segunda-feira, 29 de abril de 2019

Procissão do Fogaréu em Campo Maior

Foto meramente ilustrativa. Fonte: Google/Mais Oeiras
Foto meramente ilustrativa. Fonte: Google/flor de passo



Procissão do Fogaréu em Campo Maior

Elmar Carvalho


Em recente conversa com o professor e multi-instrumentista José Francisco Marques, lhe informei que pedi ao médico Domingos José de Carvalho, meu parente e amigo, para que apresentasse ao bispo da Diocese de Campo Maior uma minha sugestão, qual seja, instituir a Procissão do Fogaréu.

A velha cidade, depois de Oeiras, creio, é a mais antiga freguesia ou curato do Piauí, que teve seus primórdios na antiga igreja de Santo Antônio do Surubim, construída pelo último mestre de campo das Conquistas do Piauí e do Maranhão, a pedido de seu parente e amigo padre Tomé de Carvalho, primeiro vigário de Oeiras, e que bem pode ser considerado o fundador ou, pelo menos, um dos fundadores daquela velha urbe, primeira capital de nosso estado.


Quando eu tinha finalizado a versão que eu considerava definitiva deste texto, encontrei na sala a revista Cidade Verde, edição 213, de 21/04/2019, que traz uma matéria do Fonseca Neto, na qual consta um documento recentemente vindo a público. Trata-se da Resolução expedida da Mesa da Consciência e Ordens, datada de 20 de maio de 1740, assinada pelo bispo Dom Manuel da Cruz, que criava as freguesias da Caatinguinha (Valença do Piauí) e a do Gurgueia (Jerumenha) e elevava à categoria de freguesia os curatos de Piracuruca, do Surubim (Campo Maior), Parnaguá e Poti (depois, Marvão, e hoje Castelo do Piauí). Por via de consequência o curato de Campo Maior, cuja primeira igreja data de 1712, só passou a freguesia em 20/05/1740.

Julgo importante dizer que a Festa do Divino é realizada em Amarante (PI) há mais de 110 anos, mas depois, de certa forma, caiu no esquecimento. Faz cerca de uma década, suponho, foi reativada com toda pompa e circunstância, como se costuma dizer para realçar um fato, por Marcelino Leal Barroso de Carvalho, que foi meu professor no curso de Direito (UFPI). Portanto, uma tradição pode ser retomada ou criada.

Marcelino, que foi diretor geral do Instituto Camillo Filho e auditor-fiscal do Estado do Piauí, a suas expensas comprou um vetusto casarão na Avenida Des. Amaral, e nele instalou o Museu do Divino. Os fiéis carregam um lindo estandarte e envergam uma bela veste talar, uma espécie de opa ou túnica.

Também promove eventos culturais na época da festa, uma espécie de serenata pelas ruas da bucólica e mimosa Amarante, inclusive com a participação do instrumentista professor Melquíades, seu irmão. Eu mesmo, mais de década atrás, tive meu livro Lira dos Cinquentanos lançado por ele, em um solar da Des. Amaral, pertencente a familiares dos irmãos Álvaro e Raimundo Luiz Cutrim Costa. Posteriormente, ele me prefaciou o livro Amar Amarante, que tem uma bela capa de sua filha Ana Cândida Nunes Carvalho. Este opúsculo foi lançado no dia 6 de dezembro de 2013, na solenidade em que recebi o título de Cidadão Amarantino. Seu exemplo teve seguidor, porquanto, em Oeiras, novamente Oeiras, viva Oeiras, Olavo Braz Barbosa Nunes Filho fundou o Museu do Divino, no qual, além das várias peças sacras, há placas com vários poemas de oeirenses ou que falam na velhacap, inclusive o meu Noturno de Oeiras.

Voltando à minha sugestão da criação do Fogaréu, quero dizer que essa procissão é mais do que centenária em várias cidades mineiras e em Oeiras, que tem uma das mais belas Semanas Santas do Brasil, já que a sua procissão de Bom Jesus dos Passos é comovente, sobretudo por causa da multidão que aglutina e do canto melancólico e doloroso de Maria Beú, que nos rasga a alma e nos parte o coração, mormente no momento da lancinante passagem, que parece nos ecoar como um estribilho de miserere, que dilacera e fere:

“Caminheiros, que passais por este caminho, parai um pouquinho, e olhai, por favor, se neste mundo existe uma dor assim tão grande, como a dor de minha dor”.

Contudo, enfatizo que toda tradição começa com a sua primeira vez, com o seu primeiro passo. E a nossa episcopal Campo Maior mostra seu fervor católico no Festejo de Santo Antônio do Surubim, que, no gênero, é a maior festa religiosa do Piauí, pelo menos sob a invocação desse santo, que além das trezenas, tem ainda a solenidade de condução e levantamento do mastro, com o seu folclore e crendice.

Ainda me recordo da procissão de Bom Jesus dos Passos. Quando Nossa Senhora se encontrava com Jesus a carregar o pesado lenho, monsenhor Mateus nos comovia com um vibrante sermão, que falava nas dores de Cristo e no acerbo sofrimento de Maria. Essa cerimônia religiosa me fez escrever estes versos, que fazem parte de meu poema Vida in Vitro, apresentado pelo poeta e ator José Teixeira Pacheco como um monólogo, em mais de uma ocasião:

sentes ainda o cheiro dolorido e pisado dos alecrins
da paixão do senhor morto, do horto das agonias,
das chagas vermelhas, maceradas, da túnica
roxa, brilhante, da coroa de espinhos, dos cravos,
não os de cheiro, mas os de ferro, que ferem...
eras infante, então, e como sofreste
e como fizeste sofrer tua mãe, madona,
mater dolorosa e pietá sofrida e consoladora
de teus sofrimentos de então e de sempre.

Na minha sugestão, além de estandarte, de vestes talares, como opas ou túnicas, a que não poderia faltar a imprescindível lamparina ou tocha, poderiam ser incorporados ou não máscaras e elmos, se for o caso. As vestes e as lamparinas poderiam ser vendidas por uma loja do bispado, tanto para financiar as despesas do evento, como as obras sociais diocesanas, ou cada participante faria a sua própria roupa e tocha, conforme modelo padrão elaborado pela Diocese. E, sem dúvida, ainda haveria o benefício econômico do turismo.

Sei que Dom Francisco, simpático e dinâmico, que por sinal me foi apresentado pelo Dr. Domingos José, haverá de apreciar a nossa sugestão com cuidado e zelo, sem dúvida levando em conta a tradição e a antiguidade da Igreja Católica Apostólica Romana em Campo Maior, onde fica sua cátedra pontifical.  

domingo, 28 de abril de 2019

EL PACIFICADOR

Charge de Gervásio Castro


EL PACIFICADOR (*)

Elmar Carvalho

Não tanto herói das Conquistas
                muito menos El Matador
                muito mais El Pacificador.
Bernardo de Carvalho e Aguiar
seu nome honrado
ainda vibra no ar,
nas cidades, nos currais
e nas igrejas que semeou.
Os dedos longos dos campanários ainda
apontam as etéreas campinas celestiais.
Da fazenda Bitorocara,
plantada nas margens do Surubim,
rebentou a cidade encantada
dos planos campos maiores,
dos carnaubais vastamente dilatados.
Valoroso na guerra,
amante e pacífico na paz,
seu braço guerreiro
curava e amparava
no final dos combates.
Por isto
sua bondade e justiça
os índios por justiça respeitavam.

(*) Bernardo de Carvalho e Aguiar, o último mestre de campo das Conquistas do Piauí e do Maranhão, fundou a Fazenda Bitorocara na região onde hoje se estende a cidade de Campo Maior (PI) e construiu a primeira igreja de Santo Antônio do Surubim, a pedido do padre Tomé de Carvalho, seu parente e amigo. A fazenda e a igreja são consideradas a origem mais remota da velha urbe. Sobre ele, leiam-se os livros Bernardo de Carvalho, do Pe. Cláudio Melo, e Bernardo de Carvalho, o Fundador de Bitorocara (2ª edição, UFPI/ACALE, 2012), de nossa autoria, bem como o artigo da autoria de Reginaldo Miranda https://poetaelmar.blogspot.com/2018/01/arraial-velho.html

sábado, 27 de abril de 2019

Cunha e Silva Filho e Enéas Athanázio




Cunha e Silva Filho e Enéas Athanázio

Elmar Carvalho

No sábado, 30 de março, recebi, na secretaria da Academia Piauiense de Letras, o livro “Paisagem, vida e linguagem em Enéas Athanázio: Uma leitura de ‘O campo no coração’”, que me fora enviado por seu autor, meu amigo Cunha e Silva Filho. Um pouco depois, na condição de 1º secretário da entidade, o apresentei em nossa Assembleia Ordinária, juntamente com outras correspondências, conforme consta na ata do dia acima referido.

O livro analisa em profundida e com argúcia todos os aspectos relevantes da obra citada em seu título – O campo no coração . Assim, lhe devassa o conteúdo, discorrendo sobre a linguagem dos contos e crônicas que ele enfeixa, com riqueza de detalhes, esmiuçando-lhe as qualidades e recursos estilísticos.

Cunha é um velho amigo meu, posto que o conheci em 1990, como ele próprio o declara no prefácio a meu livro Rosa dos Ventos Gerais (3ª edição, Coleção Centenário, APL, 2016), na linda e bucólica Amarante, terra natal sua e de seu pai. Participamos de um evento cultural que lá estava sendo realizado. Se não estou enganado, traído pela memória e pelos longes do tempo, ele fora visitar a sepultura de seu pai, falecido nesse ano, como verifico agora, compulsando o Livro do Centenário da Academia Piauiense de Letras, posto que o velho professor Cunha e Silva ocupara a sua cadeira nº 8.
Francisco da Cunha e Silva Filho é o seu nome completo. Exerceu o magistério superior e de segundo grau até bem pouco tempo. Leitor voraz e erudito. Voltou-se sobretudo para a crítica e para a teoria literária. No exercício da crítica, embora observando as lições da melhor crítica impressionista, no nível da praticada por um Álvaro Lins, cultivou a nova crítica, a que analisa, sobretudo, os aspectos intrínsecos da obra.

Escreveu “Da Costa e Silva: uma leitura da saudade” (Edufpi/APL, 1996), um dos melhores livros sobre a poesia de Da Costa e Silva, poeta de sua admiração, um dos melhores do Brasil, seu conterrâneo amarantino. Mas também escreveu sobre vários poetas e escritores do Piauí. Esses textos foram publicados de forma avulsa na imprensa piauiense. Boa parte deles foram coligidos na obra “As ideias no tempo” (APL/Senado Federal, 2010). Tendo prestado um inestimável serviço à literatura, tanto na cátedra como na qualidade de escritor, publicou “Apenas memórias (Rio de Janeiro: Quártica, 2016), em cujas páginas perpassam a sua vivência, experiência de vida e de magistério, as suas dificuldades e conquistas, a sua dedicação profissional e literária, e a nostalgia do Piauí.

Tive a desvanecedora honra de ter recebido amáveis comentários de sua esmerada crítica, tanto pela linguagem escorreita e elegante, como pelo apurado conteúdo de quem realmente entende do que fala. Meus livros Rosa dos Ventos Gerais (poesia), Confissões de um juiz (memórias) e Histórias de Évora (romance) lhe mereceram aprofundados estudos, diria mesmo verdadeiras críticas ensaísticas, se é que posso usar essa denominação, para dar uma exatidão ao que quero dizer.

Além de seus dotes naturais, aperfeiçoados no esforço pessoal de muitas leituras, ele quis a instrução formal de altos estudos, e por isso fez mestrado, doutorado e pós-doutorado, todos no campo da literatura.

Todo esse esforço, com certeza, foi canalizado para o magistério e para a crítica e teoria literária, uma vez que ele continua a escrever importantes textos nessa seara, que se encontram publicados na internet, tanto em seu blog (http://asideiasnotempo.blogspot.com/), como no Portal Entretextos(http://www.portalentretextos.com.br/), como em meu blog (http://poetaelmar.blogspot.com/).

Quanto ao escritor Enéas Athanázio, é um amigo do Piauí e de sua literatura e escritores. Tanto que já lhe foi outorgado o merecido título de Cidadão Piauiense, pela Assembleia Legislativa, ocasião em que esteve em nosso estado. Muitos escritores e poetas piauienses mereceram trabalhos de sua autoria, inclusive eu próprio. Homem cordial, no melhor sentido que se possa dar a essa palavra, um dia, em que eu estava um tanto apreensivo, por estar mourejando em longínqua Comarca, no início de minha carreira, ele, que foi membro do Ministério Público de Santa Catarina, disse-me, incutindo-me coragem e consolo, para que eu não me angustiasse, que dias viriam em que eu sentiria saudade dessa situação e dessas plagas remotas.

E isso de fato aconteceu. Hoje sinto certa nostalgia, como se sentisse saudade da própria saudade que eu sentia então.

Com estas acanhadas palavras, louvo o livro, louvo o autor (Enéas Athanázio) e a obra a que ele se refere, e exalto o amigo e notável escritor Cunha e Silva Filho.   

sexta-feira, 26 de abril de 2019

TERESINA NÃO NEBLINA MAIS



TERESINA NÃO NEBLINA MAIS

José Maria Vasconcelos
Cronista, josemaria001@hotmail.com


         Dois jornalistas da TV Clube, extasiados, exibiam e comentavam imagens da neblina que cobria Teresina, logo ao amanhecer: “Maravilha, altos prédios mergulhados na densa massa úmida... prenúncio de chuva!”

         Explica-se tamanha emoção, em se tratando de dois jovens profissionais da comunicação. Raro fenômeno quase não ocorre mais em Teresina, comum décadas atrás.

         Neste final de inverno, o Nordeste experimenta clima e paisagem primaveris. Vão-se as chuvas, deixando o verde e flores em abundância. Temperatura agradável, mistura-se o calor do dia às camadas frias e úmidas da noite. Raramente chove, mas, na aurora, imenso manto de neblina cobre as matas e campos por curto tempo. Quem não entende o belo fenômeno conclui que vem chuva por aí. E não é. Ao contrário, um recado de que se aproxima tempo quente, ensolarado, para desgosto de agricultores.

         Na minha infância, Teresina enchia-se de neblina. Eu estudava o antigo Primário no Colégio Domingos Jorge Velho. Manhãzinha, saía a pé, da Piçarra, chegava à escola com os cabelos úmidos e mãozinhas geladas, magricela, tremendo. Dona Teresinha, minha professora, passava as mãos sobre os seus cabelos: “Olha, gente, a neblina quase me deixa molhada, quando atravesso a avenida Frei Serafim, a pé!”

         Noites de fogueira junina. Acordava-me cedo, aquecia-me em redor das brasas que restaram. Na minha modesta casa, na rua Odilon Araújo, Piçarra, dormíamos sem ventilador, e fazia frio. Seis irmãos, o afeto caloroso de Martinho  Dedé.

         Teresina, exuberante Cidade Verde! Monte Castelo, e Catarina (hoje, Conjunto Emílio Falcão, Cristo Rei e adjacências) vestiam-se de floresta densa, dominada por macacos barulhentos. A garotada fartava-se de frutas silvestres e captura de pássaros. A floresta dominava o cinturão da cidade. São João, antigo Macacal, devido à gritaria dos símios. Que tal voltar a Macacal, em vez de São João?

         Na região leste, as florestas emanavam temperatura a menos de 18 graus, à noite. Sítios de abastados abundavam na região, devido ao clima. Do Aeroporto ao Encontro do Poti com o Parnaíba, quase tudo era verde e ocupado por humildes residências. Explica-se Teresina tão molhadinha de neblina ao amanhecer, como criança envolta em cueiros.

         Hoje, tadinha da minha Cidade Verde, nem tão verde, nem tão criança, porém morna que só adolescente acesa de paixões. Raro frescor, só descendo a Ladeira do Uruguai, seguindo a BR-343 coberta de neblina. Conjuntos habitacionais, porém, já começam a avançar rumo a Altos, arrastando o santuário verde.

         Teresina trocou os encantos da neblina pelo infernal calor do asfalto, lâmpadas encandecentes, concretos armados, combustão de veículos, fogões a gás, queimadas irresponsáveis, enfim, inferno da modernidade. Juntando tudo, uma gigantesca fogueira subiria aos céus da capital. Há três décadas, as escolas de Teresina não dispunham de ar refrigerado, nem as mais ricas, só nos cursinhos, raros hospitais e prédios da administração pública. Talvez, em breve, tenhamos a Teresina que se despiu da neblina, para mergulhar no caldeirão de B-R-O-BRÓ. Ano inteiro.     

quinta-feira, 25 de abril de 2019

Raio de Sol e Entrelivros - Convite


Na madrugada de um certo inverno

Fonte: Google


Na madrugada de um certo inverno

Chico Acoram Araújo
Historiador e cronista

Na madrugada de um certo inverno. A noite por um fio.
Acordei. A essas horas, ainda no turvo?
O galo mudo, pássaros bem quietinhos, sequer um pio!
Os galhos das árvores balouçando lá fora -  obscuro.

Escuto um agradável ruído naquela quase manhã.
Será chuva? Será o vento nas folhas das palmeiras?
Ou será a suave brisa vinda do Marataoan?
Fui olhar. Chovia de mansinho. Alvissareiras!

Frias gotas d´água caíram no meu rosto, a abolhar.
Na noite anterior, minha mãe falou: vai chover!
Quantas saudades, meu Deus, da janela a chuva contemplar!

Um rio de lembranças inunda o meu ser,
Ouvir o cair da chuva no teto da casa de palha,
Nos dias de aguaceiros em um belo amanhecer.    

Fonte: Blog Folhas Avulsas

domingo, 21 de abril de 2019

CROMOS DE CAMPO MAIOR

Todas as fotos desta postagem foram captada do Google 


CROMOS DE CAMPO MAIOR

Elmar Carvalho



           I

Açude Grande
apenas no nome, mas pequeno
na paisagem ampla dos descampados.
Tuas águas cinzentas
azularam-se em minha saudade.
Tuas águas barrentas
são tingidas de azul pelo
azul do céu que se espelha
em tuas águas de chumbo.
Em ti os pobres lavam
coisas e se lavam,
apesar das placas, dos guardas
e da postura municipal.



           II

Serra Grande
de Campo Maior.
De longe parece
uma dobra do céu.
Nela eu menino fui
buscar uma pedra azul.
Ledo engano, triste decepção:
minha serra era da cor da terra.
Dizem que nela vagam os
fantasmas de uns padres que em
suas entranhas enterraram ouro.
É por isso que nas noites negras em
suas encostas acendem-se fogueiras:
é meu povo pobre procurando
o (tes)ouro vigiado pelos
fantasmas dos padres.



           III

A catedral de
Santo Antônio do Surubim
é bonita e imponente.
Sua torre faz
cócegas nas nuvens:
dir-se-ia uma espada de
Santo Antônio a brincar
com as nuvens e com as estrelas
ou uma escada em demanda do céu.



           IV

O rio Surubim cheio de
outros peixes e de surubim
não se parece nem com
peixe nem com cobra prateados:
no inverno é uma corrente de água viva.
É nele que as lavadeiras ganham a vida,
que os afoitos perdem a vida,
que os meninos pobres brincam de ser
apenas meninos – nem ricos, nem pobres.
Rio Surubim
onde os pe(s)cadores pe(s)cam
peixes e sereias de coxas grossas
            e sem escamas
na doçura de suas margens
na maciez de suas moitas mornas.



           V

O Monumento aos Heróis da Batalha do Jenipapo
recorte de concreto contra a seda azul do céu
em pleno e plano tabuleiro dos grandes campos
                                                           de Campo Maior
não obstante bonito é apenas um símbolo da
coragem dos filhos da Terra dos Carnaubais
            e de outras terras
porque ela já fora indelevelmente
(de)marcada a ferro e fogo
em nossa memória e na
p’alma de leque das carnaubeiras e na
p’alma de nossa mão e de nossa alma.



           VI

Festejo de
Santo Antônio do Surubim:
sob as estrelas do céu
sob as estrelas de lágrimas da pirotécnica
foguetes estilhaçam ruídos e silêncios
enquanto a bandinha do Antônio Músico
ataca com o (dobrado) Capitão Caçula
a fil(h)armônica do Antônio Músico
toca a valsa Coração Magoado
da autoria de seu pai
– Major Honório Bona Neto.
A bandinha do Antônio Músico
deflagra lentas valsas
                lânguidos boleros
                lépidas marchas
sob a batuta batuta
do seu filho Antônio Francisco
– maestro excepcional –
em sua cadei(a)ra de rodas.



           VII

Na casa grande da fazenda
o brasão é uma grande
caveira de boi erado
de chifres enormes
às vezes descrevendo
curvas
como obra de arte.
O vaqueiro e o cavalo
se fundem e se confundem na desabalada
                                                                  alada
carreira quase vôo
campeando gado pelos campos
                                    de Campo Maior.
A perneira e o gibão
dependurados na parede
como se vestissem invisível corpo
são a lembrança palpável do vaqueiro
morto na desobriga.
O vaqueiro em seu terno de couro
– segunda pele áspera de seu corpo –
solta seu canto de guerra
e paz: o aboio – eeeeei! boooooi!
O eco é o aboio de
outro vaqueiro: – eeeei! boooooi!   

sábado, 20 de abril de 2019

SHORT STORIES

Fonte: Google

Antônio Gallas Pimentel
Jornalista e escritor

Anos 1960. Semana Santa em Tutóia cidade do litoral maranhense.  Nessa época os chamados dias grandes eram guardados com todo respeito. Era pecado tomar-se banho na Sexta-Feira da Paixão,  ou receber dinheiro pela comercialização de algum produto.

            Diziam que o Expedito Gonçalves, um cabo da Marinha que serviu na Capitania dos Portos em Tutóia, ficara com o corpo cheio de cabelos porque tinha tomado banho numa Sexta-Feira  Santa. Na nossa infãncia conhecemos o  Mola Deu, um mendigo que tinha dificuldade em pronunciar a expressão uma esmola pelo amor de Deus. Também comentavam  que a causa disso é  porque cometera  uma atrocidade durante a Semana Santa.  Tudo mito!

Mas mito ou verdade, tinha-se grande respeito pelos dias santificados. Música? Som alto? Nem pensar. As rádios transmitiam apenas músicas clássicas ou religiosas.  E somente  orquestradas.

             A fartura imperava! A troca de bolo, de jejuns, muitas vezes chamadas de esmolas,  entre pessoas amigas,  era uma tradição.

Dona Zila Galas minha mãe adotiva fazia bolos como ninguém. Seus bolos eram bastante apreciados e por misso, nessa época muita gente levava jejuns para nossa casa  com objetivo de receberem os saborosos bolos que ela fazia. Deu que, certa vez, durante esse período de Semana Santa,  bateram palmas no portão e eu fui atender.  Eu deveria ter entre nove e dez anos de idade. Encontro duas crianças mais velhas que eu, segurando uma bandeja de alumínho contendo cinco espigas de milho (descascadas) e um mói (*) de feijão verde. Ao me verem  disseram: - viemos aqui deixar essa esmola que a mamãe mandou. Eu prontamente respondi: - aqui ningém precisa de esmola não, nós somos ricos!  Quanta ingenuidade! Quanta inocência na cabeça de uma criança!

               As crianças, meio encabuladas  já iam dando meia-volta quando dona Zila apareceu e contornou a situação. Mas de uma coisa eu tinha certeza: podia preparar as costas para as chibatadas no Sábado. Teria que aprender a ter humilde diante das pessoas.

              Mas a expectativa de toda a criançada e também de muitos adultos era  o Domingo da Ressurreição  com a malhação e queima do Judas.

               O Judas era confeccionado na sexta-feira ou no sábado,  e escondido em algum lugar para que não fosse roubado,  e até porque,  tinha o desafio da procura no dia seguinte com mérito para quem o encontrasse.

Nesse dia os irmãos Reubem e Tufy filhos do Nagib, com a ajuda do primo  Maurício ( o conhecido braço de radiola) filho do Fuad, confeccionaram o Judas e resolveram esconde-lo na alcova  do casal Marta e Felipe Zeidan que o povo chamava de carcamanos.

                A família Zeidan veio da Siria, um dos dezenove países que hoje formam o Mundo Árabe. 

               Trabalhadores, prosperaram em Tutóia,  construíram uma grande prole e pelos seus méritos,  fazem parte da história daquele município.  Eram conhecidos como os carcamanos . Todavia, é errado se dizer que os árabes,  quer sejam   sírios,  libaneses, ou de outro país desse bloco são  carcamanos,  tendo em vista que esta expressão é de origem italiana, pois foram  os italianos os primeiros imigrantes a chegar em São Paulo.

                  Mas voltando ao Judas escondido na casa  do casal Marta e Felipe Zeidan, vazou a informação e alguém da minha turma, não lembro quem, foi roubar o tal Judas. Sorrateiramente entrou no quarto, apoderou-se do dito cujo colocando-o sobre o ombro e rumou para dar o fora da casa. Na saída, por causa do escuro do quarto (energia elétrica só até as 22 horas e quando tinha!) e da pressa, o pseudo ladrão  tropeçou num  pinico esmaltado provocando um barulho infernal. Apressado em  deixar o quarto, e talvez  pelo mais  puro azar,  esbarrou na rede de dona Marta acordando a distinta senhora.  Foi quando se  ouviu  num português arrastado e bem alto a seguinte frase  :  - Acoorrrda Feliiipa q'uistão  nos rrruuubaaanndo!

Aí não teve jeito: jogou o Judas no chão e pernas pra que te quero!

(*) Mói é uma contração utilizada no nordeste  para "molho", significando uma certa quantidade.


Fonte: Blog do Professor Gallas

quinta-feira, 18 de abril de 2019

Félix Pacheco e Baudelaire

Félix Pacheco, à direita, e, ao centro, o presidente Artur Bernardes


Félix Pacheco e Baudelaire

Cunha e Silva Filho

Foi no sebo da Livraria São José, hoje, localizado na velha rua Primeiro de Março, Centro do Rio de Janeiro, que, numa das prateleiras, por acaso me deparei com um pequeno e envelhecido volume, o qual logo me chamou a atenção: "Baudelaire e os milagres do poder da imaginação", de Félix Pacheco impresso no Rio de Janeiro em 1933 “... nas oficinas Tipográficas do Jornal do Comércio, com tiragem limitada a trezentos e cinquenta exemplares, dos quais cento e cinquenta em papel Congresso Bond.”(atualizei a grafia)

A publicação contém no mesmo volume um discurso proferido por Félix Pacheco (1879-1935) em 24 de novembro de 1932 numa sessão da Academia Brasileira de Letras. O discurso é seguido de comentários de Aloísio de Castro (1887-1959) e de Afrânio Peixoto (1876-1947).

Félix Pacheco, infelizmente, para muitos cariocas é sinônimo do serviço de documentação e identidade, órgão que lhe leva o nome por ter ele introduzido no país o serviço de datiloscopia. Porém, mal sabem os cariocas que esse homem foi um respeitado escritor brasileiro, um poeta simbolista que, ao lado de Saturnino de Meireles, C. D. Fernandes, Carlos Menezes, Tavares Bastos e Gonçalo Jácome,Tibúrcio de Freitas, Rocha Pombo (também historiador) e Pereira da Silva, fundaram a revista Rosa Cruz, com circulação de 1901 a 1904 no Rio de Janeiro. Foram poetas - todos eles hoje esquecidos como tantos outros pelo país afora - simbolistas que, no geral, repetiram a receita, segundo Alfredo Bosi (História concisa da literatura Brasileira, 38ª ed. São Paulo: Cultrix, 2001), do Cruz e Sousa do início da carreira, além de, conforme nos lembra ainda Bosi, poder-se perceber neles “...uma exasperação da maneira baudelaireana” (ibidem).

Entretanto, Félix Pacheco distinguiu-se pelo conhecimento profundo, conforme informam seus contemporâneos, que tinha da obra de Charles Baudelaire (1821-1867), desse poeta de tremenda importância para a poesia do Ocidente.

Podemos dizer que foi com ele que em parte a poesia universal, não abdicando do substrato das formas clássicas, nelas injetou assuntos dessacralizados de uma dicção com sopro de modernidade e com reflexos até hoje. Excêntrico vate que, segundo nos relata Brant Horta num antigo compêndio de análise literária, andava sempre com um cágado amarrado a uma fitinha, tipo considerado boêmio, bebedor de ópio, trajando roupas chamativas, com cabelo tingido de verde.

Estranho poeta esse das Flores do Mal. Tanto é assim a admiração que por ele tinha Félix Pacheco que dele se tornou um tradutor competente e admirado. É dessa admiração pelo poeta francês maldito - expressão cunhada por Mallarmé (1842-1898) - que tratou no mencionado discurso, uma bela alocução que traz à baila um dos aspectos da arte literária considerada por Baudelaire um componente fundamental da criação artística: a imaginação.

Não sem razão o pronunciamento de Félix Pacheco abre com uma epígrafe de Baudelaire, no original francês, alusiva à força e ao valor da imaginação, Baudelaire observa que, no homem a quem a imaginação é indiferente, não é possível haver obras duradouras e fecundas.

Duas questões no discurso de Félix Pacheco se prestam à discussão: o trabalho do tradutor e a imaginação. É importante ressaltar que o discurso de Pacheco, recheado de alusões eruditas e comunicado em linguagem castiça, dialoga, no tocante àquelas questões, com os dois mencionados escritores brasileiros num clima de cortesia, elegância e respeito ao pensamento de cada um. Em vez das divergências de natureza pessoal, sobrelevam os pontos de vista convergentes, o lado construtivo do debate.

Em todos há que destacar o valor atribuído ao papel do tradutor e ao poder da imaginação como elemento decisivo não só em assuntos de estética, mas também no sentido de conquistas sociais. Ao falar do tradutor, Félix Pacheco traz para o debate uma afirmativa de Anatole France ((1844-1924), para quem a tradução era uma atividade “infame,” ou era sempre uma cópia infiel do original, ao contrário do que pensavam Medeiros e Albuquerque (1867-1934), citado também no discurso, bem como Aloysio de Castro e Afrânio Peixoto, os quais entendem que a atividade de tradução associa-se ao da interpretação e até mesmo à originalidade.

A imaginação - acentua Félix Pacheco -, para nós, brasileiros, pode até nos faltar no campo da “organização política e administrativa”, mas não no domínio da literatura, o que é um grande consolo, acrescento de minha parte.

Félix Pacheco conclui sua conferência trazendo a público dois trabalhos de sua atividade de tradutor voltada para a poesia de Baudelaire, tradução que apresenta, na sua forma bilíngüe, naturalmente um convite ao leitor para um exercício de comparação com o original. Trata-se dos poemas “Élevation” e “Correspondences. Esta é, pois, só uma leve amostra de um escritor piauiense que também exerceu relevantes funções, a de Ministro das Relações Exteriores, de deputado federal, de senador e principalmente a atividade de jornalista. Deixou obra considerável” sobretudo no campo da poesia.

Fonte: Portal Entretextos

terça-feira, 16 de abril de 2019

Baurélio Mangabeira



Baurélio Mangabeira

Reginaldo Miranda (*)

                Benedito Aurélio de Freitas, por alcunha Baurélio Mangabeira, nasceu às dezoito horas do dia 18 de julho de 1884, na fazenda “Pau d’arco”, Município de Piripiri, filho de Aureliano de Freitas e Silva e Izabel de Freitas e Silva. Era seu avô paterno o notável padre Domingos de Freitas e Silva, o principal fundador da cidade de Piripiri e dona Jesuína de Freitas e Silva; e materno Porfírio de Freitas e Silva e dona Joana de Freitas e Silva (Na declaração de seu nascimento, por ele feita, informa que nasceu em 19 de junho de 1890, na cidade de Piripiri).

Órfão de mãe desde o nascimento, vez que a genitora morrera no parto, e de pai desde os cinco anos de idade, foi criado sob os cuidados da tia e madrasta Carolina Rosa da Silva, tendo em vista seu pai depois de viúvo ter convolado novas núpcias com uma cunhada, como a anterior sua sobrinha, com quem teve mais três filhos. Sem pai e sem mãe, transcorreu sua meninice sem muito regramento, desde cedo correndo solto nos arredores de Piripiri, banhando em riachos, subindo em árvores, armando arapucas para apanhar aves e fazendo outras estripulias típicas de menino de fazenda. É quando foi aberta pelo professor Nelson Francisco de Carvalho, uma escola de primeiras letras para alfabetizar as crianças de Piripiri, que até então não existia. O menino Benedito Aurélio foi mandado imediatamente para essa escola, surpreendendo o mestre pelos rasgos de inteligência. Concluída essa etapa, aos 12 anos de idade, foi enviado pelo avô Porfírio de Freitas e Silva para a cidade de Barras, onde concluiu os estudos primários, os únicos cursados em escola regular, prosseguindo como autodidata.

Completada a maioridade, muda-se para a cidade de União, “onde começou a trabalhar em misteres humildes e depois como balconista na farmácia Guerreiro, daquela cidade. Daí passou para a farmácia do Sr. Tersandro Paz, em Floriano e Teresina. Nessa última, que então era o melhor estabelecimento no gênero, neste Estado Baurélio habilitou-se como farmacêutico prático e conseguiu juntar um pecúlio regular, com o qual começou a comprar livros. Em seguida surgiu pela imprensa publicando sonetos líricos amorosos, mas que chamavam atenção (...) pela cadência, ritmo e beleza de imaginação”. Em toda a sua vida, foi essa a fase em que esteve mais equilibrado financeiramente. Por esse tempo se qualificava como farmacêutico licenciado.

Todavia, “à proporção que ia ingressando no Parnaso e que o estro se desenvolvia calorosamente com aspectos panorâmicos de belezas transcendentais, ia o poeta afrouxando a dedicação ao trabalho quotidiano”, entediando-se até abandoná-lo completamente e entregar-se de vez à boêmia, primeiro em Parnaíba e depois em Teresina e outras localidades, consumindo todas as suas economias. Entregou-se ao vício do alcoolismo e tabagismo. Desde então, passou a viver com dificuldades financeiras.

Na poesia iniciou-se seguindo a tendência naturalista defendida por Mauricio Le Blande e Émmile Zola. Somente depois, impressionado com a leitura das poesias satíricas de Bocage, tornou-se humorístico e causticante. Por esse tempo, publica Sonetos Piauienses(1910), panfleto de versos humorísticos e agressivos. Nessa ocasião, lembra Alarico José da Cunha em seu discurso de posse na Academia Piauiense de Letras, principal fonte dessas notas e autor das citações entre aspas, que “um dos atingidos pelas sátiras do poeta, ameaçou-o de um surra em plena rua de Teresina. Tendo conhecimento da desagradável promessa, Baurélio dirigiu-se ao Chefe de Polícia, (...), solicitando que este providenciasse no sentido do seu agressor adiar a surra por uma semana, pelo menos, a fim de poder ele terminar um serviço que havia começado”. Felizmente, a tal promessa não se concretizou e nosso poeta pôde continuar circulando livremente pelas ruas de Teresina.

Sobre esse volumeto de versos de tiragem reduzida, hoje completamente desaparecido, assim registrou o jornalista Elias Martins, redator-chefe do jornal O Apóstolo:



“Do inteligente moço B. Freitas que, em nosso meio é conhecido pelo pseudônimo Baurélio Mangabeira, recebemos um pequeno livro, Sonetos piauhyenses, fineza que agradecemos.

‘Não nos sobra espaço para uma apreciação cabal do trabalho do sr. B. Freitas; mas da ligeira leitura que fizemos, vimos que ali há sonetos escritos com inspiração.

‘São versos puramente piauhyenses, vazados alguns em feio realismo. Não nos soube bem aquele mau gosto do autor em escolher cenas indignas de reprodução, de preferência a outras tão belas que não só estimulariam o estro, como salpicariam de graça e candura as páginas de um livro. Achamos extravagante a predileção do autor que, pode ser, doutra vez, procure inspirar-se em coisas mais limpas” (O Apóstolo, 10.7.1910).  



Esse julgamento severo daquele órgão de imprensa, certamente deve-se ao caráter satírico da publicação.

Alarico José da Cunha, no indicado discurso de posse lembra também a engenhosa e interessante versão do poeta para o seu pseudônimo. Porque sua desditosa mãe houvera feito uma promessa para São Benedito, santo de sua predileção, mas este os abandonara à própria sorte, desprezou o nome do taumaturgo, mas em reverência à veneração da mãe conservou o B inicial e etimológico que, junto com a palavra Aurélio, parte do nome de seu pai e do grande imperador filósofo Marco Aurélio, deu em resultado a palavra vibrátil, elegante e sonora Baurélio. E porque o sobrenome Freitas pouco lhe dizia, substituiu-o por Mangabeira, nome de uma árvore que por aqueles dias era fonte de riqueza no Piauí, produzindo magnífica borracha. Para ele, Baurélio Mangabeira, significava poder, sabedoria e riqueza – os três principais fatores do progresso e da civilização.

Jornalista andarilho, repentista e tribuno ardoroso, andava com um prelo portátil e em qualquer parte onde estivesse editava seu jornal A Jornada, periódico ambulante que manteve por vários anos, sendo ele sozinho e a um tempo, redator, revisor e tipógrafo. Redigia, compunha, executava clichês de madeira para ilustrar o jornal e, afinal, o imprimia. Modelava também em zinco e era exímio desenhista, pintor, xilógrafo e escultor. Colaborou também nas revistas Alvorada(1909), Litericultura(1912), Via Lucis (1913, pertencente ao Grêmio Literário Abdias Neves, de Teresina) e nos jornais A Chaleira, O Porvir, O Norte, O Grito, A Letra e O Periperi. Consagrado na literatura, em 1917 participou da fundação da Academia Piauiense de Letras, tomando assento na cadeira n.º 6.

Contraiu matrimônio, um tanto retardado, em 21 de junho de 1927, na fazenda Sentinela, do termo de Alto Longá, onde exerceu o cargo de juiz distrital, com a senhorita Raimunda de Oliveira Freitas, filha do capitão Possidônio Otaviano do Nascimento e de sua esposa Feliciana Oliveira do Nascimento, residentes naquele termo. Do consórcio deixou os seguintes filhos: Francisco de Assis Freitas, nascido em 1928 e falecido na cidade de Piripiri, com treze anos de idade, em 21 de dezembro de 1941; Maria de Lourdes Oliveira Freitas, nascida em 23 de julho de 1931, na cidade de Piripiri; e, José Henrique de Oliveira Freitas, nascido em 15 de maio de 1933, na casa de residência de seus genitores, situada à Rua Lisandro Nogueira, cidade de Teresina.

Para Alarico da Cunha, “Baurélio Mangabeira foi sempre um torturado na sua peregrinação terrena e uma vítima da indiferença do meio. Mantinha, entretanto, uma verve chistosa e humorística, com a qual disfarçava gostosamente os seus pesares ou ‘as tormentas da vida’” (CUNHA, Alarico José da. Discurso de Posse. Revista da APL n.º 17. Teresina: Imprensa Oficial, 1938).

Faleceu Benedito Aurélio de Freitas, o popular poeta Baurélio Mangabeira, em sua residência situada na Rua Clodoaldo Freitas, cidade de Teresina, à uma hora da manhã de 16 de abril de 1937, com quase 53 anos de idade, sendo o corpo sepultado no cemitério São José. Falando à borda de seu túmulo, na tarde daquele mesmo dia, e em nome da Academia, disse o consagrado poeta Celso Pinheiro:



“É finda a tua missão! Desabotoaste em flores de carne e flores de espírito. O sentimento é ainda uma força eterna, inextinguível. Não foi em vão que sofreste. Dor é imortalidade...

‘Serviste ao coração e à inteligência. O teu esforço foi coroado com o azul dos céus. Honraste a Deus. Sê em paz. Com o fósforo do pensamento acenderemos hoje, em tua honra, a vela de uma lágrima, grande iniciado da religião do Silêncio!...

‘Sê em paz...” (Rev. APL n.º 16 – Dez./1937. P.183/189).

Em 1914, durante confraternização de seu aniversário natalício, compôs esse soneto, citado pelo Prof. Mardoqueu Marques, seu amigo, em panegírico feito na sessão de 24 de maio de 1937:



NA MINHA DATA



Nessa terna ilusão da vida flórea,

Armaram-me a facão, à foice, à enxada,

Para limpar os rumos dessa Estrada,

Que levam a gente sã à Eterna Glória.



Passo vista aos rebanhos. A Alvorada

Desata a minha rede e cita a história

Da gente parva, torpe, merencória,

Da gente fartamente acanalhada.



Amolo a ferramenta. Sigo o prumo...

Canaviais desmanchando em níveo sumo,

Tirando aos parreirais sangue africano...



Faço na terra impávido mistério!

- Tanto povo a passar p’ro cemitério,

E eu caladinho faço mais um ano!



Em homenagem à jovem esposa, publicou este outro soneto:



Naquela tarde lírica e serena,

Cheia de encanto e dúlcida visão

Eu te senti, mirífica falena,

Dentro do meu sensível coração...



Por terras do Longá, paragem amena,

Eu cavalgava no arenoso chão,

Perante a nívea lua do sol na arena...

Verdes, espessos matos do sertão



Foi quando ouvindo os pássaros cantando,

Que meus olhos de bordo foram olhando

O pátio da fazenda Sentinela...



E estavas tu, senhora feiticeira,

No terreiro da casa hospitaleira,

Ó divina mulher! Criatura bela!

                  (A Jornada, 25.9.1927. IN: MATOS, J. Miguel. Os fundadores. 2.ª  Ed. Teresina: APL, 2018)



Ainda como mostra de sua produção literária, seguem alguns poemas:




FAZENDA



Dorme tranquilo o campo esmeraldino

Logo que a noite cai sobre a morada;

E o tempo calmo como um bom destino

Ronda a noturna região sagrada.



Cantam rios de fluido cristalino

Perante humana vida sossegada

Quando em momento lúcido, divino,

Surge da treva fulva madrugada.



As aves chilram despertando a gente!

O vaqueiro aboiando à luz nascente,

Desce ao curral de gordas vacas mansas.



No pátio da fazenda urra o novilho!

A vaca lambe o pequeno filho

Sobre o vasto sertão cor de esperanças.

                                      (MATOS, J. Miguel. Os fundadores. 2.ª  Ed. Teresina: APL, 2018).



REVELAÇÕES



Não julgues que, se a sorte não maldigo,

Seja porque minha alma não sofreu

Os travos da desgraça – agro castigo,

Que dizem vir do inferno ou vir do céu.



Pouco tempo meu pai viveu comigo:

Cinco rápidos anos e morreu.

E minha mãe, com lágrimas te digo,

Dentro de algumas horas faleceu.



Escuta lá: Nos cemitérios vastos

Os ossos de meus pais devem estar gastos

Pelo tempo que tudo estraga e rói...



Olha: quem nessa estrada cai,

Sem ter mãe, minha filha, e sem ter pai,

Há de sentir o quanto a vida dói...



CANÇÃO



É da luz dos teus olhos, luz que eu amo,

Que vem todo este amor à alma que tenho...

Os teus olhos no meu refletem a flux,

                         Doce luz!

- Dois rouxinóis cantando num só ramo:

Doce ideal da vida em que me empenho.



Do róseo dos teus lábios, cor que eu amo,

Vem todo este prazer à alma que tenho...

Unamos, minha flor, teus mornos lábios

                       Nos meus lábios...

Dois rouxinóis beijando-se, num ramo:

Doce ideal no amor que em mim contenho.



Dos contornos dos seios, seios que amo,

Vem todo o amor que em mim contenho.

Unamos o teu peito no meu peito...

                       Doce leito!

- Dois rouxinóis unidos, num só ramo:

Doce símbolo da vida que não tenho.



Noivo – envolvido em tétrica tardança...

Louco! Penso que às vezes me detestas.

Prende-me à rósea detenção do seio...

                 Doce enleio!

- Quando virás, ó última esperança,

Trajando o verde augusto das florestas!.

                      (Diário do Piauhy, Teresina, 10.5.1914).



PALINÓDIA

                    Aos meus irmãos Totônia, Chiquinha e Aurélio.



Quando eu morrer, sensíveis criaturas,

Filhas de Carolina e Aureliano,

Dispenso as vossas lágrimas tão puras,

E o vosso amor por mim, tão soberano!



            Isolem-me entre estranhas sepulturas,

            Que este é o prazer real de que me ufano.

            Oh, me não chorem ternas criaturas!

            Morto não penso e disso me não engano.



Vossa virtude e a de meus pais não mancho!

Deixai-me lá no verdadeiro rancho,

- Palácio sepulcral da Eternidade.



          Deixai-me sossegar! Deixai-me só!

          O coração do morto desce ao pó

           Como um monstro insensível à saudade!

                                    (O Apóstolo, 1.10.1911).



POR QUE FOI?



Por que foi terna luz da minha vida,

Encanto, sedução, doce ventura,

Que me levaste à dor, à desventura,

Ao frio, à treva, onde não medra a vinha?



Por que foi, terna luz que em mim fulgura,

Encanto, sedução, grandeza minha,

Que me negaste a festival ventura,

Dando-me triste vida que eu não tinha?



Por que foi, luminosa luz celeste,

Encanto, sedução, visão radiosa,

Que eterna dor e pranto à alma me deste?



Por que foi que eu, sofrendo esse tormento

Odiar-te não pude, alma de rosa.

Nem também te apagar do pensamento?!

              (A Pacotilha, Maranhão, 19.12.1919).





FOLHA DE MEU DIÁRIO



Amigos – não os achei na vida minha,

Até triste momento em que hei vivido,

Pobre sorte a que eu tenho. Ninguém tinha

Posto reparo assim que eu tenho tido.



Já tinha eu reparado em minha vinha,

Que a bondade é rebento mal nascido,

Que a lhaneza é uma droga que se vinha,

Que se torna em vinagre mal curtido.



Neste século repleto de ambição,

Cheio de indesejosos e cretinos

Fechemos o capítulo da razão!



Fechemos o capítulo da Virtude!

Este século presente, meus meninos,

Inda ilude a vocês mas não me ilude.

                         (A Pacotilha, Maranhão, 24.3.1920).





SONETO



Sóis que andam a rondar as infinitas

Zonas infinitíssimas, astrais,

Castiguem, astros do bem, os animais

Que andam compondo legiões malditas.



Ah! Ser humano – és mísero demais...

Nasces cantando os hinos das desditas,

Morres sentindo n’alma átras vinditas

Que Deus concede aos pálidos mortais.



A lei de Jeová deu p’ra ser lida,

Perturba a humanidade pela dor,

E é mais ou menos isto –infame sorte!



1º art. – a luz saudando a vida!

2º art. – o mal sagrando o amor!

§ § finais – sombras de morte.

                             (A Pacotilha, Maranhão, 2.10.1914).



ESPERANÇAS



Batem à porta rude das Chimeras,

Em breve, as Esperanças foragidas!

E dos Sonhos sonhados noutras eras,

Resta o cortejo de ilusões vencidas.



Hão de findar p’ra sempre as Primaveras...

E o tempo a evoluir, em arremetidas,

Há de trazer-nos úmidas Taperas...

E esperanças revivem noutras vidas!



Em fuga as ilusões que alimentamos...

E o nosso Amor em fuga, porque andamos

Comboiando fatais desesperanças...



E neste rumo, aos trambolhões e aos trancos,

Vamos em busca dos cabelos brancos,

Para esquecer as mortas Esperanças...

                         (O Pharol, Cuiabá, 29.5.1909).

   
(O presente texto foi publicado inicialmente nos jornais Notícias Acadêmicas, Setembro/2010 e Meio Norte, 29.10.2010. Foi ampliado pelo autor).

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(*) REGINALDO MIRANDA, autor de diversos livros e artigos, é membro efetivo da Academia Piauiense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí e do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-PI. Atual presidente da Associação de Advogados Previdenciaristas do Piauí Contato: reginaldomiranda2005@ig.com.br