terça-feira, 28 de abril de 2020

DIÁRIO - 28/04/2020

Elmar, em foto do dia 09/04/1994
Rosa dos ventos gerais - 3ª edição


Rosa dos ventos gerais - 2ª edição


DIÁRIO
[Acerca da Autoentrevista]

Elmar Carvalho

28/04/2020

            Postei em sítios internéticos, no dia 24, meu texto titulado Autoentrevista, originalmente publicado na segunda edição de Rosa dos Ventos Gerais, ocorrida em 2002, com projeto editorial meu e do Sebastião Amorim. Na folha de abertura da entrevista há uma foto minha, do dia 9 de abril de 1994, data em que eu completava exatamente 38 anos de idade e tomava posse de minha cadeira na Academia Parnaibana de Letras. O Amorim fez uma montagem, um tanto difusa e com inversão de ângulos, em que aparento olhar de soslaio para mim mesmo, em analogia ao título – Autoentrevista.

            Uma pessoa ingênua ou de más intensões poderia achar que nele se encontra traçado o meu perfil espiritual e/ou psicológico. Nada disso. Como na pequena nota fiz questão de esclarecer, trata-se de uma entrevista simulada, com perguntas formuladas por mim mesmo, e cujas respostas são montagens de versos de minha autoria, alguns com pequenas adaptações e alinhavos, produzidos em diferentes momentos e situações de minha vida.

            Em Lira dos Cinqüentanos (2006), além das epígrafes que pus em Rosa dos Ventos Gerais, acrescentei esta indagação, de Cícero: “Se tantos varões eminentes tiveram o zelo de deixar estátuas e efígies, representação não de seu espírito, mas de seu corpo, não é muito mais de nosso dever deixar o retrato de nossas decisões e méritos, num desenho acabado dos maiores gênios?”

            Contudo, enfatizo, a Autoentrevista não é um retrato de minhas decisões e méritos, e muito menos é o meu perfil psicológico ou espiritual, conforme já disse. Assim, as respostas não são necessariamente sinceras, e talvez sequer reflitam uma verdade do meu estado de espírito, nem ao menos no instante em que escrevi os versos que as compõem. E isso se ajusta ao que disse genialmente Fernando Pessoa:

O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

            Certa vez, questionado sobre o fato de ser juiz e poeta, e, sobretudo, se o poeta não seria prejudicial à minha função judicante, repeli a insinuação maldosa em tom enfático, parafraseando o mesmo Pessoa: sou poeta, mas sou poeta só dentro da poesia, fora disto sou um técnico, com todo direito a sê-lo. Transcrevo o que disse o grande poeta português: “Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica. / Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.”

Não satisfeito, o bardo ainda repetiu: “Com todo o direito a sê-lo, ouviram?” Não repetirei e tampouco enfatizarei. Apenas direi que a voz lírica pode dizer o que bem quiser, sem que isso represente a verdade ou a realidade do autor, embora, claro, também possa haver coincidência ou mesmo o poeta queira fazer o seu desabafo pessoal, e estampe em versos o que lhe vai no mais íntimo de sua alma; mas não obrigatoriamente, repito.

Tirando injustas ilações da autoentrevista, alguém poderia achar que em algumas respostas eu tenha sido narcisista, ególatra, vaidoso ou mesmo arrogante. Todavia, como já expliquei, ali está apenas o chamado “eu lírico” de já ultrapassados momentos de minha poesia  e de minha vida. Entretanto, afirmo que, num paroxismo ou mesmo num paradoxo, o poeta poderia fingir não ser o que de fato é, ou fingir ser o que efetivamente não é. Em resumo: Fernando Pessoa está certo; o poeta é um fingidor.

Voltando ao início do parágrafo anterior, direi que é pura burrice alguém desejar ser um Narciso ou um ególatra, porquanto todo mundo detesta esse tipo de pessoa, que logo passa a desfrutar da antipatia geral. Todavia uma dose “homeopática” de vaidade pode ser útil e benéfica, porquanto a vaidade pode fazer com que uma pessoa faça tudo da melhor maneira possível, para merecer o aplauso e a admiração dos contemporâneos e dos pósteros.

Mas a vaidade deve ser contida, não deve aflorar, pois as pessoas, em geral, antipatizam com os vaidosos, e ainda mais com os arrogantes e presunçosos. Da mesma forma, se a humildade for excessiva e ostensiva, deixará de sê-lo, uma vez que a humildade é uma das mais sublimes virtudes, e, portanto, deverá ser discreta, quase invisível, para ser realmente humildade.   

Por conseguinte, insisto em dizer que a minha Autoentrevista foi apenas uma brincadeira, do tempo em que terminava a minha juventude, e eu percorria o início do platô de minha maturidade, antes do inevitável declínio. Foi apenas um ludismo, um “iludismo”, um mero jogo floral de palavras e nada mais, feito num tempo em que eu talvez ainda alimentasse migalhas de algum sonho de glória, que não aconteceu, e que de resto pouco acontece na esfera da literatura.

Faço, portanto, a seguinte advertência ao leitor, usando os belos versos de Jorge de Lima: “Não procureis qualquer nexo naquilo / que os poetas pronunciam acordados / pois eles vivem no âmbito intranquilo / em que se agitam seres ignorados.”  

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