DIÁRIO
[Cunha e Silva Filho e a Literatura Piauiense]
Elmar Carvalho
21/04/2020
Em certo dia
de 1990 conheci, em Amarante, sua terra natal, o professor, erudito, crítico
literário, cronista, memorialista e ensaísta Francisco da Cunha e Silva Filho.
Eu estava
hospedado num hotel, instalado num velho e solarengo casarão, situado quase ao
pé da escadaria do Morro da Saudade, que assim chamo em homenagem ao excelso
poeta Da Costa e Silva, cujos extraordinários poemas passei a conhecer a partir
do final de minha meninice, e depois, com mais intensidade, do início de minha
juventude. Eu fora participar de um evento lítero-cultural.
Aliás, ao longo de muitos anos estive nessa cidade várias vezes, e sempre me é muito agradável retornar a essa
aprazível e encantadora cidade, e essas visitas estão registradas em várias
crônicas memorialísticas que escrevi, e no meu poema Amarante. Me é sempre
agradável rever suas ruas e becos tortuosos, seus vetustos solares, suas praças
ajardinadas, sua graciosa e elegante matriz, a atraente beleza dos rios, e a
moldura azul e sinuosa das serras, que o poeta nostálgico do azul cantou.
Ao dar uma
volta pela cidade, sem dúvida em companhia do Virgílio Queiroz, professor,
escritor e poeta amarantino, o encontrei num dos casarões da Avenida Des.
Amaral, que se limita com o morro e com o rio Parnaíba, em suas extremidades.
Não sei quem nos apresentou; talvez tenha sido a Sônia Setúbal, sua irmã.
Sei que iniciamos uma rápida
conversação sobre literatura, na qual lhe informei que cometia versos, e
participara de algumas coletâneas e antologias. Ainda no fulgor e no entusiasmo
de minha juventude, prometi lhe enviar, pelos Correios, já que ele morava no
Rio de Janeiro, onde exercia seu mister magisterial, cópia de minha
participação na coletânea “Poemágico – a nova alquimia”, com prefácio de Assis
Brasil, da qual eu fora um dos organizadores. Nessa ocasião ele disse haver
gostado do meu nome literário, que o achava forte e bonito.
Ele tinha ido a Amarante, para fazer uma
visita ao túmulo de seu pai, que falecera sete dias antes. O velho professor
Cunha e Silva fundara o Ateneu Rui Barbosa, que relevantes serviços prestou à
Educação do município até 1947, data de sua mudança para Teresina, onde
continuou a exercer o magistério, e deu continuidade a sua vocação jornalística
e literária, tendo vindo a integrar os quadros da Academia Piauiense de Letras.
Homem de largas leituras, exerceu o magistério e a literatura com proficiência
e dignidade.
À noite, perto do cais do Parnaíba,
voltamos a nos encontrar. Entre outros, estava em minha companhia o contista e
romancista José Pereira Bezerra, no auge de seu entusiasmo e de sua
potencialidade literária, que entrou em erudita discussão com o Cunha e Silva
Filho, em que este parecia se divertir com a veemência quase acirrada com que o
Bezerra defendia as suas ideias e preferências na seara literária.
De volta a Teresina, imediatamente
enviei, como havia prometido, a separata de minha participação no Poemágico.
Poucos dias depois, recebi dele, através da ECT, um belo e desvanecedor artigo,
diria pequeno ensaio, sobre a minha poesia. Para encurtar este registro, devo
dizer que, posteriormente, sobre vários livros coletivos de que participei ou
sobre os de minha exclusiva autoria, o Cunha escreveu vários estudos
introdutórios ou manifestações críticas, percucientes, argutas e elucidativas.
Em todos esses anos mantivemos
correspondência mais ou menos assídua, pelos Correios e depois pela internet,
através de e-mails. Tanto em prefácios como em artigos avulsos, são vários os
estudos ensaísticos que Cunha e Silva Filho dedicou à minha poesia, sobretudo,
mas também à minha prosa, mormente às minhas crônicas, pequenos ensaios e
discursos acadêmicos. E muito me honrou o seu ensaio literário sobre o meu romance
Histórias de Évora, que lhe serve de prefácio.
Por tudo isso, lhe sou muito grato, e
me sinto feliz com a amizade e a admiração recíproca que cultivamos ao longo
dessas três décadas. Nas poucas vezes em que veio ao Piauí, estive com ele e
com sua esposa Elza. Estreitei amizade com os seus irmãos Sônia e Evandro
(falecido). Evandro era um leitor voraz, inteligente, atualizado, e muito
perspicaz em suas observações críticas, sendo, algumas vezes, algo mordaz,
mormente em relação aos falsos valores literários. Um outro seu irmão, Winston
Roosevelt, é um mestre consagrado da estatuária piauiense, sobretudo em bronze.
A partir de 1990, acompanhei a
ascensão magisterial e literária de Cunha, quase diria uma vertiginosa espiral
para o alto, não fora eu lhe conhecer as suas lutas e esforços nessas suas
atividades. Sempre no campo da literatura, fez mestrado, doutorado e
pós-doutorado. Com essas conquistas, pôde exercer o magistério superior.
Publicou um dos mais importantes ensaios sobre a poesia de Da Costa e Silva, o
nosso nunca assaz proclamado poeta maior, um dos maiores ou melhores poetas do
Brasil, como o considera o meu amigo Geraldo Magela Meneses, digno juiz
federal, mas amante inveterado de nossa literatura.
Posso afirmar, sem medo de estar
errado ou a cometer injustiça, que Cunha é um dos que mais escreveram artigos,
dissertações, teses e ensaios sobre autores piauienses, muitos coligidos ou
transformados em livros. E isso não é fácil, requer esforço, argúcia e
criatividade, porquanto vários desses autores nunca antes haviam sido objeto de
estudo. Escrever sobre autores nacionais, de dilatada fortuna crítica, objetos
de ensaios, monografias e teses sobre sua obra, é fácil; basta que se diga com
palavras próprias o que outros já disseram ou escreveram.
Porém, escrever sobre autores
provincianos, esquecidos pelos leitores e críticos, sobre quem nunca ninguém
fez sequer uma pequena resenha, requer trabalho, pesquisa, meditação e muito
poder de observação e perspicácia. E isso Cunha o fez muito bem, pelo que
merece todas as nossas homenagens.
Tratou nesses trabalhos dos aspectos
intrínsecos da obra desses literatos, seguindo os postulados da nova crítica,
mas sem deixar de fazer uso, quando isso servia para iluminar a matéria
analisada, das lições da boa crítica impressionista, nos moldes de um Álvaro
Lins. Nunca maltratou ninguém em suas judiciosas críticas, pois preferia deixar
os medíocres em seu canto, quietos e esquecidos. Todavia, não fazia concessões,
e só louvava os que, no seu entendimento, como no dizer do poeta Torquato, merecessem
ser louvados.
Não bastasse tudo quanto disse,
construiu uma bela obra literária, contida nos seus livros Da Costa e Silva: uma leitura da saudade (Teresina:
Editora da UFPI/Academia Piauiense de Letras, 1996); Breve introdução ao curso
de Letras: uma orientação (Rio de Janeiro: Editora Quártica, 2009); As ideias
no tempo (Teresina: APL/Senado Federal, 2010) e Apenas memórias (Rio de Janeiro: Quártica, 2016).
No seu blog “As ideias no tempo”, ao
longo de alguns anos, vem publicando primorosos artigos, elucidativos ensaios
literários e excelentes crônicas, algumas de cunho memorialístico, que
enfeixados formariam um notável livro, de interesse para a cultura e a
literatura brasileira e piauiense.
Caro Elmar Carvalho, bom dia, nos idos de 1995 a 2000, nas minhas idas e vindas por ocasião dos serviços governamentais, passava muito nas redondezas de Amarante, sempre quando por lá passava, procurava ver no horizonte as serras azuis que o nosso Poeta Maior tão bem decantou, porém não tive ainda essa bênção de hospedar-me nos velhos casarões ou andar pelas ruas vetustas dessa bela cidade, talvez até para reviver um pouco um tempo que passou. Do mesmo modo, fiquei-me deveras admirado do currículo e amizade que você tem com o professor Francisco da Cunha e Silva Filho, fiquei tão curioso e interessado em ler essa obra: "Apenas Memórias", com lançamento em 16.07.2020, 17 às 20 horas, no Rio de Janeiro, que se possível, se não for pedir muito, gostaria de adquirir um exemplar desse livro com dedicatória para mim.
ResponderExcluirUm grande abraço,
Everardo de Oliveira
Parnaíba-PI
Caro Everardo,
ResponderExcluirÉ uma bela e encantadora cidade, da qual tenho a honra de ser cidadão honorário. A visitei várias vezes, em diferentes oportunidades, e sempre lhe admirei a beleza bucólica e o cenário dos velhos casarões.
Nela participei de vários encontros literários, inclusive o lançamento de meu livro Lira dos Cinqüentanos, num desses velhos solares, cujo evento foi organizado pelo meu professor e amigo Marcelino Leal Barroso de Carvalho, que em tempos mais recentes instituiu o Museu e a Festa do Divino. O museu foi instalado numa dessas antigas casas da Avenida Des. Amaral, por ele adquirida para essa finalidade.
Vale a pena você tirar um domingo para conhecer a cidade, o museu do professor Marcelino e o parque da Cachaça Lira, situado nas proximidades.
O que digo sobre o professor Cunha e Silva Filho merece cada uma das palavras que digo sobre ele.
Quanto ao livro Apenas Memórias, creio que você o encontrará na Livraria Entrelivros, tão-logo ultrapassemos esse distanciamento coroniano ou covidiano.
Abraço,
Elmar
Errata: no comentário anterior, suprimir a expressão "O que digo sobre o professor", ficando apenas: "Cunha e Silva Filho merece cada uma das palavras que digo sobre ele".
ResponderExcluir