sexta-feira, 6 de agosto de 2010

O SEGREDO DE “LUNGUINHA”

ALCIONE PESSOA LIMA

Igreja e convento do Memorare

Igreja e convento do Memorare

Pelos anos setenta, aproximadamente, iniciou-se a pavimentação da Av. Centenário, na zona norte, desta Capital...E antes de ser asfaltada foi calçada com “pedra jacaré”, quebrada não por máquinas, mas por um cidadão afro descendente, conhecido por todos como o “Seu Lunguinha”. Era um tipo corpulento, braços marombados pela marreta, grande estatura...Um tanto quanto sinistro, taciturno...

Por ficar tanto tempo naquela labuta, a construir a pavimentação tão desejada pelos moradores daquela via e, em especial, pelos do bairro Poty Velho, tornou-se conhecido, a ponto de se saber coisas a seu respeito que até Deus duvida.

Parecia um anjo, calmo, silente, atento ao seu trabalho...E como produzia! Pena que, posteriormente, o asfalto tenha escondido toda a sua obra. E quanto suor derramou! No rosto, por vezes, não se sabia se não eram lágrimas. E por que lágrimas? Ah! O senhor pacato, de características escravas, lembrando Kunta Kintê, da série Raízes, exibido há tempos pela televisão, tinha um segredo. E que segredo! Deixou de sê-lo não se sabe pela boca de quem. Imagina-se que nunca o tenha contado e sim, que alguém que o conhecia, dos tempos do ocorrido, tenha feito essa revelação. Deduzo que, por pura maldade. Por um desejo inerente aos invejosos, aos malfeitores, aos mesquinhos.

E o que aconteceu mesmo com o ser em comento que tanto nos deixou estupefato? Pois bem. Ele simplesmente, após ter descoberto a traição de sua mulher a matou com pauladas...Um gesto de um homem ferido em seu brio, mas que a sua ignorância não o conteve a ponto de agir em semelhança à estória de um certo “joão-de- barro” contada em uma conhecida canção sertaneja.

Depois de saber de tudo, mesmo ainda criança, eu ficava por horas, não somente observando aquele moço realizar o seu trabalho, mas a pensar na atitude maléfica que teria realizado. A minha idade pouco compreendia. Logo eu que estudava em colégio de freiras (Memorare), e que ouvia de meus pais e professoras (na maioria religiosas) constantes lições de humanismo. Mas era isso que me fazia ver aquele cidadão ainda como uma criatura de Deus e entender que aquele trabalho duro era uma forma não só de dar o sustento àquele homem/máquina, mas de descontar tremendo pecado que carregava no coração. Eu o via como um anjo. E, em momento algum, percebi o contrário.

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