Joames Fonte: Google |
Orgulhosa – um poema de Joames
Elmar Carvalho
Fui convidado pelo cronista e poeta Francisco Carlos Araújo,
o Chico Acoram, a visitar a Casa do Cantador. Seguimos, no dia 22, sexta-feira,
em comitiva, eu, ele e o romancista, contista, cronista e historiador José
Pedro Araújo. Fomos recepcionados pelos poetas (repentistas e cordelistas),
Joaquim Mendes, o Joames, e o Antônio Raimundo. Conhecemos a biblioteca da
Casa, que está sendo revitalizada e organizada. A Casa, localizada em amplo e
arborizado terreno, é uma doação do falecido empresário João Claudino, em cuja
homenagem, logo na sala de entrada, há uma estátua, muito parecida com o
modelo.
Conheci a Casa do Cantador em meados dos anos 1990, a convite
do professor, jornalista e radialista Pedro Mendes Ribeiro, quando ele exercia
o cargo de delegado da SUNAB-DEPI, na qual eu trabalhava. Por sinal, foi a
primeira vez em que tomei um capuccino, cujo preparo me foi ensinado pelo
anfitrião, que me falou sobre os objetivos da Casa e sobre a importância da
arte do cordel, do repente e da cantoria.
Desta feita, falamos muito sobre cantorias, repentistas,
cordelistas, livros, poesia em geral, e outros assuntos afins e aleatórios.
Foram recitados alguns poemas. Em dado momento, quando nos encontrávamos a uma
mesa, no alpendre, para tomarmos um reforçado café, com direito a suco e bolo,
o advogado e cordelista Francisco Almeida pediu para o Joames recitar o seu
poema Orgulhosa. O autor não se fez de rogado, contudo, disse que teria que
falar na gênese de seu texto; ou seja, o que o teria levado a escrevê-lo.
Em resumo, o poema foi escrito em 1995, quando o poeta ainda
amargava sua viuvez, que o deixara muito triste, senão mesmo deprimido, por
vários meses ou anos. Morava, na época, em um bairro da Zona Sudeste de
Teresina. Perto de sua casa, residia uma jovem de rara beleza, mas um tanto
doidivana, fútil e, quiçá, leviana.
Pelo visto gostava de rapazes “que cheiravam a gasolina”,
pois só saía com moços, que possuíam carro. Parecia ter vergonha de sua casa
pobre, pois sempre descia em lugar distante de sua residência. Um dia, o poeta
Joames, que vinha triste e circunspecto, a encontrou na porta do seu tugúrio;
sem segundas ou terceiras intenções, o nosso poeta, educado que é, lhe deu um
discreto “boa noite”, tendo a moça, de forma rude e grosseira, denotando a sua
deselegância, estupidez e caráter, lhe respondido de forma seca e brutal: “Te
fecha, véi!”
A resposta elegante, mas ferina do poeta, não se fez esperar,
e veio em forma de um lindo e imortal poema, que adiante transcreverei. O vate
pediu a uma amiga da jovem que lhe entregasse cópia de seu texto, mas que a
moça não lhe dera importância, talvez até porque fosse um tanto néscia e não
lhe tenha entendido bulhufas.
Esse episódio me fez lembrar um caso que me contaram, faz
muitos anos. O notável cronista e articulista Fabrício de Arêa Leão, membro da
Academia Piauiense de Letras, homem refinado e de muita cultura, estava, ao
quebrar do crepúsculo, a rezar num dos cemitérios de São Luís (MA), quando viu
uma linda figura angelical, em forma de mulher, quase evanescente, à luz difusa
do lusco-fusco. Meio apreensivo e receoso, pensou até não fosse deste mundo,
tal a sua beleza, e por isso a olhou com certa intensidade.
A mulher se chateou com a insistência do olhar do cronista e lhe
dirigiu a palavra com maus modos e de forma tosca: “O que é, tu nunca ‘viu’ uma
mulher, não.” Consta que Fabrício lhe teria respondido mais ou menos o
seguinte, em palavras da mais fina cortesia: “Eu estava embevecido com a sua etérea
beleza angelical, pensando se tratasse de um anjo dos páramos celestiais, mas,
agora, consternado, noto que a senhora não passa de uma criatura do pó da
terra.” Não consta que a mulher lhe tenha redarguido.
Um amigo meu, embora de modo mais prosaico, foi vítima de
algo parecido. Foi ele tomar uma cerveja num boteco de uma cidadezinha interiorana,
para escapar do tédio. No local, se encontrava uma mocinha, “fazendo hora”. Ele
perguntou se lhe podia oferecer uma Coca-Cola, tendo a jovem lhe respondido com
quatro pedras nas mãos e um coice: “Muito obrigada. Não estou com sede. E mesmo
se estivesse, não aceitaria.” O meu amigo se recolheu em silêncio, mas a dona
do bar tomou suas dores e repreendeu a moça por sua “falta de educação”. Mesmo
assim a garota deu uma rabanada e foi embora. Meu amigo não ficou ressentido e
muito menos traumatizado, e conta esse fato anedótico com muita jocosidade.
Há um poema célebre, denominado “A Orgulhosa”, que muitos,
equivocadamente, atribuíam a Castro Alves ou a Gonçalves Dias, mas que na
verdade é do poeta baiano Trasíbulo Ferraz Moreira, nascido em 1870 e falecido
em 1896, portanto, em plena mocidade, vítima de tuberculose. Consta que num
baile ele teria pedido a certa jovem para que dançasse com ele, mas ela
desdenhosamente teria recusado seu pedido. Reza a lenda que ele, então, no
momento destinado a declamações, teria recitado esse poema, feito de improviso,
cujas estrofes inicial e final transcrevo:
“Ainda há pouco pedi-te,
Pedi-te para valsar...
Disseste - és pobre, és plebeu;
Não me quiseste aceitar!
No entretanto ignoras
Que aquele a quem tanto adoras,
Que te conquista e seduz,
Embora seja da "nata",
É plena figura chata,
É fósforo que não dá luz!
[...]
Por isso quando me falas,
Com esse desdém e altivez,
Rio-me tanto de ti,
Chego a chorar muita vez.
Chorar sim, porque calculo,
Nada pode haver mais nulo,
Mais degradante e sem sal
Do que uma mulher presumida,
Tola, vaidosa, atrevida.
Soberba, inculta e banal.”
Nos anos de 1970 o declamador e boêmio Balula, alvo,
alourado, de olhos azuis, com a sua possante, estentórea voz de trombone, de
timbre levemente metálico, recitava esse poema com muita emoção e mise en scene,
não sem antes explicar, com muita verve e condimento emocional, como e em que
circunstância ele fora elaborado, mas lhe atribuía a autoria correta. Nessa
época, Balula estilhaçou muitas taças de cristal, no final de certo poema, em
que dizia haver quebrado “a taça da amargura”, o que amargurou muitas donas de
casa, que viam sua coleção ficar incompleta na cristaleira em que era exposta.
Em seu poema Orgulhosa, o nosso bardo Joames, que Chico
Acoram considera o melhor poeta popular piauiense da atualidade, com o meu
endosso, admoestou a a jovem que sua beleza era efêmera e que nenhuma mulher se
eternizou apenas pela beleza, porque a idade a vai destruindo, exceto (digo eu)
Helena de Troia, porque os versos de Homero lhe deram a eternidade, que só a
arte pode dar. Sem mais delongas, seguem abaixo os belos versos de Joames:
ORGULHOSA
Joaquim Mendes (Joames)
Deixas de orgulho menina!
Tua beleza é passageira,
Se Deus te deu essa sina
Vês que não és a primeira;
Beleza o tempo consome,
Nenhuma mulher, o nome
Eternizou por ser bela
Sem possuir elegância,
Da formosura, a arrogância
Degrada os méritos dela.
Ostentas um corpo lindo,
Na face ternos meneios,
Pequena blusa cingindo
A rigidez dos teus seios,
Esbelto corpo moreno,
Nos lábios negro veneno,
Nos olhos brilhos fatais,
Com teu sorriso embriagas
Cavando profundas chagas
Nos corações dos mortais.
Tu vives num pesadelo
Que muito te sacrifica,
No mais penoso desvelo
Simulando vida rica,
No meio de muitas galas,
No burburinho das salas
Ouvindo juras falazes,
Agindo qual meretriz
E só te sentes feliz
Amando a muitos rapazes.
É certo que a tua beleza
Ofusca muitos olhares,
Porém a mãe Natureza
Iguais a ti fez milhares,
Frívolas, tolas, vaidosas,
Que só por serem formosas
Julgam-se quase divinas,
Simples matérias humanas,
Contaminadas, profanas,
Causa de muitas ruínas.
Tu hoje zombas de quem
Não tem igual formosura,
Só dás valor a quem tem
Boa aparência e mesura
Além de fama e riqueza,
Menosprezando a pobreza,
O feio, o velho e o doente;
Foi teu passado obscuro
E com certeza, o futuro
Também será deprimente.
Amanhã velha serás,
Sobrevirão os martírios,
Carinhos mendigarás
Na convulsão dos delírios,
Prestando a todos e a tudo
Flácido corpo desnudo,
Expondo a rugosa derme
E acenando a mão convulsa,
Todos dirão com repulsa:
Detém-te asqueroso verme!
E quando a morte chegar
Cruel, horrenda, sisuda,
Certamente hás de ficar
Pasmada, quieta, muda,
Tardiamente arrependida,
Porque conduziste a vida
Por caminho degradante;
Após os teus funerais,
Poucos dias e ninguém mais
Lembrará o teu semblante!
Sou pobre, mas sou poeta!
Sou venturoso, feliz!
Tenho a modéstia por meta
E sempre me satisfiz;
Tenho sentimento nobre,
Belo, feio, rico, pobre,
Não vos faço distinção;
Muitos leitores ufanos
Daqui a duzentos anos
Meus versos declamarão!
Excelente crônica, Dr. Elmar. Vi que a nossa visita à Casa do Cantador, além de divertida foi muita profícua.
ResponderExcluirCertamente o nosso amigo e poeta Joames ficará muito feliz ao ler esse texto, sobretudo por ele ser o protagonista da sua crônica de hoje, com destaque no poema Orgulhosa de autoria do grande poeta popular Joames. Parabéns.
Espero que o poeta Joames goste de nossa crônica, em que ele é o mocinho e a Orgulhosa de seu poema, a bandoleira.
ResponderExcluir“que cheiravam a gasolina”, pois só saía com moços, que possuíam carro.
ResponderExcluirEssa frase como as outras eram muito usadas, e todo mundo sabia dos comportamentos das mesmas e suas falsas realidades.
Isso mesmo.
ExcluirMeu amigo, seu blog conquistou, com muito esforço, o espaço de grande divulgador da nossa cultura, do ser nordestino, piauiense. Enfim, da nossa alma.
ResponderExcluirTenho satisfação de acompanhá-lo.
Feliz 2024 para todos.
Muito obrigado, caro amigo.
ExcluirVenho expressar minha gratidão ao eminente cronista e poeta doutor Elmar Carvalho pela brilhante crônica sobre mim, minha poesia e sua divulgação em seu Blogger, em particular, sobre nosso poema "Orgulhosa". Muito obrigado Dr. Elmar! Estarei sempre à sua disposição.
ResponderExcluirPoeta Joames.
ExcluirDe nada. A satisfação foi minha em divulgar sua maravilhosa, que é do mesmo nível de A Orgulhosa, do poeta Trasíbulo Ferraz.
ExcluirVenho expressar minha gratidão ao eminente cronista e poeta Dr. Elmar Carvalho pela brilhante crônica sobre nosso poema "Orgulhosa" e sua divulgação em seu Blogger. Muito obrigado Dr. Elmar, estarei sempre à sua disposição.
ResponderExcluir(Joames).
Respondi, acima, caro poeta Joames.
ExcluirAo poeta Elmar Carvalho
ExcluirEste poeta agradece,
Por comentar minha obra
Da forma que lhe apetece;
Por glória não tenho fome,
Mas divulgado meu nome
Os meus louvores merece!
(Joames).
Muito obrigado, caro poeta Joames, por me homenagear com versos tão bonitos. Merecê-los, não mereço; mas, penhorado, agradeço.
ExcluirGrande poeta "EL MAR" ! Você precisar banhar com suas águas literárias os riachos cordelianos que desembocam no seu universo oceânico da poesia. Abraços
ResponderExcluirCaro poeta Raimundo Clementino, no cordel você é um poeta sabido e ladino, enquanto eu, no cordel, seria um vate à deriva, tombando de léu em léu, sem lenço, sem documento e sem chapéu.
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