HISTÓRIAS
DE ÉVORA
Este romance será publicado neste sítio
internético de forma seriada (semanalmente), à medida que os capítulos forem
sendo escritos.
Capítulo XXIII
A serra encantada (II)
Elmar Carvalho
“O
homem de barba longa, de face tostada pelo sol, após bater palmas e gritar, por
duas ou três vezes ‘oi de casa’, foi recebido pela dona do imóvel e dois
filhos, um adolescente e uma moça. Sem delongas, foi logo dizendo:
– Parece que vocês não estão me reconhecendo... Sou João Galdino e vocês
são minha mulher Dulce, minha filha Joana e meu filho Gonçalo. Tive uns
problemas na serra, que depois irei contar. Me perdi e só agora estou de volta,
cinco dias depois de minha saída pra caçar. Vim a pé, pois não encontrei mais
meus companheiros.
O homem se assustou com a sua aparência, quando se viu num espelho. Quando
lhe foi informado que saíra de casa há três meses, e que já era dado como
morto, ficou deveras perplexo. Em seguida narrou uma estranha e longa história,
já com a presença de dois vizinhos, que foram chamados. Só lhe deram algum
crédito porque nunca se ouviu falar que ele tivesse mentido alguma vez.
Seguirei fielmente o que ele contou.
Ao se separar de seus colegas caçadores, afastou-se da estrada
carroçável, entrando na mata cada vez mais cerrada, até um altiplano na encosta
da serra, onde a floresta era menos densa, e havia uma clareira, ao longe, na
qual ele avistou um objeto grande, de formato arredondado. Embora a mata fosse
rala, não o distinguiu direito. A curiosidade o impulsionou em sua direção. Com
certo temor, caminhou com muita cautela, procurando não fazer barulho, e ocultando-se
atrás de árvores e moitas.
Em dado momento, foi acometido de repentino e irresistível sono. Quando
voltou a si, estava no que considerou ser o salão de um palácio, porém
diferente dos que já vira em filmes, retratos e ilustrações. O recinto era cheio
de teclas, luzes e botões. Em certos locais parecia o painel de um carro
luxuoso ou de um avião comercial, conforme já vira em revistas, mas com muitas
diferenças.
Os materiais de que era feito esse salão pareciam estranhos, pela
textura, cores e brilho. Alguns eram tão flexíveis ou diáfanos, que tinham o
aspecto de sombras ou coisas quase imateriais. Estava deitado numa espécie de
cama ou maca. Uns aparelhos ou instrumentos apontavam para ele. Todavia, não
estava ligado a nenhum, pelo menos por fios.
Estava ladeado por três seres, que aparentavam ser duas mulheres e um
homem. Suas feições e cor eram um pouco diferentes das encontradas na Terra. O
corpo era muito esbelto, mais alto e mais retilíneo que o dos seres humanos. Os
dois seres, que considerou do sexo feminino, tinham dois seios e quadris mais
proeminentes. Em lugar de cabelos, tinham uma espécie de carapaça, algo
semelhante a um capacete. Ou talvez a carapaça fosse mesmo um capacete.
Vestiam uma espécie de túnica volátil, esvoaçante, inconsútil. Essa
vestimenta parecia não provocar nenhum incômodo ou constrangimento, conquanto
fosse um tanto ajustada ao corpo desses estranhos seres. Se deslocavam
suavemente, como se deslizassem ou levitassem, mas com extrema rapidez.
Contudo, tinham pernas e pés. Após o que ele considerou ser um breve tempo, foi
interrogado por eles, não por palavras, mas exclusivamente através do
pensamento. Galdino lhes entendia o pensamento, e eles compreendiam o seu, sem
necessidade de sons ou palavras. Talvez existisse a intermediação de algum
aparelho tradutor de pensamento.
De súbito, sentiu um sono profundo, e não sabe o que aconteceu depois.
Quando voltou a si, estava deitado no mesmo lugar em que dormira anteriormente.
A única diferença é que havia uma esfera em sua mão, de material jamais visto em
nosso planeta. Não se sabe se era feita de pedra preciosa ou de metal, ou de
uma substância fabricada em outro planeta.
João Galdino ficou desorientado e se perdeu na serra. Parece que andou em
círculos, por cerca de três dias, ferindo-se em pedras e espinhos, e dormindo
ao relento, no frio intenso das madrugadas serranas. Perdeu também a noção do
tempo, apesar de achar que saíra de casa no dia anterior. Passou frio, sede e
fome, mas nunca perdeu a esperança, e por isso nunca pensou em desistir.
Após muito andar, encontrou um pequeno regato. Resolveu seguir-lhe o
curso correnteza abaixo. Terminou encontrando uma palhoça, onde moravam um
casal e quatro filhos, em completa pobreza. Como já era quase noite, dormiu
nesse casebre. No dia seguinte, o caboclo o conduziu até a estrada, que levava
a Évora. Deu ao matuto o pouco dinheiro que trazia, e marchou em busca de sua
casa e de sua família.
Muitas pessoas acharam que tudo não passava de um sonho, e que Galdino o
tomara como sendo uma realidade. Outras, céticas, diziam que ele tivera uma
loucura momentânea e passageira. A maioria, entretanto, era de opinião que ele
encontrara uns alienígenas e fizera uma viagem espacial a outro planeta, fora
do sistema solar. Contudo, os que defendiam a tese do sonho ou da loucura não
sabiam explicar o lapso do tempo que Galdino passara fora de sua casa. E muitos
menos tinham explicação sobre o material, jamais visto, de que era feito o pequeno
globo que ele trouxera.
Décadas depois, numa roda de intelectuais e boêmios eborenses, o advogado
Adauto Pessoa defendeu a tese de que a esfera não passava de uma fraude, pois
nunca se ouvira falar de que ETs deixassem algum objeto com as supostas pessoas
contatadas. Arrematou dizendo que nem mesmo a cantora Elba Ramalho, que
afirmava haver sido abduzida algumas vezes, trouxera algum objeto
comprobatório.
O rábula Possidônio Vogado, que gostava de se contrapor à empáfia de
Adauto, obtemperou:
– Ilustre colega, o Galdino foi abduzido por ETs do bem; quiseram
demonstrar que não queriam lhe fazer qualquer mal. Por isso, deixaram essa
esfera para sinalizar nesse sentido, como se nos mandassem uma mensagem.
O advogado franzira o cenho, em sinal de contrariedade, quando foi chamado
de colega pelo provisionado, afinal este não tinha canudo de bacharel. Para não
entrar em disputa com quem considerava inferior, tratou de mudar logo de
assunto.
Hoje, após ter lido sobre a teoria da relatividade e ter assistido a
filmes de ficção científica, acredito que ele foi mesmo abduzido, e levado em
viagem espacial, naquilo que chamamos disco voador ou óvni, a um planeta
distante, em velocidade quase igual à da luz, donde a distorção no tempo entre
ele e os que ficaram na Terra.
Acredito nisso porque Galdino nunca perdeu a lucidez nos anos que se
seguiram, e jamais foi flagrado em mentira ou contradição. E porque vi as
estranhas luzes a que já fiz referência. A inexplicável esfera é uma prova
desse contato imediato de quinto grau.”
Surpreendente, Poeta!Assim as Histórias de Évora vão se recheando de belas passagens, e o nosso romance em formato ultramoderno, vai ganhando corpo, e conteúdo surpreendente.
ResponderExcluirCom esse seu permanente estímulo, caro José Pedro Araújo, vou terminar encontrando força e motivação para concluir esse meu romance em construção.
ResponderExcluirMuito obrigado por suas belas palavras de incentivo.