sábado, 10 de dezembro de 2011

O MURO DA MINHA ESCOLA


JOÃO PINTO
Cronista e contista


Todo dia que acordo, acordo meio sobressaltado por não estabelecer boa maneira com a minha aula. E aula, com certeza, é um núcleo que pode ser esmiuçado em muro, portão, mesa do professor ou carteiras, meus cacarecos pedagógicos, assoalho dos pés, paredes e, finalmente, aluno. Tudo isso minha aula, que não posso te dar o endereço porque se encontra em cada esquina.

Cada parte desse mundo me deixa com amargura. E não sei de onde me vem esse vazio existencial, que vem sendo constante quando vou à escola. Não sei mais conviver com esses elementos da escola, todos são comuns e me passam uma triste sina de coisa velha numa paisagem sem vida, que não mudam nem se renovam. Há muita liberdade e pouco sucesso. E nada de atípico aparece para me devolver a paz. Se eu encontrasse uma escola que tivesse esses mesmos elementos mas dentro de uma paisagem diferente, poderia com certeza conviver, manter diálogo renovado, mas o cérebro de quem fez e gerencia a minha escola por bem não é de gente que se fascina pelos livros. Dentro deles não há criança, há velhos rabugentos que o tempo nunca vai escrever na história.

O muro da minha escola não tem fachada que me agrade, seu corpo é doentio e precisa de reparos, o portão que lhe faz brecha é desbotado e abocanhado de ferrugem. Assim tudo se parece com tragédia. A sala dos professores precipita meus passos para fora, o bebedouro é outra lástima e a merenda me ajuda com esses quilinhos a mais, o banheiro é flex. As salas dos alunos representam uma corrida, quanto à escrita, para quem se saia melhor como pichador ou analfabeto da escrita, agora imagine o banheiro estudantil, essa parte monumental da escola que o aluno encontra para explodir bombas de festim nos vasos e criar sua linguagem anárquica em meio a urina e torneiras quebradas e vasos entupidos, de qualquer forma as meninas ali se pintam e os garotos mijam fora.

Quando toca a campa ao iniciar as aulas, meus passos seguem um corredor longínquo que não acaba mais. Eu o atravesso camuflado com meu tênis surrado, o meu material dissipado no lado esquerdo e os óculos que arribo de vez em quando para o topo do nariz. Cá comigo, penso, contabilizo 40 tempos semanais, por eles contabilizo o cansaço e esse medo que tenho de ambientes carcomidos, o tempo aqui é cheio como era ao tempo dos escravos nas senzalas. Tudo tem um preço na escola. O preço que pagamos com as decepções. Às vezes, em sala, minhas sílabas ficam cortadas numa exposição, só percebo quando os risos me colocam ao ridículo.

Entro numa sala repleta de alunos e, ali, em vez de o aluno levantar-se como era costume antigo para sinalizar respeito, o que ouço são os sons renitentes dos celulares, como pequenas balas de artilharia. E fico embriagado pela falta de lucidez do aluno, que são voltados apenas para o lado de uma sociedade que se molda no consumo. Fico desarmado. Relanceio a vista atrás de outros valores e nada encontro. Minha aula está precisando de um choque de urgência, que reponham a disciplina e a competição entre os alunos, afastem o bolor das paredes e dos livros nas bibliotecas, que de leitura ninguém morre, e é esse que é o alimento verdade do homem.

Mas, hoje, o professor tira o jeito de um muro de escola com sua cobertura de tinta apagada e enferrujada e que por ele vão passando muita gente, alguns ainda dizem algum valor, já outros gostam mesmo é de soltar xaveca para que a mofa fique presente na vida de todos.

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