quinta-feira, 31 de março de 2016

O TRIUNFO DO TREMEMBÉ




Os aventureiros comemoram, com dois visitantes, o sucesso da expedição Barra do Longá e o triunfo do super Tremembé

O TRIUNFO DO TREMEMBÉ

Elmar Carvalho

Na sexta-feira desta Semana Santa saí direto de Teresina para a Várzea do Simão, com o objetivo de inaugurar, no sábado de Aleluia, o motor de popa Yamaha, 15 HP, dois tempos, que comprei através da internet na Paraqueda Náutica, por indicação do amigo Roberto Carlos Sales da Silva, brioso delegado da Polícia Civil do Piauí, de cuja Academia é reitor.

O equipamento se destinava a mover o pequeno barco de alumínio, que designei como Tremembé, em homenagem aos bravos indígenas, que antigamente percorriam o delta do Parnaíba. A saga desse barco, como muitos de meus leitores sabem, foi infelizmente inglória. Farei, como dizem os juristas em seus floreios de linguagem, uma apertada síntese.

O projeto inicial era muito simples e muito modesto. Comprei um barco inflável modelo Cheyenne 500, através do site da loja Submarino. Fiz duas viagens, sem nenhum acidente ou uso indevido. Quando fui usá-lo pela terceira vez, no intervalo de apenas três meses, descobri que o equipamento estava descolado, na parte que liga o fundo à borda, o que o tornou inservível.

Fiz contato com a Submarino, para que resolvesse o problema, mas ela se negou a isso, alegando que já se passara mais de sete dias. No meu parco entendimento, essa empresa deveria encontrar uma solução, já que se tratava de defeito oculto (ou vício redibitório), podendo ela, depois, usar o chamado direito de regresso contra o fabricante, sediado no estrangeiro, mas não empurrar a parte mais fraca para resolver esse ônus.

Logo constatei que o motor de 2,6 HP que eu havia comprado para o barco inflável era insuficiente para o barco de alumínio que eu adquirira por causa do defeito do inflável. Fui aconselhado pelo advogado Carlos Eduardo, experiente em motonáutica, a adquirir um de 15 HP, que seria o ideal para o tamanho e peso do meu casco. Então, seguindo a orientação do comandante Roberto Carlos, sempre em ritmo de aventura, fiz o negócio referido no primeiro parágrafo.

Como o comandante Natim Freitas, que antes demonstrava ser um panteísta, dissesse que havia feito uma promessa com Santa Luzia, padroeira do povoado Barra do Longá, seguimos eu, ele, Francisco Ribeiro e o Didi para essa localidade, distante aproximadamente 18 km a montante. O rio Parnaíba estava muito cheio, com forte correnteza. Após a ponte do Jandira, percurso por nós desconhecido, vimos belas paisagens, sobretudo agora, em que se mostravam verdejantes, por causa das chuvas.

Em certo trecho, vimos uma comunidade, talvez familiar, com as casas encarapitadas em imponente morro, situado numas das curvas do Velho Monge. Noutro local, umas grandes pedras formavam uma espécie de estreito, que tornavam as águas revoltas. Nosso hábil timoneiro venceu essa corredeira, sem nenhum acidente ou sobressalto.

No decorrer da viagem o Natim, com o aval do Francisco Ribeiro (que em seus 73 anos de vida demonstrou mais vitalidade e preparo físico que nosotros), nos contou que seus saudosos avós João Simão e Filomena, meus sogros, na embarcação Borboleta, com a ajuda de uma vela, iam participar dos festejos de Santa Luzia. No retorno, embora a correnteza fosse a favor, o vento soprava em sentido contrário, de modo que a vela era arriada. Por esse motivo, os filhos Pedro, Beré e Zuza, na época jovens e fortes, empunhavam os remos com todo vigor e velocidade.

Atracamos na comunidade Barra do Longá, em local perto da ermida. O mestre Natim se dirigiu ao templo, que se encontrava fechado. Ante esse óbice, ele espalmou suas mãos sobre a madeira da porta e rezou contrito, como convinha. A viagem de retorno, rio abaixo, não teve, felizmente, nenhum percalço ou acontecimento notável, com exceção do vento forte, que provocava fortes ondulações, quase pequenas pororocas, nos causando a sensação de cavalgada fluvial.

Enfim, chegamos ao nosso porto seguro. Após retirarmos o triunfante Tremembé do rio, fomos comemorar a venturosa aventura na Toca do Velho Monge. O Natim Freitas nos esclareceu que em suas orações pedira que uma forte chuva caísse sobre a Várzea do Simão. Outrora os coronéis da política interiorana eram chamados algo talvez ironicamente de mandachuvas. Logo após suas palavras, uma torrencial chuva nos afagou a pele, tornando a tarde mais agradável e mais abençoada.

O autoproclamado mago Paulo Coelho, autor de O Alquimista, O Diário de um Mago e A Bruxa de Portobello, afirmou ver anjos e que sabia produzir chuva, embora tenha acrescentado, numa crise de humildade, que vira apenas as asas angélicas, e que esses atributos não eram importantes. Assim, tenho como certo que, atualmente, apenas o bruxo Paulo Coelho e o comandante Natim Freitas fazem chover.

Estou até pensando em mudar o nome do Natim, por causa de sua bravura, para Mandu Ladino, o grande líder indígena, que comandou a confederação tribal de que faziam parte os Tremembés, já que ele é também intrépido piloto do agora super Tremembé, de gloriosa saga, apesar de todos os percalços e embaraços, que já enfrentou.  

terça-feira, 29 de março de 2016

O circo chegou!


O circo chegou!

José Pedro Araújo
Historiador, cronista e historiador

A notícia corria chão e virava o mote das conversas nos botequins, nas esquinas e nas ruas da cidade modorrenta. Um velho e fumarento caminhão International acabara de chegar trazendo a trupe de artistas juntamente com toda a estrutura do Circo, noticiavam algumas pessoas com ar de imensa satisfação estampada no olhar. Acontecia assim na nossa velha e querida aldeia sertaneja do Curador quando um Circo, por mambembe que fosse, chegava à cidade pequenina dos idos da minha infância. A comunidade se agitava e as ruas enchiam-se de gente para observar a passagem do grupo empoeirado, rostos cansados, que acabava de chegar da vizinha Dom Pedro, onde estivera instalado nos dias anteriores.

Empoleirado na janela da minha casa, meus olhos curiosos tentavam adivinhar quais seriam as principais estrelas do espetáculo que se iniciaria já no próximo final de semana, dali a dois dias: aquele mais animado, sorriso aberto, gesticulando muito, deveria ser o palhaço, enquanto que o rapaz de porte atlético e postura convencida, deveria ser o trapezista principal, não restava dúvidas; já a mocinha com cara de enfado, lenço colorido cobrindo a cabeça para proteger os cabelos da poeira vermelha seria, sem medo de erro, a principal atração feminina, aquela que se apresentaria em trajes sumaríssimos e excesso de lantejoulas, purpurina e miçangas enfeitando a alegre vestimenta que deixava à mostra as belas e torneadas pernas de vedete. Estavam todos aboletados em um velho e enferrujado Jeep Willys que abria o cortejo da alegria e seguia lentamente para a velha Praça do Mercado.

A chegada de um Circo na cidade era motivo de alegria e regozijo para a garotada nestes sertões faltos de tudo, especialmente de atividades de lazer. Instalados no lugar se sempre, atraiam gente de todas as idades para assistirem ao espetáculo que começava, invariavelmente, às sete da noite. E com o propósito de observar de perto a novidade, de todas as ruas, becos e vielas, famílias inteiras acorriam ao local para admirar o frenético vai-e-vem do pessoal encarregado de proceder aos últimos ajustes para deixar o Circo pronto para dar inicio ao primeiro espetáculo daquela turnê na cidade.

Na maioria das vezes, tratavam-se de pequenos Circos mambembes, empanadas de chita ruim, um único trapézio onde um aprendiz de trapezista fazia algumas estripulias simples, para desgosto daquelas pessoas que já haviam assistido a espetáculos bem mais elaborados. E nesses casos, quem salvava a noite era mesmo o palhaço, garantindo a alegria com uma performance engraçada e seu jeito estabanado de se apresentar. Enquanto isto, no palco pobre erguido em frente ao picadeiro, protegida por uma cortina desbotada, uma velha vitrola emite em alto e fanhoso som uma música característica das apresentações de palhaços. A emoção estampada no rosto da plateia era o atestado de aprovação ou desaprovação do espetáculo. 

Vez por outra, aparecia também algum circo com melhor estrutura, lona colorida e bem conservada, trazendo uma trupe bem maior e até mesmo alguns animais exóticos. Esses já possuíam os três trapézios, além de trapezistas de maior gabarito. Chegavam em uma frota de caminhões mais novos e arrastavam atrás de si vários trailers para acomodação dos artistas do espetáculo. Esse tipo de Circo era raro. Mas, fomos brindados algumas vezes com alguns deles, para delicia dos aficionados.

Depois disto, de observar o circo instalado, era hora de correr atrás do ingresso para assistir a apresentação de logo mais a noite. Como o dinheiro estava sempre em falta, só tínhamos duas possibilidades de adentrar ao recinto do Circo: a primeira delas era ofertada pelo palhaço que saia pelas ruas da cidade conclamando o pessoal a assistir ao espetáculo de logo mais à noite. Atrás dele a meninada ia repetindo os conhecidos refrãos: “Hoje tem espetáculo? – gritava o palhaço – “Tem sim, senhor”! – replicava a meninada. “Às sete horas da noite”? – continuava – “Tem sim, senhor”! – “Hoje tem marmelada”? “Tem sim, senhor”! “O brilho do Sol esconde a Lua”! “Olha o palhaço no meio da rua”!, repetia a criançada em procissão. E assim seguia-se pelas ruas da cidade. O término da propaganda era exatamente na frente do Circo, local também da partida. Nesse momento eram distribuídos três ou quatro ingresso, o que causava um tumulto enorme no meio da criançada. E não foram poucas as vezes em que a disputa das mais de vinte crianças pelos poucos ingressos terminava em tapas e empurrões.

Perdida essa primeira oportunidade, restava a última chance de se entrar no recinto circense: “varar” o Circo, como chamávamos a invasão pura e simples, e sem pagamento. Esta, porém, não era uma tarefa fácil de se fazer. Escaldado com as costumeiras invasões da moçada, os donos do Circo tentavam evitar esse procedimento de todas as formas, colocando vigias no entorno da lona. Cercas de arame farpado com muitos fios, era a forma mais comum de proteção, mas que, na maioria das vezes, não evitava que um ou outro menino mais atrevido conseguisse penetrar no recinto para assistir ao espetáculo, coração aos pulos e olhos esbugalhados de admiração.

Uma forma eficiente de penetrar no recinto foi por mim posta em prática, com grande grau de acerto: deslocava uma das tábuas da grade de madeira que ficava próxima ao guichê – tarefa realizada cedo. E uma vez despregada, era posta novamente no lugar, e ficava somente encostada. Depois, já noite, aproveitando-me da hora de maior tumulto na fila para aquisição de ingresso, afastava rapidamente a tábua e entrava-se agilmente, voltando a peça de madeira ao seu local sem que ninguém testemunhasse. Estava consumada a ação. Algumas vezes, contudo, algum desalmado que se encontrava na fila, nos dedurava para os vigias. Ai era uma correria para nos escondermos no meio da multidão, coisa que nem sempre funcionava a contento.


De qualquer maneira, o Circo sempre era motivo de animação nas remotas comunidades sertanejas, como de resto acontecia em todos os recantos desse imenso país desde o século XIX, quando vieram para cá as primeiras companhias circenses trazidas por Ciganos expulsos de seus países de origem na Europa. Mas, além da alegria, eles traziam também alguns problemas para as famílias dessas comunidades interioranas. Não foram poucas as vezes em que esses saltimbancos levaram consigo, às escondidas, algumas moças da cidade, embevecidas e atraídas pelo charme dos espetáculos circenses e pela possibilidade de conhecerem novas terras. Velhos tempos! Belos dias!    

segunda-feira, 28 de março de 2016

Professor Alcenor Candeira Filho e a OAB/Parnaíba


Recebi o seguinte comentário, que julgo oportuno publicar:

Prezado e estimado Elmar Carvalho,

Sobre a manifestação do Professor Alcenor Candeira, também ilustre advogado parnaibano, a respeito da sessão da Câmara Municipal por ocasião de aniversário de criação da subsecção da OAB em Parnaíba, venho, embora com atraso, manifestar-me e declarar que Alcenor Candeira registrou bem os fatos, tendo sido daqueles que grande emprenho teve para a criação da subsecção. Solidarizo-me, pois, com o mestre e colega Alcenor Candeira. Por justiça, entendo que ele também merece ser homenageado, ficando esta minha manifestação como a devida homenagem. E que estendo a todos os demais que participaram da empreitada, e não tiveram seus nomes registrados na sessão de homenagem na Câmara Municipal, eventualmente.
Caro Elmar Carvalho, tentei enviar comentário direto ao seu blog sobre a citada manifestação, mas não tive sucesso, certamente por ter equivocado-me quanto ao modo de fazê-lo no espaço próprio aos comentários. Por isso é que lhe envio o presente e-mail.
Um abraço,

Marcos Antônio Siqueira da Silva
Defensor Público

domingo, 27 de março de 2016

Seleta Piauiense - Isabel Vilhena


A árvore

Isabel Vilhena (1996 – 1988)

O pequenino vegetal que agora
Acabas de plantar, a vida encerra.
Sob as carícias maternais da aurora,
Ele há de erguer-se, em flores, sobre a terra.

Plantaste o lume e o mastro das bandeiras,
Plantaste o fruto, a sombra dos caminhos
E o repouso das horas derradeiras!...
Deste um novo aposento aos passarinhos!

Plantaste o berço.  E, assim, essa alegria
Que à nossa vida todo o encanto empresta,
E até mesmo, o perfume que, num dia,
Hás de levar no lenço para a festa.

E quanta coisa mais há de te dar,
Pedindo em paga, apenas que a protejas!
Sob as bênçãos do céu, a farfalhar,
Tesouro vegetal, bendito sejas!

sábado, 26 de março de 2016

Ovos de páscoa, uma ova!


Ovos de páscoa, uma ova!

José Maria Vasconcelos
Cronista, josemaria001@hotmail.com

         Semana Santa, morte e ressurreição de Cristo. Somente ele, e não mais ninguém, veio ao mundo para romper o mistério do destino humano depois da morte. Jesus aceitou o aniquilamento de seu corpo, para logo ressuscitar. Prova de amor à humanidade, duvidosa da existência de outro lado da vida. Que só à luz da fé nas suas palavras para decifrar e aceitar fantástico mistério, que se repetirá conosco, conforme promessa do Mestre. Que a felicidade eterna se alcança, praticando misericórdia com o próximo, despojando-se do egoísmo exacerbado à vida material.

A sociedade moderna, pautada no consumismo e bens de capital, transforma as representações do sagrado em produtos de mercado, desviando-se de sentido mais sublime da espiritualidade.

No natal e páscoa, o homo religiosus contemporâneo direciona suas relações com o sagrado, comercializando apenas bens simbólicos da religião.  Esta demanda fortalece a constituição de um mercado de consumo, especializado na oferta daquilo que está, especialmente, na mesa. Uma espécie de religiosidade de glutões, e não de crentes.

Símbolos natalinos e pascais transformam-se em produtos mercadológicos, na hipócrita impressão de fé. Cristãos primitivos traduziam a fé com a pedagogia dos símbolos, sem intenções mercadológicas: ovos simbolizavam a ressurreição de Cristo: assim como o pinto sai do ovo, espontaneamente, Jesus libertou-se do sepulcro. A fertilidade do coelho retratava a fertilidade da graça em Jesus. Em tempo de jejum, substituía-se a carne vermelha por modesto peixe. A apelação comercial moderna, porém, explora antigas tradições com o consumo fantasiado de religiosidade. Os preços disparam, e a espiritualidade reduz-se a paganismo, “cujo Deus é o ventre”, no dizer de Paulo apóstolo.

Ouro, incenso e mirra, presentes oferecidos pelos reis magos, na gruta de Belém, servem para movimentar gigantesca indústria de papai Noel, em dezembro. O período da quaresma, com restrições ao consumo de alimentos, antecipa-se, porém, com o carnaval de nudismo, comilança e devaneios pagãos. E espírito religioso às favas.

A fé industrializou-se em ovos de páscoa, coelhinhos, papai Noel, receitas de pratos raros, caros, de nenhuma aliança com o transcendental. A televisão se enche de reportagens ao sagrado, associadas a superficialidades, superstições e crendices, quase sempre aceitas como “fé popular”, mas sem atingir o verdadeiro sentido da fé inteligente e menos emocional.

Criei-me em família cristã. Meus pais e uma vida modesta. Conceitos de virtudes e de vida santa, exemplos repassados aos filhos. Éramos abençoados porque aprendíamos, desde cedo, a exercitar a presença de Deus na família conjugada à Igreja.

O mal atravessa gerações, quando se negligencia o exercício das virtudes. O bem vai mais além, rompe até quarta ou mais gerações. Graças à educação recebida no ninho de meus pais, depois em seminário franciscano. A indústria do consumo não me seduz, na tentação do fruto paradisíaco. Ovo de chocolate com mensagem pascal, uma ova! Vai-te satanás!   

sexta-feira, 25 de março de 2016

BEM-AVENTURANÇA


BEM-AVENTURANÇA

João Borges Caminha
Advogado, articulista, historiador e professor inativo da UFPI

Bem-aventurado aquele pai em cujo aniversário mereceu, ainda vivo e consciente, a dedicatória e lançamento de um significativo livro de memórias. Este fato aconteceu em 05.01.2016, quando o Sr. MIGUEL ARCÂNGELO DE DEUS CARVALHO completou 90 anos de idade, em pleno gozo de suas faculdades físicas e mentais, louvado e agraciado por todos os seus filhos, familiares e amigos, cujo evento ficou marcado em admirável esboço de memórias da lavra de seu filho, escritor famoso, JOSÉ ELMAR DE MELO CARVALHO.

            Ao prospecto atribuiu a designação de RETRATO DE MEU PAI. HOMENAGEM AOS SEUS 90 ANOS DE VIDA. Elmar é escritor e poeta renomado cuja vocação assimilou ainda no berço. Tem centenas de escritos publicados ou não entre prosa, verso, sonetos e novelas. Pertence à Academia Piauiense de Letras – APL e a todas as instituições culturais em terras piauienses, de que nem de seus nomes me lembro e, por isso, deve ser frequente e continuamente lido por todos d’aqui e d’além.

            Li com atenção o dignificante trabalho, de estilo claro, preciso, conciso, de 52 páginas, desta feita totalmente em prosa, a não ser na folha 10, quando ditou versos de Da Costa e Silva para recordar bois de serviço, carros e engenhos de madeira de uso no passado que, recordando, o homenageado fez como dever de casa para sua inesquecível escola.

            No brilhante resumo, relatou a vida familiar do casal inclusive de sua falecida mãe Dona Rosália entre as páginas 7 e 31, ora recordando os primeiros empregos do pai, sejam na Casa Marc Jacob, Inglesa ou definitivamente no antigo DCT ou ECT posteriormente (7 a 12). Registrou, também, a genealogia resumida de familiares, fixando suas origens entre Barras, Piracuruca, Piripiri e depois suas residências em Barras, Campo Maior, Francinópolis, Parnaíba ou Teresina (PI), por necessidade do serviço (13/16).

            Num capítulo à parte descreveu a saga da volta de seu pai em 2007 à cidade de Francinópolis (antigo povoado Papagaio) onde ingressou no DCT em 1957 e ali morou mais de ano. Com familiares e amigos descreve a viagem até Elesbão Veloso e desta àquela. Ali chegando, reviveu a terra onde ingressou no último emprego citado, que lhe permitiu viver condignamente com sua esposa e filhos. Reviu a natureza, sua adaptação pelos habitantes, as árvores frutíferas ou não, o terreno e seus morros com altos e baixos, o cemitério em seu cimo, as ruas novas ou antigas, prédios oficiais ou não e as pessoas, idosas ou jovens, notícias dos falecidos e dos vivos, inclusive o admirável progresso atual da cidade de Francinópolis. Foi fotografado um pouco de tudo para as atuais e futuras gerações do aniversariante.


            Completaram o excelente esboço com chave de ouro as comoventes mensagens dos filhos, netos, amigos, além de outros e a memória fotográfica pontificada de fls. 35 a 52. O epíteto do trabalho não retrata tão somente as fotos da capa dos 90 anos de vida de um homem e mais um pouco, mas, muito mais ainda, mostra sua vida de trabalho, dedicação, prudência, coerência, altivez, humildade, zelo, dignidade e bem-aventurança. Eis aí, pois, a certeza da adequação do título ao texto. Quem dentre nós outros cidadãos honrados, cumpridores de seus deveres para com a Família e a Pátria não gostaria de receber tão merecida e digna moção, ainda em vida? 

quinta-feira, 24 de março de 2016

FRANCISCO CARDOSO E SEUS OITENTA ANOS DE VIDA

Francisco Cardoso, esposa, filhos, genros, nora e netos

O aniversariante com familiares e convidados


FRANCISCO CARDOSO E SEUS OITENTA ANOS DE VIDA

Elmar Carvalho

No dia 12 de março, no salão Vip do Iate Clube de Teresina, Francisco Cardoso comemorou suas oito décadas de existência, e aproveitou para lançar o seu mais novo livro – Solar dos Furtados. Havia me pedido para eu falar nessa solenidade. Como não me tenha sido possível compulsá-lo antes, resolvi dizer algumas palavras sobre seus livros anteriores, que conhecia bem. Tentarei fazer um resumo do que disse.
Sobre Memórias da adolescência ressaltei que ainda lhe conheci o embrião, manuscrito em grafite. Certo dia do ano de 1993 ou 1994, Francisco Cardoso me apareceu na extinta SUNAB, que então funcionava no prédio do Ministério da Fazenda, atendendo recomendação, acredito, de seus sobrinhos José Ataíde e Carlos Cardoso, irmãos maçônicos e velhos amigos. Conversei com ele e lhe dei algumas sugestões, no que fui coadjuvado por Adrião Neto, também fiscal dessa autarquia federal.
O livro foi editado um pouco depois e continha prefácio de minha lavra. Foi ilustrado por versos e fotografias de minha autoria, para minha honra e gáudio. Foi feita uma segunda edição, praticamente fac-similada. É muito importante para a história recente ou imediata de Campo Maior, uma vez que, de forma sucinta, narra episódios interessantes e engraçados de pessoas do povo, mas que faziam parte da paisagem humana da cidade; muitas marcaram época por suas idiossincrasias e excentricidades.
O autor, dotado de memória prodigiosa e detalhista, traça o perfil biográfico e psicológico de cachaceiros, boêmios, seresteiros, instrumentistas, prostitutas, operários etc., ao tempo em que narra episódios hilários, interessantes ou mesmo pungentes, de que eles foram protagonistas. A obra também contempla narrativas lendárias, que mais cedo ou mais tarde poderiam cair no esquecimento, em face da fragilidade da história oral.
Em suas páginas desfilam figuras como Bodão, Corega, Poldra, Zé Bocoso (este tinha fama de virar lobisomem, nas noites de plenilúnio), Chagas Porca, grande sanfoneiro, que ainda tinha a habilidade de dançar com alguma cachopa do meretrício, enquanto tocava o seu instrumento musical. Alguns desses perfis foram publicados em Geração Campo Maior – anotações para uma enciclopédia, de Reginaldo Gonçalves de Lima, já falecido, obra notável que tive a honra de prefaciar, e que bem merece ser reeditada, pela sua importância historiográfica e cultural para Campo Maior.
Na parte autobiográfica, em que são contados fatos de sua meninice, adolescência e juventude, constam episódios que encerram lição de vida, e outras façanhas jocosas. O texto que mais me provocou gargalhadas está contido nesse livro, sob o título de Jumento Preto. Já o trecho intitulado Morte de um amigo, que narra o sacrifício do cachorro Rex, de forma quase covarde e ingrata, me provocou funda tristeza, porque me fez recordar nossas saudosas cadelinhas Anita e Belinha. O autor discorre ainda sobre costumes, culinária, festejos e folguedos campomaiorenses, além de alguns fatos, como crimes ou traições, que tiveram muita repercussão na época.
Muito do que foi dito sobre Memórias da adolescência é aplicável ao Memórias de Campo Maior. Acrescento que neste último foram citados os principais sobrados, casarões e logradouros, muitos já destruídos pela incúria do Poder Público e pela falta de sensibilidade de particulares. Foram mencionadas “figuras da noite”, tais como Vicentim, Maria Pau-d’Arco e Mira, donos de freges (misto de restaurante popular e botequim).
Relatou Cardoso como era feito o abastecimento d’água, em geral por meio de “roladeiras” ou de carroças com pipa, cujas águas eram retiradas de cacimbas à margem do Açude Grande ou trazidas da localidade Lindoia, muito afamada pela qualidade do precioso líquido. Falou ainda de transportes e do comércio, inclusive do extrativismo da maniçoba, tucum, cera de carnaúba e babaçu.
Cardoso narrou, como já disse, muitos casos curiosos ou humorísticos. O autor, com riqueza de pormenores e com sua maneira peculiar e engraçada de contar “causos”, é mestre em provocar o riso ou em atrair a atenção do leitor. Em minha meninice cheguei a ouvir umas buzinas fortes e melódicas, verdadeiros instrumentos musicais altissonantes. Como nessa época tudo era analógico, pensei que existisse nelas algum mecanismo de corda, semelhante aos de realejos e caixas musicais. Cardoso, todavia, nos esclarece que as buzinas eram ligadas a um teclado, que o motorista, com dote artístico, dedilhava.
Sobre o Solar dos Furtados quase não pude emitir comentários, porquanto só o vi na ocasião de seu festivo lançamento. Contudo, esclareci que me tornei amigo de vários membros dessa família, entre os quais cito Cristina do Vale e Silva, seus pais João Capucho e dona Consolação (já falecidos), seus irmãos João Francisco, Augusto César e Otaviano Furtado do Vale, este ainda vivo no panteão de minha saudade; seus primos José Ataíde, Carlos Cardoso e o arquiteto Olavo Pereira da Silva Filho.
Nessa festa natalícia e cultural revi Antônio Francisco Cardoso Costa e sua irmã Isabel (Bebel), os quais não via há mais de 40 anos, desde quando eles, com seus pais, foram morar na capital dos alencarinos verdes mares bravios. Enfim, foi uma noite de muita emoção e lembranças. Como disse o poeta, “Uma ilusão gemia em cada canto, / Chorava em cada canto uma saudade”. Haja coração!...   

terça-feira, 22 de março de 2016

As “Aquarelas” de Soares Bolão


As “Aquarelas” de Soares Bolão

Dagoberto Carvalho Jr.
Da Academia Piauiense de Letras

Antes de mais nada fica esclarecido que o livro a comentar neste espaço de jornal, é “Aquarelas de um tempo”, do escritor oeirense Antônio Reinaldo Soares Filho que, bondosamente, também, atende pelo heterônimo que só faltava ser literário, para - ecianamente - completar-se. Já não me lembro desde quando e o porquê da associação de nomes tão ilustres; um deles, até curioso. Alguma coisa com Azevedo Bolão? Nem eu mais me lembro da origem da homenagem, se é que o foi. Certo mesmo, é que ele atende e, até, agradece honras que lhe prestem, também, ao segundo nome, mais para português, de Portugal, mesmo. Mas, acaba tendo mais a ver é com o de um líder baiano que fez história como republicano, no vizinho Ceará dos tempos distantes de Tristão Gonçalves. Personagem histórico, portanto e, assim, mais ligado a ele pelas pesquisas de arquivos; onde, decerto, ter-se-ão encontrado.

Vencido o alegre preâmbulo da apresentação, é bom que se registrem os títulos de estreia do escritor que, em “Aquarelas de um tempo” firma-se como cronista de sua cidade do nascimento e da memória. Apresentou-se, ele, em “Oeiras Municipal” (1992), verdadeiro arrolamento das testemunhas de nossa história vivida na primitiva povoação dos “Sertões de Dentro do Piauhy”, depois Vila da Mocha. Pelos seus olhos e sua escrita passaram todos os construtores da grandeza piauiense. E, para não abandonar seus personagens, aos cuidados apenas do tempo, logo tratou de dar-lhes os endereços que a própria história estabelece e quer documentados. Assim, competentemente, ele os situa e personifica em “Oeiras, Geografia Urbana” (1994).

Partem, portanto, dessa sólida base de dados reais, suas novas experiências – de resto, já exercitadas nas páginas de muitos jornais de Teresina –, agora definitivamente associadas à memorialística mafrense, nunca esquecidos (os seus leitores) que os oeirenses, de todos os séculos, assim – sempre o quiseram, e adotaram o termo, quase como patronímico. Vem de um de nossos colonizadores, Domingos Afonso, da freguesia portuguesa de Mafra, onde se eterniza o palácio-convento de Dom João V e do ouro das brasileiras Minas Gerais.

Temos, agora, em nossas mãos e para os nossos olhos e lembranças, tão ciosos do passado que a cada um nos foi dado viver, as “aquarelas” do bom pintor de memórias oeirenses que Reinaldo Soares acaba de se relevar. Gratificante, sobretudo, para os seus companheiros de geração e, até, os contemporâneos que lhe conheceram e admiraram os juvenis arroubos de menino “de qualquer peraltice capaz”, como dito pelo poeta pernambucano Mauro Mota, em seu  belo “Soneto muito passadista na Ponte da Madalena”.

“Last but not least”, as muitas e ricas ilustrações das crônicas que o realismo das descrições elevou à categoria de boas memórias. Elas, como quê, complementam as estórias contadas, enriquecendo-as pela força documental que se reservam à arte da fotografia, à pintura, ao desenho. No livro comentado, texto e “traços” interagem e completam-se como guardiões da memória que a tudo e todos impregna e magnetiza.

Em tempo: O livro será lançado na Livraria “Entrelivros”, Teresina, quarta-feira, 23 de março de 2016, às 19 horas.   

UM DEUS PARA OS DEMAGOGOS


UM DEUS PARA OS DEMAGOGOS

Antônio Francisco Sousa
Auditor-Fiscal (afcsousa01@hotmail.com)

Tudo o que falam ou comentam a respeito dele os outros, os da enorme suposta elite e opositores, ou seja, os inimigos do Brasil, está errado, é invenção, não existe, é cria de mentes conspiratórias ou de golpistas de plantão. 
                Por outro lado, tudo que ele, o mesmo, diz, faz, diz que faz ou faz que diz, de forma indireta, velada, valendo-se de subterfúgios ou de pura ironia, é expressão da mais alta e incontestável verdade, fato irretocável, pacífico e consumado, portanto, não passível de qualquer contra-argumento.
                Pode, inclusive, dita figura, em conversa reservada ou não com amigos, companheiros, cupinchas, asseclas, camaradas, parentes ou correligionários, depreciar, ridicularizar, trucidar, execrar, amaldiçoar autoridades de quaisquer poderes, gente de bem; enfim, pessoas ou indivíduos sobre quem, a princípio, não paire pecha, dúvida, denúncia ou acusação; sem que tal atitude signifique, de sua parte, falta de educação, de bons costumes, de ética, sequer, uma forma inadequada de alguém que já ocupou os mais altos escalões do parlamento e governo do país exprimir-se, se o ato verborrágico ocorrer entre quatro paredes, isto é, desde que não vaze para além dali o resultado daquele encontro verborreico.
Pensando bem, parece que a pessoa de quem estamos falando, mesmo querendo ou, ainda que isso fosse a única e inescapável opção, não pode cometer erros, equívocos ou desatinos a que os demais seres humanos estão suscetíveis, predispostos, propensos. Como se tudo que pudesse ser considerado erro, falha, engano, incorreção ou deslize de ordem moral, ética, existencial ou comportamental, apenas se aplicasse ou fosse impingido aos outros.
                É falácia alguém afirmar ser a mais honesta - dentre todas as honestas - alma que existe no universo vivente; jactar-se, para alegria de deslumbrados, como se isso fosse motivo de júbilo ou contentamento, de ser o único brasileiro capaz de incendiar o país - não verbalizou, mas talvez quisesse deixar dito nas entrelinhas ou para interpretação de quem quer que fosse: se decidisse peitar o parlamento, o poder judiciário, a imprensa e a opinião pública, a fim de fazê-los mudar de ideia a respeito do que sobre ele dizem, pensam ou concluem. Quem, verdadeiramente, se quimeriza como alguém de tamanha envergadura e pretensão, certamente, deve sentir-se maior e mais poderoso que um deus.
                Não pode querer ser inferior a um deus quem, além de se ver como um, exige, espera e aguarda de normais comuns que ousaram desafiá-lo, acusando-o de haver se envolvido em falcatruas humanas, indignas, portanto, de uma divindade mítica, que venham pedir-lhe desculpas e perdão. Pouco importa a esse deus dos demagogos saber que os motivos pelos quais é acusado ou investigado seriam conhecidos por todos em quase todo o universo. Em síntese: na visão de esse homem maior do que qualquer outro, simplesmente, ninguém, ninguém mesmo, seria competente ou poderoso o suficiente para acusá-lo, duvidar ou desconfiar de sua honestidade, retidão e lisura de caráter.
                Felizmente, nem todos o veem como se imagina: apenas a maioria de uma minoria que se exaure e diminui toma-o por guru, lume, farol. O contingente formado pelos que não comungam nem aceitam esse tipo de condução, discute e refuta a pretensa supremacia existencial desejada por ele, e vão à luta, envidando esforços no sentido de enquadrá-lo no parâmetro de humanidade que lhe cabe: o das pessoas e indivíduos falíveis. No nicho em que se encontram os que desconfiam de tão ufanista honestidade está a parte honesta do parlamento, do poder judiciário e de outras categorias da sociedade que não se deixam enganar pela lábia de mercadores de ilusão, que conseguem diferenciar, nas falas, atos e ações daqueles que se julgam perfeitos, demagogia e hipocrisia do que, racionalmente, pode ser aceito como factível.

segunda-feira, 21 de março de 2016

Lançamento de Aquarelas de um Tempo


Antonio Reinaldo Soares Filho convida os interessados em literatura para o lançamento de seu livro Aquarelas de um Tempo, que acontecerá no dia 23 de março próximo (quarta feira), às 19 horas, na livraria ENTRELIVROS, localizada na avenida Dom Severino, 1045, Bairro de Fátima.

O autor é geólogo e já chefiou o Serviço Geológico no Estado do Piauí - CPRM-PI. Publicou os livros Oeiras Municipal e Oeiras - Geografia Urbana, além de outras obras de caráter técnico. 

domingo, 20 de março de 2016

Seleta Piauiense - João Ferry


TERESINA

João Ferry (1895 - 1962)

Do meu bom Piauí, a linda Teresina,
Tem foros de princesa e tem condões de fada,
Cidade nova e moça em forma de menina,
Botão que desabrocha aos beijos da alvorada.

De tanto admirá-la a minha sorte ou sina,
De zelos possuída, ardente e apaixonada,
Supõe que o seu conjunto é uma mulher divina
E em vez de uma cidade, é minha namorada.

E disto convencidos, os sonhos cor-de-rosa,
Dão força ao pensamento e aos loucos devaneios,
Que fazem da minh’alma a imagem mais ditosa.

E lembra o Parnaíba, o rio de águas mansas,
Que na cidade verde, em frêmitos e anseios,
Sofralda a fímbria em flor das minhas esperanças.   

sexta-feira, 18 de março de 2016

Indignação: estupro no Palácio Alvorada


Indignação: estupro no Palácio Alvorada

José Maria Vasconcelos

          Os brasileiros foram dormir indignados com a notícia veiculada, à exaustão, nos meios de comunicação e redes sociais. O assaltante, ex-morador da Casa,  fugitivo da Justiça, entrara no Palácio, rendera a frágil e desmiolada primeira dama e a todos, com palavrões de embriagado, ainda cometera estupro contra a digníssima moralidade.

A população reagiu nas ruas e praças do Brasil, com panelaço e bordões. Até o juiz federal mais admirado dos brasileiros, recuado pelo assaltante, sentiu-se reduzida sua autoridade: soltou as gravações com diálogos sigilosos e palavrões do invasor com a primeira dama e demais amigos. A nação, assiste a tudo, de dignidade ultrajada. Refiro-me aos brasileiros de bem, que pagam altos impostos e custo de vida como resgates do assalto aos cofres públicos.  Patriotas que não aceitam contracheques e benesses da empulhação e submissão ideológica.

Há duas décadas, bela jovem e bem-sucedida empresária de 33 anos, casada, sem filhos, tentou, com apoio do marido, engravidar. Ela bateu à porta de especialista de referência nacional, médico das estrelas. Durante os procedimentos no consultório, a empresária, sob efeito de sedativos, acordou com o peso do clínico sobre seu corpo, estuprando-a. “O meu mundo caiu, adquiri várias infeções, perdi vários órgãos e a esperança de ser mãe, entrei em depressão, quase me suicidava”. A empresária montou uma rede de vítimas na caçada ao estrupador de suas pacientes, com apoio da Justiça, até encontrá-lo, fugitivo, e prendê-lo no Paraguai, depois de vinte anos de caçada. A brava senhora, aos 54 anos,  encarou-o no aeroporto. Uma saga quixotesca publicada no livro BEM-VINDO AO INFERNO. A HISTÓRIA DE VANA LOPES. A VÍTIMA QUE CAÇOU O MÉDICO ESTUPRADOR, condenado a 278 anos de cadeia. O livro traz o prefácio do juiz federal Sérgio Moro, o modesto e jovem Davi que enfrenta os gigantes assaltantes da Lava Jato. O Brasil torce pelo sucesso do magistrado e reza por mais dignidade da Suprema Corte. Ele mesmo, assaltante, profetizara, em 1988: “Quando um pobre é pego roubando, vai preso; se é rico, vira ministro”.

Tem razão o profeta de araque: os pobres foram feitos para a política, mas para sustentar o poder. Sustentar-se e contentar-se com migalhas da fome, porque a política, no Brasil, virou ciência da corrupção, começando pela Casa mais nobre da nação e das Conchas Acústicas.


Espero, como destemida empresária Vana, que dias melhores ainda virão, até porque invoco filósofo e teólogo Santo Agostinho, que viveu em período de gigantesca corrupção do Império Romano: “A esperança tem duas filhas lindas, a indignação e a coragem; a indignação nos ensina a não aceitar as coisas como estão; a coragem, a mudá-las”.  

quinta-feira, 17 de março de 2016

Non fare niente


Non fare niente

                           Cunha  e Silva Filho

      Vou colocar meu pensamento em suspensão. Apagar  por momentos  o que me possa chatear, o que me possa ser  aborrecimento, me largar à toa,  procurar o nada, o não refletido,  o não mentado.
       Podem até   darem  – não  me aborrecerei com vocês -  o nome que quiserem:  alienação,  não me importismo,  sei lá, não tou nem aí.  Desta forma,  não abro o jornal,  nem   vou pro computador. Chega de notícias, de más notícias,  de insoluções,  de lengalenga,  de empurra pela barriga. De vai não vai. De leis e contra-leis, brechas  e  chicanas, de recursos e não recursos. De Supremos que acolhem e não acolhem. Que voltam atrás. Descaminhos, louvaminhas,   xingamentos,  amigos partidos.
      Tanto faz. Tudo se quer mudar para ficar no mesmo, na sarjeta de sempre, na impunidade, na violência galopante do menor  na prática do crime  abominável e impune.   Pode ser. Pode não ser. Fastio de tudo. Até tenho vontade de dizer, ainda que doa a muitas sensibilidades que não gostaria de ferir,  de todos, mas todos mesmo: o mundo,  o meu país,  a minha vida, a vida alheia, as alteridades. Ainda sob suspensão do pensamento,  das ideias, quero embarcar em outra canoa, diferente,  absurdamente diferente, de uma canoa furada que ninguém deseja para si.
     Quero, porém, a luminosidade da verdade,  quero o sol,  a lua,  as estrelas,   o espaço sideral  sem Apolos da NASA,  sem nada. Quero  o céu limpo,  límpido, cor de neve,  com uma leve e breve  brisa   farfalhando   as folhas  de um  pé de  manga bem em frente de minha casa, digo melhor,  apartamento.  Quero a história, a geografia,  a filosofia,  os estudos  sociais, as religiões, as diversidades culturais, linguísticas. Não quero, porém, a fome, a ditadura, os maus políticos, as guerras civis. Do mundo quero apenas a paz.
     Quero o silêncio dos escritores fazendo suas obras,  dos leitores  sem pressa de que fala um  filósofo  italiano,   Nuccio   Ordine. Quero a solidão,  não dos justos, porque para mim seria muita pretensão, mas a solidão dos nostálgicos,  dos que não têm pejo de afirmar que amam o passado em todas as suas formas desde que não deixem de aí  incluir as artes, as ciências  desenvolvidas  pro bem da humanidade,  a que cura os enfermos,  crianças,  jovens, adultos  e idosos. Quero aquele momento do velho personagem de Guimarães Rosa (1908-1967), que vai  para a “terceira margem do rio,” quiçá,   único caminho que poderia  encontrar  para sumir  das contingências da existência.
       Quero a paz interior,  um dia só para mim como, numa  velha crônica,  já afirmei em momentos  de escapismo  semelhante a estes. E aqui não poderei   deixar de  omitir  a Pasárgada bandeiriana, a solidão intelectual  de Álvaro Lins (1912-1970),  a beleza eterna de Keats,   o entendimento  profundo da alma humana, de Shakespeare e, contraditoriamente,  o “pessimismo irônico" de Machado de Assis (1939-1908) as aporias de Fernando Pessoa (1888-1935),  a anoranza sentimental  da poesia galega, a vontade  de partir  de  Cesário Verde (1855-1886), a picardia malandra  dos contos de João Antônio (1937-1996),  o amor  das prostituas de Jorge Amado (1912-2001). Quero tudo isso e muito mais contanto que seja  para o bem de todos.
     Quero  os poetas  de todas as latitudes, principalmente  do século  XIX, sem  vanguardismos,  sem  obscuridades,  no eu falado   e confessado  sem medo de ser feliz, pueril,  lacrimoso, bombástico, naîve, sem  vergonha de ser, por momentos,   passadista.Quero a arte sem tempo e sem  lugar definido. A arte em si,  a Arte, arte.
     Ainda com o pensamento em suspensão,   quero apenas  viver a vida alegre,  em liberdade plena,  molhado com os primeiros  pingos de uma chuva  amiga e acolhedora, sem  provocações de enchentes nem  destruições de rios e de cidades do meu  Brasil. Quero mais a ficção do que os fatos, toscos  fatos  regidos  pela  enunciações  objetivas  e burocráticas como a atmosfera dos textos kafkianos, recriada  superiormente pelo autor de O processo. Quero a clarté dos franceses, não o romance  à Alain  Robbe-Grillet. Quero o romance de personagens de carne e osso(Agripino Grieco (1888-1973),com personagens que  nos transmitam  a “vida” da vida. Quero as humanidade  dos livros e dos autores, já que em muitos essa combinação  do “possível” não se coaduna com  o autor  considerado  em sua  identidade de registro em cartório.
    Antônio Candido, certa feita,  ou melhor, em certo texto não  teórico, deixou  escapar  uma afirmação  sobre   conceitos  teóricos e realidade literária, numa  análise de um escritor brasileiro que lida  com as camadas pobres da  sociedade, e me lembro de que  tocava na questão de dar nomes aos  bois, ao chamar de “autor’ o escritor, sem as novidades terminológicas   que  embaralham  tantos  os conceitos  que passamos  a  assimilá-los  apenas a partir  das incansáveis  abstrações  conceituais  complexas. 
   O fare niente desta crônica  tem  esse objetivo meio  atrapalhado,  meio gauche,   confuso, meio salada, meio caótico,  meio  contraditório, meio tudo, num caldeirão de  visões e de ideias,  cuja finalidade é  de, por momentos,  me livrar da realidade  madrasta que, no país,  tanto nos pesa  nos ombros já cansados pelos anos e pela   experiência acumulada  dos desastres e das misérias humanas, cujo foco,  deixo claro,  tem seu epicentro  no  Brasil de agora.  Não deixei ainda de colocar  entre colchetes os meus pensamentos e divagações. Tenham calma comigo, que chego lá.  
    Conversando com um médico  dos bons,  ele me  confesso  essas verdades simples e sem  subterfúgios: O Brasil é um país-continente,  com muita riqueza,  onde a felicidade poderia  encontrar seu lugar, com todo o mundo fazendo a sua parte, de forma  honesta e bem feita.  Bastaria isso.
     O que o estraga são os políticos que temos e observei com atenção que ele não fez ressalvas. “- Upa! Upa! meu pensamento” (poema  “O carrossel fantasma”) - diria  o poeta Da Costa e Silva (1885-1950). Despertei e o colchete se abriu e aqui volto à realidade.

     Na rua,  o perigo, de que fala Roberto DaMatta. Tenhamos, pois,  cuidados. “A morte nos cerca de todos os lados” sentenciou  Rui Barbosa (1849-1923), na obra José Bonifácio)) e “viver é perigoso”(novamente Guimarães Rosa), o que se aproxima da fala de um personagem de João Antônio: “Viver é brabo.” (conto “Dedo Duro”).  

quarta-feira, 16 de março de 2016

MEMÓRIAS E “CAUSOS” DO DES. VALÉRIO CHAVES



MEMÓRIAS E “CAUSOS” DO DES. VALÉRIO CHAVES

Elmar Carvalho

Na semana passada, ao caminhar no calçadão da Raul Lopes, em companhia dos magistrados Raimundo Lima, Carlos Barbosa, Antônio Lopes, des. Boson Paes e o funcionário da Justiça estadual Luís Américo Campelo, encontrei o des. inativo Valério Chaves, que nos convidou a acompanhá-lo até seu carro, estacionado do outro lado da avenida.

Recebemos então, devidamente autografado, seu mais recente livro, titulado Casos de Justiça e outras histórias que a vida conta. Ao que tudo indica, o desembargador, em sua humildade e certa timidez, não fez estardalhaço de sua obra e não a lançou em solenidade festiva. Simplesmente a editou e a está distribuindo a pessoas de sua estima e consideração, além de parentes e amigos.

Sem óculos no momento, não pude, de imediato, ler a simpática e amável dedicatória que ele me havia feito, o que só fiz ao chegar em casa. O livro, de 173 páginas, bem impresso, contém suas memórias, sobretudo as de sua meninice, adolescência e parte da juventude, e um conjunto alentado de “causos” jocosos, sérios ou interessantes, dos quais ele foi protagonista, coadjuvante ou observador, muitas vezes em decorrência de sua função judicante.

O des. Valério Chaves é uma das figuras paradigmáticas do Poder Judiciário Piauiense, pela sua notória honradez e probidade, e por sua humildade; humildade de quem nunca procurou ser honrado pelas vestes talares que envergou, mas de quem procurou honrar a toga que vestiu. Exerceu a magistratura, tanto no primeiro como no segundo grau, com inteligência emocional e sabedoria de vida, creio que hauridas e aperfeiçoadas ao longo de sua vida.


Nasceu no povoado Cocal, então município de Guadalupe, em 28 de abril de 1941, filho de Fernando Pereira Pinto e Dorcas Ferreira Pinto, que lhe ensinou as primeiras letras. Na cidade de Nova Iorque (MA), em 1957, concluiu o primário. Dois anos depois seguiu para Teresina, onde prestou o serviço militar.

Como podemos perceber da leitura de seu livro, mormente em suas memórias, estampadas na parte introdutória, mas também em várias crônicas de caráter memorialístico, em que narra episódios interessantes e algumas vezes pungentes de sua trajetória, foi um menino e um adolescente pobre, que muito cedo teve de trabalhar, no amanho da terra e no pastoreio das poucas “criações” de seu pai.

Contou esses episódios com sobriedade, sem dramaticidade, sem se atribuir status de herói. Mas de fato ele foi um herói do cotidiano, da luta renhida pela sobrevivência e para obter as suas conquistas. Sua escalada foi lenta e gradual, sem atropelos e açodamentos, porque desprovido de ganância e infenso a querer subir a qualquer preço. Por isso mesmo encerrou sua carreira como um magistrado digno e respeitado.


Casos de Justiça e outras histórias que a vida conta nos dão exemplos de vida, nas diferentes etapas da trajetória de seu autor, desde a infância modesta, em que foi chamado, para honra sua, de menino lenhador, de adolescente aguerrido no trabalho e no estudo, até o final da juventude em que, com muito esforço e obstinação, foi amealhando as suas conquistas, especialmente no jornalismo, no radialismo e na magistratura piauiense.    

terça-feira, 15 de março de 2016

HARDI FILHO E SUA BIBLIOTECA, QUE FAZER?


HARDI FILHO E SUA BIBLIOTECA, QUE FAZER?

Chico Miguel*


Quando um escritor como o poeta Francisco Hardi Filho morre a primeira preocupação dos intelectuais é com o seu legado em obras, sem esquecer as inéditas, e a sua biblioteca.

Hardi Filho era talvez um dos maiores leitores de Teresina, quiçá do Piauí. Lia tudo: as obras inéditas dos neófitos que traziam para que ele desse opinião. Opinião valiosa a sua. Não dava prefácios a obras que não valessem a pena ser publicadas. Às demais, chamava os seus autores para uma conversa e explicava muito calmamente o que era poesia, como se fazia e como não se fazia, o valor do poema, o valor da palavra, na sua linguagem bastante comedida, terna até. Cheia de exemplos de poetas e de poemas que deviam ser lidos e imitados, no início, porém, dos quais deveria desligar-se depois, quando estivessem maduros.

Ele acreditava que a poesia é um dom, normalmente a pessoa nasce poeta, e depois das leituras diversas é que se aperfeiçoa.

Mas voltemos à sua biblioteca, acredito que composta de mais de 4 mil livros, normalmente recebidos, autografados pelos autores da terra e do resto do país.

Estive, no mês passado, em Picos, onde o poeta Ozildo Batista de Barros que, diga-se de passagem, está formando uma das melhores bibliotecas do interior daquele município, ou melhor, daquela região. Segundo minhas conversas com Ozildo, ele aceitará e até agradece a dádiva do precioso espólio – a biblioteca do poeta Hardi Filho, de quem era amigo e por ser tão amigo, em sua memória, mandou levantar um estátua no espaço reservado a lazer, em seu sítio, ou seja, nas proximidades da piscina.

Ozildo Batista de Barros foi vereador de Picos, chegou a ocupar o cargo de Presidente da Câmara Municipal e depois abandonou a política. Hoje é simplesmente advogado, um dos melhores daquela região, senão o melhor. Mora no seu sítio “Falecido Amor”, que não deixa de ser uma “gozação” dele, pois se trata de uma pessoa bem humorada e inteligente, vive folgadamente do seu jeito e não quer outro. Muitos intelectuais de Picos se reúnem no seu sítio, que fica a meio caminho entre a cidade de Picos e a de Bocaina.

Creio que não haverá melhor oferta para a família de Hardi Filho para desincumbir-se do dever de dar um bom fim ao que ele deixou, pois Hardi vivia do seu emprego de funcionário aposentado do IBAMA, nunca se preocupou com dinheiro nem com coisas materiais. Filosoficamente, era uma personalidade bem diferente: séria, não ria, conversava pouco, recebia a todos que o procuravam como irmãos e como filhos. Mas, em compensação era um crítico feroz da sociedade ignorante, aquela grande maioria que não sabe dar valor às coisas mais importantes, cuja porção de gente entra facilmente para o consumismo e o desregramento social, distanciando-se das coisas da inteligência.

Para ele, a poesia, em primeiro lugar. Era sério demais para viver no nosso mundo tão desonesto, estúpido e que só pensa em dinheiro e riqueza. É preciso que se leia o seu livro “Dia Rio”, crônicas, que deixou inédito, tendo logo a Academia Piauiense de Letras, da qual ocupava uma cadeira, se apressado a publicar na “Coleção Centenário”.

Nos últimos dias, entrou numa profunda depressão. Fui lá e puxei por ele, perguntando se não estava mais fazendo poesias. E ele, com muita insistência minha, levantou-se, foi lá dentro e trouxe um caderno de sonetos como que preparados para publicação.
Mas não era mais aquele que me mostrava satisfeito e perguntava minha opinião, costume nosso, pois eu fazia o mesmo com meus poemas em relação a sua opinião. Quase que não conseguiu ler um ou dois. E pronto.

Por minha mulher, que foi visitar D. Adélia, a musa inspiradora de Hardi Filho, sua querida esposa, soube agora que a biblioteca tinha sido desmontada e levada para outro cômodo da casa, pois já havia indícios de cupim em algumas peças. É uma pena.

E Adélia contou para minha mulher, D. Mécia, que ele nos últimos tempos não falava, não pedia nada, dizia que não sentia nada, nada. E ela, insistente, olhava-o com carinho e perguntava:

- Hardi, diga-ma alguma coisa! Não suporto seu silêncio. Diga-me o que quer? Diga.

E ele apenas respondeu:

- Tudo o que eu tinha para dizer-lhe está nos meus livros.
E calou-se.

Eis o homem e o poeta Hardi Filho nos seus últimos dias, neste mundo.

                      (Artigo Publicado no jornal “Meio Norte”, Teresina, de 11-3-2016)

_____________

 *Francisco Miguel de Moura – Escritor, membro da Academia Piauiense de Letras

domingo, 13 de março de 2016

AS MOSCAS E O TEMPO


AS MOSCAS E O TEMPO

Elmar Carvalho

Moscas douradas
copulam no ar
e tecem teias
com fios longos de pensamentos,
que se perdem
em passado sem história
e em futuro sem
perspectivas.
Moscas vermelhas
copulam no chão
e as mulheres
surgem no matagal
e as camas estremecem
nas alcovas.
Moscas azuis
copulam no céu:
só existem
anjos e arcanjos
onde a matéria
não existe.

           Pba, 02.04.78

sábado, 12 de março de 2016

O céu está no chão


O céu está no chão

José Maria Vasconcelos
Cronista, josemaria001@hotmail.com

          Sentado na poltrona do avião que decolava, eu me grudava à janelinha, friozinho de medo na barriga. Contemplava Teresina, cheia de sol e de adeus. Rios Poti e Parnaíba, pontes Estaiada, Wall Ferraz, os carros cruzando avenidas, altos edifícios, tudo se reduzindo a miniaturas. A sensação de deixar minha gente para trás, voar às esferas celestes, sobre nuvens, o espírito libertando-se deste mundo, em fôlego de oração. 

As alturas têm dessas coisas: a gente se desliga do lado debaixo e extasia-se no transcendental. Profetas, monges e eremitas de todas as crenças refugiavam-se no alto das montanhas, para se encontrar na presença divina. Se vivessem na era do avião, certamente o vislumbraria nas brumas e nuvens.

A Bíblia relata que o profeta Elias entrou na presença de Deus, meio à brisa do Monte Carmelo, 1.400 metros de altura, e. tempos depois, foi arrebatado aos céus, numa carruagem de cavalos alados e incandescentes. Moisés recebeu os dez mandamentos, no Monte Horeb (Sinai), 2.300 metros, e desceu translúcido. Jesus resplandeceu no Monte Tabor, 600 metros, e dialogou com os profetas Moisés e Elias, que viveram centenas de anos antes. Seus discípulos, Pedro, Tiago e João, encantados com a sublime transfiguração, não queriam mais descer o Tabor e voltar à realidade, aqui embaixo. Astronautas contam histórias fantásticas experimentadas no espaço.

Padre Tony Batista, na reflexão sobre a transfiguração de Jesus, adverte fiéis para não se prenderem, demasiadamente, ao mundo contemplativo das alturas, como os três apóstolos do Tabor, negligenciando suas obrigações aqui no mundo. É que o céu também está aqui e carece da nossa participação na construção da sociedade. “O reino dos céus está dentro de vós”, maravilhosa frase de Cristo.

Três dias depois, retornava de Fortaleza. Daí a alguns minutos, a voz do comandante:“Preparem-se para aterrissagem... Apertem o cinto... Permaneçam em posição vertical... Teresina, bela tarde de sol...”

Teresina mais próxima de mim, sem miniaturas e distâncias, convidando-me para mais uma jornada de trabalho. Até que, um dia, outro avião, definitivo, me leve para espaços infinitos, e não mais voltar. Por enquanto, contento-me com a minha gente, minha cidade, abraçados, cantando a belíssima canção e letra, DOIS RIOS, de Nando, da banda Shank: O céu está no chão/O céu não cai do alto.../ O céu que toca o chão/ E o céu que vai ao alto/ Dois lados deram as mãos/ Como eu fiz também/ Só pra poder conhecer/O que a voz da vida vem dizer/Que os braços sentem/ E os olhos veem/ Que os lábios sejam/ Dois rios inteiros/ Sem direção.../E o meu lugar é este/ Ao lado seu, no corpo inteiro/ Dou o meu lugar/Pois o seu lugar/ É o meu amor primeiro/O dia e a noite, as quatro estações.    

sexta-feira, 11 de março de 2016

José Eusébio de Carvalho Oliveira

Igreja antiga de Campo Maior

José Eusébio de Carvalho Oliveira

Reginaldo Miranda
Da Academia Piauiense de Letras

Quando os conquistadores lusitanos escreviam nos anais da história pátria a sua saga de conquista dos sertões de dentro e adentraram a bacia oriental do rio Parnaíba, fincando a caiçara de seus currais, transpuseram o Piauí, o Canindé, o Gurgueia, o Poti e em sua inderrogável marcha de conquistas chegaram ao vale do Longá se depararam com campos maiores e verdejantes, matas abertas, entremeadas de extensos carnaubais, onde as boiadas se refizeram e prosperaram. Em pouco tempo aquela região dos campos maiores se constituía em promissora faixa de conquista, onde as boiadas se multiplicavam, atraindo novos conquistadores.

Foi por esse tempo que Bernardo de Carvalho e Aguiar se estabeleceu em um afluente do Longá, àquele tempo chamado Bitorocara, construindo o curral, depois a casa e, em seguida a capela sob a invocação do padroeiro Santo Antônio. Foi esse o início da cidade de Campo Maior, que viria a ser instalada na primeira leva de vilas piauienses, em 1762, ensina um dileto filho da terra, o notável vigário e pesquisador, mais pesquisador que vigário, Pe. Cláudio Melo. Não tardam a se estabelecer naqueles campos os herdeiros de D. Francisco da Cunha Castelo Branco, nobre economicamente arruinado, que ali adquiriu algumas fazendas, permanecendo, porém, com seu domicílio em São Luís do Maranhão, onde se estabeleceu ao chegar de Lisboa. Entre os que chegariam mais tarde estão os Carvalho e os Oliveira, ancestrais do jurista e político José Eusébio de Carvalho Oliveira.

Nasceu esse conceituado homem público, em 10 de janeiro de 1869, na cidade de Campo Maior, onde viveu os mais despreocupados anos da infância feliz.

Depois de cursar os estudos iniciais em sua terra natal e os preparatórios em Teresina, ruma para Recife a fim de frequentar o ensino jurídico, vindo a matricular-se na Faculdade de Direito, onde conquista o diploma de bacharel ao fim de 1891, com 23 anos incompletos.

De volta à cidade de Teresina, assume o cargo de procurador-fiscal da Fazenda Pública do Estado, em cujo exercício se houve com zelo e competência.

Entretanto, acontecimentos políticos iriam perturbar a sua paz. No plano federal, o presidente Deodoro da Fonseca iria renunciar em 23 de novembro de 1891, depois de grave crise política, assumindo o vice-presidente Floriano Peixoto, que lhe fazia oposição. Nesse contexto, em 21 de dezembro seguinte, foi deposto o governador Gabriel Luís Ferreira, porque fora fiel ao presidente renunciante. E, de forma franca, leal, o vice-governador João da Cruz e Santos (Barão de Uruçuí) não reconhece a deposição e se recusa a assumir o governo sem a expressa renúncia do titular. É quando o tenente-coronel do Exército João Domingos Ramos, responsável pela deposição, lidera e preside uma Junta de Governo Provisório, composta ainda por Higino Cícero da Cunha, Clodoaldo Severo Conrado de Freitas, notáveis intelectuais piauienses, Elias Firmino de Sousa Martins, José Pereira Lopes, todos conceituados membros de nossa sociedade civil e o procurador-fiscal José Eusébio de Carvalho Oliveira.

Foi, porém, precária e de apenas oito dias a atuação da Junta Provisória e, de nosso biografado à frente do governo piauiense, porque o Marechal Floriano Peixoto não a reconheceu. Mandou dissolvê-la tão logo soube de sua existência, em 29 do mesmo mês, e que o tenente-coronel João Domingos Ramos respondesse sozinho pelo governo até ulterior deliberação, limitando-se à manutenção da ordem. A situação assim perdurou por poucos dias, porque em 11 de janeiro de 1892 assume o governo do Estado o coronel Coriolano de Carvalho e Silva, indicado pelo poder central e aqui chegando foi “eleito por aclamação”.

Depois de dissolvida melancolicamente a Junta de Governo, transferiu-se José Eusébio para o Maranhão, onde assume o cargo de promotor público da comarca de Codó. Porém, demora-se pouco tempo no exercício desse cargo, no mesmo ano passando ao de juiz de direito da comarca de Pedreiras, onde permaneceu até 1895, quando foi transferido para São Luís como juiz substituto.

Por esse tempo, exerceu também os cargos de inspetor do Tesouro Público e procurador-geral do Estado do Maranhão.

Nos últimos dias do século ingressou na política, filiando-se ao Partido Republicano do Maranhão, por cuja legenda foi eleito deputado estadual.

Como forma de divulgar suas ideias colaborou em vários órgãos da imprensa maranhense, sobressaindo a atuação nos jornais O Estado, A Legalidade e A República.

Em março de 1900, foi eleito deputado federal, tomando posse em maio do mesmo ano, na Câmara dos Deputados, no Rio de Janeiro, então Distrito Federal, sendo reeleito no pleito seguinte, assim permanecendo no exercício do mandato até 1908.

Com a morte de Benedito Leite em março de 1909, de quem era seguidor e correligionário, passou a liderar o esquema situacionista, assumindo posição de realce na política maranhense. Nesse mesmo mês lançou-se candidato ao Senado Federal, sendo majoritariamente sufragado. Tomou posse em abril, para um mandato de nove anos, que foi concluído em 1918, quando foi sucessivamente reeleito para um mandato que deveria ser concluído em dezembro de 1926. No Senado teve atuação marcante, integrando as comissões de Saúde Pública, de Instrução Pública, de Constituição e Diplomacia, de Finanças e de Redação do Senado.

Foi um batalhador, ao lado de Domingos Perdigão, para a criação da Faculdade de Direito do Maranhão que, somente foi instalada em 1918.

Faleceu em pleno exercício do mandato senatorial, em 25 de abril de 1925, no Rio de Janeiro. Foi, assim, um ilustrado paiuiense com larga folha de serviços prestados nos dois lados do rio Parnaíba.