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Benedito Guimarães, Miguel Carvalho, Elson Antunes, Elmar Carvalho, Barbosa e Aníbal Carvalho, na solenidade de instalação da Fundação Leôncio Medeiros |
TEMPOS
RIBEIRENSES (*)
Elmar
Carvalho
No
último dia de fevereiro de 2000, tomei posse como titular da Comarca
de Ribeiro Gonçalves, e no mesmo dia retornei a Teresina, em virtude
de minhas férias que teriam início em março.
Já
nessa primeira viagem, da tela panorâmica da janela de um velho
ônibus empoeirado, comecei a observar com muita atenção a paisagem
das plagas ribeirenses, tão diferentes dos tabuleiros e descampados,
ornados da graciosidade dos talhes esbeltos das dançantes
carnaubeiras de minha Campo Maior, dos vastos campos maiores. Via os
pequizeiros e os característicos “folhas largas”, de escura e
grossa casca rugosa. Contemplava o azul distante das serras a
contrastarem com o azul do céu e com o verde do cerrado.
Ao
assumir os serviços de minha judicatura, procurei cumprir com zelo,
esforço e dedicação as minhas funções, e, sobretudo, com
imparcialidade. Os que conheceram o meu trabalho reconhecem esse meu
esforço. Sempre busquei ser o melhor juiz que a minha capacidade de
trabalho, discernimento, inteligência e limitações pudessem
alcançar. Fiz o que, nas circunstâncias e condições oferecidas,
me foi possível fazer.
Vários
textos de minha autoria, tanto em verso como em prosa, foram
concebidos nas viagens entre esta cidade e Teresina, pois enquanto
contemplava a paisagem, os bandos de periquitos, a corrida das emas e
seriemas e eventualmente outros animais, alados ou não, a minha
imaginação muitas vezes entrava em ebulição, em que esses textos,
prosaicos ou poéticos, foram gerados.
Observando
a paisagem e os animais, bem como as estrelas e as nebulosas, quando
a noite aniquilava tudo o mais, foi cometido o meu poema Viagem, que
também nasceu nas vezes em que eu ficava na praça principal de
Uruçuí, sozinho em um banco, a contemplar o lusco-fusco e o
surgimento tímido das estrelas. Esse poema é na verdade uma oração
ao Supremo Arquiteto do Universo. O meu poema Canção pastoril de um
urbanoide decaído começou mesmo a ser elaborado nessa última
cidade, utilizando-me de um lenço de papel oferecido por uma
lanchonete da rodoviária.
Por
longos anos almejei escrever um poema sobre a chuva, com suas
enxurradas e trovões. Esse poema explodiu em meu cérebro num dia
chuvoso em que cheguei à agência do Sr. Aarão, em Ribeiro
Gonçalves. Como eu desconfiasse de que o aguaceiro não pararia tão
cedo, fui a pé, debaixo de chuva, encharcado nos ossos e na alma,
dessa parada até o fórum, afagado e quase afogado pelos pingos tão
frios. Choveu durante toda a semana, de modo que o meu poema Chuva
foi feito, literalmente, debaixo de chuva.
O
meu texto A ilha do sonho e do encanto, misto de crônica e conto,
nasceu de um sonho que tive dentro do ônibus, quando seguia para
minha Comarca, e que terminou abruptamente, no momento em que acordei
sobressaltado com um forte solavanco provocado por uma cratera da
estrada. É um tanto surreal, mas a realidade, às vezes, é mais
surpreendente e onírica do que o próprio surrealismo.
No
meu período ribeirense, observando a grande quantidade de carroças
existentes em Uruçuí, tracionadas por jumento ou burro, resolvi
escrever uma crônica sobre jumento, como era um antigo desejo meu.
Fui coadjuvado pelo irmão Elson, que me narrou a história pitoresca
e engraçada do fabuloso jegue Pimenta, que, pelo visto, era uma
legítima pimenta malagueta e jamais de cheiro.
Nesses
tempos ribeirenses, gostava de acompanhar, nas horas de folga, da
porta do fórum ou do seu pátio, o voo majestoso e aristocrático
dos urubus, suas evoluções graciosas de perfeitos dançarinos
aéreos, seu balé irretocável, tendo como teatro a amplidão dos
ares e como cenário o azul do céu e o branco das nuvens, e gostava
de vê-los pousados em um frondoso e colossal angico branco, que
ficava um pouco à esquerda do meu campo de visão, fincado na
encosta do morro em frente, em que as casas se dependuravam em hábil
e elegante malabarismo. Por isso, quando mataram, de forma estúpida
e cruel, uma grande quantidade dessas aves, em Teresina, elaborei,
entre aquela cidade e Ribeiro Gonçalves, uma crônica em que
vergastei essa chacina monstruosa.
Durante
meus quatro anos de Ribeiro Gonçalves, frequentei, com relativa
assiduidade, a Loja Maçônica Celso Antunes. Dessa loja maçônica
são assíduos frequentadores os poderosos irmãos Elson Antunes,
seu atual venerável, irmão de coração de ouro de muitos quilates;
Aníbal Carvalho, árvore frondosa, de densa sombra e suculentos e
doces frutos, erudito e tribuno inspirado e admirável; Francisco
Modesto Barbosa, modesto apenas no nome, mas um gigante na capacidade
de trabalho; Joel, pedreiro também na vida profana, a desbastar a
pedra bruta que todos nós carregamos; Tenente Wilson, inteligente e
espirituoso, a forjar piadas no “repente” do improviso; José
Pinto, cordato, entretanto um verdadeiro carcará da maçonaria, a
defendê-la com denodo e garra, mas sempre com elevação; Hugo
Torres, advogado acirrado e inteligente, empresário, ex-venerável,
em cuja gestão foi iniciada a construção do templo físico da
maçonaria, posto que o espiritual já existe e é admirável;
Ubiratan Ribeiro, que vem se revelando como um maçom dedicado e
zeloso, assim como seu filho, Marcos; Joveraldo, sempre preocupado
com o seu aperfeiçoamento maçônico, na busca incessante do
polimento da pedra, e também com o crescimento da loja, cioso de
seus deveres na vida profana. Completando a constelação de maçons
vontadosos e dignos, cito ainda Otoni, Gilmar, José Ricardo,
Arenaldo, Tomaz, Arimatéia e Cícero. De já peço desculpas por
alguma involuntária omissão. Além de mim, maçom que precisa e
muito desbastar a pedra bruta, eram maçons visitantes os estudiosos,
assíduos e de amplos conhecimentos iniciáticos, verdadeiros mestres
e paradigmas de todos nós, os irmãos Antônio Carlos e Ulisses, que
exerceram sucessivamente a gerência do Banco do Brasil,
dinamizando-a e expandindo-a.
O
tenente Wilson sempre era o mocinho, nos episódios anedóticos de
que era o protagonista e herói vitorioso. Somente num caso que me
contaram, pelo menos na versão contada, o tenente levou a pior.
Estava ele muito preocupado sobre se ia chover, como todo nordestino
que se preza, quando apareceu uma pessoa vinda de uma localidade
rural. Imediatamente o tenente perguntou-lhe se choveria, ao que essa
pessoa respondeu, sem titubear: “Ô, Wilson, eu venho é da Bacaba,
não é do céu, não!” O tenente ficou perplexo, boquiaberto, sem
uma resposta pronta, como era de seu estilo bem humorado.
Tive
a subida honra de ter o meu poema Mística transcrito em uma bela
placa, que será afixada no templo maçônico, em fase terminal de
construção, por iniciativa do então venerável Hugo Torres, e que
teve o respaldo posterior do atual venerável Elson e dos demais
irmãos.
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Antiga sede em casa alugada. Hoje a Loja tem prédio próprio |
Nesses
tempos ribeirenses, participei de alguns eventos culturais,
literários, maçônicos e cívicos, tendo tido a oportunidade de
lançar livro de minha autoria, bem como participar do lançamento de
outros livros, no caso do escritor e historiador Adrião Neto, cujo
evento articulei, com o apoio da maçonaria e da prefeitura. Nesses
eventos discursei e entoei versos de minha autoria. Pude pregar o
bem, o bom e o belo, que devem ser o desiderato de nossa vida.
Durante
minha serventia, a quantidade de processos aumentou muito, com o
crescimento dos projetos agrícolas, com a valorização da terra,
com as relações comerciais motivadas pela crescente produção de
soja. Na verdade, foi uma conseqüência natural do progresso e do
desenvolvimento econômico da região.
Para
mim foi uma honra servir nesta Comarca onde serviram o grande
escritor, ficcionista, folclorista e paremiologista Fontes Ibiapina,
juiz digno, honesto, honrado e humilde no trato pessoal, também
professor competente, que tive o gáudio de conhecer em Parnaíba,
onde exerceu a judicatura literária no jornal Folha do Litoral, e o
excelso poeta Júlio Antônio Martins Vieira, célebre e celebrado
autor do épico Canto da Terra Mártire, que foi por largos anos
emérito professor. Não podendo sugerir o nome de Fontes Ibiapina,
que já era patrono do fórum de Cocal, sugeri o nome do poeta,
professor e magistrado Júlio Antônio Martins Vieira, através da
douta corregedoria de Justiça, na gestão do Des. Osíris Neves de
Melo Filho, para que fosse dado ao fórum de Ribeiro Gonçalves o seu
nome honrado, cujo nome fora aprovado, por unanimidade, em reunião
que convoquei, com a presença do prefeito João Antunes, de
representantes da Câmara Municipal e da maçonaria, e de outros
segmentos da sociedade. A sugestão foi acolhida, também a
unanimidade, pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Piauí.
Eram
advogados residentes na Comarca os ilustres doutores Hugo Torres e
Benedito Martins Guimarães. Com o primeiro, fiz um passeio na lancha
“voadora” do Carlão (Carlos Alberto), venerável da loja
maçônica e gerente do Banco do Brasil, que, logo que cheguei para
assumir meu cargo, fora promovido para a agência de Picos. Nesse
passeio pude ver toda a beleza das margens preservadas do Parnaíba,
o imortal “velho monge” do poeta Da Costa e Silva, refertas de
verdejantes árvores que se debruçavam sobre o leito do rio, nas
quais saltitavam inquietos e simpáticos macacos e as graciosas aves
dos cerrados, com seus cantos maviosos. Paramos no remanso de uma
pequena ilha paradisíaca, de areias brancas, macias, quase flocos de
diáfanas nuvens. Pescamos, digo, o doutor Hugo pescou à sombra de
imponente e copada mangueira. Pescou alguns peixes, pequenos é
verdade, mas pescou. Não é estória de pescador, não: meninos, eu
vi – como asseveraria o poeta Gonçalves Dias. Comemos numa casa de
um ribeirinho, num recinto de chão batido, que era também uma
rústica sala de aula, cuja professora era a dona da casa. Ali havia
um menino, de seus oito anos, que me olhava de vez em quando, com
curiosidade, talvez com o imaginário aguçado por estar vendo um
juiz em carne e osso, no mister prosaico de comer uma frugal, mas
saborosa refeição. Depois, eu soube que o menino comentou, quando o
prefeito João Antunes esteve nessa casa, que eu não era como um
certo morador da redondeza, que comia uma verdadeira montanha de
carne, feijão e arroz, com rápida e admirável voracidade; que eu
fazia um prato pequeno, comia devagar e mastigava bem o alimento.
Apenas, teve a franqueza infantil de acrescentar que eu deglutira
quatro pratos! De qualquer sorte, me elogiou, ao dizer que desejava
proceder como eu fizera...
Na
minha judicatura nesta circunscrição judicial, fui ajudado, com
muita dedicação e boa-vontade, por todos os servidores, que se
excederam em esforço e zelo, entre os quais recordo os nomes de dona
Conceição, Nilza, Barbosa, Márcia e Toinha, além de dona
Marilene, uma espécie de assessora para assuntos aleatórios.
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Casa em que se hospedava o saudoso Dr. Benedito Guimarães |
Como
já falei, o Dr. Benedito Martins Guimarães, ótima e agradável
pessoa, com sua cabeleira muito branca, aparentando macios flocos de
algodão, era um advogado residente na Comarca. Digo residente na
Comarca porque ele se hospedava com o seu sogro, logo no outro lado
do rio Parnaíba, numa casa antiga, em cuja frente se erguia uma
majestosa árvore, parece-me que amazônica, senão na origem pelo
menos no tamanho gigantesco, ao lado de um morro, em cujo cimo se
enxergava um abrigo para os bodes. Conversávamos muito, algumas
vezes, quando o Dr. Benedito desfiava os seus “causos” pitorescos
e engraçados, ou quando debulhava o rosário de suas lembranças,
algumas remontando a sua infância. Numa de suas peraltices, foi,
literalmente, capar um felino, com uma linha, mas terminou
estripando-o, quando suas vísceras foram se desenrolando como um
novelo de meada. Uma vez, por um ato falho, chamei o Dr. Benedito de
Expedito. Ele me corrigiu, em sua maneira lhana. Respondi-lhe que ele
era esperto e ligeiro, e que, por conseguinte, era também Expedito,
já que o santo desse nome era exatamente o defensor das causas
urgentes. Certa feita, eu e o Dr. Afonso Aroldo fomos convidados por
ele para um passeio em sua chalana, pelas barbas aquosas do “velho
monge”, com destino a uma de suas propriedades, onde iríamos
degustar um bode. Quando chegamos ao ponto de embarque o Dr. Benedito
já nos esperava, em companhia do piloto e do “berrante” que
iríamos almoçar. Esse caprino desmoralizou o ditado que afirma bode
embarcado berrar muito. O bode comportou-se como um lorde. Não
esperneou, não berrou e morreu contrito e silencioso como um mártir.
Nunca vi caprino mais educado e estoico.
Sem
dúvida, atuei, em Ribeiro Gonçalves, em muitas causas importantes e
de alta complexidade, como provam várias de minhas sentenças.
Entretanto, gostaria de comentar três casos humildes e simples, mas
pitorescos e quase anedóticos, revestidos de uma certa dose de
humor. Num deles, uma família questionava uma casa. A mãe e as
filhas contra o pai. Como ambas as partes fossem paupérrimas e nada
mais possuíssem, decidi-me por fazer uma justiça um tanto
salomônica, e determinei que o oficial de justiça Barbosa, que na
verdade era um “faz-tudo”, inclusive sendo uma espécie de
arquiteto prático, promovesse a divisão da casa, da maneira mais
funcional e menos danosa, traçando a linha divisória, em que uma
das partes ocuparia um lado e a outra parte ficasse, obviamente, do
outro lado. A decisão deu certo, pois nunca mais fui procurado por
nenhuma pessoa dessa família. Em outra causa, foram discutidas umas
bananas. Ora, banana sempre foi tida e havida como algo sem valor,
tanto que se fala pejorativamente em preço de banana, em república
de banana, em sujeito banana. Nesse episódio, uma mulher destruiu
uma pequena plantação de bananeiras, na margem de um rio, alegando
ali ser o porto de sua canoa. A vítima ingressou com uma ação
indenizatória. Em minha decisão mandei que o serventuário, com a
ajuda de um técnico agrícola, fizesse o cálculo de quantas bananas
a plantação produziria, e o preço, pelo valor corrente no mercado,
total dessas frutas, cuja importância seria acrescida de 20%, a
título de multa “pedagógica”.
O
advogado do requerente ingressou com embargos declaratórios,
alegando que eu omitira vários serviços e despesas feitas pelo seu
constituinte. Respondi – declarando a sentença – que se o
objetivo do requerente era a produção das bananas e se mediante
cálculo eu mandei que estas fossem indenizadas, ainda com o
acréscimo da multa, não necessitaria falar em despesas, já que a
finalidade dessas era a referida produção. O decisum alcançou o
seu desiderato, vez que não houve recurso. O último caso curioso
que desejo mostrar é o seguinte: um rapaz fez sua casa perto da
residência de uma sua parenta, em terreno desta, sem cerca
divisória. Depois de algum tempo, a parenta se agastou com a
vizinhança, já não me recordo por qual motivo. Essa senhora se
mostrava irredutível e intransigente no desejo de afastar o parente.
Apareceu-me o Pedro Trolete, me afirmando que já contribuíra para
evitar pendengas judiciais, apaziguando os desafetos, e que se
comparecesse à audiência de conciliação resolveria o problema,
com uma proposta que faria, apesar de não ser parte. Não obstante a
oposição ministerial, permiti sua participação, pois o que me
interessava era a solução do conflito, e não o apego a um
formalismo a meu ver desnecessário naquele caso e circunstância. O
Pedro propôs ajudar o rapaz a construir outra casa, em um mês, em
terreno seu. Essa proposta foi aceita pelas partes. Pedro, que não
era pedra, mas diamante sem jaça, cumpriu a promessa e o conflito
foi solucionado, que é o que interessa à Justiça.
Durante
minha estada nesta Comarca, foram representantes do Ministério
Público os doutores: Maciel, conhecido como o promotor cantor, pois
além de cantor é ainda hábil compositor, já tendo lançado mais
de um cd com as suas belas melodias; muito preocupado com questão de
saúde, tendo muita cautela com alimento e mudança de temperatura,
principalmente por força de ar condicionado, dele dizia, brincando,
o doutor Almir, meu antecessor, que ele deveria viver numa “bolha”;
sei que vivia no mundo da realidade dos autos e no mundo encantado da
música. Afonso Aroldo, um tanto tímido, de natureza humilde, mas um
gigante para o trabalho, pois, acumulando mais de uma comarca, muitas
vezes o vi varar as madrugadas, debruçado sobre os autos e a digitar
os teclados do computador, quase se extenuando no cumprimento do
dever. Araína
Cesárea, muito preparada, inteligente e de largo conhecimento
teórico, igualmente ciosa de seus deveres e prerrogativas
funcionais. Com todos eles tive saudável convivência, sem nenhum
tipo de animosidade ou exacerbamento de ego ou vaidade, que pudesse
prejudicar a harmonia e interdependência que deve haver entre a
magistratura e as atribuições ministeriais.
Tive,
recentemente, a elevada honra de haver sido comunicado oficialmente,
pelo ilustre amigo Adovaldo Medeiros, de ter sido eleito, por
unanimidade, para membro honorário da Fundação Leôncio Medeiros,
cujas finalidades são educativas, culturais e de promoção social.
Essa honraria não alimentará a minha vaidade, mas será um forte
estímulo para que eu procure fazer mais e melhor nas minhas áreas
de atuação, sobretudo a literária, a que venho me dedicando por
quase toda a minha vida, porquanto ela desabrochou em mim quando eu
tinha dez anos de idade e até hoje me acompanha de forma
incontrastável e determinada.
Pretendia
somente deixar Ribeiro Gonçalves por motivo de promoção para uma
outra entrância. Acometido de um CA, tive que fazer uma cirurgia
(colectomia parcial) e tratamento de quimioterapia; por esse motivo,
pleiteei uma remoção por merecimento para uma cidade mais próxima
de Teresina, e a consegui, por unanimidade. As ciladas da vida e os
desígnios de Deus são inelutáveis, e a eles nos devemos submeter
sem relutância, aperfeiçoando nosso espírito com a resignação
nobre, diferente do conformismo mesquinho dos que não sabem ou não
querem lutar.
Carlos
Drummond de Andrade disse que a sua Itabira era apenas uma fotografia
pregada na parede, mas como doía. Manuel Bandeira afirmou que iam
derrubar sua casa, mas que seu quarto ia ficar de pé, suspenso no
ar. Alguém, de forma igualmente feliz, disse que trazia seu torrão
natal tatuado na alma. O escritor piauiense Luiz Mendes Ribeiro
Gonçalves, naturalmente da mesma família do epônimo desta cidade,
dizia que, não podendo permanecer na sua Amarante, a trazia numa
fotografia fixada na sala de sua casa.
Inspirando-me em todos eles, direi que trago a aprazível
e bucólica Ribeiro Gonçalves no escrínio de minha memória, nos
escaninhos das circunvoluções de meu cérebro, no relicário de
minha alma e nas gavetas ventriculares de meu saudoso coração.
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Miguel Carvalho e Elmar, na travessia de pontão entre Uruçuí e Benedito Leite |
(*)
Palestra proferida no dia 14.11.04, em Ribeiro Gonçalves, por
ocasião da solenidade de instalação da Fundação Leôncio
Medeiros, oportunidade em que tomei posse do cargo de membro
honorário dessa entidade educativa, cultural e de promoção social.