quinta-feira, 29 de setembro de 2016

HISTÓRIAS DE ÉVORA - Capítulo XXIII


HISTÓRIAS DE ÉVORA

Este romance será publicado neste sítio internético de forma seriada (semanalmente), à medida que os capítulos forem sendo escritos.

Capítulo XXIII

A serra encantada (II)

Elmar Carvalho

O homem de barba longa, de face tostada pelo sol, após bater palmas e gritar, por duas ou três vezes ‘oi de casa’, foi recebido pela dona do imóvel e dois filhos, um adolescente e uma moça. Sem delongas, foi logo dizendo:
– Parece que vocês não estão me reconhecendo... Sou João Galdino e vocês são minha mulher Dulce, minha filha Joana e meu filho Gonçalo. Tive uns problemas na serra, que depois irei contar. Me perdi e só agora estou de volta, cinco dias depois de minha saída pra caçar. Vim a pé, pois não encontrei mais meus companheiros.

O homem se assustou com a sua aparência, quando se viu num espelho. Quando lhe foi informado que saíra de casa há três meses, e que já era dado como morto, ficou deveras perplexo. Em seguida narrou uma estranha e longa história, já com a presença de dois vizinhos, que foram chamados. Só lhe deram algum crédito porque nunca se ouviu falar que ele tivesse mentido alguma vez. Seguirei fielmente o que ele contou.

Ao se separar de seus colegas caçadores, afastou-se da estrada carroçável, entrando na mata cada vez mais cerrada, até um altiplano na encosta da serra, onde a floresta era menos densa, e havia uma clareira, ao longe, na qual ele avistou um objeto grande, de formato arredondado. Embora a mata fosse rala, não o distinguiu direito. A curiosidade o impulsionou em sua direção. Com certo temor, caminhou com muita cautela, procurando não fazer barulho, e ocultando-se atrás de árvores e moitas.

Em dado momento, foi acometido de repentino e irresistível sono. Quando voltou a si, estava no que considerou ser o salão de um palácio, porém diferente dos que já vira em filmes, retratos e ilustrações. O recinto era cheio de teclas, luzes e botões. Em certos locais parecia o painel de um carro luxuoso ou de um avião comercial, conforme já vira em revistas, mas com muitas diferenças.

Os materiais de que era feito esse salão pareciam estranhos, pela textura, cores e brilho. Alguns eram tão flexíveis ou diáfanos, que tinham o aspecto de sombras ou coisas quase imateriais. Estava deitado numa espécie de cama ou maca. Uns aparelhos ou instrumentos apontavam para ele. Todavia, não estava ligado a nenhum, pelo menos por fios.

Estava ladeado por três seres, que aparentavam ser duas mulheres e um homem. Suas feições e cor eram um pouco diferentes das encontradas na Terra. O corpo era muito esbelto, mais alto e mais retilíneo que o dos seres humanos. Os dois seres, que considerou do sexo feminino, tinham dois seios e quadris mais proeminentes. Em lugar de cabelos, tinham uma espécie de carapaça, algo semelhante a um capacete. Ou talvez a carapaça fosse mesmo um capacete.

Vestiam uma espécie de túnica volátil, esvoaçante, inconsútil. Essa vestimenta parecia não provocar nenhum incômodo ou constrangimento, conquanto fosse um tanto ajustada ao corpo desses estranhos seres. Se deslocavam suavemente, como se deslizassem ou levitassem, mas com extrema rapidez. Contudo, tinham pernas e pés. Após o que ele considerou ser um breve tempo, foi interrogado por eles, não por palavras, mas exclusivamente através do pensamento. Galdino lhes entendia o pensamento, e eles compreendiam o seu, sem necessidade de sons ou palavras. Talvez existisse a intermediação de algum aparelho tradutor de pensamento.

De súbito, sentiu um sono profundo, e não sabe o que aconteceu depois. Quando voltou a si, estava deitado no mesmo lugar em que dormira anteriormente. A única diferença é que havia uma esfera em sua mão, de material jamais visto em nosso planeta. Não se sabe se era feita de pedra preciosa ou de metal, ou de uma substância fabricada em outro planeta.

João Galdino ficou desorientado e se perdeu na serra. Parece que andou em círculos, por cerca de três dias, ferindo-se em pedras e espinhos, e dormindo ao relento, no frio intenso das madrugadas serranas. Perdeu também a noção do tempo, apesar de achar que saíra de casa no dia anterior. Passou frio, sede e fome, mas nunca perdeu a esperança, e por isso nunca pensou em desistir.

Após muito andar, encontrou um pequeno regato. Resolveu seguir-lhe o curso correnteza abaixo. Terminou encontrando uma palhoça, onde moravam um casal e quatro filhos, em completa pobreza. Como já era quase noite, dormiu nesse casebre. No dia seguinte, o caboclo o conduziu até a estrada, que levava a Évora. Deu ao matuto o pouco dinheiro que trazia, e marchou em busca de sua casa e de sua família.

Muitas pessoas acharam que tudo não passava de um sonho, e que Galdino o tomara como sendo uma realidade. Outras, céticas, diziam que ele tivera uma loucura momentânea e passageira. A maioria, entretanto, era de opinião que ele encontrara uns alienígenas e fizera uma viagem espacial a outro planeta, fora do sistema solar. Contudo, os que defendiam a tese do sonho ou da loucura não sabiam explicar o lapso do tempo que Galdino passara fora de sua casa. E muitos menos tinham explicação sobre o material, jamais visto, de que era feito o pequeno globo que ele trouxera.

Décadas depois, numa roda de intelectuais e boêmios eborenses, o advogado Adauto Pessoa defendeu a tese de que a esfera não passava de uma fraude, pois nunca se ouvira falar de que ETs deixassem algum objeto com as supostas pessoas contatadas. Arrematou dizendo que nem mesmo a cantora Elba Ramalho, que afirmava haver sido abduzida algumas vezes, trouxera algum objeto comprobatório.

O rábula Possidônio Vogado, que gostava de se contrapor à empáfia de Adauto, obtemperou:
– Ilustre colega, o Galdino foi abduzido por ETs do bem; quiseram demonstrar que não queriam lhe fazer qualquer mal. Por isso, deixaram essa esfera para sinalizar nesse sentido, como se nos mandassem uma mensagem.

O advogado franzira o cenho, em sinal de contrariedade, quando foi chamado de colega pelo provisionado, afinal este não tinha canudo de bacharel. Para não entrar em disputa com quem considerava inferior, tratou de mudar logo de assunto. 

Hoje, após ter lido sobre a teoria da relatividade e ter assistido a filmes de ficção científica, acredito que ele foi mesmo abduzido, e levado em viagem espacial, naquilo que chamamos disco voador ou óvni, a um planeta distante, em velocidade quase igual à da luz, donde a distorção no tempo entre ele e os que ficaram na Terra.


Acredito nisso porque Galdino nunca perdeu a lucidez nos anos que se seguiram, e jamais foi flagrado em mentira ou contradição. E porque vi as estranhas luzes a que já fiz referência. A inexplicável esfera é uma prova desse contato imediato de quinto grau.”   

2 comentários:

  1. Surpreendente, Poeta!Assim as Histórias de Évora vão se recheando de belas passagens, e o nosso romance em formato ultramoderno, vai ganhando corpo, e conteúdo surpreendente.

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  2. Com esse seu permanente estímulo, caro José Pedro Araújo, vou terminar encontrando força e motivação para concluir esse meu romance em construção.
    Muito obrigado por suas belas palavras de incentivo.

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