. Também, pela lei provincial de 26 de agosto de 1840, foi transferida
a sede de Vila Nova de El-Rei para Ipu.
Ao ser afastado do governo
cearense, em face de mudança ministerial, reassume seu cargo de juiz na comarca
de Oeiras. Em 1842, foi removido desta comarca para a do Rio de Janeiro. Em
1845, foi removido para a de Ouro Preto, então capital de Minas Gerais, não
assumindo, porém, em face de se encontrar no exercício parlamentar. Todavia, ao
fim deste, em princípio 1847, assumiu o lugar de juiz dos feitos da fazenda
Pública do Rio de Janeiro, em cujo exercício, infelizmente, demorou-se apenas
quatro meses, afastando-se para cuidar de sua saúde, não mais a recuperando.
Tão jovem, com apenas 42 anos de idade, encerrava sua vida pública, pondo fim a
uma ascensão brilhante em que preponderou a honradez na administração da coisa
pública, a justeza nas decisões judiciais, a sapiência nas questões financeiras
e a eloquência na tribuna parlamentar.
Desde então, quase cego, doente do corpo e da
mente, passou por uma série de martírios e de sofrimentos. Segundo o
desembargador José Manoel de Freitas, o início desses males coincide com o de
seu casamento com uma “donzela fluminense, em cujas faces refletiam os
atrativos das ilusões da mocidade; desposou-a, e desde esse momento a alegria
afugentou-se de seu coração; uma febre abrasadora como que lhe devorava o
cérebro, e os homens que o conheceram ávido de glória, intrépido nos combates
da tribuna, e refletido nas suas resoluções, chamaram-no de louco, vendo-o
assim triste abatido e indiferente a todas essas grandezas que ainda há pouco
disputava; mas não, o Dr. Sousa Martins não era louco, ele era apenas um homem
que sofria muito e que queria ocultar ao mundo os arcanos de seus sofrimentos”
(Diário de Pernambuco, maio, 1857)
Em busca de lenitivo, ao
final de julho desse último ano, obtém licença dos poderes legislativo e
executivo, e viaja para a França, que a encontra revolucionada. Mais tarde,
depois de peregrinar por outras cidades europeias, vai para Lisboa, onde se
demora por algum tempo. Sobre esse assunto escreveu ele diretamente de Lisboa
para o Diário de Pernambuco, edição
n.º 280:
“É inútil aqui mencionar tudo
quanto tenho sofrido nos últimos três anos; posso, porém, dizer em geral, que
durante esse espaço de tempo, um só dia não tenho vivido com humor contente e
espírito livre e satisfeito. Aos males físicos que diariamente me oprimem,
acrescem noites contínuas de completas vigílias e anuviadas com as mais lúgubres
e funestas meditações; a sociedade humana tem-se-me tornado um flagelo, e a
minha vida converteu-se em uma agreste e selvática misantropia. A única
satisfação que ainda experimento é a que me confere a solitária leitura de meus
livros; estes são hoje os meus únicos amigos, os companheiros dos meus momentos
de infortúnio, os consoladores das minhas tristezas, o único conforto que neste
vale de lágrimas da vida humana não pode ser roubado ao infeliz, ainda que
desamparado de toda natureza.
‘Mas, esse mesmo derradeiro
refrigério de uma existência amargurada, em grande parte me tem sido impedido e
contrariado pelos sofrimentos de meus olhos; pois que, ainda que agora possa
ler e escrever, contudo isto não o posso fazer sem grande fadiga, cansaço da
vista e exaltação do cérebro, o que acarreta penáveis incômodos nas maldormidas
noites. Ainda isto mesmo, só agora, depois que estou em Portugal, me tem sido
permitido, porque antes quase que nenhuma leitura me era possível por mais de
meia hora”.
Em 1851, “abatido pelas
moléstias e acabrunhado de desgostos”, no dizer de Miguel Borges, recolhe-se a
Oeiras, onde é efusivamente recebido, passando depois para sua fazenda
Canabrava, onde vive os últimos dias de sua vida. Consta que, em 1853, tentou
sem êxito, o suicídio.
Finalmente, veio a falecer em
5 de maio de 1857, com apenas 52 anos de idade.
Em seus pertences encontraram uma tradução por ele feita, e que ficou
inédita, de Viagens em redor do meu
quarto, de Xavier de Maistre, entre outras, e escritos sobre finanças. Em
vida publicou Progresso do jornalismo no
Brasil(RIHGB, t. VIII, p. 262 a 275), alguns discursos nos Anais do Parlamento Brasileiro, e alguns
outros trabalhos que ficaram esparsos na imprensa de seu tempo. Pertencia ao
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
Traços de sua biografia
exaltando a sua personalidade foram anotados pelos biógrafos Miguel de Sousa
Borges Leal Castelo Branco, João Pinheiro e Joaquim Chaves, a quem venho
associar-me com essas notas que visam relembrar grandes vultos que honram e
glorificam a terra piauiense.