A CRÍTICA NÃO PODE MORRER
Cunha e Silva Filho
Creio que o estado da atividade da
crítica literária no país me leva a uma
antiga questão ventilada com muito interesse pelo
crítico impressionista Álvaro Lins
(1912-1970) a propósito da discussão do estado de crise na poesia em que se encontrava naqueles tempos de militância dele em rodapés
de jornais, mormente do Correio da
Manhã, no qual atuou, por muito tempo, como seu mais arrojado
analista de obras lançadas
ao público, quer literárias (ficção,
poesia, teatro), quer históricas, filosóficas ou de outra natureza.
Lins, sempre lúcido, afirmava que a alegada “crise” na poesia não era sinal de
decadência, mas de vitalidade, de efervescência, de superação,
renovação, que antes acentuava
as energias criativas, nunca sendo, portanto, a morte de um gênero. Era mais ou menos isso que
intentava transmitir naquele
estilo seu tão pessoal como se estivesse sempre
dando aulas ao leitor, porém sem dogmatismos e soberba.
No sábado passado,
li no Segundo Caderno do Globo,
Prosa e Verso,[1] uma resenha de título
entre polêmico e irônico, “Crítica literária, você ainda está aí?”, de Victor da Rosa. O resenhista, também ele
próprio um crítico literário, comenta
três publicações recém-lançadas que
têm como
eixo central estudos críticos de três livros, As formas de
romance, de Felipe Charbel, Henrique Guimarães e Luiza de S. Mello (org.),
Literatura e animalidade, de Maria Esther Maciel, e Armadilha para Ana Cristina
e outros textos sobre poesia contemporânea, de Sérgio Alcides.
Não tendo evidentemente lido nenhum dos
livros mencionados pelo resenhista,
apenas desejo assinalar algumas considerações em torno do que me suscitou o resenhista no tocante à
discussão, de resto, polêmica, do estado atual no país da crítica literária
como prática desenvolvida principalmente por professores universitários, em
particular pinçado algumas observações
afloradas pelo resenhista,
observações que há tempos têm se tornado
igualmente do meu interesse teórico e
de práxis crítica[2]
Meu intuito é mais provocativo, ou seja,
de suscitar novos questionamentos sobre a condição hoje da crítica literária
brasileira tendo em vista que o
número de críticos e ensaístas ( não falando aqui de tantos e tantos autores novos surgidos
ultimamente no país) nos tempos correntes, se multiplicaram enormemente, a ponto de não mais
nem podermos acompanhar o que uns e outros estão fazendo no momento e em que lugares do país.
É certo que, hoje, existe um leque mais amplo de correntes
críticas seguidas por tantos outros críticos e ensaístas nossos, cujo divisor de
águas, no Brasil, se iniciou a partir das querelas travadas, no
passado, dividindo os críticos entre
o Impressionismo e a Nova Crítica (através do esforço pioneiro, entre nós, de Afrânio Coutinho,
1911-2000).
Daí então, foram-se se adaptando no país novas correntes
críticas importadas da Rússia, da França, dos EUA, do Mexico, da Inglaterra, da Itália, da Espanha, da
América latina, da América do Sul, e da
Alemanha já despojadas de subjetivismos
superados, sobretudo com o
surgimento do estruturalismo na década de setenta do século passado, seguidos, depois, de autores que foram aparecendo
como I.A Rchards, Roman Jakobson, René Welleck, Austen Warren, Eric
Auebach, George Poulet, Hillis Miller,Stanley Fish, Hans Robert Jauss, Lévi,
Strauss, Emil Staiger, Michel Dufrenne,
Roland Barthes,Todorov, Vítor Manuel de Aguiar e Silva (por sua exposição
teórica fundamentada nas mais
atualizadas leituras de teóricos de
maior evidência no cenário cultural do
Ocidente), assim como fez Luiz Costa
Lima em seus dois volumes de teoria literária e, de certa forma pioneira, Massaud Moisés pela
contribuição notável de obras de referência
sobre teoria literária e prática de análise literária.
Poder-se-ia citar a obra Teoria da
literatura, organizada de A. kibédi
Vargas, professor de literatura francesa
na Universidade Livre de Amsterdã, Holanda, com apresentação de Jacinto do
Prado Coelho traduzida em Portugal, que
reúne uma série de textos
teóricos de teóricos europeus menos
conhecido até de estudiosos de teoria literária.Uma outra obra que, menos
densa do que a de Aguiar e Silva, seria
O conhecimento da literatura, do críticos e ensaísta português Carlos Reis, muito útil pela
excelência de informações bibliográficas atualizadas no campo da teoria
literária.
No Brasil, contamos também com a obra Teoria literária (1979), organizada
pelo crítico e teórico Eduardo Portela,
reunindo ensaios importantes de autores nossos.Para
estudantes de letras, podiam-se citar as obras Teoria literária
(Editora Ática), de Roberto Acízelo e as obras
de Rogel Samuel, Manual de teoria
literária e Modernas teorias
literárias: breve introdução,
publicadas pela Editora Vozes.
Saussure, Julia Kristeva, Foucault, Blanchot, Greimas, Derrida, os
estudos da Psicanálise freudiana, Walter Benjamin, Bataille, Genette,
Deleuze, Lacan, Mihail Bakhtin,
William Raymonds, T. S. Elliot,Charles Sanders Pierce, Jean Paul
Sartre, Althusser, Georg Lukács, Lucien
Goldamann, Bachelard, Adorno, Terry Eagleton, Jonathan Culler, Harold
Bloom, Umberto Eco, Frederic
Jameson, Roman Ingarden, Hans-Georg
Gadmer, Wofgang Iser, Susan Sontag,
Edward Said e muitos e muitos outros.
Diante de tantas correntes críticas surgidas nos últimos anos, voltadas para aplicações
de análises de literárias nos
campos do marxismo, da fenomenologia,
teoria pós-colonial, teoria
feminista, discurso da minoria,
teoria queer, do pós-estruturalismo, da
desconstrução, da psicanálise, do novo
historicismo, materialismo cultural, além das mais remotas, formalismo
russo, new critcism, seria
muito temerário falar-se em morte da crítica literária.[3]
Todo esse imenso
corpus teórico estará sempre acenando
para seguidores que se
afinem com a sua base teórica e até as leve a maiores
investigações do fenômeno literário e da
práxis da crítica.
Não faltarão críticos literários e ensaístas que levem adiante suas pesquisas, seja de
autores passados, seja de autores contemporâneos, nacionais e
estrangeiros. E eu arriscaria ainda
asseverar que, no domínio da crítica literária no futuro, haverá mais
autores se especializando em
determinadas épocas da história literária
universal, ou em determinados
autores, ou mesmo num só autor, Isso já se tem feito em centros adiantados,sobretudo americanos.
Não é, pois, uma novidade. Contudo, vejo esse como um dos caminhos pelos
quais a crítica literária, em
livro, na internet, na universidade, de autores e pesquisadores independentes terá um lugar,voz e vez.
Onde houver um espaço
de divulgação e de
interlocução, aí estará a crítica literária ainda fecundante e pronta para novos agenciamentos. E diria
mais, sem pessimismo algum, uma espécie de competição intelectual
saudável caracterizará os novos
tempos da crítica literária e dos
estudos teóricos. O que os tempos atuais
mudaram foi a relação entre o crítico e o leitor. Desapareceu o estrelismo, marca
dos tempos do antagonismo entre Impressionismo e Nova
Crítica. O espaço da discussão globalizou-se, arejou-se,
não se confina mais aos grandes centros do país mas se alastrou por todas as regiões brasileiras. Não há mais tão forte hegemonia
do eixo cultural Rio de Janeiro-São
Paulo.
A atitude diante da crítica deverá ser
feita de igual para igual, de pesquisador para pesquisador, seja
ele da universidade, seja da
internet, em sites e blogs. Todos
estarão contribuindo para um avanço dos estudos literários. Acabou a o
tempo do mandonismo intelectual, dos barões das letras. Vale o trabalho de
cada um somado aos trabalhos de todos. O
diálogo entre teóricos e críticos, desta
forma, será muito mais democrático, sem firulas de superioridade, dede patriarcas do domínio dos saberes. O que deles todos devemos esperar é
humildade, competência, originalidade
e avanço no domínio cultural. A crítica literária não
pode morre. Sem ela, o que há de ser do julgamento, da avaliação
e e da formação de melhores leitores. A crítica é uma
bússola. Nesta condição única, singular, específica, vitalizada permanecerá como um aviso aos navegantes de todos os tempos.
NOTAS
[1] Jornal O Globo. Segundo
Caderno. Prosa e Verso, p. 06, Rio de Janeiro,
20.0.2016.
[2] Cf. alguns breves artigos
meus sobre questões relacionadas à
situação brasileira da crítica
literária. Ver meu blog. “As ideias no
tempo,” ou os mesmos textos
na minha coluna “Letra Viva,” do site “Entretextos”, de Dílson Lages
Monteiro. Ver também no site
Academia.edu., - Francisco da Cunha e Silva Filho. Consultar ainda minha
pesquisa de Pós-Doutorado em Literatura Comparada, sob o título
Álvaro Lins e Afrânio Coutinho: dois críticos e uma polêmica. Coordenação dos Cursos de Pós-Graduação
em Ciências da Literatura. Faculdade de
Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro. .Supervisor: Professor
Titular Doutor Eduardo de Faria Coutinho..
Faculdade de Letras da UFRJ, 2º semestre de 2014, 167 p.
[3] EAGLETON, Terry. Literary
theory : a very short introduction.
Oxford University Press, 2000.
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