HISTÓRIAS
DE ÉVORA
Este romance será publicado neste sítio
internético de forma seriada (semanalmente), à medida que os capítulos forem
sendo escritos.
Montevidéu, ontem e hoje
Elmar Carvalho
A chácara Montevidéu pertencera ao
coronel e fazendeiro Marcolino Ferreira, que nela passava os finais de semana
com a sua família. Às vezes ele convidava amigos para eventuais comemorações, à
base de churrasco e cerveja. Todavia, no meio da semana, em frequência que
variava de quinze a trinta dias, o coronel levava uma mulher, prostituta ou
não, para passar uma tarde com ele nesse sítio.
Já cinquentão, no começo dos anos 60,
seja por mérito exclusivamente seu ou com a intermediação de pessoa de sua
confiança, começou a ter um caso com três irmãs, sendo uma viúva e duas outras
solteironas. Acredita-se que ele começou esse relacionamento com a primeira,
que depois teria aliciado as irmãs. A filha única da viúva já era casada e
morava na capital, de modo que as irmãs Alvarenga moravam na mesma casa. Não se
sabe por que inusitado capricho o coronel, embora na periodicidade já referida,
as “usava” na mesma ocasião, e não em dias diferentes. Também se desconhece o
motivo pelo qual elas aceitavam essa situação digna de um harém. Nunca se soube
se elas iam para a alcova ao mesmo tempo, ou se em diferentes momentos do
conciliábulo amoroso.
Comentava-se em Évora que o coronel
Marcolino era como sarampo, atacava a família toda. Na época, um homem com mais
de cinquenta anos já era tido como velho. Por isso mesmo, as pessoas se
admiravam de seu vigor. Contudo, quem conhecia a realidade dos fatos era o
farmacêutico Sousa Santos, que detinha em sua memória uma fórmula milagrosa,
que nunca partilhou com ninguém, levando-a para o túmulo.
Acrescente-se que esse notável boticário
era o principal responsável pelas curas das famigeradas doenças venéreas, não
raras vezes através de métodos heterodoxos e dolorosos. Ante algumas situações
introduzia ardentes bastonetes em vaginas e uretras, untados com as poções
miraculosas que ele próprio preparava. A vítima urrava e estrebuchava de dor.
Era ele quem sarjava os árdegos cavalos de crista, pégasos tão abomináveis
quanto indesejados, e espremia ou extirpava os venéreos tumores e úlceras,
jamais veneráveis. Prescrevia dietas e receitas.
Uma hora antes do colóquio amoroso do
coronel com as irmãs Alvarenga, o Sousa Santos, debaixo de muita discrição e
cautela, lhe injetava diretamente no membro esse precursor do Viagra, que fora
originalmente criado para controlar problemas cardíacos. O fato é que ele
provocava severos problemas colaterais, inclusive óbito, especialmente quando
usado como afrodisíaco. Em vários casos, era tiro e queda: matava mesmo.
Assim, o bravo coronel veio a falecer
com apenas 63 anos de idade, no início dos anos 70. As irmãs Alvarenga não
botaram luto fechado, porque isso seria uma afronta à família de Marcolino, sobretudo
a sua esposa, de quem elas eram amigas, apesar dos rumores, mas passaram a usar
roupas escuras, sempre muito discretas. E nunca mais se ouviu falar em relacionamento
amoroso de nenhuma delas. A chácara terminou ficando de herança para um dos
filhos de Marcolino, que veio a se tornar próspero comerciante e fazendeiro.
Segundo comentários ouvidos por
Marcos, o cabaré Montevidéu de Gracinha estava indo de vento em popa. Os
carros, lambretas e vespas ficavam bem resguardados, dentro do cercado da
antiga chácara, longe da vista de passantes curiosos e de fofoqueiros ditos
profissionais. A clientela vinha aumentando a olhos vistos, talvez por causa de
prostitutas novas e bonitas que ali marcavam presença. Em consequência, novas
raparigas passaram a fazer ponto no Montevidéu, e isso, por sua vez, atraiu
novos fregueses, em contínuo processo de retroalimentação.
Ante essas notícias, ao se encontrar
com Fabrício e Mário Cunha, Marcos os convidou para uma “incursão” ao
prostíbulo. No sábado, cedo da noite, os três seguiram para lá. Em face do
horário, o salão principal ainda tinha algumas mesas vagas. Alguns preferiam
beber no alpendre, e outros, debaixo do enorme e frondoso oitizeiro, sobretudo
à tarde, quando uma brisa soprava, vinda, ao que se dizia, das bandas do lago
Galileia.
Tudo parecia indicar que o
empreendimento de Gracinha se tornara rentável. Além da grande venda de
cerveja, refrigerantes e outras bebidas, como uísque, conhaque, rum e vermute,
a diligente madame contratou uma cozinheira para preparar saborosos
tira-gostos, além de pesadas refeições, entre as quais panelada, mão de vaca e
rabada. A bem da verdade, diga-se que muitos não iam ao prostíbulo em busca de
mulher, mas apenas dessas iguarias e de uma cerveja bem gelada, do tipo “véu de
noiva”.
Os jovens e bravos mosqueteiros não
estavam à procura de mulher naquela noite, pois acertaram demorar pouco, com o
objetivo de irem a uma festa no Évora Clube. Observaram o plantel, e viram que
algumas raparigas eram bonitas e apetitosas, e circulavam com certa discrição,
à cata de possíveis clientes. Sem dúvida descartavam os estudantes, quase sempre
sem dinheiro, e apenas preparados para ratear três ou cinco cervejas, ou oito em
dia mais propício. Mas sempre disponíveis para uma “trepada por amor”, como
eles jocosamente diziam, em suas gabolices juvenis.
Quando Marcos e seus amigos já se
preparavam para deixar o recinto, chegou uma das mulheres, bem vestida, com
certa sobriedade, talvez para imprimir respeito. Usava uma pulseira e brincos
de ouro, mas sem ostentação. Logo foi identificada como sendo a dona do
ambiente. Fabrício tratou de providenciar uma cadeira, para que ela se
sentasse, e foi logo pedindo uma cerveja para lhe oferecer um copo, que ela
delicadamente recusou.
Gracinha falava em voz baixa e suave,
quase a sussurrar, não obstante o bolero que a vitrola tocava. Fez algumas
perguntas triviais, e disse que estava gostando do local. Esclareceu que não
permitia música em alto volume, para não incomodar as famílias, que precisavam
de repouso. Dessa forma cultivava a política da boa vizinha e evitava
retaliações, como denúncias ao prefeito ou ao delegado, sob o argumento de
perturbação ao sossego público. Perguntou se eram apenas estudantes, ou se
exerciam algum trabalho.
Marcos e Mário responderam que
trabalhavam em jornal alternativo, mas sem nenhuma remuneração. Fabrício disse
que, de vez em quando, prestava algum serviço na loja de seu pai, mais no
intuito de aprender sobre como um comércio do seu tipo funcionava; em
consequência seu pai lhe aumentava a mesada e lhe dava algum presente.
A madame, furtivamente, vez ou outra,
olhava para Marcos, com indisfarçável interesse. O rapaz podia ser cauto, mas
não era cego e muito menos ingênuo. Logo percebeu esses olhares de admiração,
embora sua eventual vaidade fosse bem administrada. Considerou que ela gostara
de seu porte físico e de seu comportamento. Por isso, achou estratégico lhe revelar
que morava perto, a apenas três quarteirões.
– Ora, você é quase um vizinho. Pois
apareça por aqui, de manhã, quando não tem movimento, nem clientes e nem
mulheres, para a gente jogar conversa fora, se isso não lhe causar problema com
seus pais. Geralmente, estou sozinha, apenas com mamãe e a empregada.
O rapaz lhe agradeceu o convite, e
prometeu que breve a visitaria, na parte da manhã, por volta das dez horas. Em
seguida, pagaram a conta e seguiram para o centro da cidade. Marcos, sem
afoiteza nem açodamento, apertou a mão de Gracinha e a beijou no rosto, como
via fazerem os mocinhos elegantes das películas cinematográficas.
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