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Elmar Carvalho, Homero Castello Branco, Nelson Nery Costa (presidente da APL) e Dílson Lages Monteiro |
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Fonte: Google/You Tube |
Os Castello Branco: oração de
lançamento II
(*) Dílson Lages Monteiro
Senhores e senhoras,
Em “Testemunha ocular da
história: o uso da imagem como evidência histórica”, obra que se tornou
clássica para pesquisadores, Peter Burker afirma:
“Nos últimos tempos, os
historiadores têm ampliado consideravelmente seus interesses para incluir não
apenas eventos políticos, tendências econômicas e estruturas sociais, mas
também a história das mentalidades, a história da vida cotidiana, a história da
cultura material, a história do corpo etc. Não teria sido possível desenvolver
pesquisa nesses campos relativamente novos se eles tivessem se limitado a
fontes tradicionais, tais como documentos oficiais produzidos pelas administrações
e preservados em seus arquivos”. (2017:17)
Conclui Burker: “Por essa razão,
lança-se mão, cada vez mais, de uma gama mais abrangente de evidências, na qual
as imagens têm o seu lugar ao lado de textos literários e testemunhos orais”
(2017:17).
Tais palavras, embora
concentradas enfaticamente no valor da imagem, do texto literário e das
narrativas orais como documento, endossam, também, o lugar social da genealogia, ao
redimensionar a concepção, segundo a qual, qualquer fonte converte-se em instrumento válido para, não apenas se
desdobrar vínculos causais, consequências e cronologia de fatos, mas também, e
sobretudo, o modo de pensar de um tempo, referendando Robert Darton, para quem
a história traduz uma maneira de pensar.
A genealogia significou, historicamente,
um dos fortes aliados aos mais diversos campos dos estudos em humanidades.
Dela, até hoje historiadores se valem, entretanto, sua utilização passou por
novos contornos. Se antes estava a serviço notadamente de perfis biográficos
eivados da exaltação de grandes feitos ou a serviço do positivismo, foi, a par
de novas metodologias e apropriações, convertendo-se como objeto válido para um
entendimento mais exato das relações de poder, como o fez pioneiramente a
historiadora Tania Pires de Brandão ao estudar a elite colonial piauiense e, modernamente, entre nós, a seu modo, o
historiador e acadêmico Reginaldo Miranda. E mais do que a compreensão das
relações de poder, verteu-se em objeto igualmente útil ao entendimento do
próprio tecido social em crenças, costumes, valores e outras relações de ordem
diversa, capazes de investigar conflitos sociais e identidades dos mais
variados grupos.
À luz de teorias recentes, a
genealogia vem se constituindo como campo de conhecimento para a construção de
autoidentidade. Sob essa ótica, o genealogista Gilberto de Abreu Sodré Carvalho
explica:
“A genealogia não é um assunto de
interesse restrito a nobres estabelecidos há algum tempo ou há tempos, de
arrivistas ou de genealogistas de jeito fidalgo, mas sim estudo seriíssimo para
entender o desejo de poder e de imanência (sermos intrinsicamente especiais) de
cada um de nós. O impulso pelo poder – que nos garante, ao menos na aparência
sobreviver – estabelece a competição pela ascensão social e a fuga da
descensão” (2017:28).
A esse propósito, esclarece Sodré
Carvalho:
“A ausência de memória vinda de
genitores, avós e além leva a invenção de um passado, uma vez que o passado
real como conhecido é honrosamente vazio, restrito à expressão das mãos, dos
olhos, da cor da pele, dos traços do rosto para dar as pistas. Os humanos, de
regra, não aceitam de bom grado não terem um passado conhecido que os ajude a desenvolver
uma mais completa identidade” (2017:237).
Por essa razão, argumenta o
genealogista que somos “roteiristas e atores de autobiografias em curso de
encenação e ajustes”.
Senhores e senhoras,
As duas primeiras décadas do
século XXI se desenharam como momento fértil e de surpresas com a publicação de
dezenas de obras sobre famílias piauienses e seus entrelaçamentos familiares.
Entre as famílias estudadas, poucas receberam atenção tão detalhada quanto os
Castello Branco. Em 2008, Dr. Edgardo Pires Ferreira, um dos mais respeitados
genealogistas brasileiros, cujo fôlego e vocação para estudos de família
legaram um denso conjunto de livros nos quais o Piauí colonial e Imperial e
outros estados se fazem representar, lançava o volume 5 de A mística do parentesco
– uma genealogia inacabada, publicando tomo específico sobre Os Castello
Branco, no qual agrupava mais de 13 mil verbetes. Nessa obra, ele ampliava os
esforços dos demais volumes, reinterpretando verbetes por meio de ligações de
diversas famílias estudadas aos Castello Branco e aos Carvalho de Almeida,
alguns dos pioneiros na colonização do Norte piauiense.
O estudo terminou por resumir os
volumes anteriores de A mística do parentesco, cuja edição é 1987, e preencher
lacunas, somente descobertas com a circulação dos primeiros cinco volumes da
coleção. Por meio do volume específico dos Castello Branco, uma de suas metas
era realizar uma releitura de “Apontamentos Genealógicos de Dom Francisco
Castello Branco: seus ascendentes e descendentes”, organizada por Antônio
Leôncio Ferraz e outros, editada em 1926, hoje rara, livro que a despeito de
ter valor incomensurável para a área e seu tempo, exige grande esforço de
leitura, muito mais própria aos entendidos no assunto. Ao mesmo tempo, Dr.
Edgardo aprimorava mais e mais a metodologia que criou para catalogar verbetes
de maneira a que o leitor comum consultasse a obra com relativa facilidade, o
que, de fato, tornou-se real. A mística do parentesco é de fácil consulta.
A inquietação em contribuir para
um trabalho mais próximo possível dos anseios de pesquisador o conduziria a
mover-se incansavelmente na descoberta das lacunas do quinto volume. Assim é
que novas famílias descendentes dos Castello Branco do Sul ao Norte do Piauí,
com ou sem o sobrenome incorporado ao nome, foram se somando a outras já
registradas na obra. O resultado disso apareceu com o mais fascinante volume da
Coleção. Poucos anos depois da 1ª. Edição do número 5 de A mística do
parentesco, os piauienses e maranhenses receberiam a nova edição desse tomo,
mais que triplicada de verbetes, reunindo mais de 45 mil nomes, a que se
adicionou estudo do historiador Gilberto de Abreu Sodré Carvalho.
Na esteira dessas publicações ou
concomitantemente a elas, o historiador Valdemir Miranda publicava sobre a
mesma família o volume 1 de “Enlaces de famílias”, uma genealogia em
construção, com registro de quase 15 mil nomes e relações de parentesco. Ele
concentrou a atenção na descendência de Antônio Carvalho de Almeida e Maria
Eugênia de Mesquita Castello Branco, estabelecidos à época em região hoje
pertencente ao município de Batalha em 1725. Interessava ao pesquisador,
especialmente, famílias assentadas notadamente entre os munícipios de
Piracuruca, Batalha e Esperantina, embora tenha, inevitavelmente, por força da
cadeia de casamentos entre parentes, registrado famílias descendentes do casal
em outros municípios. Graças a suas pesquisas, catalogaram-se grupos familiares
cujo conhecimento de suas raízes jazia quase exclusivamente na poeira da
memória oral.
A esses dois estudos, as
pesquisas do historiador Reginaldo Miranda, em diversos artigos que
investigaram a fundo em fontes primárias não exploradas até então, entre outras
questões, Dom Francisco Castello Branco e a história pessoal dele em São Luís do
Maranhão, assim como a de outros destacados integrantes dessa família, abriram
caminho para novas hipóteses úteis à história, à genealogia e ao memorialismo.
Cumpre destacar que todas essas pesquisas se construíram ao tempo em que o
genealogista carioca Gilberto Sodré Carvalho investigava em minúcias Os
Carvalho de Almeida, família com a qual Os Castello Branco originalmente se
consorciam por matrimônio no Piauí, originando uma descendência numerosíssima,
aos milhares, descendência da qual muitos dos aqui presentes fazem parte.
À margem do fechamento de uma
década, quando o tempo vende a ilusão de que pouco ainda apareceria, pelo menos
por enquanto, em torno dos estudos sobre essa família pioneira na colonização
do Piauí, eis que a vocação do acadêmico Homero Castello Branco Neto ao
memorialismo e à genealogia, vocação já expressa em vários livros de mesmo
matiz, como “Ecos de Amarante”, surpreende e fascina, mais uma vez, com
publicação que mais do que apenas um publicação vale pela obra completa que o é.
Não apenas pela utilidade e importância aos interessados no assunto, mas
principalmente pelo conjunto dos livros enfeixados em um só livro.
Se em digressão me remeto a
outras obras sobre Os Castello Branco, relativamente recentes, é, também, para
pôr em relevo que algumas delas beberam na fonte da tradição oral,
especialmente, recorrendo ao conjunto de textos basilares coligido nos diversos
livros, reunidos, agora, em um só volume pelo escritor Homero Castello Branco
Neto. Esses estudos, todos eles, completam-se e dialogam (um motiva a leitura
do outro naquilo que traz de não sabido ou não revelado, naquilo que organiza
ou seleciona sob outro paradigma, ou mesmo naquilo que corrige).
Senhores e senhoras,
Em “Fenelon Ferreira Castello
Branco”, que se desdobra em duas publicações de feição complementar (uma delas,
autoral, e outra, do próprio Fenelon, o biografado) e “Os Castello Branco ontem
e hoje”, que condensa 4 outras publicações sobre a família, escritas por
antepassados, em momentos diversos do passado, até chegar ao presente
representado pela escritura de Homero Neto, genealogia e memorialismo se
intercruzam. É possível lê-los separadamente, ao sabor do diletantismo, mas
também a partir de percurso cronológico de escrita e edição. Independentemente
da estratégia de leitura, conseguem os livros alcançar, para além de elementos
da vida privada, a própria história da família Castello Branco e ramificações,
por meio de realizações de dezenas de seus filhos ilustrados, cuja trajetória é
resumida em notas biográficas. Soube o autor, frise-se, promover distanciamento
dos textos reunidos, para que imperasse a voz da ancestralidade e um dos
sentidos originais do conjunto da obra, o de promover o legado das antigas
gerações, sobremodo.
Do conjunto, por dever da
satisfação pessoal da leitura, destaco no volume intitulado “Fenelon Ferreira
Castello Branco” o telurismo que percorre todas as páginas da biografia, nas
quais o amor pela figura do tio-avô se materializa em releitura terna,
traduzindo em uma só pessoa tio-avô e neto. Em ambos, pela escritura telúrica,
abundam “o amor à família, à terra, aos amigos e aos amores”, entre eles, o
carinho desmedido pela antiga Barras do Marataoã, expresso em 4 sonetos intertextuais,
escritos em 1925 e há muito absorvidos pelos barrenses em versos lidos e
relidos quase como hino, entre eles:
Barras
Ó formosa cidade sertaneja
Transbordante de graças
campesinas,
Banhadas pelas águas cristalinas
Que o rio Marathaoan além despeja.
Viva eu perto de ti, ou longe
esteja,
Com essas tuas delícias me
fascinas
E já velho revejo-me o traquinas
Que brincou, por ali, no adro da
igreja,
Como recordo o barco à flor das
águas!
E os canoeiros numa trova antiga,
Ao som dos remos, desfiando
mágoas!
Com essas lembranças minha mente
escaldas!
Ó ninho azul, ó minha Terra
amiga,
- Berço de Thaumaturgo e David
Caldas.
Destaco ainda, no mesmo volume, a
publicação, pela primeira vez, dos manuscritos de Fenelon, sob o título seminal
“A cronologia da família Castello Branco”, manuscritos que originaram a
clássica publicação de Antônio Leôncio Ferraz e outros, sobre a descendência de
Dom Francisco Castello Branco. Embora hoje essas informações estejam
disponíveis e desmembradas em diversas releituras, o acesso a essas anotações
permite cotejar o que já se escreveu sobre esses grupos familiares e mesmo
reparar impropriedades. Nos verbetes de Fenelon, agora publicizados em versão fac-símile,
o autor optou por registrar as esposas com o acréscimo do nome dos esposos e
não o de solteira, diferentemente do procedimento de boa parte dos
genealogistas, o que pode gerar esclarecimentos a pesquisadores ou confrontar
informações sobre laços de parentesco, embora a catalogação de Fenelon não
obedeça ao rigor e ao aprimoramento da técnica de enumeração dos dias
correntes.
Em “Os Castello Branco ontem e
hoje”, tal qual na biografia de “Fenelon Castello Branco”, a leitura é a da
curiosidade que anestesia. Agora, pela transmutação do leitor a tempos e a
espaços diversos, tendo como acalanto as velhas raízes rurais. Por isso, o
livro tem o cheiro, o sabor, o vento e a visão das percepções do mundo rural e
de tempos que somente existem na memória, essa fábrica fascinante de subversão
da concretude enfadonha dos dias medidos em horas. Nos diversos apontamentos
sobre a família, na teia da saga familiar de registrar para a posterioridade a
saga dos tempos idos, Homero Ferreira Castello Branco, Herbert Marathaoan
Castello Branco, Moisés Castello Branco Filho e Homero Ferreira Castello Branco
Neto transformam-se em única voz, a do cotidiano que é a escrita de si,
pretensiosamente interessada em segurar as lembranças nas palmas das mãos e
repassá-las, o quanto possível, às novas gerações. Assim, o leitor percorre o
lugar social dessa família na história, da casa-grande aos postos de poder do
mundo cosmopolita, em variados campos da atuação humana, com um “parêntese”
extenso para enumerar a grande quantidade de nomes do grupo familiar integrando
a Academia Piauiense de Letras.
O leitor, quando além de leitor,
emprega a palavra escrita como meio de expressão estética, ou como registro
utilitário do tempo e da memória, com ou sem o rigor científico, tem a convicção
da excelência de um livro se, diante dele, explode a emoção inesperada e um
anseio de posse positiva: “Este livro, eu desejaria tê-lo escrito!”
Parabéns, Dr. Homero Castello
Branco, este livro, desejaria ter escrito! Nós, seus pares nesta Casa de Lucídio
Freitas e A. Tito Filho, desejaríamos tê-lo escrito.
O mais a ser dito, fica por conta
da curiosidade dos leitores.
Muito obrigado!
(*) Dílson Lages Monteiro é
literato e pesquisador, titular da cadeira 21 da Academia Piauiense de Letras
Oração proferida em 26.10.2019 na
sede da Academia Piauiense de Letras, por ocasião do lançamento de “Os Castello
Branco, ontem e hoje” e “Fenelon Castello Branco” (edição conjugada), de
autoria de Homero Ferreira Castello Branco Neto.
Referências:
BURKER, Peter. Testemunha ocular:
o uso de imagens como evidência histórica. São Paulo: Unesp, 2017.
CARVALHO, Gilberto de Abreu
Sodré. Homo genealogicus: gênese e evolução do ser humano socialmente
importante. São Paulo: Edição do Autor, 2017.
CASTRO, Valdemir Miranda de
Castro. Enlaces de família – uma genealogia em construção (volume I).
Esperantina-PI: Edição do Autor/EDUFPI, 2014.
COSTA, Lena Castello Branco
Ferreira da. Arraial e Coronel: dois estudos de história social. Cultrix, São
Paulo, 1978.
DARNTON, Robert. O grande
massacre dos gatos e outros episódios da história cultural francesa. Rio de
Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2017.
FERREIRA, Edgardo Pires. Os
Castello Branco – a mística do parentesco (volume 5). São Paulo: Línea B
Editora, 2008.
________. Os Castello Branco e
seus entrelaçamentos familiares no Piauí e no Maranhão (2ª. edição revista e
ampliada). São Paulo: Abc Editorial, 2013.
FERREIRA, Homero Castello Branco.
Os Castello Branco ontem e hoje/ Fenelon Ferreira Castello Branco (edição
conjugada). Teresina: Nova Aliança, 2019.
MIRANDA, Reginaldo. Capitão
Francisco da Cunha e Silva Castello Branco. Disponível em
https://www.portalentretextos.com.br/materia/capitao-francisco-da-cunha-e-silva-castelo-branco,12977
> acesso em 25.10.2019.
Fonte do texto: Portal Entretextos