Edição do Almanaque da Parnaíba (2018) publicado pela Academia Parnaibana de Letras. Foto Moacir Ximenes. Fonte: https://www.wikiwand.com/pt/Almanaque_da_Parna%C3%ADba
PERCURSO LITERÁRIO ENTRE CAMPO
MAIOR E PARNAÍBA
Celson Chaves
Professor, escritor e historiador
As raízes históricas entre Campo
Maior e Parnaíba são longas e profundas. Remontam aos tempos da capitania até o
principal ciclo econômico da cera da carnaúba (décadas 1930 e 1970). Por sua
posição geográfica privilegiada, Parnaíba tornou-se a principal praça de
comércio para as vilas e povoações do centro-norte do Piauí. A antiga capital
Oeiras era distante e as estradas ofereciam poucas condições de tráfego, sem
falar nos assaltos praticados contra as comitivas e viajantes por bandos de
saqueadores.
Pela proximidade com Campo Maior,
Caxias e Parnaíba disputavam a preferência dos negócios na região dos
carnaubais. Mesmo com a transferência da capital de Oeiras para Teresina, em
1852, a cidade permaneceu por muito tempo dependente do porto e do comércio de
Parnaíba. Sua riqueza fluía por lá.
A ligação histórica da cidade
portuária com Campo Maior não se deu apenas pelo lado econômico, mas político,
social e literário. Juntas, as duas cidades nortistas desempenharam papéis
importantes em episódios marcantes da história do Piauí, como a Independência
do Brasil e a Confederação do Equador.
Dr. João Cândido de Deus e Silva
foi a autoridade responsável por manter as cidades numa estreita conexão
política, como foco e palco de rebeliões. Como juiz, ele chegou a responder
administrativamente pelas duas vilas. Maçom de ideias iluministas, Dr. João
Cândido, mesmo residindo em Parnaíba, por questão de ofício, visitava sempre
que podia a vila dos carnaubais. Ele mantinha uma estreita relação com os
homens mais ilustrados da região. A partir dos dois municípios irradiavam-se as
principais estratégias e ideias revolucionárias para todo o Piauí.
São muitas as interconexões,
relações de dependências e afinidades entre as duas cidades nortistas. De 1811
e 1833, como distrito judiciário, Campo Maior manteve-se anexado à comarca de
Parnaíba. Somente em 1836, tem sua autonomia garantida. Não bastasse tudo isso, outro aspecto que
une os municípios é a questão cultural.
Ao longo da história, Parnaíba
foi-se constituindo numa cidade vanguardista, com uma elite intelectual,
visionária e próspera. O pensamento empresarial e progressista da elite
parnaibana, sobretudo dos comerciantes transformaram a cidade em centro
regional do norte do Estado, rivalizando até mesmo com a moderna capital.
O espírito
progressista-civilizatório da cidade praiana, no início do século XX, atraía os
campo-maiorenses pela oportunidade de trabalho, negócio, formação educacional
e/ou cultural. No caso dos escritores, além de colaborar com o Almanaque da Parnaíba
(AP) e jornais, mantinham relação comercial, política e amizades na cidade
portuária. Mário da Costa Araújo estudou em Parnaíba, onde contribuiu na
imprensa local, e Joel Genuíno de Oliveira chegou a residir temporariamente no
litoral. Octacílio Eulálio, como representante comercial, visitava a região com
frequência.
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Capa do Almanaque da Parnaíba, edição 1956 |
Mesmo residindo em Teresina, o
jurista, político e escritor Cláudio Pacheco, sempre que podia, passava
temporadas no litoral, na companhia do amigo e um dos editores do AP, Ranulpho
Torres Raposo, com quem mantinha comunicação regular: “Durante quarenta anos,
mantive com Ranulpho Torres Raposo uma correspondência que chegava,
aproximadamente uma carta por mês, de cada parte” (Cláudio Pacheco. Quarenta
anos de Cartas. Almanaque da Parnaíba, Ano LIX, 1982).
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Capa do Almanaque da Parnaíba, edição 1969 |
Apesar de Campo Maior ser
acanhada culturalmente, houve momentos de efervescência artística, e nesse
sentido, Parnaíba, com sua logística, imprensa e o AP, acabou sendo um polo
impulsionador e propagador das atividades literárias de poetas, cronistas e
historiadores da terra dos carnaubais.
O vínculo de escritores
campo-maiorenses com Parnaíba é antigo, principia aos anos de 1900. O advogado
e poeta Valdivino Tito de Oliveira foi o primeiro a divulgar seus trabalhos no
litoral através do jornal Nortista (1901-1903). A ligação literária ficou ainda
mais forte ente as duas cidades com a criação do AP, em 1924.
O periódico foi a principal
plataforma de divulgação dos textos dos escritores campo-maiorenses entre as
décadas de 1930 a 1980. Por algumas situações, muitos acabaram passando
temporadas no litoral, o que facilitou maior divulgação dos trabalhos. O jornalista,
poeta e historiador Joel de Oliveira é o escritor campo-maiorense com maior
número de textos editados no AP. Publicou principalmente na década de 1940.
Além destes escritores,
colaboraram no Almanaque da Parnaíba: Mário da Costa Araújo, João Crhysóstomo
de Oliveira, Briolanja Genuíno de Oliveira, Cláudio Pacheco, Manuel Bernardes
da Costa Araújo, Octacílio Eulálio, Cunha Neto, José Miranda Filho e atualmente
Elmar Carvalho. O maranhense, Manuel Felício Pinto, juiz da comarca e prefeito
provisório (1945) de Campo Maior também escrevia de forma sistemática para o
AP.
Campo Maior, por diversas vezes,
teve cobertura especial no Almanaque da Parnaíba. O prefeito Francisco Alves
Cavalcante aproveitou as páginas do periódico para divulgar amplamente as ações
modernizantes de sua gestão.
O Almanaque da Parnaíba é o mais
longevo periódico em atividade do Estado. É uma das fontes de pesquisa mais
requisitada. Irradiou cultura por todo estado, oportunizou aos escritores e
poetas de cidades pequenas espaço para publicar seus textos.
As produções dos escritores
campo-maiorenses, publicadas no Almanaque da Parnaíba foram muitas e diversas.
São poucas as edições do periódico que não teve a participação dos nossos
autores. Em algumas edições, os textos ficaram escassos, mas não desapareceram.
Nas décadas de 1940 e 1950, o escritor da vez era Joel de Oliveira, com suas
notas históricas e curiosidades; enquanto nos anos 1970 e 1980 destacaram-se o
cronista Otacílio Eulálio e o jurista Cláudio Pacheco. Tiveram participação
breve no Almanaque: Briolanja Oliveira e Cunha Neto. Apenas um texto para cada
autor.
Um grande período da literatura
campo-maiorense pode ser narrado a partir das páginas e edições do Almanaque da
Parnaíba. O universo temático e o conjunto de autores no AP aparecem suscitar
diversas interpretações. Pelo AP passaram figuras representativas da nossa
cultura. A literatura certamente ajudou pavimentar o intercambio cultural entre
as duas cidades. A trajetória de alguns
autores foi construída com a existência do Almanaque.
Os intelectuais campo-maiorenses
tiveram um papel expressivo não apenas como colaboradores do AP, como vida
social e política de Parnaíba, a ponto do poeta, jornalista e revolucionário
Lívio Lopes Castelo Branco e Silva ter sido homenageado patrono da cadeira nº
28 e Elmar Carvalho eleito para a cadeira nº 07 da Academia Parnaibana de
Letras, criada em 1983.
No sentido geral, o Almanaque
abraçou a cidade dos carnaubais divulgando poesias, biografias, histórias,
anúncios de empresas, paisagens urbanas, rurais e dados estatísticos.