quinta-feira, 30 de setembro de 2021
quarta-feira, 29 de setembro de 2021
MEU AMIGO E POETA JAMERSON LEMOS
MEU AMIGO E POETA JAMERSON LEMOS
Elmar Carvalho
De manhã fui olhar parte de minha biblioteca, que fica em
outra dependência da casa. Logo dei de cara com o livro Sábado Árido, de meu
saudoso amigo Jamerson Lemos, poeta visceral, de muita sensibilidade e
criatividade.
Jamerson era poeta todo dia, o dia todo. O opúsculo já está
maltratado pelas intempéries do tempo, e levemente roído nas bordas das páginas
pela irreverência e iconoclastia das traças, que não respeitam nem as boas nem
as más obras. As traças não se importam com o teor do livro, mas apenas com o
sabor do papel. É um pequeno grande livro. Claro, pequeno no tamanho, grande na
qualidade literária.
Foi publicado em 1985. Em dedicatória datada do ano seguinte,
o bardo escreveu: “Ao meu irmão Elmar Carvalho o sol do meu dia a dia, com o
meu abraço”. Entre outras pessoas de sua amizade e admiração, dedicou-o a sua
esposa, Maria das Dores, e a seus filhos Jamerson Júnior, hoje médico, e Ceres
Josiane, formada em Direito.
Transcrevo o que dele disse A. Tito Filho: “Li, com
entusiasmo, SÁBADO ÁRIDO, poemas em que Jamerson Lemos procura captar o
essencial da vida. Os versos curtos são notavelmente rítmicos. O pensamento é
íntimo e nostálgico, ideológico, mas sempre verdadeiro, pleno de angústias
vitais”.
Nada tenho a acrescentar à consideração crítica do mestre,
exceto que concordo com ele em gênero, número e grau, para usar uma expressão
surrada e gasta. A maior homenagem que se pode prestar a um poeta é ler ou
recitar os seus versos. Jamerson é um poeta para ser lido e recitado, por causa
da qualidade do conteúdo e da melodia de seus versos.
Merece, com urgência, ser reeditado, para ser lido, meditado
e “degustado”.
27 de fevereiro de 2010
segunda-feira, 27 de setembro de 2021
Cultura, presente!
Cultura, presente!
Carlos Rubem
O Instituto Brasileiro de Museus – IBRAM – há 15 anos promove a Semana de Museus. Este ano, com o tema “Perdas e recomeços”, procura fazer reflexões acerca da museologia nesse momento delicado de pandemia.
No início deste circuito nacional nenhuma instituição da nossa cidade fazia parte deste programa. O velho Joca Oeiras, de saudosa memória, muito bradou para que isto acontecesse. O certo é que esta efeméride não passa mais em brancas nuvens em nosso meio há mais de uma década, talvez.
Ontem à noite (24.09.2021), o Coletivo Arte e Cultura de Oeiras – CACO, no âmbito da programação da 15ª Primavera dos Museus, promoveu a Exposição “Gestos e SuperAção” realçando a produção artística de Michelângelo Borges, escultor local, no Sobrado Major Selemérico. A arquiteta Amanda Morais assina a sua curadoria.
Registre-se que na segunda-feira passada, na abertura da programação da 15ª Primavera dos Museus os professores Pedro Dias Júnior, Socorro Barros e Herbert Vinícius participaram de um bate-papo sobre a aludida temática, transmissão ao vivo, pela Rádio FM Educativa Cristo Rei.
Fiquei feliz em ver que a sala reservada à memória do Professor Possidônio Queiroz daquele centro cultural recebeu novo tratamento visual, adoção de objetos que pertenceram ao homenageado. Inclusive, com imagens do ensaio fotográfico da flauta mágica de Possi.
No charmoso claustro daquele prédio histórico passou a funcionar o Café Encanto, organização da Vanda Queiroz e Xico Carbó. Cantores nativos por lá se apresentaram.
Aos poucos vamos saindo da letargia imposta pelos efeitos da Covid-19 e outros notórios motivos.
Oeiras tem muito o que avançar na área de museologia. Potencial não nos falta. Temos muito a construir, mostrar e aprender. Faz-se necessário superar vaidades, o mandonismo. Eliminar o grupismo estéril. E o histerismo de alguns.
Que o verdadeiro interesse público prevaleça. Diálogos hão de existir sem umbiguismo, medindo, subserviência. Unamo-nos, pois!
X X X X X
Michelângelo Borges – Gestos e SuperAção
Michelângelo Borges nasceu na cidade de Oeiras, Piauí, sob o céu de junho do ano de 1972, em meio a uma família numerosa onde quinze dos dezessete irmãos já o aguardavam. Dona Teresinha de Jesus, sua mãe foi quem escolheu seu nome, inspirada pela história do famoso artista italiano de mesmo nome.
Michelângelo vivenciou uma infância ainda permeada pela sonoridade das águas que corriam entre pedras e matas pelo centro da cidade. Sem dúvida, a infância rica em experiências de sentidos, reverberou em sua vida adulta.
Aos oito anos de idade, o menino Michelângelo sofre uma queda que viria a limitar na idade adulta, seus movimentos. Aprendera do pai, o senhor José Epifânio, o ofício de marceneiro. Porém, aos trinta e seis anos de idade, após uma cirurgia no braço direito, recebe a notícia de que não poderá mais trabalhar no seu ofício.
A partir desse evento nasce um novo homem. Nasce o artista Michelângelo. Mas de onde surge esse artista, oculto no ser humano Michelângelo? Como ele se constroi?
Ao se ver na condição de limitação física, com uma mão e um braço atrofiados, a palavra que soa deste homem é “gratidão!” Naquele momento Michelângelo toma uma decisão: esculpir a igreja da Sagrada Família, localizada em frente a sua residência.
A partir da sua decisão Michelângelo nos revela aquilo que as mãos humanas expressam: o potencial de liberdade de ação que o ser humano carrega em si.
O que se materializa, espiritualizado, a partir da vontade imensa que vive no homem Michelângelo, não é simplesmente o que vemos em seus quadros, enquanto objeto artístico. É preciso silenciar diante de sua obra. É preciso se aproximar de sua história, de sua essência, escutá-lo, olhar através de suas janelas d’alma. É preciso conhecer seus percursos, sua entrega, sua grande Confiança na vida e seus mistérios! É preciso desmaterializar o pensamento, sair de si e ir ao encontro do ser que vive nele, para apreender a grandeza de sua Arte.
A Arte de Michelângelo contém energia viva, gestos que carregam sabedoria, paciência, dor e superação, ausculta, entrega, olhar espiritual – aquele que atravessa a matéria e penetra no mais sutil do que vive ali; contém conhecimento vivo.
O que pode um homem realizar no mundo, a partir da sua verdadeira natureza interior?
Essa é uma pergunta inevitável quando nos colocamos, abertxs, diante da vida e obra de Michelângelo. Como inevitável é que sejamos invadidxs por sentimentos de esperança e confiança no ser humano idealizador, realizador, capaz de ultrapassar toda essa densa atmosfera na qual vivemos nos âmbitos cultural, social, político e econômico. Capaz de nos mostrar quão grandioso é o potencial da Arte para o desenvolvimento de seres humanos criativos, livres, cultivadores de saberes e vivências.
Esse é o convite que essa exposição nos faz: colocarmo-nos diante da obra de Michelângelo com abertura para ver, ouvir e sentir o que ela nos conta! Deixar-se tocar por cada cor, cada tom, cada ranhura, cada (im)perfeição, cada mínimo detalhe que, percorrido todo o ser desse homem, deixa-se pousar na matéria.
Do gesto nasce a vida!
Vanda Queiroz
domingo, 26 de setembro de 2021
Seleta Piauiense - Zito Batista
Fonte: Google |
Visionário
Zito Batista (1887 - 1926)
Soberbo como um deus que
atingisse às alturas
E sentisse, aos seus pés,
curvada, a Terra inteira,
Pensa em ressuscitar toda a lenda
guerreira
Do passado, ao sabor de conquistas
futuras...
E, assim, o seu olhar, num brilho
de águas puras
Que refletissem toda a paisagem
fronteira,
Basta a lhe retratar a alma livre
e altaneira,
Rasgada num clarão forte de
iluminuras...
Ama a glória da cor, e os céus, e
o sol faiscante,
E, na febre do sonho, e na ânsia da
conquista,
Guarda a nobreza real do alto
gesto arrogante...
Certo, ainda ao morrer, no horror
que a morte espalha,
A ilusão da vitória há de acender-lhe
a vista
Ao raivante estridor da última
batalha...
(Chama Extinta, Coleção Centenário/APL, 2ª edição, 2018)
sábado, 25 de setembro de 2021
BURROS NÃO SE REPRODUZEM, MAS A ASNICE, SIM
BURROS NÃO SE REPRODUZEM, MAS A ASNICE, SIM
Antônio Francisco Sousa – Auditor-Fiscal (afcsousa01@hotmail.com)
Será que terão mais sorte do que seus irmãos tortos,
os jumentos? Estes, há muito vêm sendo desprezados pelos donos, que preferiram
substituí-los por motocicletas, senão mais possantes, bem mais rápidas, que vão
aonde aqueles iam e sujam menos. Tanto é assim, que os coitadinhos dos jegues
estão quase virando manjar na China. Comenta-se que a terra dos mandarins, há
muito, tem potencial para importar até um milhão deles por ano, para torná-los
fina iguaria. Lá naqueles praianos municípios mafrensinos, fala-se que os
bichinhos andariam desaparecendo na mesma proporção em que as dunas aparecem; não,
não estão sendo por elas soterrados, talvez estejam sendo transformados em
kituts ou embutidos.
Há algum tempo, um candidato a prefeito – teria,
acaso, querido ser irônico como aquele ex-governador que, enquanto titular do
executivo, levou os burros e seus donos para pastarem e visitarem o palácio de
onde despachava ordens e decisões governamentais? – ou um tipo quixotesco como
outro governante, trabalhador incansável, projetista e criador de obras
oníricas, como barca do sal, asfalto branco, praia artificial e que tais? -,
como promessa de campanha – da qual sairia vitorioso -, segundo ele, visando
minimizar o maltrato aos animais domésticos, inclusive, os que atuam como força
motriz ou instrumento de trabalho, informou a seus pretensos eleitores,
críticos e adversários, que pretenderia retirá-los da frente das carroças, que
passariam a ser motorizadas. Haja burro desempregado e carroceiro sem ganha-pão,
se houvesse a proposta sido levada a sério, o que não ocorreu, para o bem dos envolvidos
e tristeza dos humoristas. Talvez não tenha conseguido incutir na cabeça de
correligionários e simpatizantes o modus operandi que utilizaria para fornecer
crédito àqueles profissionais - os donos das carroças, desde sempre, indivíduos
que apenas sobrevivem com o que conseguem graças a seus burros -, a fim de que adquirissem
os motores, se é que motores haveria em quantidade suficiente para substituir tantos
animais. Fato é que a proposta malogrou; entrou pelo bico do pinto, saiu pelo
bico do pato e virou “estória de trancoso”.
A proposta que ora temos, envolvendo carroceiro e seu
companheiro animal, diverge um pouco daquela: não se pensa em substituir o
defasado, cansado e, por pouco, não superado quase ex-motor de carroça, o velho
e bom burro - Um parêntese: desde tempos imemoriais, portanto, antes da
invenção da roda de metal e pneumáticos de borracha, carros de tração animal
com rodas feitas de tronco de madeira ou material semelhante, já percorriam
campos e cidades, puxados por boi, jegue e, enfim, pelo mais famoso, entre nós,
o burro; o que pretende o autor da proposta de projeto legislativo é que o
poder público subsidie, com o dinheiro do contribuinte, obviamente, o descanso
semanal do sacrificado animal e, claro, também o do seu patrão. A ideia, que, a
propósito, parece não ter caído no gosto do dono da carroça e, por conseguinte,
não causará surpresa se, como sua precursora, de repente, vier a ser descartada,
até onde se sabe, resume-se no seguinte: um valor bem pequeno, na verdade, um
óbolo, como, vez ou outra, costumam demagógicos gestores público dispensar aos
cidadãos mais desafortunados, seria pago aos carroceiros em troca dos merecidos
e ociosos descansos semanais que deveriam dar a seus animais de trabalho. O
bicho pegou a partir do momento em que se meteram a discutir o valor da
pecúnia, e como ou quando a mesma seria disponibilizada.
Como daqui a pouco virão novas eleições, quem sabe,
até lá, um iluminado empreendedor crie a associação profissional dos burros
carroceiros e lance alguns dos filiados à carreira política. Burro para
governador, deputado, senador e até presidente da república, já imaginaram? No
passado, houve macaco candidato – e muito bem votado - papagaio, jabuti. Os
asnos, muares ou mulas, como conhecemos nossos incansáveis burros, sabidamente,
extremamente produtivos e trabalhadores, certamente, fariam a alegria de seus
prepostos. Com bons conselheiros e marqueteiros, poderiam ir longe.
Não poderia encerrar este arrazoado sem questionar
minha condição de ser inteligente: é que só consigo pensar em hipocrisia ou
demagogia sempre que vejo, leio ou escuto certas idiossincrasias, como essa,
advinda de alguém instruído, informado, dando a entender que um trabalhador
comum desempenhar sua atividade profissional nos finais de semana, como fazem
médicos, dentistas, policiais, seguranças, garçons, garis dentre outras
categorias, senão por diletantismo, por necessidade, ainda assim, não os estaria
sujeitando a maus tratos; todavia, para fazer o mesmo, um carroceiro,
precisaria, sim, maltratar seu animal de trabalho.
Quer dizer, se tal proposta viesse a ser aprovada, legalmente, quem garantiria que outros beneméritos da vida animal não se metessem a pensar em estabelecer um tempo de trabalho que, uma vez cumprido, asseguraria aos burros de carroça direito à inatividade, à aposentadoria, obviamente, remunerada? Menos mau que não haveria a fonte pagadora de se preocupar com a possibilidade de pensão aos herdeiros: é que burro não se reproduz; mas asnice, sim.
sexta-feira, 24 de setembro de 2021
quarta-feira, 22 de setembro de 2021
APONTAMENTOS PARA A HISTÓRIA DA LITERATURA CAMPOMAIORENSE
APONTAMENTOS PARA A HISTÓRIA DA LITERATURA CAMPOMAIORENSE
Elmar Carvalho
1
Convidado por Vagner Ribeiro e Clêuma Magalhães, ambos
professores do Instituto Federal do Piauí – IFPI, unidade de Campo Maior, para
proferir palestra sobre a literatura campomaiorense*, na modalidade virtual,
através do projeto Andança Literária, concebido pelo Conselho Estadual de
Cultura, me preparei com afinco para essa honrosa, porém delicada e um tanto
difícil missão. Passei a ruminar ideias extraídas de leituras e conhecimentos
que já tinha e empreendi novas pesquisas e releituras.
No início esclareci que minha palestra seria parte no
improviso e parte seguiria um breve texto escrito, tudo seguindo um esquema que
denominei de Apontamentos para a História da Literatura Campomaiorense.
Acrescentei que essa história ainda estava por ser escrita, mas que eu gostaria
que surgisse um “sangue novo” que a escrevesse, podendo seguir o meu esquema,
fazendo ou não algumas modificações e adaptações. Farei abaixo uma breve
reconstituição do que disse.
Logo adverti que meu tempo disponível não permitiria que eu
citasse todos os escritores e poetas de nosso município, pelo que faria
referência aos mais conhecidos, aos que mais produziram e mais se dedicaram ao
mister da literatura, sobretudo tomando esta palavra em sentido estrito, ou
seja, poesia, romance, conto, crônica, memórias etc., mas que também me referiria
aos nossos historiadores. Aduzi que a muitos escritores e poetas
campomaiorenses já me referira em textos meus avulsos, como crônicas,
discursos, prefácios e apresentações.
Fiz uma rápida digressão histórica, em que remontei a
Bernardo de Carvalho e à sua quase mítica Fazenda Bitorocara (depois Santo
Antônio) e à construção da primeira igreja de Santo Antônio do Surubim. Disse
que os historiadores Reginaldo Miranda e Valdemir Miranda, com a descoberta de
novos documentos, provaram que o notável historiador campomaiorense Pe. Cláudio
Melo estava certo ao dizer que a fazenda Bitorocara, constante da Descrição do
Sertão Piauí, relatório do padre Miguel de Carvalho, ficava mesmo na
confluência dos rios Surubim, Longá e Jenipapo; e que, portanto, se estendia ao
centro histórico de Campo Maior.
Transcrevi os seguintes trechos do padre Cláudio Melo, para
demonstrar que essa comunidade, ainda na primeira metade do século XVIII,
desfrutava de certo fausto, certa prosperidade, o que levava a crer que seu
índice de alfabetização deveria ser acima da média do território que viria a
ser a capitania do Piauí:
“Campo Maior em todo o seu passado
sempre foi uma porção privilegiada da terra e do povo piauienses. Comandou os
fatos mais importantes de nossa história.”
“Por época da criação da Vila em 1762
o Surubim já tinha uma estruturação urbana das mais atraentes de todo o Piauí.
Duas praças em frente e atrás da Matriz, quadro completo de moradias junto às
duas praças, uma pequena quadra de casas chamada rua dos negros na baixa que
fica à direita da matriz e um esboço de rua da praça do Pelourinho em direção
do Rio Surubim.” [Os Primórdios de Nossa História]
Entre as mais importantes figuras históricas mencionei: Mandu
Ladino, principal líder do Levante Geral dos Índios, uma espécie de
confederação. Disse que era possível que ele tivesse nascido em território de
Campo Maior, inclusive porque existe, em Alto Longá, um lugar chamado Ladino, e
que ele perlongou o vale do Longá em suas atividades; Ten. Simplício José da
Silva, herói da Batalha do Jenipapo, que perseguiu Fidié, em verdadeira
guerra de guerrilha. Monsenhor Chaves lhe tinha profunda admiração; Lívio
Lopes Castelo Branco, jornalista e uma das lideranças da Balaiada, até
divergir dos rumos que o movimento estava tomando; e Raimundo Gomes Vieira
Jutaí (dito o Cara Preta), estopim e um dos principais líderes da Balaiada.
Em outro texto de minha autoria, defendi que deveria ser erguido em Campo Maior
um monumento às três raças, com a colocação das estátuas representando Bernardo
de Carvalho, Mandu Ladino e Raimundo Gomes Vieira Jutaí.
Demonstrei que Campo Maior já fora muito importante, com as
suas ricas fazendas de gado bovino, tendo o seu apogeu no extrativismo
econômico, mormente no auge da cera de carnaúba. Falei que várias cidades do
seu entorno dependiam de seu comércio, de sua prestação de serviços,
principalmente nos campos da educação e da saúde. Mas que, com a decadência do
extrativismo, da pecuária, da transformação de vários de seus povoados em
cidades e municípios, da construção de estradas asfaltadas ligando essas
cidades a Teresina, a nossa cidade começara a entrar em decadência. Aproveitei
para denunciar a demolição de vários solares e sobrados antigos e da vetusta e
colonial igreja de Santo Antônio do Surubim, construída por Bernardo de
Carvalho a pedido do padre Tomé de Carvalho, um dos fundadores de Oeiras, bem
como dos casarões da Zona Planetária, o mais lindo nome do mundo de uma zona
meretrícia, que cantei no meu épico A Zona Planetária, cujos versos iniciais
transcrevo:
Anfion percorre os sulcos
dos discos das vitrolas e as
emoções são alinhadas pedra a pedra.
Apolo é qualquer moço feio
que nos vitrais Narciso se julga.
De repente, Átropos corta o fio da vida
que era tecido pelas Parcas lentamente
pelos golpes de facas, adagas ou estiletes
nas mãos de um velho Pã embriagado.
Nesse cortejo de destruição foi literalmente tombada a
Fazenda Tombador, em cuja sede se refugiara Fidié, após a Batalha do Jenipapo,
conforme relatei em versos:
“Quando literalmente tombaram
a Fazenda Tombador,
nenhuma voz se levantou,
nem mesmo a voz de alguém,
que clamasse no deserto, clamou.
E a Fazenda Tombador
literalmente tombou.”
2
Após dizer que toda lista de nomes é um tanto arbitrária, e
que sempre alguém poderia alegar que teria havido inclusão ou exclusão
indevida, falei que procurara levar em conta a qualidade e a dedicação dos
literatos que mencionaria. Mesmo nas histórias literárias e nas antologias o
espaço destinado aos escritores são maiores ou menores, conforme a importância
que o historiador ou antologista atribui a cada um. De todos ou quase todos os
literatos e historiadores a que me referi, fiz breves comentários biobibliográficos
ou críticos, que não constam nesta síntese, com raríssimas exceções:
Entre os escritores mais antigos e já falecidos citei: Lívio
Lopes Castelo Branco, Miguel Borges Leal Castelo Branco, Valdivino Tito de
Oliveira (jurista, poeta, jornalista, orador), Moisés Eulálio (professor,
rábula, promotor de justiça, poeta e compositor de hinos), Marion Saraiva
Monteiro (professora, historiadora, poetisa, pintora e contista), Briolanja
Oliveira (professora, poetisa, pintora, autora de Diários [inéditos], colaboradora
de Estímulo e Almanaque da Parnaíba) e Joel Oliveira (historiador, jornalista, autor de Diários e de O Piauí no Congresso
Nacional). De todos eles, neste ou em outro momento, assinalei pontos biobibliográficos,
que entendi relevantes.
Referi os campomaiorense que foram patronos ou ocupantes de
cadeiras da Academia Piauiense de
Letras: Antônio Borges Leal Castelo Branco (15), Miguel de Sousa Borges Leal
Castelo Branco (22), Antônio Bona, desembargador e jurista (30), Cláudio
Pacheco Brasil (30), Monsenhor Chaves (23), Raimundo Nonato Monteiro de Santana
(32), Pe. Cláudio Melo (34) e Elmar Carvalho (10).
Tracei um rápido histórico do Jornal A Luta, fundado em 19/nov./1967
por Raimundo Antunes Ribeiro (Totó Ribeiro), e extinto em 30/set./1979. Era impresso no tamanho tabloide.
Sua impressora era rudimentar, movida a um pedal (e não a eletricidade), que
movimentava a prancha com a composição tipográfica. As ilustrações ou
fotografias eram feitas por meio de clichês. Mencionei o importante livro “A
Luta: falando de trocas e meios”, de José Ribamar de Sena Rosa, fundamentado em
sua dissertação de mestrado sobre esse jornal. Nele foram publicados matérias
informativas, notícias sociais, crônicas memorialísticas e outros textos,
inclusive contos e poemas. Foi nele que, aos 16 anos, vi publicados meus
primeiros trabalhos literários (contos e crônicas).
Dentre outros, citei os seguintes colaboradores: Antônio
Andrade Filho (Irmão Turuka), Octacílio Eulálio, José Francisco Bona, Mário da
Costa Araújo, Marion Saraiva, Totó Ribeiro, José Miranda (que chegou a acolher
o jornal em sua residência), José Miranda Filho (romancista e compositor
musical), Cleusy Miranda, Áurea Paz, Teresinha Nascimento, Mons. Mateus Cortez
Rufino, Celso Barros Coelho, Ernâni Napoleão, Zeferino Alves Neto (ZAN), Sílvia
Melo, Miguel Carvalho (meu pai) e Elmar Carvalho.
Disse que nos anos 1971/1972 existiu o Jornal Mural do
Colégio Estadual, que tinha entre seus colabores Celson Luis Jorge de Oliveira
e João de Deus Netto. O Netto sempre foi muito inteligente, mestre da pintura,
do desenho e da música. Nele eram estampadas charges, notícias sociais e
outras, além de matérias humorísticas. Era feito por alunos do terceiro ou
quarto ano ginasial.
Fiz um breve relato histórico da Academia Campomaiorense de
Artes e Letras – ACALE, fundada em 26/11/2003. Discorri brevemente sobre seus
fundadores e sócios. Disse que ela já publicara livros e revista, além de ter
promovido eventos, como solenidades de posse, lançamento de livros etc. Em razão
de meu tema, dei ênfase aos literatos, dos quais citei os seguintes: João Alves
Filho, Domingos José de Carvalho, Antônio Manoel Gayoso e Almendra Castelo Branco
Filho, Helano Lopes, Raimundo José Cardoso de Brito, Corinto Araújo Filho,
Anfrísio Lobão Castelo Branco (Abelheiras – 300 anos de história e Mandu
Ladino), João Borges Caminha, Avelina Rosa, Ana Maria Cunha, Lisete Napoleão,
Rosa Ribeiro de Carvalho, Cunha Neto (Nossa Terra, Nossa Gente, contendo os
poemas Saudade da Saudade, Carro Velho e Lagoa do Corró), Sílvia Melo
(Recordações e Educação e Educadores de Campo Maior), Heitor Castelo Branco (Paz
e Guerra na Terra dos Carnaubais), Marcos Teodorico Vasconcelos (Raízes de
Pedra), Joaquim Pereira de Oliveira (Estrelas no Chão), José Omar, Antônio
Araújo Loiola, Valdeci Cavalcante, Edilson Costa Araújo, Francisco Cardoso,
José Cardoso da Silva Neto (Zé Didor), Maria de Jesus Andrade e Moacir Ximenes.
Anfrísio, Heitor e eu somos membros da APL. Como uma homenagem ao poeta Cunha
Neto, pessoa da amizade de meu pai e minha, recitei as duas seguintes estrofes
de seu poema Saudade da Saudade:
“Foi tirada da saudade
Esta saudade maldita
Que no peito palpita
Com tamanha crueldade
Vejam que grande tolice
Do tempo da meninice
Ainda sinto saudade.
(...)
Tenho saudade de tudo
Saudade até da saudade
Digam que seja maldade
Mas sou um sentimental
Sou caboclo do sertão
E não troco o meu sertão
Por qualquer um cabedal...”
Não pertencentes à ACALE, referi os seguintes escritores e
poetas nascidos em plagas campomaiorenses: Antônio Francisco dos Santos (Cão
Dentro), Olavo Pereira da Silva Filho (Carnaúba, pedra e barro na capitania de
São José do Piauhy e Varandas de São Luís – Gradis e azulejos), José Ataide
Torres Filho, Afonso Lima, Halan Silva (Pedra Negra, Cambacica, Auto do Cônego,
Auto da Revolta e As formas incompletas: apontamentos para uma biografia [de H.
Dobal]), Luiz Filho de Oliveira, Jonas Braga (O ególatra), Ricardo Reis e José
Francisco Marques (cronista, compositor, cantor e instrumentista).
Abordei os seguintes grandes historiadores, já falecidos:
Mons. Chaves, Pe. Cláudio Melo, Joel Oliveira, R. N. Monteiro de Santana,
Cláudio Pacheco e Reginaldo Gonçalves de Lima. Chaves e Melo são considerados
dois dos mais importantes historiadores do Piauí. Pacheco escreveu a mais
importante obra sobre a história do Banco do Brasil. Santana é um dos mais
notáveis historiadores da economia piauiense. E Reginaldo Gonçalves de Lima
escreveu a mais completa obra sobre a História de Campo Maior – Geração Campo
Maior: anotações para uma enciclopédia – que ainda discorre sobre a história
social do município, seu potencial turístico e econômico, suas manifestações
culturais e artísticas, seus costumes, sua religiosidade, seu esporte, mormente
o futebol, sua literatura e suas figuras históricas, populares e folclóricas.
Evidenciei que o Curso de História da Universidade Estadual
do Piauí (Campus de Campo Maior) certamente contribuíra e iria continuar
contribuindo para o surgimento de novos pesquisadores. Entre os mais destacados
historiadores da atualidade mencionei os seguintes: João Alves Filho, Áurea
Paz, Natália Oliveira (Da Matriz vejo a cidade: a igreja de Santo Antônio em
Campo Maior), Celson Chaves, Assis Lima, Marcus Paixão e Heldo Paz (A vila de
Campo Maior e os Paz – 1838/1960).
Acrescentei que em nossa cidade nasceu Francisco Pereira da
Silva, um dos maiores teatrólogos do Brasil. Informei que uma de suas obras
fora transformada em filme e que uma de suas peças ficara em cartaz na Alemanha
por cinco ou mais anos. Lamentei que uma lei estadual, determinando a criação
do seu memorial, nunca fora posta em execução. Disse ainda que Abdias Silva,
além de excelente cronista, era um dos maiores jornalista do Brasil, tanto que
era o substituto de Carlos Castello Branco, na célebre e festejada Coluna do
Castello.
3
Na parte escrita, ou seja, em que não fiz nenhum tipo de
improviso, teci as seguintes explicações e considerações, tentando elucidar e
justificar certos aspectos da literatura feita em Campo Maior, em sua já longa
história:
De forma objetiva, sem nenhum tipo de valoração ou
subjetivismo, nota-se que a literatura campomaiorense, apesar do expressivo
número de autores e do seu valor estético, tem pequena presença nas antologias
piauienses e nos livros de história da literatura feita no Piauí. Basta uma
rápida consulta a esses livros.
Na Antologia de Sonetos Piauienses, de Félix Aires, salvo
engano, aparecem apenas três autores de Campo Maior: Antônio Francisco dos
Santos (Cão Dentro), Moisés Eulálio e Valdivino Tito. Na Antologia da APL
obviamente constam os oitos campomaiorenses que pertencem a essa entidade
literária, como não poderia deixar de ser.
Contudo, em outras antologias e em livros sobre a história da
literatura piauiense a presença de autores nascidos em Campo Maior é muito
acanhada, não há negar, por fatores diversos que tentarei justificar, através
de ilações minhas.
A explicação que encontro para que muitos de nossos autores
do passado não sejam citados nos livros de história da Literatura Piauiense e
não tenham seus textos inseridos em antologias é que muitos não foram literatos
em sentido estrito, isto é, não escreveram romances, poemas, crônicas, contos,
memórias etc., e também porque não enfeixaram suas produções em livros, mas
apenas as publicaram em jornais, almanaques ou revistas, ou mesmo as tenham
deixado inéditas.
Muitos exerceram a literatura de forma bissexta, de modo
muito esporádico. Alguns até publicaram livros, porém de caráter técnico, como
relatórios, exposições e obras jurídicas, que com o avançar do tempo perderam o
interesse, inclusive pelas revogações de leis e pelo surgimento de novas
jurisprudências e doutrinas.
Muitos escritores e poetas campomaiorenses não tiveram
condição financeira ou apoio do poder público para a publicação de seus
escritos. Alguns poucos até publicaram, mas muitas vezes em pequena tiragem,
com circulação restrita ou mesmo apenas local. Quase a totalidade desses poucos
livros publicados não foram reeditados, seja por falta de zelo dos órgãos
públicos competentes ou pela falta de interesse e/ou condição financeira de
descendentes e familiares.
Por outro lado, as matérias literárias publicadas em
periódicos, pelos mesmos motivos já expostos, nunca foram recolhidas em livros,
para serem conhecidas pelas gerações atuais, e assim ficaram praticamente
perdidas em arquivos esconsos e de difícil acesso.
Talvez a digitalização desses livros e dessas peças
literárias avulsas possibilitem o ressurgimento e a revisão de algum desses
autores, e, dessa forma, a literatura feita em Campo Maior possa ser conhecida
e apreciada em toda a sua pujança e esplendor.
De capital importância seria a publicação de uma antologia,
em prosa e verso, com a presença de autores do passado e do presente, no
formato impresso e virtual, para que a Literatura de Campo Maior possa ser
melhor fruída e seus autores mais bem divulgados, ainda mais agora em que a
Literatura Piauiense voltará a ser ensinada em nossas escolas e faculdades.
(*) A palestra se encontra no You Tube, na parte inicial da postagem intitulada Andança Literária em Campo Maior.
terça-feira, 21 de setembro de 2021
Sarau 16 entrevista Chico Acoram e Elmar Carvalho
No Sarau 16 serão entrevistados Chico Acoram e Elmar Carvalho, sobre aspectos da história e da literatura piauienses.
Será às 21 horas de hoje, na TV ASSEMBLEIA - canal 16.
segunda-feira, 20 de setembro de 2021
domingo, 19 de setembro de 2021
Seleta Piauiense - Da Costa e Silva
Fonte: Google |
IN TENEBRIS
Da Costa e Silva (1885 - 1950)
Cego, tateio em vão, num caminho
indeciso...
Que é feito desse amor que tanto
me entristece,
Que nasceu de um olhar, germinou
num sorriso,
Que viveu num segredo e morreu
numa prece?!
É um mistério talvez; desvendá-lo
preciso.
A alma sincera e justa—odeia, não
esquece...
Si essa a quem tanto quis hoje me
não conhece,
Morra a ventura vã que debalde idealizo.
Ai! desse amor nasceu a dor que
me subjuga:
A dor me fez verter a lágrima
primeira,
E a lágrima, a brilhar, cava a
primeira ruga...
Atra desilusão crava-me a garra
adunca.
Cego de amor, em vão tateio a
vida inteira,
Buscando o amor feliz e esse amor
não vem nunca.
sábado, 18 de setembro de 2021
Os meninos que roubavam coco babaçu
Os
meninos que roubavam coco babaçu
Pádua Marques
Contista, romancista e cronista
De longe, do canto do
muro que dava vindo dos Campos, se via naquele domingo, de longe caminhando
pela plataforma o vigia João Batista dos Santos, o João da Belamina, ao lado de
seu cachorro Leão e os quatro meninos encostados no muro, prontos pra pular a
grade e depois alcançar os vagões carregados de coco babaçu que seriam depois
descarregados e levados em caminhão pra firma dos Moraes, na Coroa. Quando o
guarda sumiu da vista eles pularam quase que de uma vez. Na frente e abrindo
caminho ia Pepeu, o mais velho, seguido de Tiãozinho, Neco e Caçulo.
Eles chegaram cedo à
esplanada da estação e ficaram atrás do muro de seu Zé Mendonça esperando a
hora certa de atingir a calçada num momento em que Leão não estivesse por
perto. Caçulo, irmão de Pepeu, por ser o menor, ficou decidido que seria o
alarme dos outros, em caso de João da Belamina, naquele jeito de caminhar lento
e olhando pra os lados, com o quepe ajustado à cabeça, de gravata e batendo com
os dedos no cassetete, estivesse voltando da ronda até a entrada do portão de
saída dos trens indo pra Amarração.
Pepeu, de nome Pompeu e
Caçulo, o José de Jesus, eram filhos de um alfaiate dos Campos, conhecido por
Queixada. Os dois meninos viviam pra cima e pra baixo em toda a Parnaíba dando
definição de tudo o que acontecia e procurando confusão, já tendo sido
ameaçados de serem levados pra Capitania dos Portos. O terceiro menino era
Sebastião, o Tiãozinho, de quem pouco ou nada se sabia ter pai e mãe. E o
quarto era Neco, Manoel pra mãe e o pai e os outros irmãos maiores, na Guarita.
Esses quatro meninos eram os piores ladrões de cargas da estação de trens no
Macacal.
Agora dentro da estação e
entre os trilhos, a pouca distância da porta do vagão carregado de coco babaçu,
Pepeu, Tiãozinho e Neco esperavam apenas o sinal de Caçulo pra ver se dava pra
abrir e roubar a carga. Não esquecesse e não se perturbasse. Qualquer aperreio
era pra assobiar e noutra situação atirasse com baladeira no rumo do trem ou no
cachorro. Ali naquele vagão deveria ter muito coco. Decerto que pra usina de
seu Zeca Correia, o homem mais rico da Parnaíba. Decerto que nem iria sentir
falta se algum saco chegasse rasgado na Coroa.
João da Belamina era
viúvo. Trazia no bolso da camisa uma fita preta, sinal de luto. E agora levava
pra o serviço o cachorro Leão. O companheiro magro que comia os sobejos depois
que o dono e vigia almoçava arroz, feijão, farofa, bucho de boi picadinho com
abóbora ou quando muito, um pedaço de galinha criada em terreiro, feita com
bastante caldo e que o filho trazia já por volta do meio do dia. Depois bebia
água e em pouco o meninote ia embora pra casa. O cachorro não haveria pra
servir muito, mas pelo menos fazia companhia e nalgum perigo podia latir
alarmando se alguém tentasse se aproximar da estação.
Os quatro meninos, os
piores meninos da Parnaíba, aqueles que nem o Miranda Osório deu jeito e que
nem levando pra levarem puxada de orelha e carão do padre Roberto Lopes tinham
tomado vergonha e caminho, estavam prontos pra mais um dia de roubo de carga.
Se desse certo e saíssem com aquilo que vieram buscar no vagão de trem decerto
que iriam depois atrás de vender nalguma quitanda nos Campos e com o apurado
comprar cigarros, pirulitos de açúcar, coisas miúdas e o resto dariam em casa
inventando que era pagamento de serviços na praça da matriz.
Os dois maiores já em
cima da escada empurraram a porta do vagão de cargas. Isso feito agora era
encontrar sem muita claridade os sacos de coco babaçu. Achados, Pepeu correu a
mão num canivete que trazia no cós do calção e deu um corte certeiro na estopa.
As amêndoas foram caindo e se espalhando dentro do vagão e fora, entre os
trilhos. Os dois meninos de baixo se
apressaram em pegar os sacos e colocarem tudo o que estava no chão. Tiãozinho
encheu a boca com alguns pedaços quebrados de coco babaçu e ficou querendo
achar graça com tudo aquilo.
Pepeu e Tiãozinho agora
estavam tirando o que podiam tirar e tinham que ser rápidos. No vagão também
tinha uma carga de sal grosso, sal da Belamina. Os dois ladrões falavam
cochichando que tudo aquilo podia dar muito dinheiro, mas ficava pra outra vez!
Vai que de repente João Belamina aparece e não dá tempo Caçulo alarmar? Leão
sente o faro e vem avançar pra cima de todo mundo? Depois era guardar em lugar
seguro, ali perto mesmo, entre as paredes de pedra perto da igreja dos Capuchinhos.
Dava pra vender bem. Mais de vinte quilos de coco babaçu!
E lá estava João da
Belamina, sentado num banco de madeira no pátio de embarque, Leão ali perto e
ao longe os carnaubais com vista pra o Sossego, aquelas terras, aqueles
capinzais sem fim. Aquele domingo em que
as horas nunca passavam e ele o vigia, longe de sua casa na Guarita, próximo da
linha do trem. Mais em cima naquele mar de areia estava a igreja dos Capuchinhos
e passando dela e onde a vista
alcançava, mais areia e algumas casas, umas aqui e outras ali. Pra baixo a
cidade, suas ruas calçadas, as casas de comércio fechadas. Um domingo triste como são tristes todos os
domingos.
sexta-feira, 17 de setembro de 2021
CELSO PINHEIRO EM TRÊS DIMENSÕES
CELSO PINHEIRO EM TRÊS DIMENSÕES
Elmar Carvalho
I Panorama
teresinense e o poeta
Em 1902, aos 15 anos de idade, Celso Pinheiro já morava em
Teresina, vindo de Barras, sua terra natal, para continuar seus estudos.
Contudo, sequer veio a concluir o curso ginasial.
A capital piauiense era uma pequena cidade, ainda muito
acanhada, situação que perduraria até a morte do poeta, em 1950. A pequena urbe
se estendia do entorno do Cemitério São José até os arredores da Igreja de
Nossa Senhora das Dores, no sentido Norte para Sul; no sentido Oeste para Leste
ia da margem direita do rio Parnaíba até a margem esquerda do Poti.
O teatro, que fora uma das principais atividades culturais e
de entretenimento, desde a fundação da cidade até o final do século XIX, já
começava a perder espaço para o cinema, que se tornou uma das principais
diversões teresinenses. É de se supor que o bardo tenha assistido a algumas
representações teatrais e sessões cinematográficas, que até o final de sua vida
foi se aperfeiçoando na tecnologia e na utilização de efeitos especiais nas
filmagens.
Outras sociabilidades da capital eram os saraus, literários
e/ou musicais, realizados em estabelecimentos públicos ou particulares,
inclusive na casa de Clodoaldo Freitas (e suas rodas de conversa). Também não
devem ser esquecidos os festejos de santos católicos, com suas quermesses e
leilões, na parte profana; tampouco devem ser esquecidas as apresentações
circenses, que costumavam ter no seu final uma peça de dramaturgia. Sem dúvida
tomou conhecimento das polêmicas anticlericalistas dos maçons, que recebiam o
revide das principais lideranças do catolicismo.
Chamado de o milionário do verso pela profusão de poemas que
produziu, sobretudo sonetos, com certeza os publicou nos poucos jornais da cidade,
quase sempre pertencentes a partidos políticos. Nesses periódicos a política
tomava sua feição mais feroz, em que os inimigos e desafetos não tinham boas
qualidades morais nas catilinárias desabridas, e em que os amigos e apaniguados
não tinham defeitos nas matérias laudatórias ou apologéticas.
Houve também a moda das conferências. Alguns conferencistas
vinham de outros estados, mas também as proferiam intelectuais do Piauí.
Nogueira Tapety, poeta oeirense, pronunciou uma bela palestra sobre a luz, que
tive a oportunidade de ler. Acredito que Celso deva ter comparecido a algumas, e
certamente foi o responsável por uma ou outra dessas conferências.
Em 30 de dezembro de 1917 foi fundada a Academia Piauiense de
Letras. Celso, aos 30 anos, foi um de seus fundadores. Foi o primeiro ocupante
da cadeira nº 10, de que tenho a honra de ser o atual titular. E é o patrono da
cadeira nº 5 da Academia de Letras do Vale do Longá – ALVAL, da qual hoje tenho
a posse. Muitos desses fundadores e primeiros acadêmicos eram intelectuais
egressos da Faculdade de Direito do Recife, herdeiros do positivismo e das
lições do professor, erudito e poeta Tobias Barreto. O nosso bardo não teve
formação superior, numa época em que poucas pessoas conseguiam se formar, a
maioria em Direito, Medicina, Engenharia, Odontologia ou Farmácia.
Na segunda década do século XX, aproximadamente, vários
poetas piauienses louvaram em magoados versos elegíacos lindas e belas moças,
que morreram precocemente, entre as quais Mocinha Araújo, Santa Martins e Iaiá
Pearce. A última era filha do inglês Thomas Pearce e noiva do aluno do curso de
Direito e poeta Pedro Borges da Silva, que depois se tornou vice-governador do
Piauí, membro da APL, juiz federal e ministro do Tribunal de Segurança
Nacional. Antônio Chaves, que a pranteou em lindos e melodiosos versos,
impregnados de saudade e paixão, no eu lírico de soneto elegíaco que leva o seu
nome, chegou a considerá-la noiva: “Eras a minha fé soberba, indefinida, / Eras
a minha crença, ó lírio imaculado, / Tu, que trazias n’ alma inocente e querida
/ A ária do nosso amor e do nosso noivado.” Celso Pinheiro também escreveu algumas
elegias, em que chorou essa formosa e alva flor de carne, tão cedo ceifada
dessa vida descontente, para evocar aqui os imortais versos camonianos.
Quando o poeta faleceu, já existia o Clube dos Novos, a nossa
geração de 45. Os poetas e escritores dessa agremiação literária fundaram a revista
Caderno de Letras Meridiano e discutiam literatura, mormente na Praça Pedro II,
onde costumavam se encontrar. Não sei se esses rapazes tomaram conhecimento do
grande e velho poeta, e se este chegou a conhecê-los ou porventura tenha lido
algum texto literário desses moços.
II Alguns dados
biográficos e cronológicos
Dois paralelos quero traçar entre Celso Pinheiro e Antônio
Francisco da Costa e Silva, no referente às datas de nascimento e de morte
deles. O primeiro nasceu em Barras, em 24 de novembro de 1887 e o segundo, em Amarante,
em 23 de novembro de 1885. Por conseguinte, Celso era dois anos e um dia mais
moço que o Poeta da Saudade e do Velho Monge. E faleceram no mesmo dia, ou
seja, em 29 de junho de 1950; Celso na capital do Piauí e Da Costa e Silva na
capital federal, a cidade do Rio de Janeiro. Tiveram elogio póstumo na Academia
Brasileira de Letras, em discursos pronunciados respectivamente por Múcio Leão
e Olegário Mariano.
Era filho do capitão-mor João José Pinheiro, que veio morar
em Teresina em 1857, quando esta capital tinha apenas cinco anos de fundada, e
de sua mulher Raimunda Lina Pinheiro. O capitão viera da Vila do Rosário – MA
para assumir a administração dos Correios. Era irmão dos escritores e contistas
João Pinheiro e Breno Pinheiro, ambos pertencentes à Academia Piauiense de
Letras.
Cedo o poeta Celso Pinheiro se tornou órfão e teve que
trabalhar ainda jovem para se manter em Teresina. Como dito, em 1902 já ele
morava em Teresina, de onde nunca se ausentou, a não ser por curto período.
Ganhando pouco, em determinada época teve três empregos (professor de
Literatura da Escola Normal, escriturário da Chefatura de Polícia e revisor do
jornal O Piauhy). De um deles, o de professor, foi demitido pelo governador
Eurípides de Aguiar, pelo simples fato de ter sido nomeado pelo governador
Miguel Rosa, seu adversário.
Sofrendo uma crise de insônia, cansaço e doença nervosa, em
1917 viajou para o sul do estado, em busca da saúde psicológica e física.
Nessas andanças pela hinterlândia piauiense escreveu alguns poemas sobre essas
paragens. Perambulou pelas longínquas cidades do sul piauiense, Santa Filomena
e Gilbués. Nesta última passou cerca de dois meses. O certo é que essa viagem,
a maior parte feita em lombo de cavalo, concorreu para a recuperação de sua
saúde.
Um tanto boêmio quando jovem, alto, magro e nervoso, julgou
haver contraído a tuberculose, então uma doença quase sempre fatal. Uma pessoa
minha amiga, de alta respeitabilidade, me informou que uma neta dele lhe fizera
a revelação de que essa tísica foi apenas uma doença imaginária do poeta, que
na realidade nunca fora inoculado por bacilos de Koch. A mesma fonte me revelou
que ele chamava a sua suposta tuberculose de Dindinha, que era o nome da velha babá
de sua infância. E também, carinhosamente, apelidava a morte de Dona Branca.
O milionário do verso cometeu inúmeros poemas, entre os quais
mais de quatro mil sonetos, forma fixa de sua predileção, que ficaram dispersos
em jornais e revistas. Alguns foram reunidos no livro Poesias, cuja publicação
foi feita em 1939, sob a chancela da APL. Recentemente, através da Coleção
Centenário, publicada por ocasião das festividades alusivas ao centenário da Academia
Piauiense de Letras, foi dada à estampa a segunda edição desse seu livro.
Casou-se com Liduína Mendes Frazão em 1914, que veio a
falecer em 1932. Portanto, o poeta foi casado durante 18 anos e permaneceu em
viuvez durante outros 18 anos.
Outro fato que muito magoou o poeta foi a prisão de Celso
Pinheiro Filho, aos 24 anos de idade, quando era 3° sargento do Exército, pelo
Tribunal de Segurança Nacional, sob a acusação de ser comunista, em virtude de
haver tomado parte do levante da Praia Vermelha (3° R. I.), em novembro de
1935. Em 1946 Celso Filho foi nomeado prefeito de Teresina pelo interventor
federal Vitorino Correia. Segundo Herculano Moraes esse filho primogênito do
poeta sofreu “uma das mais acirradas campanhas de difamação da época”, o que
teria levado Celso Pinheiro, em defesa do filho, “a publicar versos ofensivos e
insultuosos contra Eurípides Clementino de Aguiar, que liderava os opositores
ao filho do poeta”.
Além de Celso Filho o poeta teve as seguintes filhas: Edméa,
Maria, Wanda e Diva.
III Comentário
crítico
Como epígrafe do excelente livro Os Literatos e a República:
Clodoaldo Freitas, Higino Cunha e as Tiranias do Tempo, de Teresinha Queiroz,
encontramos um lapidar e paradigmático trecho de um poema incluído na parte do
livro Poesias titulada Poema das Noites, de cuja epígrafe transcreverei apenas
os quatorze versos iniciais:
Na idade,
Em que se é todo um hino à Mocidade
E a vida sabe a trínulo perfeito
Contraí dentre todas as doenças,
Aquela cujas chagas são imensas...
Ai, doença das Letras no meu peito!...
Eram febres de luz de muitos graus,
Entrecortadas de lampejos maus...
Às vezes, nos ásperos reveses da Febre,
Do Martírio, Satanás dirigia o meu delírio:
E eu morto, de pés juntos,
Escutava risadas de Voltaire
E via,
Assomos de magia!
Lendo-se o poema acima referido na íntegra, pode-se constatar
que nele estão todos os principais ingredientes e condimentos da poética
simbolista. Nele se nota certa vagueza, feita mais de sugestões, que de afirmações
peremptórias; certo clima de nívea frialdade, de penumbra nevoenta, de brancura
lirial; uma métrica, que lhe dá musicalidade e certa variação rítmica; uma
quase profissão de fé, quando ele cita suas admirações literárias; e uma
espécie de devoção ao sofrimento e à morte.
Aliás, todo o poema é referto de metáforas, palavras e
símbolos caros à Escola Simbolista, entre os quais, em rápida enumeração,
apenas exemplificativa, citaria: lívida, unge-me, turíbulo, sonhador nevoento,
cidade dos pés juntos, Corujões, pântano, Tísicos, Luz, Sinos, Coveiro, demônio
do Tédio etc. Atente-se ainda para as personificações tipicamente simbolistas,
com muitas palavras iniciadas por maiúsculas.
A crítica, em seu entendimento predominante, tem considerado
que Celso Pinheiro era um simbolista. Eu diria que ele foi sobretudo um adepto
do simbolismo, e que viveu num período em que o Modernismo praticamente não
chegara ao Piauí; em que os poetas praticavam um sincretismo, um amálgama do
romantismo, do parnasianismo e do simbolismo, com predominância, talvez, da
Escola mais velha.
Como disse, o nosso bardo foi essencialmente um simbolista,
mas pelo apuro de seu estilo e forma, de sua linguagem esmerada, de sua métrica
e ritmo melodiosos, considero que ele recebeu um saudável influxo do melhor
parnasianismo, despido de exageros e de certos rebuscamentos e preciosismos.
Sobre ele disse com muita propriedade o saudoso amigo e
notável poeta Hardi Filho: “Não há negar que Da Costa e Silva foi um grande
poeta, o mais culto do Piauí. Celso Pinheiro foi o mais autêntico, o de
inspiração mais constante, o mais humano (...) À poesia de Celso Pinheiro
faltaram as oportunidades de divulgação que teve a de Da Costa e Silva.”
Acredito que se ele tivesse nascido no Rio de Janeiro ou em
São Paulo, talvez o seu nome formasse uma trindade simbolista, ao lado de Cruz
e Sousa e Alphonsus de Guimaraens. Quando tomei posse da cadeira n° 5 da
Academia de Letras do Vale do Longá, da qual o poeta é patrono, em solenidade ocorrida
no dia 23.05.97, no IATE CLUBE de Campo Maior, tive a oportunidade de dizer
sobre ele e sua poesia:
A
exemplo do Parnasianismo Brasileiro, a Escola
Simbolista deveria também
ter a sua
trindade, em que a
estrela de primeira
grandeza e de
fulgor extraordinário – Celso Pinheiro – brilharia ao
lado de Cruz e
Sousa e Alphonsus
de Guimaraens. O poeta,
ironicamente, em sua pobreza
de metais, era chamado de milionário do
verso, pela facilidade com
que urdia os
mais belos poemas
e sonetos, nos quais
eram vazados o
seu delicado pessimismo
e o seu
suave lirismo, através de
melodiosas palavras e
de inusitadas e
por vezes extravagantes imagens
e metáforas. Simbolista sim, mas
também um cultor
da forma, percebendo-se em
sua poesia uns
leves laivos de
saudável parnasianismo. A crítica
o tem, merecidamente, em elevada
conta. Bugyja Britto o
alinha entre os
maiores poetas do
Brasil. Hardi Filho, que escreveu
um livro sobre
ele, considera-o entre os
três principais aedos
de sua predileção. Herculano Moraes, poeta, crítico e
membro desta Academia
e da Academia
Piauiense de Letras, assim
se referiu a
esse excelso poeta: “A
poesia de Celso
Pinheiro pode ser
incluída entre os
melhores momentos do
simbolismo brasileiro, ao mesmo
nível de Augusto
dos Anjos e Cruz
e Sousa. São poucos
os poetas que
conseguem ser tão
sublimes e torturados
ao mesmo tempo.” Sua
portentosa poesia aí
está para ser
fruída e degustada
e para comprovar
o que dissemos
a seu respeito.
Não bastasse ter sido o admirável poeta que foi, também foi
um exímio prosador, tendo escrito notáveis crônicas, discursos, artigos e
conferências, que se coligidos formariam um excelente livro. Soube que Celso Filho
ainda teria organizado essas peças literárias. Todavia, lhes desconheço o
paradeiro.
Portanto, faço questão de repetir como um corolário de tudo o
que disse: o excelso poeta Celso Pinheiro bem poderia compor uma trindade
simbolista brasileira, ao lado de Alphonsus de Guimaraens e Cruz e Sousa.
Obras consultadas:
Poesias (2ª edição – 2015) – Celso Pinheiro
Três Artífices do Verso (1991) – Bugyja Britto
Nebulosas (2ª edição – 2013) – Antônio Chaves
Os Literatos e a República: Clodoaldo Freitas, Higino Cunha e
as Tiranias do Tempo (3ª edição – 2011) – Teresinha Queiroz
Visão Histórica da Literatura Piauiense (6ª edição – 2019) –
Herculano Moraes
Dicionário Enciclopédico Piauiense Ilustrado (2003) – Wilson Carvalho Gonçalves