sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Herói

HERÓI

Carlos Said
Jornalista e professor

Herói é a consideração de um homem extraordinário pelas proezas executadas, geralmente pelo seu valor ou magnanimidade. Daí, buscarmos Confúcio (nascido e falecido no Estado Feudal de Luna, província de Xantug, durante a era de Chu, 551 a.C. - 478 a.C.), filosófico chinês voltado basicamente para reformas políticas que amenizassem a fome, miséria e opressão, propondo sempre a redução de impostos, diminuição de castigos severos e o abandono das guerras desnecessárias, lucrativas para os aristocráticos.  Afirmava constantemente: “O fim e bem supremo do homem é o aperfeiçoamento de si mesmo, pelo domínio das paixões e a adoção do caminho do amor”.

Consequentemente, José Marques da Costa (Alto Longá, 1932- Teresina, Piauí, 2013), vaqueiro, administrador das fazendas situadas no município de Altos e Altos Longá, político e vereador da cidade longaense, período 1958-1962, proprietário rural, empresário no concernente ao transporte municipal, comerciante em Alto Longá e Teresina, instalado no comercio de laticínios na região da antiga Catarina, zona rural da capital do Piauí (sic), tornou-se o grande responsável pela criação e desenvolvimento de feiras ao ar livre nos dias de sábado em cidades do Piauí (Altos, a primeira urbe, serviu de exemplo por aceitar os serviços do dedicado administrador José Marques da Costa).

Parecido a Confúcio que se permitia fazer bem tudo o que se faz, o fabricante de rapadura e cachaça nas horas intermináveis de trabalho no Engenho da secular Fazenda Bonsucesso-Altos, motivou a criação da cidade de Pau d’Arco do Piauí. Ademais, os seus amigos até mesmo confidentes comerciantes, inspiraram vendas de produtos artesanais com cara de industrializados. Tudo para que nas estradas percorridas nascessem focos civilizatórios como Mucuim, Moraes, Flor, Agostinho Nogueira Lima e tantos outros.

A nobreza de José Marques da Costa percorreu terras nacionais. Chegou à cidade de Boa Vista, capital de Roraima.

Espalhou seu legado precioso e num piscar d’olhos, adentrou salas e auditório da casa do bioquímico militar Francisco de Assis Campos Saraiva. Ali, as façanhas de José Marques da Costa foram reverenciadas numa sequência admirável de recordações fraternas. A ponto de, ainda hoje, o preito da fiel amizade manter-se incólume entre o bioquímico residente na capital roraimense e cardiologista José Itamar Abreu Costa, filho e pupilo diletante do herói não esquecido e jubilado na crônica d’hoje.

O testemunho do Francisco de Assis Campos Saraiva é uma peça d’arte incrustada na verdade absoluta: “José Marques da Costa deixou a marca da humildade e o senso de urbanidade. Razão da perpetuação do seu nome com criação do Auditório Cultural do Hospital Itacor”. Abrigo como patronato, é exemplo para os que desejarem abraçar a vivência de José Marques da Costa, agregada às palavras de Rainer Maria Rilke (Praga, Tchecoslováquia, 1875-Montreux, Suíça, 1926): “Meu propósito é viver tudo”.    

quinta-feira, 29 de setembro de 2016

HISTÓRIAS DE ÉVORA - Capítulo XXIII


HISTÓRIAS DE ÉVORA

Este romance será publicado neste sítio internético de forma seriada (semanalmente), à medida que os capítulos forem sendo escritos.

Capítulo XXIII

A serra encantada (II)

Elmar Carvalho

O homem de barba longa, de face tostada pelo sol, após bater palmas e gritar, por duas ou três vezes ‘oi de casa’, foi recebido pela dona do imóvel e dois filhos, um adolescente e uma moça. Sem delongas, foi logo dizendo:
– Parece que vocês não estão me reconhecendo... Sou João Galdino e vocês são minha mulher Dulce, minha filha Joana e meu filho Gonçalo. Tive uns problemas na serra, que depois irei contar. Me perdi e só agora estou de volta, cinco dias depois de minha saída pra caçar. Vim a pé, pois não encontrei mais meus companheiros.

O homem se assustou com a sua aparência, quando se viu num espelho. Quando lhe foi informado que saíra de casa há três meses, e que já era dado como morto, ficou deveras perplexo. Em seguida narrou uma estranha e longa história, já com a presença de dois vizinhos, que foram chamados. Só lhe deram algum crédito porque nunca se ouviu falar que ele tivesse mentido alguma vez. Seguirei fielmente o que ele contou.

Ao se separar de seus colegas caçadores, afastou-se da estrada carroçável, entrando na mata cada vez mais cerrada, até um altiplano na encosta da serra, onde a floresta era menos densa, e havia uma clareira, ao longe, na qual ele avistou um objeto grande, de formato arredondado. Embora a mata fosse rala, não o distinguiu direito. A curiosidade o impulsionou em sua direção. Com certo temor, caminhou com muita cautela, procurando não fazer barulho, e ocultando-se atrás de árvores e moitas.

Em dado momento, foi acometido de repentino e irresistível sono. Quando voltou a si, estava no que considerou ser o salão de um palácio, porém diferente dos que já vira em filmes, retratos e ilustrações. O recinto era cheio de teclas, luzes e botões. Em certos locais parecia o painel de um carro luxuoso ou de um avião comercial, conforme já vira em revistas, mas com muitas diferenças.

Os materiais de que era feito esse salão pareciam estranhos, pela textura, cores e brilho. Alguns eram tão flexíveis ou diáfanos, que tinham o aspecto de sombras ou coisas quase imateriais. Estava deitado numa espécie de cama ou maca. Uns aparelhos ou instrumentos apontavam para ele. Todavia, não estava ligado a nenhum, pelo menos por fios.

Estava ladeado por três seres, que aparentavam ser duas mulheres e um homem. Suas feições e cor eram um pouco diferentes das encontradas na Terra. O corpo era muito esbelto, mais alto e mais retilíneo que o dos seres humanos. Os dois seres, que considerou do sexo feminino, tinham dois seios e quadris mais proeminentes. Em lugar de cabelos, tinham uma espécie de carapaça, algo semelhante a um capacete. Ou talvez a carapaça fosse mesmo um capacete.

Vestiam uma espécie de túnica volátil, esvoaçante, inconsútil. Essa vestimenta parecia não provocar nenhum incômodo ou constrangimento, conquanto fosse um tanto ajustada ao corpo desses estranhos seres. Se deslocavam suavemente, como se deslizassem ou levitassem, mas com extrema rapidez. Contudo, tinham pernas e pés. Após o que ele considerou ser um breve tempo, foi interrogado por eles, não por palavras, mas exclusivamente através do pensamento. Galdino lhes entendia o pensamento, e eles compreendiam o seu, sem necessidade de sons ou palavras. Talvez existisse a intermediação de algum aparelho tradutor de pensamento.

De súbito, sentiu um sono profundo, e não sabe o que aconteceu depois. Quando voltou a si, estava deitado no mesmo lugar em que dormira anteriormente. A única diferença é que havia uma esfera em sua mão, de material jamais visto em nosso planeta. Não se sabe se era feita de pedra preciosa ou de metal, ou de uma substância fabricada em outro planeta.

João Galdino ficou desorientado e se perdeu na serra. Parece que andou em círculos, por cerca de três dias, ferindo-se em pedras e espinhos, e dormindo ao relento, no frio intenso das madrugadas serranas. Perdeu também a noção do tempo, apesar de achar que saíra de casa no dia anterior. Passou frio, sede e fome, mas nunca perdeu a esperança, e por isso nunca pensou em desistir.

Após muito andar, encontrou um pequeno regato. Resolveu seguir-lhe o curso correnteza abaixo. Terminou encontrando uma palhoça, onde moravam um casal e quatro filhos, em completa pobreza. Como já era quase noite, dormiu nesse casebre. No dia seguinte, o caboclo o conduziu até a estrada, que levava a Évora. Deu ao matuto o pouco dinheiro que trazia, e marchou em busca de sua casa e de sua família.

Muitas pessoas acharam que tudo não passava de um sonho, e que Galdino o tomara como sendo uma realidade. Outras, céticas, diziam que ele tivera uma loucura momentânea e passageira. A maioria, entretanto, era de opinião que ele encontrara uns alienígenas e fizera uma viagem espacial a outro planeta, fora do sistema solar. Contudo, os que defendiam a tese do sonho ou da loucura não sabiam explicar o lapso do tempo que Galdino passara fora de sua casa. E muitos menos tinham explicação sobre o material, jamais visto, de que era feito o pequeno globo que ele trouxera.

Décadas depois, numa roda de intelectuais e boêmios eborenses, o advogado Adauto Pessoa defendeu a tese de que a esfera não passava de uma fraude, pois nunca se ouvira falar de que ETs deixassem algum objeto com as supostas pessoas contatadas. Arrematou dizendo que nem mesmo a cantora Elba Ramalho, que afirmava haver sido abduzida algumas vezes, trouxera algum objeto comprobatório.

O rábula Possidônio Vogado, que gostava de se contrapor à empáfia de Adauto, obtemperou:
– Ilustre colega, o Galdino foi abduzido por ETs do bem; quiseram demonstrar que não queriam lhe fazer qualquer mal. Por isso, deixaram essa esfera para sinalizar nesse sentido, como se nos mandassem uma mensagem.

O advogado franzira o cenho, em sinal de contrariedade, quando foi chamado de colega pelo provisionado, afinal este não tinha canudo de bacharel. Para não entrar em disputa com quem considerava inferior, tratou de mudar logo de assunto. 

Hoje, após ter lido sobre a teoria da relatividade e ter assistido a filmes de ficção científica, acredito que ele foi mesmo abduzido, e levado em viagem espacial, naquilo que chamamos disco voador ou óvni, a um planeta distante, em velocidade quase igual à da luz, donde a distorção no tempo entre ele e os que ficaram na Terra.


Acredito nisso porque Galdino nunca perdeu a lucidez nos anos que se seguiram, e jamais foi flagrado em mentira ou contradição. E porque vi as estranhas luzes a que já fiz referência. A inexplicável esfera é uma prova desse contato imediato de quinto grau.”   

terça-feira, 27 de setembro de 2016

CONSIDERAÇÕES EM FORMA DE CARTA A ELMAR CARVALHO



CONSIDERAÇÕES EM FORMA DE CARTA A ELMAR CARVALHO

Cunha e Silva Filho

             Era para lhe ter feito o comentário que ora lhe faço, mas, como usava, aí em Teresina, um tablet, eu não conseguia digitar o texto no espaço adequado.

            Agora, de volta à minha casa, escrevo-lhe, como habitualmente, do meu computador.

         V. me antecipou, poeta "malabarista do verso," na crônica “Passeio sentimental no tempo e no espaço” o que eu faria também sobre a nossa visita a Amarante, quer dizer,   o que nós, em família, experimentamos  na viagem  de algumas horas a Amarante. E o fez em crônica saborosa, fiel aos acontecimentos vividos por mim, V., Fátima e Elza.

            Foi, na verdade, o que poeticamente diz o título da mencionada crônica. Vejo  que o amigo, no seu texto se mostrou, como vem fazendo ao longo do  processo de sua  escrita literária, seja em poesia,  seja em prosa, exemplarmente  nesta  tarefa de relatar  com   naturalidade    e  sentido  lírico, fixando  o olhar  na paisagem  humana,  na paisagem   física e na sua forma de   interpretar  os homens e os fatos  com muita   dose  de humor  saudável, brincalhão,  mesmo fazendo coisas sérias, que é  produzir suas crônicas   no seu conhecido e bem lido “Blog de Elmar Carvalho”.

           A sua crônica, portanto, não deixou um único aspecto de fora em "nossa" visitação à Amarante, ao fundir harmoniosamente as nossas vivências com vida literária.

          Daí, a adequação que teve para declamar um poema seu com o seu sotaque tão característico e cheio de exaltação lírica, resultando num quadro perfeito de escrita posteriormente elaborada.

          É pena que, no mirante de Amarante, a sua empolgação na fala aludindo ao poeta da Costa e Silva (1885-1950) e ao lamentar que foi rejeitado   o pedido  feito  ao filho  do poeta para  que os restos mortais  do maior vate  de Amarante e da poesia  piauiense  fossem trasladados do Rio para Amarante.É pena também que o, ao manejar o meu tablet, me faltasse  competência técnica para realizar  a filmagem com som e tudo.

         Ainda falando de sua crônica, há que nela se destacar a singularidade da escrita como resultado do que, de improviso, do alto da escadaria, ressaltou sobre as belezas bucólicas da cidade de Amarante e das serras do lado do Maranhão tendo como intermediação afetiva e nostálgica a figura do Velho Monge, do hoje maltratado rio Parnaíba, elemento físico inseparável da beleza natural daquela cidade que tanto amamos.

         V., Elmar, me surpreendeu como figura humana bem mais descontraída do que no tempo em que o conheci ainda muito jovem nos idos de 1990, tempo em que tive o grato prazer de iniciar com V. uma amizade que, da minha parte, jamais esvaecerá ainda que  sabendo o quanto, por vezes, as amizades  mudam para   melhor ou para pior. Da minha parte, julgo que será durável nos limites de nossa perenidade na Terra.   Já o considero uma pessoa que conquistou o meu coração e o da Elza.

       Volto à crônica que vinha comentando em alguns traços gerais. Mas, não posso esquecer   de  mencionar  o momento  de encanto quando  entramos no Museu  Odilon Nunes. Ali a história se volta inteiramente para o passado e toca todas as fibras do meu ser saudoso, sempre tentando conviver com o valioso legado da afetividade relacionada à figura de meu pai.

     As fotos que tiramos juntos têm como elemento de identidade e aproximação entre nós o sentimento profundo da afetividade minha e, creio, sua também, cujo ponto de união se manifesta através da presença do busto de meu velho pai, obra que é fruto do talento do meu irmão Winston, um escultor boêmio e desapegado das coisas materiais.

     Tudo naquele ambiente de objetos antigos da cultura amarantina me desconcerta e invade profusamente o meu mundo interior dadas as associações que ali fiz de todo um tempo que já foi vida trepidante, em salas nas quais meu pai, na condição de professor do Ginásio Amarantino, sob a direção de Odilon Nunes (1899-1989) tantas vezes por ali andou e principalmente por ali tinha seu espaço de sobrevivência, suas alegrias e tristezas e todas as vicissitude por que passa   a vida de um  docente.

      Ah, não poderia deixar de mencionar em nossa viagem sentimental algumas circunstâncias, que, no final, acabam por fazer parte da própria andança sentimental: a travessia de municípios no trajeto para Amarante, as cidades de, por exemplo, Regeneração, Angical, Água Branca; a parada de carro para um rápido lanche na Lanchonete do Sales cheia de santinhos de candidatos de todos os partidos; a dúvida que V. teve sobre qual a estrada, na agradável viagem de carro, seria a correta, pois, numa certa altura, ela se bifurcava em dois sentidos, um dos quais nos levaria a Amarante, porém, o problema logo felizmente foi resolvido pela informação de um morador; a dificuldade de encontrarmos o restaurante que queríamos constituíram momentos de muito humor para todos nós. Por último, o fato de que, naquela hora que estávamos em Amarante à procura da casa de minha irmã Sônia, observamos que toda a cidade     poderia estar fazendo sua sesta debaixo do calorão de uma cidade velha, cheia de mistérios e com um ar de solidão e abandono.

       V., graças à sua poesia com uma vertente dirigida à condição de poeta geográfico do Piauí, se sente, a meu ver, liricamente preso à velha Amarante, tanto mais que a poetizou engrandecendo assim o repertório da lírica amarantina em versos que seguramente ficarão gravados para sempre na história cultural da cidade.

     A poesia faz parte da sua personalidade literária, meu caro Elmar, e mesmo na sua ficção, ou na crônica, ela se faz presente.

      A sua crônica marca um ponto de convergência saudável e aglutinador entre a minha pessoa e a sua. Isso me é confortante e me desvanece o espírito.

     Sua crônica sela em definitivo uma amizade que passou do domínio da intelectualidade para o domínio de uma amizade que só poderá crescer com os anos. Ou seja, da condição de crítico de sua obra me tornei um seu amigo. Não é o primeiro caso na história literária brasileira ou universal.


    Quero, por outro lado, lhe agradecer mais uma vez pelo gentil convite que me fez e à Elza para, junto com a Fátima, fazermos uma deliciosa, histórica e afetuosa visita à minha Amarante regada a um "causeur" divertido, espirituoso, cavalheiro e sobretudo amigo.

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Um Juiz Educador e Boa Praça

Juiz José de Ribamar Fiquene

Um Juiz Educador e Boa Praça

José Pedro Araújo
Historiador e escritor

Estávamos no início da ditadura militar que governaria o país pelos 23 anos seguintes, quando chegou à cidade um jovem juiz de direito para assumir os destinos da comarca. Seu nome, José de Ribamar Fiquene. Cidadão tranquilo, amante das letras e das artes, logo nos brindou com duas das coisas mais importantes com que se pode presentear um cidadão: o acesso à justiça, e a uma educação de qualidade. Acesso à justiça feita através do emprego efetivo da lei, e acesso à educação disponibilizando o curso ginasial à população, além do curso normal e o de contabilidade. Fiquene, bom samaritano cultural, criara o hábito de fundar escolas por onde passava, propiciando o acesso à educação aos estudantes que não possuíam recursos suficientes para se deslocar para outras cidades mais desenvolvidas para dar continuidade aos estudos. O seu legado foi se estendo por onde passou até culminar com a fundação de uma universidade na cidade de Imperatriz. Por tudo que fez, a providência divina o presenteou com o cargo de governador de todos os maranhenses, cunhando seu nome definitivamente na história do Maranhão.
  
Hoje é possível avaliar que a qualidade do ensino do colégio por ele fundado não ficava a dever a nenhum outro, pois possuía um corpo docente que, favorecido por um conjunto de fatores favoráveis, fez com que se juntasse naquela época e em um mesmo local, profissionais da qualidade do professor universitário Hubert Lima de Macedo(história), do engenheiro Onildo Fortes(matemática),  e do próprio Dr. Fiquene(português), além de muitos outros que por lá passaram.
  
Vivíamos um tempo de revolução nos costumes através da música e das artes. Enquanto nos Estados Unidos da América e na Europa alguns cabeludos se insurgiam à velha ordem estabelecida através do movimento hippie, aqui nossos jovens criavam um novo ritmo musical, a bossa nova, que assombrava o mundo com o seu incrível teor melódico e suas letras simples, mas rebuscadas.  Ao mesmo tempo, enquanto lá fora os Beatles levava o temor a muitos com suas músicas de protesto contra o preconceito e a tirania, aqui o regime militar fechava mais ainda o sistema, e músicos como Chico Buarque, Caetano Veloso, Torquato Neto, Gilberto Gil, entre tantos outros, se rebelaram e gritaram em alto e bom que “é proibido proibir”. Tal demonstração de coragem custou o exílio para alguns.
  
Talvez estimulados pelos ventos de liberdade que vinham do exterior, quase nunca noticiado pela imprensa brasileira ajoelhada perante o regime estabelecido, um grupo de estudantes, ao acabar a aula, se organizava em marcha e descia a rua Grande cantando palavras de ordem, como se estivessem em um desfile militar. Era uma brincadeira simples, sem intenção de se contrapor ao regime instalado. Mas o fato é que desagradou a certas pessoas com poder de mando. Naquele tempo as luzes da cidade se acendiam às 6: 00 da tarde e apagavam-se às 10:00 da noite. As tais marchas aconteciam exatamente após esse horário, passando talvez uma ideia de insubordinação. O certo é que algumas pessoas da comunidade foram até ao juiz, e também diretor do colégio, onde se originavam as passeatas, reclamar da situação.
  
Chamados por sua excelência para justificar tais atos, os líderes da brincadeira, responderam que não estavam provocando nenhuma desordem, e, apesar da insistência do diretor para que parassem com as passeatas, continuaram a fazê-las. Alguns dias depois, foram advertidos pelo diretor do colégio de que estavam suspensos em razão da insubordinação. Apesar do respeito e da admiração que o Dr. Fiquene gozava no seio da classe estudantil, houve uma revolta generalizada pelo que consideravam uma punição injusta e, portanto, desnecessária, contra aqueles jovens que só queriam se divertir, saindo da mesmice que atingia os jovens de uma pequena cidade do interior. E a coisa pararia por ali, se alguns indivíduos mau intencionados não tivessem se aproveitado do ensejo para lançar sobre o juiz todo o ódio que possuíam em razão de alguma decisão que não os beneficiava. E foi assim que no dia seguinte, em pontos estratégicos da cidade, como o mercado público, o banco do Estado e a agência dos correios, foram apregoados panfletos apócrifos com calúnias virulentas contra o juiz e a sua família. Pessoas sem nenhum escrúpulo haviam se aproveitando do acontecido com os estudantes para espalhar a sua bílis em forma de mentiras sobre uma família que só havia trazido o bem para a nossa comunidade.
  
Mostrando-se um ser normal, como os demais viventes, o nosso magistrado aceitou a provocação, engoliu a isca lançada. E a sua reação não se fez esperar. Achando que aqueles panfletos caluniosos haviam partido dos estudantes punidos por ele no dia anterior, como apontava a lógica, determinou que uma guarnição militar se deslocasse à casa de cada um daqueles rapazes com ordem para aprisioná-los, sob a acusação de terem atingido a honra da principal autoridade judicial do município. Ordem dada, ordem cumprida. Os jovens estudantes, alheios a tudo o que estava acontecendo, foram surpreendido ainda em casa enquanto dormiam.
  
Foi o que bastou para deflagrar uma onda de crescente descontentamento no seio da estudantada, e eles ocuparam a praça da matriz, e em frente a casa onde o juiz morava iniciaram um ato pacífico de protesto que entrou noite adentro. Estava quebrado o elo de confiança que unia o jovem juiz e educador e a classe estudantil da cidade de Presidente Dutra.
  
Depois de muitos discursos, uma comitiva formada por estudantes e políticos da cidade foi recebida pelo magistrado em sua casa, e lá, depois de muitas ponderações, convenceram o magistrado que as calunias assacadas contra ele e a sua família não haviam partido dos estudantes e sim de terceiros interessados em se aproveitar da situação para praticar um ato de vingança, por algum interesse contrariado. Analisando melhor a situação, Dr. Fiquene deu-se por satisfeito, e o ato público que se iniciara como protesto, terminou  com em ato de repúdio contra aquele ou aqueles que atingiram tão covardemente a honra daquele eminente educador que tantos benefícios trouxe à comunidade presidutrense.
  
Os jovens foram postos em liberdade imediatamente. Mas o clima fraterno estabelecido entre o magistrado e a comunidade estava irremediavelmente comprometido. Pouco tempo depois o magistrado foi transferido para outra cidade. Mas deixou funcionando um dos melhores colégios em que estudei e que me deu possibilidades de sair para a capital e disputar alguns anos depois uma vaga para a universidade em pé de igualdade com os outros estudantes. Muitos jovens que passaram pelos bancos daquele colégio, são hoje profissionais respeitados e levaram seus conhecimentos e saberes para várias partes deste imenso país.

Nascido em Itapecuru-Mirim, além de governador do estado, Fiquene foi prefeito de Imperatriz, senador, reitor da Uema, Membro da Academia Imperatrizense de Letras, e fundador da faculdade Athenas Maranhense(Fama). O nosso juiz bonachão também foi o autor da letra e música do hino da cidade de Imperatriz. Por tudo o que fez, é topônimo de um município maranhense, além de muitas e justas outras homenagens recebidas.     

Fonte: blog Folhas Avulsas

domingo, 25 de setembro de 2016

Passeio sentimental no tempo e no espaço




Passeio sentimental no tempo e no espaço

Elmar Carvalho

            No dia 23, em companhia de Fátima, por volta de oito e meia da manhã, cheguei ao hotel onde estavam hospedados Cunha e Silva Filho e sua mulher Elza, para levá-los a Amarante, a terra azul e encantada do poeta Da Costa e Silva, e de Cunha, seu grande admirador e analista literário. E também minha terra, já que lhe dediquei poema e crônicas, e já que tenho a honra de haver recebido o título de Cidadão Honorário desse belo e bucólico torrão.

            Aliás, na noite memorável em que recebi esse galardão, lancei o livro Amar Amarante, prefaciado por Marcelino Leal Barroso de Carvalho, que fora meu professor na Universidade Federal do Piauí, no curso de Direito. O livro continha o poema Amarante e as crônicas a que me referi, além de desvanecedor depoimento de Virgílio Queiroz. O auditório estava lotado, com irmãos maçons, vereadores, convidados, parentes e amigos.

Além do professor Marcelino, estavam presentes o prefeito Luís Neto, o vereador Inácio Pinto de Moura, autor da proposta de concessão do título, Virgílio Queiroz, que é poeta com nome de poeta antigo, Homero Castelo Branco, escritor e romancista, mas que também tem nome de poeta homérico e antigo, e que fez uma bela apresentação de Amar Amarante, cuja capa contém uma linda fotografia de Ana Cândida Nunes Carvalho, filha de mestre Marcelino. Virgílio e Marcelino, velhos amigos, disseram belas palavras, que me comoveram. O primeiro rememorou minhas antigas ligações com Amarante; o segundo se referiu a minhas lutas, sobretudo as de fiscal da extinta SUNAB e as de magistrado, bem como as ligadas à cultura e ao curso de Direito.

Desculpem-me a digressão temporal, e voltemos ao tempo presente. Fiz uma parada estratégica na Lanchonete Sales, situada na BR, na saída de Água Branca, que conheço desde que fui juiz em São Pedro, por um período de quatro meses. Mas depois, por muitos anos, quando fui titular da Comarca de Regeneração e do Juizado Especial de Oeiras, nela lanchei várias vezes.

Perguntei ao Sales se Água Branca possuía biblioteca pública. Ante sua resposta afirmativa, pedi-lhe o favor de entregar ao seu responsável a terceira edição de meu livro Rosa dos Ventos Gerais, inserido na Coleção Centenário da Academia Piauiense de Letras pelo seu dinâmico presidente Nelson Nery Costa. Recomendei-lhe que só fizesse a entrega após sua leitura. Ele sorriu e me disse que já tinha essa intenção, que para mim valeu mais do que um elogio. Despedi-me dele, que sempre me demonstrou apreço e consideração.

Já havia prevenido o bravo Cunha e Silva Filho que faria breve entrada na cidade de Regeneração, onde trabalhei por mais de seis anos e da qual recebi o título de Cidadão Honorário, por iniciativa do vereador Neto Leal. Como já cheguei tarde não fiz as visitas que pretendia fazer. Assim, mantive contato apenas com a empresária, escritora e agitadora cultural Nileide Soares, que me recebeu com a sua lhaneza de sempre e o seu contagiante entusiasmo.

Após minha promoção para a Comarca de Oeiras, a Nileide me prestou grande tributo. Fui o poeta homenageado de uma das edições do sarau lítero-musical que ela realiza mensalmente. Foram recitados vários poemas de minha autoria. O Reginaldo Miranda, meu confrade na APL, a Nileide e vários advogados e intelectuais pronunciaram expressivas e bondosas palavras, que me comoveram e fizeram chorar meu pai.

Disse ao causídico Nei Nunes Leitão, brincando, que ele havia se excedido nos elogios a minha humilde pessoa, mas ele, com o seu jeito bem-humorado e enfático, me retrucou de forma peremptória e contundente: “Eu disse foi pouco, doutor Elmar; eu deveria ter dito mais, o senhor merece muito mais”. Debitei isso ao fato de ele ser muito jovem, e me ter sincera consideração e apreço. No meu íntimo pensei: não mereço, mas agradeço.

A Nileide Soares nos brindou com deliciosa cajuína. Novamente revi seu pátio e caramanchão. Mais uma vez lhe disse que eles eram propícios para uma luarada, para uma noite plena de plenilúnio, em que seriam entoados poemas e baladas. Perguntei-lhe, como sempre o faço: E aí, tia Nil, tudo anil, tudo a mil? Para continuar a rima, direi apenas que ela sorriu e assentiu.

Deixei para ela e para o poeta e escritor José Teixeira exemplares de meus livros Retrato de meu pai e Rosa dos ventos gerais. O Teixeira, que também é ator, irá interpretar, como um monólogo, no lançamento de Rosa dos ventos gerais, no próximo dia oito, na APL, alguns poemas de minha autoria. Na saída, em feliz coincidência, encontrei o advogado Luzmanell Teixeira Absolon, com quem mantive respeitosa e amigável convivência profissional no foro regenerense.

Por fim, chegamos a Amarante, quando já passava do meio dia. Não falarei do almoço, que foi apenas uma circunstância necessária. O Cunha e Silva Filho pôde rever sua linda e bucólica cidade natal. Fomos ver o Velho Monge, que se mantinha plácido e belo como sempre. Revi as faveiras e outras árvores frondosas de seus jardins e passeios.

Revi, ao longe, as suas serras encantadoras e encantadas, a igreja de São Francisco, do outro lado do Parnaíba. Pudemos nos deslumbrar com os seus vetustos casarões solarengos. Visitamos o Museu Odilon Nunes, onde a memória do saudoso escritor e jornalista Cunha e Silva é reverenciada. Revi um quadro com o meu poema Amarante, que já começa a mostrar as marcas das ruínas do tempo.

Não posso deixar de transcrever o que já disse em outra crônica:

Numa tarde agradável de um tempo que não sei fixar no calendário comum, mas apenas no do espírito, da emoção e da saudade, encontrava-me com o poeta Virgílio Queiroz, no cais do Velho Monge, bebericando umas pingas com água tônica, quando inesperadamente, como um sortilégio, veio uma ventania que sacudiu as faveiras, debaixo das quais estávamos. As favas secas começaram a emitir um som de chocalhos e de maracás. Foi como se aquele som evocasse uma época muito antiga e ancestral, em que os índios perlustravam aquelas terras, aquelas serras azuis encantadas e perlongavam o curso sinuoso do Parnaíba.

Ainda hoje escuto a música encantatória dos maracás daquelas faveiras e a dança requebrada do arvoredo. E ainda perpassa em minha pele o afago daquele vento, que ninguém sabe de onde veio, que ninguém sabe para onde foi...

Fomos ao morro, mirante natural, que eu chamo de Morro da Saudade. Reverenciamos o poeta maior do Piauí, um dos maiores do Brasil, o excelso bardo Antônio Francisco da Costa e Silva. Falando para o tablet de Cunha e Silva Filho, que me filmava, proferi breve discurso. Relembrei que em minha juventude, nos idos de 1988/1990, fiz campanha para que os restos mortais do grande poeta viessem para a sua Amarante. Usei como justificativa estes versos de sua autoria: “Terra para se amar com o grande amor que eu tenho! / Terra onde tive o berço e de onde espero ainda / Sete palmos de gleba e os dois braços de um lenho!”

Recentemente o poeta Virgílio Queiroz retomou essa minha antiga ideia, com a minha colaboração. Planejamos que os restos mortais do sublime vate seriam encerrados em belo monumento, verdadeira obra de arte, que ficaria no entorno do Memorial Da Costa e Silva, a ser construído. O prefeito Luís Neto entusiasmou-se com esse sonho, e prometeu que o realizaria. Contudo, segundo Virgílio Queiroz, o filho do poeta, o também poeta Alberto da Costa e Silva teria sido contra esse traslado.


O certo é que, do alto do Morro da Saudade, a contemplar o busto do poeta Da Costa e Silva (esculpido por Winston, irmão de Cunha), a rever as suas serras azuis, que ele magistralmente cantou, o professor, escritor, memorialista e cronista Francisco da Cunha e Silva Filho, que conheci no longínquo ano de 1990, por coincidência na sua Amarante, foi tomado de vívida emoção, e não teve medo de enfrentar o sol que então nos fustigava e resplandecia em toda a sua glória.    

Seleta Piauiense - Hardi Filho


É tarde / é cedo

Hardi Filho (1934 - 2015)

é tarde, o sol declina no horizonte,
os pássaros procuram o arvoredo,
desde ontem juntos, tenho de ir embora
mas meu amor sugere que ainda é cedo.

— é tarde, eu digo, a noite vai vestir
o manto que acoberta o seu segredo;
já nos amamos o bastante, amor.
e meu amor me diz: — amor, é cedo.

retruco: é tarde, as sombras mais se adensam
e os caminhos, escuros, causam medo.
— isso mesmo, — diz ela me beijando —
espera amanhecer... amanhã cedo...

ela é divina! eu sou feliz! atendo
ao seu convite e aos seus carinhos cedo:
mais momentos de amor então gozamos;
até que, de repente acordo, é cedo?

é tarde? a claridade de outro dia,
para nós dois, severa, aponta o dedo.
vou levantar, ela também acorda,
me abraça, e fala, insiste que inda é cedo.

— é tarde, eu mostro, há luz em toda a alcova,
impondo fim ao nosso doce enredo.
— não! — ela diz — isto é clarão da lua...
amor, não vá, ainda é muito cedo!     

sábado, 24 de setembro de 2016

O rato comeu. Cadê o rato?


O rato comeu. Cadê o rato?

José Maria Vasconcelos
cronista, josemaria001@hotmail.com

         Ultimamente, o mundo político vive de cantarolar parlendas com a opinião pública, brincando de esconde-esconde a roubalheira. Lembra-se das folclóricas historinhas infantis repassadas pelas tias e educadoras? Eram parlendas. Entre dezenas, escolhi a dos ladrõezinhos dissimulados: “Cadê o queijo que deixei aqui? / O rato comeu. / Cadê o rato? / O gato comeu...” E assim os malandros tentam sabotar “a verdade conhecida como tal”, um pecado contra o Espírito Santo.

         A mais recente malandragem de esconde-esconde ocorreu no Congresso: Projeto de Anistia para Caixa Dois, que livraria a cúpula do Poder sob a mira da Lava Jato.

Ninguém viu o presidente do Congresso no comando da sessão. Escafedeu-se. Seu vice o substituiu. O Projeto entrou em pauta pelos fundos da falta de vergonha e seria aprovado em final de sessão (noturna!). Até o momento, ainda não se sabe o autor da marmelada! Só se sabe que fora apresentada por líderes dos partidos, gatos e ratos que se misturam no cinismo do esconderijo, com vergonha de serem identificados. O autor, mesmo, seja descoberto nos próximos dias.

Graças aos parlamentares do bem, que ainda resistem às tentações do queijo roubado, e se encontravam na sessão, berraram e conseguiram retirar o despacho maligno da pauta. E há, ainda, políticos e gestores do bem? Há, sim, o atual governador do Rio Grande do Sul, que cortou dez secretarias de governo, convocou prestadoras de serviços para redução das cobranças, que dispensa viagens aéreas, que botou na rua centenas de comissionados. Há, sim, o ministro da Saúde, que, em quatro meses, já economizou quase um bilhão de reais tomando as mesmas medidas.

O Projeto de Anistia para Caixa Dois visava anular investigações e processos em andamento, que vão julgar o pagamento de propinas pelas empreiteiras aos políticos. Alguns compõem alto comando dos governos Temer, Lula e Dilma, além do presidente do senado, vários deputados federais, senadores, governadores, diretores de estatais. Embora as investigações da “Operação Lava Jato” tenha avançado para outras organizações criminosas, o nome inicial se consagrou. Só o rombo da Petrobras mostra que em dez anos quatro organizações criminosas de gatunos empanzinaram-se de queijo, reduzindo o valor da estatal, cuja ação beirava os 100 reais, para menos de 10. Explica-se como a ratazana conseguia eleger-se, reeleger-se, levando a tiracolo a esposa, filhos, sobrinhos, gatos, cobras e lagartos. E se fazem de vítima até de um juiz federal.


Neste último domingo, os textos bíblicos tratavam da corrupção com o dinheiro dos pobres, no tempo do profeta Amós. No evangelho, a parábola do gestor desonesto, capaz de falsificar recibos para agradar o patrão. O celebrante da missa, Padre Tony Batista, bateu forte na desavergonhada conduta da classe política. E resumiu: “Eles se fazem de descartáveis, tudo naturalmente, como se não houvesse crime”. Só faltou contar uma parlenda, daquelas do rato e do gato.

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

HISTÓRIAS DE ÉVORA - Capítulo XXII

Foto meramente ilustrativa

HISTÓRIAS DE ÉVORA

Este romance será publicado neste sítio internético de forma seriada (semanalmente), à medida que os capítulos forem sendo escritos.

Capítulo XXII

A serra encantada (I)

Elmar Carvalho

Desde menino a visão da serra me fascinava. Vista de todos os pontos da cidade, parecia um debrum do céu, no sobretom de seu azul diferenciado. Nas manhãs friorentas de inverno, a Serra do Cachimbo parecia cachimbar as névoas pousadas em seu cume; daí o seu nome. Como disse um poeta louco, nostálgico daquele azul esfumaçado, nevoento:

Ao longe, nas manhãs de inverno,
a serra cachimbava suas névoas.
As névoas se misturavam com as nuvens
que rondavam sobre o cume.

Conforme o horário do dia, a serra mudava de cor, tomando as mais diferentes nuanças de azul, indo do mais escuro ao mais pálido, intercambiando a opala e a esmeralda quase azulada, em perfeito furta-cor. Ao por do sol, era um espetáculo de beleza e suave melancolia ver-se a serra refletida no Lago Galileia, que se transformava em imenso e mágico caleidoscópio, variável conforme as águas estivessem onduladas ou não.

Na primeira metade da década de sessenta, uns aviões esquisitos sobrevoaram Évora durante uma semana, seguindo em direção à serra. Os mais estranhos boatos e especulações surgiram. Uns diziam que uma guerra estava para estourar. Outros afirmavam que os estranhos objetos voadores eram americanos, dotados de modernos aparelhos, e estariam descobrindo e demarcando nossas jazidas de metais e de pedras preciosas, além de areia monazítica.

A revoada aeronáutica durou pouco tempo e logo os boatos cessaram. Mas para sempre me ficou essa lembrança. Não sei se a memória que guardo da forma desses aviões corresponde ou não à realidade. Muitos anos depois, à noite, quando parei minha motocicleta nas imediações da Serra do Cachimbo, vi umas luzes estranhas, no meio da escuridão, a cinquenta metros da estrada e a dez metros de altura. Mas aí já é outra história, que não desejo contar.

Muitas vezes, em minha infância, vi uns clarões na encosta da serra. Na vez primeira, um tanto assombrado e imerso em deslumbramento, perguntei a minha mãe sobre o que seria aquilo. Ela me respondeu que talvez fosse uma queimada de roça ou alguém procurando o tesouro escondido por jesuítas em fuga, há mais de dois séculos. Disse que muitos acreditavam que ela fosse uma cidade encantada; que quando o sortilégio fosse quebrado suas pedras e árvores se transformariam em casas, palácios, templos, carruagens, pessoas e bichos.

Contou-me algumas dessas lendas ou crendices do povo simples.  Segundo diziam, em lugar esconso e quase inacessível, havia uma furna repleta de objetos de ouro e prata, como taças, cálices, lampadários, candelabros, ostensórios, rosários, pulseiras, colares e outras joias. Entretanto, quando um homem, dotado de invulgar coragem, tentou recolher esses objetos, foi atingido por forte vendaval, que rugia de forma assustadora no interior da gruta. Também ouviu gritos pavorosos, gemidos, imprecações medonhas, arrastar de correntes, uivos e esturros de animais ferozes. Quando ele conseguiu sair, viu que sua luta e coragem tinham sido em vão. As joias que conseguiu retirar se transformaram em cinza e poeira.

Guardei com muita nitidez uma dessas histórias, que muito me impressionou. Mais tarde, quando planejei escrever as minhas Histórias de Évora, obtive mais informações com os parentes e amigos do protagonista, e eis que a conto agora, algumas décadas depois, não sei se envolta em amálgama de ficção involuntária.

No final da década de cinquenta, o senhor João Galdino foi caçar na região da serra em companhia de uns amigos. Foram os quatro homens num Jeep Willys, do tipo cara alta. Cada um seguiu à procura de uma ‘espera’, já no final da tarde. Combinaram se encontrar no local onde ficou o carro, por volta das cinco da manhã. Todos retornaram, menos Galdino.

Às seis da manhã, seus companheiros começaram a ficar preocupados, temendo tivesse ele sofrido algum acidente, como queda da árvore, em meio a fatal cochilo, ou que teria sido atacado por algum animal selvagem. Até mesmo picada de cobra ou eventual ataque cardíaco não foram descartados.

Procuraram o companheiro num raio de três quilômetros, tocando fortes e estridentes apitos, mas sem nenhuma resposta por parte de João Galdino. Os caçadores contrataram os serviços de dois mateiros, residentes na região, para que continuassem as buscas no dia seguinte. Deram-lhes quase todo o dinheiro que conduziam, e prometeram pagar-lhes uma boa quantia pelo trabalho, sobretudo se o indigitado companheiro fosse encontrado, morto ou vivo.

Retornaram no final da tarde à cidade, para comunicar o fato ao prefeito, ao delegado de Polícia Civil, ao comandante da Companhia de Polícia Militar e aos seus familiares, para que novas buscas fossem empreendidas nos dias seguintes. Durante mais de uma semana foram feitas expedições à procura de João Galdino, mas sem a obtenção de nenhuma notícia sobre o seu paradeiro. Todos o deram como morto.


Três meses depois um homem desconhecido, de barba longa e esquálida, bateu à porta de sua família. Sua aparência denotava sujeira, e suas roupas estavam em frangalhos e encardidas. Trazia feridas e arranhões em certas partes do corpo, com certeza produzidos por pedras e espinhos.”  

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

TRIBUTO A JEANE MELO


TRIBUTO A JEANE MELO

Antonio Gallas

 “...A menininha JEANE
muito se emocionou
 e na hora de meditar
foi quem primeiro chorou...”

         Esses versos foram feitos no ano de 1976 quando participamos do Primeiro ENJOPI (Encontro de Jovens do Piauí) realizado em Parnaíba no Convento de São Sebastião. O ENJOPI foi um movimento católico (tipo o cursilho da cristandade) destinado a jovens e liderado em nosso estado pelo padre salesiano (da ordem de São Francisco de Sales) Luciano Ciman. Padre Luciano era italiano.

         JEANE foi uma das jovens que participaram do encontro, o qual descrevi em versos simples, na minha maneira de fazer poesia, contando o desempenho de cada um durante os três dias em que ficamos enclausurados no  convento.

         JEANE com sua espontaneidade, com seu sorriso, cativou a todos. Tinha uma aura resplandecente que enchia qualquer ambiente de alegria. Era meiga, solidária, amiga de seus amigos.

         Dizem que pessoas assim Deus chama logo para fazer parte da sua equipe no céu, mas a JEANE Deus não a chamou.   Deus pessoalmente veio aqui, segurou sua mão e caminhou com ela até o céu. JEANE faleceu no dia 19 de agosto do corrente ano deixando-nos uma grande tristeza, uma dor, uma saudade...

         A tristeza, a dor,  que sentimos quando morre uma pessoa querida, o tempo e a nossa fé em Deus se encarregam de nos consolar, de nos confortar, de fazer  até esquecermos aquele momento...  mas  a saudade fica na lembrança dos bons momentos, das boas recordações, momentos de alegria que passamos junto daquela pessoa. E será assim que lembraremos de JEANE. Pelos bons momentos,  pelo seu sorriso largo, pela sua alegria, pela dedicação aos amigos, à família, pelo zelo ao filho JEAN e por tantos outros motivos, que são inúmeros. JEANE  Requiescat in Pace!, você continuará sendo  tão querida e admirada por todos que tiveram o prazer de conhece-la .  

terça-feira, 20 de setembro de 2016

A mortadela voadora


A mortadela voadora

Valdir Fachini

Não! eu não tomei chá de lírio,mesmo porquê eu sempre fui contra a qualquer tipo de alucinógeno ,se alguém quiser pode fazer um teste ,sei lá ,com bafômetro ,cuspômetro, urinômetro, bostômetro não vai achar nada ,também não bebi cachaça ,não que a religião não permita ,meu fígado é que não aceita ,também não fumei o cigarrinho do capeta, muito menos cheirei carreirinha ,narguile só conheço de nome ,crack pra mim só Pelé, Zico e os Ronaldos.
    Também não estou lelé da cuca, ninguém acredita ,mas eu vi uma mortadela voando,ela veio lá do lado do cortume ,deu um rasante, zumm quase me acerta a cabeça e continuou sua trajetória sentido a ponte das formigas.
   Quando eu contei isso pra Claudjane ela riu feito doida ,já procurou o telefone do Juqueri (esse homem tá louco ,cheirou cola ).
   Mas é verdade, era uma mortadelona (não era fatiada não) era uma baita duma mortadela, vermelhona, tinha até o barbantinho na ponta .
    Ela foi até lá na frente ,fez uma manobra de cento e oitenta graus e voltou bem devagar ,ficou parada em cima de mim como se tivesse me analisando ,mexia de um lado para o outro ,pra frente e pra trás fez que foi embora e voltou depois deixou cair umas bolinhas que eu não sei se eram pimenta do reino ou cocô de mortadela e foi embora de vez.
    Ai eu parei e fiquei pensando ,será que estou ficando ruim da cachola? Com tanta coisa acontecendo em minha vida não é nada difícil ,a situação do país,a inflação voltando,a Dilma ficando, a Zika chegando ,a bandidagem aumentando e a dona da pensão que dá mais valor ao energético com cerveja do que com minhas meias e cuecas ,acho que posso estar mesmo ficando neurastênico.
    Mas ao mesmo tempo acho que não estou pinel não ,aquele embutido era muito real ,tinha até cheiro, só não deu pra saber se era defumada ,também não vi a marca e não era salsichão nem salame ,era mortadela com todas as letras e gordurinhas .
    No outro dia eu voltei ao mesmo local na mesma hora com a mesma roupa e as mesmas aflições mas a bola comestível voadora não apareceu ,também no outro dia ,com todos os mesmos e nada da coisa que voa passar.
   Porém ontem a tardezinha ,estava eu lá no lugar de sempre  sentado na calçada ,mão no queixo ,cotovelo no joelho ,tipo o pensador quando vejo lá longe alguma coisa voando no meu encontro, pensei,é ela ,finalmente ela veio .
  Mas que chato ,não era ela, era somente um Zeppelin.  

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Morre o grande goleiro Zé Olímpio

Goleiro Zé Olímpio, quando garoto. Foto gentilmente enviada pelo grande artista plástico campomaiorense João de Deus Netto. As duas outras (abaixo), foram publicadas originalmente em seu blog Bitorocara

Caiçara e o mítico goleiro Coló
Comercial e o legendário goleiro Beroso

Através do e-mail abaixo, enviado pelo amigo José Francisco Marques, tomei conhecimento do falecimento de José Olímpio da Paz Filho, grande goleiro, sobretudo de futebol de salão, e professor aposentado da Universidade Federal do Piauí:

“Mestre, transcrevo mensagem do facebook do nosso amigo Flávio Bona:

‘Faleceu hoje em Fortaleza, o Ex-Presidente do COMERCIAL ATLETICO CLUBE, JOSÉ OLÍMPIO DA PAZ FILHO; era filho do SAUDOSO JOSE OLIMPIO DA PAZ E DONA DIANA   José OLÍMPIO era conhecido na juventude como ZERO, foi o melhor goleiro de futebol de salão de Campo Maior. Era Caiçarino e depois foi ser Presidente do Comercial, através de Dr Acélio Correia, Dr. Ernane e Milton Higino, foi goleiro do CAIÇARA e do COMERCIAL, aqui mando os meus sentimentos a toda a FAMILIA de JOSÉ OLÍMPIO DA
PAZ FILHO.’"

Na minha adolescência admirei três grandes goleiros campomaiorenses: Coló, Beroso e Zé Olímpio. Os dois primeiros, na opinião do notável cronista esportivo Carlos Said, que também foi um grande golquíper, atuando no River por muitos anos, estão entre os dez maiores goleiros do Piauí em todos os tempos. Zé Olímpio foi o maior arqueiro de futebol de salão que já presenciei jogando. Corajoso e arrojado, fazia excepcionais “pontes” em rústicas quadras, duras e que ralavam mais do que lixa. Sobre ele, em meu livro O Pé e a Bola, fiz o seguinte comentário: “No futebol de salão, Zé Olímpio foi um goleiro extraordinário, que me despertou muita admiração e uma quase pontinha de inveja, em razão dos seus saltos acrobáticos de gato maracajá.”

Sobre Coló e Beroso escrevi, tempos atrás, o seguinte texto:

BEROSO X COLÓ

Elmar Carvalho

            Desde garoto, quando meu pai me levava a assistir as acirradas pelejas futebolísticas entre o Caiçara e o Comercial, no estádio Deusdete Melo, em Campo Maior, passei a admirar a ingrata e espinhosa posição de goleiro, em que as falhas costumam ser fatais. É, portanto, a posição em que o atleta fica mais tenso e com os nervos em frangalhos, pois um “frango” pode ser o estopim de uma derrota, podendo o goleiro ser crucificado pela torcida e pelos seus companheiros, em verdadeira execração pública.

            Por isso mesmo, tenho sido, ao longo de minha vida, um admirador dos fabulosos e imortais goleiros Coló e Beroso, tendo certa predileção pelo legendário Coló, não só pelo fato de ser eu um caiçarino, mas também pelo seu estilo. Talvez, em decorrência dessa admiração, tenha me tornado um goleiro razoável, com atuações quase sempre regulares ou boas, em que também perpetrei as minhas levitações acrobáticas e ornamentais, em defesa de minha baliza.

            Pelo que consigo recordar e também pelo que tenho ouvido e lido, o Coló, magrinho, leve como uma ave, tinha umas “voadas” excepcionais, em que exercitava toda a sua elasticidade felina, projetando-se no espaço, para encaixar a bola em seu peito, ou segurá-la em suas mãos hábeis e precisas, ou espalmá-la, desviando o seu curso para fora de sua meta. Nessas “pontes”, conseguia arrancar aplausos longos e entusiasmados da torcida caiçarina.

Nesses saltos ornamentais, verdadeiras acrobacias circenses, muitas vezes estraçalhava os nervos de seus torcedores, pois, quando o chute era propício, e a trajetória da bola o permitia, esse goleiro estiloso simulava deixar a bola passar, para em seguida saltar para trás e desviar o curso da bola, o que fazia a galera delirar e suspirar angustiada, em virtude do susto. Tinha um defeito em um dos dedos da mão, que não lhe permitia espalmá-la plenamente; entretanto, agarrava a bola com segurança, como se tivesse mãos de onça ou tenazes.

Era um tanto nervoso, às vezes, nas disputas esportivas, mas era quase sempre elegante no trato pessoal. Conta-se que, em certa ocasião, irritado com a torcida, abandonou a meta, em protesto contra a sua ingratidão e volubilidade. Amado e aplaudido pelos caiçarinos, foi inventada uma modinha, muito conhecida no auge de sua carreira, cuja letra dizia: “Coló quebrou a perna, / eu também quebrei a minha. / Coló colou com cola / e eu colei com Mariquinha.”

            Beroso, que tinha esse apelido em razão de ser algo retraído, como se fosse um matuto, tinha um estilo mais sóbrio, mais contido. Ao que tudo indica, procurava controlar os seus nervos e emoções. Talvez fosse mais pragmático e objetivo em suas atuações, procurando focalizar mais a defesa em si do que efetuar “enfeites” em suas intervenções, embora, quando necessário, a exemplo de Coló, também soubesse executar “vôos” extraordinários.

Segundo o grande craque Zé Duarte, um dos maiores atletas campomaiorenses, esse lendário goleiro, em certa ocasião, foi coberto por um lance. Instintivamente, esse arqueiro executou o pulo-do-gato, arremessando-se de costas para trás, desviando o curso fatal da bola, e efetuando uma cambalhota em pleno ar, para cair de bruços no chão, em legítimo “salto mortal”, como se fora um acrobata circense.

            Nessa época, os guarda-metas se vestiam de preto: camisa de mangas compridas e calções. Usavam um protetor branco, chamado suporte, que saía do calção e era dobrado por fora, formando uma espécie de cinta, que dava uma elegância toda especial à farda. Pelo que relembro, Coló e Beroso eram mais ou menos da mesma altura, sendo o segundo mais encorpado. Tinham uma boa estatura para a época, o que lhes dava uma boa presença e elegância em seus uniformes pretos.

            Numa enquete pessoal e sem os requisitos metodológicos e científicos de uma pesquisa estatística, tenho procurado saber qual dos dois teria sido melhor arqueiro. Nunca cheguei a nenhuma conclusão definitiva. Os torcedores do Caiçara “puxam” um pouco para o Coló, e os simpatizantes do Comercial, evidentemente, acham que o Beroso seria um pouco melhor. Ambos, creio, tinham aproximadamente a mesma idade e atuaram na mesma época, anos 60 e começo dos 70. Talvez, para resolver o imbróglio, com eqüidade e um tanto salomonicamente, fosse mais adequado dizer-se que, em determinadas fases e partidas, um atuasse um pouco melhor do que o outro, sendo certo dizer-se que ambos estão entre os melhores goleiros do Piauí de todos os tempos.

Foram ícones incontestes de seus times, aclamados e aplaudidos pelos seus fãs, que incendiavam as ensolaradas tardes domingueiras de outrora, fase áurea do futebol campomaiorense, em que o Estádio Deusdete Melo era um verdadeiro alçapão, onde os times forasteiros eram implacavelmente massacrados e trucidados.

            Carlos Said, o Magro de Aço (mas aço inoxidável, acrescento), um dos melhores comentaristas esportivos do Brasil, homem erudito na literatura, na vida e na história, emérito divulgador do esporte e da arte literária piauiense, que igualmente foi um grande golquíper, jogando no River por vários anos, afirmou-me, categoricamente, que em determinada época o Coló foi o melhor guardametas do Piauí. Sem dúvida, em consonância com o que já afirmei acima, no intuito de resolver essa pendenga, o mesmo, suponho, poder-se-ia afirmar em relação ao Beroso. Como se fosse algo semelhante às vidas paralelas de que nos fala Plutarco, esses dois varões, mantendo o paralelismo biográfico, morreram sem alcançar a velhice.


            Diz a música popular que morre o homem e fica a fama. Dizem que algumas pessoas não morrem, ficam encantadas. Esses dois excepcionais atletas, transformaram-se em mitos do futebol piauiense. Encantaram-se e se tornaram lendas do nosso futebol. Ou viraram duas estrelas na constelação do firmamento esportivo piauiense.