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Fonte: Google/Pontal Piauí |
EXPEDIÇÃO ÀS SERRAS DAS ÁGUAS COLONIAIS (*)
Elmar Carvalho
Instigado pelo colega e amigo Lirton
Nogueira, que me deu carona, integrei a Expedição Serras das Águas Coloniais, que,
a exemplo das anteriores, faz parte do projeto Pense Piauí, devidamente
paramentado com indumentária própria. A caminho da vetusta casa-grande da
Fazenda Ininga, nas cercanias da cidade de José de Freitas, o Lirton me revelou
que o professor, ator e historiador Paulo de Tarso Libório me escalara para
dizer algumas palavras, logo após a refeição matinal que ali haveria.
Em meu breve e improvisado discurso,
disse que morei na bela e aprazível urbe no ano de 1970, quando tinha 13/14
anos de idade, oportunidade em que conheci o livro de pedra das lápides
históricas do cemitério velho e os arredios fantasmas do chalé, que, na época,
eu achava deveria ser transformado em museu. Recordei a comovente e imorredoura
lembrança de uma manhã, em que, num campinho periférico da cidade, realizei,
atuando como goleiro, uma sequência de três belas defesas. Com meu porte
pequeno e franzino de garoto, ao executar uma acrobática voada ou ponte, que
hoje chamaria estaiada, recebi o entusiasmado aplauso de um homem do povo, que
exclamou, vivamente admirado: “Ó meu Deus, parece um passarinzim!” Jamais
esquecerei esse aplauso, tão sincero e tão anônimo, que ainda agora me comove.
Com a ajuda do Pe. Deusdete Craveiro
de Melo, meu diretor e professor no Ginásio Estadual Antônio de Almendra
Freitas, fui um dos fundadores de um time, o Santos, e de um campo de futebol,
que ajudei a fazer ao lado desse campo santo.
Acrescentei que já conhecia a Ininga,
de vezes anteriores, e que sobretudo assistira à sua magnífica Festa da
Restauração. Sobre as cerimônias católicas celebradas então, enfatizei que, se
não fora heresia, diria que foram verdadeiras teatralizações de alta e bela
qualidade. Evoquei a figura episcopal de Dom Paulo Hipólito de Sousa Libório,
tio do Paulo, que fora diretor de meu pai no Diocesano, e que vim a conhecer em
meados dos anos 1970, em Parnaíba.
No casarão em que morou esse
antístite, em Teresina, após haver resignado à Diocese de Parnaíba, o Paulo
construiu um belo museu de arte e história sacras, hoje administrado pela
prefeitura de Teresina, através da Fundação Cultural Monsenhor Chaves. Não
poupei justos elogios ao zelo e esmero que o nosso anfitrião teve nos trabalhos
de restauração da casa-grande da Fazenda Ininga, onde nasceram importantes
personalidades da História Piauiense, mormente oriundas da estirpe Sampaio
Castelo Branco, entre as quais o Pe. Joaquim José de Sampaio (1860-1892),
jornalista, professor e confessor da Princesa Isabel, signatária da Lei Áurea,
ele próprio também abolicionista, e o famoso engenheiro Antônio José de Sampaio
(1863-1906), fundador da extinta fábrica de laticínios de Campos (hoje, cidade
de Campinas do Piauí), cujo prédio ainda se ergue imponente, embora bastante
deteriorado, com a sua chaminé sem fumaça, sem o seu apito, que quebrava a
melancolia daquelas quebradas sertanejas.
Mas, sobretudo, enalteci o cuidado
nos detalhes, a perfeição minimalista com que Paulo Libório fez retornar ao
modelo original a solarenga e histórica casa-grande, transformando-a em museu e
memorial, conservando em ambientes adequados os velhos objetos e retratos.
Sugeri seja ela adquirida pelo Poder Público, para ser usada como espaço
cultural, museu e local de palestras temáticas e oficinas. E mais não disse
pela exiguidade do tempo.
Seguimos para a cachoeira do Xixá, em
Batalha. Foi fácil perceber que a estrada carroçável, entre a rodovia PI e a
queda-d’água, fora construída ou restaurada recentemente, pois ainda se viam as
marcas da patrol ou motoniveladora. Tivemos boa acolhida do prefeito João Messias
Melo, que foi meu colega no curso de Direito (UFPI). Houve vários
pronunciamentos, entre os quais o do desembargador federal Carlos Brandão,
capitão-mor de nossa caravana expedicionária, sobre o potencial turístico da
região, bem como reivindicações, sob a tenda/auditório que nos abrigou. Fomos
contemplar a bela cachoeira, seu paredão rochoso e a bela floresta do entorno.
Houve ainda um variado, saboroso e farto lanche, para melhor enfrentarmos a
próxima viagem.
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Fonte: Google/O Concierge |
Nosso destino seguinte foi a antiga
Igreja de Nossa Senhora do Rosário, localizada na várzea Frecheiras, localidade
situada no município de Cocal (dito da Estação). Após o farto e saboroso almoço, em
restaurante à margem de perene córrego de água cristalina, em que foram
servidos vários tipos de sucos, entre os quais um muito delicioso, refrescante
e revigorante, feito da polpa dos frutos dos buritizeiros, que ali se erguiam
em profusão, imponentes e majestosos, fomos conhecer a histórica igreja, em
cuja porta principal se postavam dois homens, portando tochas e trajando vestes
talares negras e capuz, como a imitar medievais cavaleiros templários.
O historiador Diderot Mavignier, meu
velho conhecido e colega do Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de
Parnaíba, proferiu palestra sobre episódios históricos que tiveram repercussão
na localidade, tais como a missão jesuítica de Viçosa, na Ibiapaba, a Balaiada
e a construção do templo católico, que ele, assim como alguns outros, defende
tenha acontecido por volta de 1616 (ou 1619), conforme se considere a ordem de
leitura de algarismos postos nas extremidades da cruz que orna o frontispício
da ermida.
Em aparte, o historiador Reginaldo
Miranda, que vem garimpando novos documentos históricos, através da internet,
mormente do período colonial, conhecido por seu apego à verdade histórica,
ponderou que a capela, talvez, date do terceiro quartel do século XVIII, e que
possivelmente fora erigida pelo comendador João Paulo Diniz, que teria sido
proprietário da localidade. Apresentou os fundamentos de sua tese.
Encorajado pela sua intervenção, saí
do meu retraimento, e articulei o meu aparte. Argumentei que no início dos
seiscentos aquela região era deserta, posto que ainda hoje (quase) o é, pelo
que não haveria necessidade de um templo daquela magnitude; que os jesuítas
passavam por ali cansados e apressados, fustigados por mosquitos e intempéries,
sobretudo chuvas e temporais, na época própria, em viagens de São Luís para
Viçosa ou vice-versa, certamente com receio de feras e índios bravios, e,
portanto, não teriam condição de levar ou de fabricar os materiais usados na
construção, de paredes muito grossas; por tudo isso, eu ponderei achar
improvável e mesmo inverossímil a construção dessa capela nas duas primeiras
décadas do século XVII, a não ser que se comprovasse, como disse Reginaldo
Miranda, que ali existira uma espécie de missão, de que não há o menor vestígio
ou notícia, seja documental ou de ruínas. Aliás, este último questionamento
sequer é objeto de hipóteses e suposições, a não ser, como se costuma dizer, ad
argumentandum.
De forma bem clara e firme, sem
querer ferir ou magoar ninguém, mas apenas por amor ao debate, que sempre deve
existir em assunto controvertido, e apego à verdade histórica, eu disse comungar
da tese do historiador Vicente Miranda, autor do monumental livro Três Séculos
de Caminhada, sobre o qual já publiquei pequena crônica ensaística na internet,
que trata do povoamento e genealogia da Ibiapaba, bem como da história de
Viçosa e de seu aldeamento. Vicente escreveu a monografia “História e Fé na
Conquista do Sertão do Norte: A CAPELA DAS FRECHEIRAS”, como “parte
complementar do Curso de Especialização em História do Brasil realizado em
Teresina, no período de outubro de 2005 a dezembro de 2006”.
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Foto do historiador e economista Felipe Mendes |
No trabalho referido acima, Vicente
Miranda toma como base para a datação da capela os algarismos vistos nas
extremidades da cruz desenhada no seu frontispício, seguindo a ordem do “pelo
sinal” ou sinal da cruz (testa, peito, ombro esquerdo e ombro direito), o que é
muito lógico e racional, em se tratando de templo católico. Assim, sem sombra
de dúvida, os algarismos formam o número/ano 1766 (no caso, o sete guarda
alguma semelhança com o número um de ponta cabeça, como é compreensível e
evidente).
Não bastasse tudo isso, essa cruz,
situada no lado direito da edificação (à esquerda do observador), guarda
coerência com a do lado esquerdo, que tem quatro letras nas suas partes
extremas, cuja leitura, seguindo a mesma ordem do sinal da cruz, forma as
iniciais das palavras (ou frase): Nosso Deus Rei Salvador, que, por sua vez, se
harmoniza com a frase latina Natus
Domini Regnum Salus (do Nascimento de nosso Senhor Rei Salvador). Portanto,
tudo converge ou conspira para que a data proposta por Vicente Miranda – 1766 –
seja a correta, ainda mais porque ela se concilia com os documentos de registro
do imóvel.
Ademais, há que se levar em conta que
o vetusto templo de Viçosa do Ceará, onde ficava a sede da missão jesuítica na
região, foi erigido somente em 1700. A capela anterior era de taipa e palha,
pelo que se verifica ser pouco crível que a ermida de Frecheiras possa haver
sido construída em 1616 ou 1619, em local onde nunca foram comprovados a
existência e vestígios de missão ou aldeamento, seja por documentos ou outras
provas admissíveis.
O autor, através de documentos civis
e eclesiásticos, que transcreve, demonstra que o imóvel onde se localiza a
ermida pertencia a Diogo Álvares Ferreira Veras, que foi poderoso político e
rico agropecuarista, posto que foi vereador da primeira composição do Senado da
Câmara de Parnaíba e capitão-mor nessa vila. Por outro lado, suas afirmativas
se afinam com o que já afirmava o festejado historiador Pe. Cláudio Melo,
conforme pode ser visto neste trecho da monografia:
“Obedientes à sua condição de
“fregueses”, Diogo Álvares e Francisca Thomazia curvaram-se à hierarquia
eclesiástica, solicitando ao Bispo do Maranhão a competente autorização para
construir a capela das Frecheiras. Foi nos arquivos daquele Bispado, ao qual
pertenceu durante muito tempo a Freguesia de Nossa Senhora do Carmo de
Piracuruca, que o historiador e pesquisador padre Cláudio Melo (1932 – 1981)
encontrou os fundamentos históricos que elucidam as dúvidas, tanto em relação
aos fundadores quanto em relação à data da construção da citada capela: ‘Piracuruca
teve também no século XVIII a Capela de Frecheiras, construída a partir de
1767, pelo Capitão Mor Diogo Álvares Ferreira e sua piedosa mulher, Dona
Francisca Tomásia Veras. Esta Capela ainda hoje existe e é um dos pouquíssimos
templos históricos do nosso Piauí’ (grifamos).”
E se Diogo e Tomásia pediram “autorização
para construir a capela das Frecheiras” é porque ela, obviamente, não existia. Portanto,
entendo que até o surgimento de melhores provas e mais robustos argumentos, a
tese esposada por Vicente Miranda (e pelo padre Cláudio Melo) deve ser
considerada a mais lídima expressão da verdade, contra a qual não podem
prevalecer meras hipóteses, suposições e ilações.
Agora, como já me vou dilatando em
laudas, farei uma “minissíntese” das novas etapas da excursão, como disse um
gaiato colega em sala de aula, em meus áureos tempos juvenis.
Fomos conhecer a Escola Augustinho
Brandão, na cidade de Cocal dos Alves, que vem se excedendo em excelência no
ensino, arrebatando importantes prêmios, em diferentes certames e olimpíadas de
matemática. No bonito, amplo e muito limpo educandário, mas em auditório
improvisado, foram feitos diversos pronunciamentos e reivindicações, recolhidos
em documentos, assim como comoventes depoimentos de superação, esforço e
exemplo. Como homenagem, consigno os nomes do prefeito Osmar Vieira, da
diretora Aurilene Vieira e do paradigmático professor de matemática Amaral
(Antônio Cardoso do Amaral).
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Fonte: Google/Portal do Catita |
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Fonte: Google/180 Graus |
Nosso destino seguinte foi
Piracuruca. Esta é a terra de meus ancestrais maternos, por parte de antigas
famílias. Nela, para gáudio meu, tomei posse efetiva do meu cargo de juiz de
Direito, nos idos de janeiro de 1997. Ali escrevi o poema épico moderno Sete
Cidades – roteiro de um passeio poético e sentimental, que desejava escrever há
muitos anos, no curto período de menos de mês, em que exerci as funções de juiz
auxiliar. Revi a magnífica igreja de pedra de Nossa Senhora do Carmo, revestida
de muita história, lenda e beleza. Sua construção, pelos irmãos Dantas, foi
quase uma epopeia, inclusive pelo episódio que lhes fez realizar a célebre promessa
de sua ereção.
Conheci o Casarão, admirável obra
arquitetônica, que abriga o excelente Museu da escritora e historiadora Maria
do Carmo e do seu marido José de Morais Brito. Seus espaços ambientais,
memoriais e disposição de peças artísticas e históricas foram muito bem
planejadas e executadas, como tive ocasião de deixar gravado em vídeo, quando
entreguei um quadro com as estrofes e ilustração da primeira parte de meu poema
Sete Cidades, em que fiz a louvação das louçanias das encantadas e encantadoras
cidades de pedra:
Sete Cidades:
sonho feito
de pedra
pedra feita
de sonho
sonho que se fez sonho
na concretude da pedra.
Com toda a certeza, o Museu do
Casarão, ou Museu de Dona Maria do Carmo, foi feito com muito amor e esmero, e
sem dúvida com muito bom-gosto e vasto gasto de dinheiro e cabedais, porquanto
nem só de amor vive o homem, conquanto também nem só de pão.
Em Piripiri, terra de alguns de meus
avoengos paternos, visitamos a velha estação ferroviária, onde foi instalado o
Auditório Osíris Neves de Melo, em que já tive a oportunidade de lançar livro
em companhia de minha amiga Clea Rezende Neves de Melo, professora
universitária, cronista e historiadora, e poeta como seu pai, patrono do
auditório. Além dos vários discursos proferidos, o confrade Zózimo Tavares,
escritor e jornalista da melhor cepa, lançou a sua importante obra biográfica
sobre o governador Alberto Silva, que foi diretor da Estrada de Ferro Central
do Piauí – EFCP, cujas locomotivas – maria fumaça e a diesel – por ali passaram
em tempos idos e saudosos.
Na imperial Pedro II, fomos hóspedes
do empresário Gerson Mourão Filho, amigo há várias décadas do Lirton Nogueira.
Nosso anfitrião nos tratou com toda lhaneza e fidalguia, como só os antigos
cavalheiros sabiam fazer. Na manhã do dia seguinte, nos mostrou antigos
casarões da cidade, sobretudo o Solar da Estrela Marrom, como a designou o
jornalista e escritor José Eduardo Pereira, que é como se fora um museu a
abrigar outro museu, composto por seus objetos, utensílios e móveis, como
bilhas, oratórios, baús e cristaleiras.
Seus retratos são uma espécie de
memorial da família, por assim dizer uma ilustrada genealogia. Falou da visita
do general Hamilton Mourão, vice-presidente da República, que visitou a terra
de seus antepassados. Gerson Mourão Filho lhe foi dedicado anfitrião e
cicerone. A seu convite dei uma entrevista à rádio Imperial, de sua
propriedade, em que falei de minha vida cultural e literária. Já escrevi
algumas crônicas sobre essa bela e ainda bucólica cidade, de ameno clima
serrano, de uma das quais transcrevo o seguinte trecho:
“Alguns dos casarões ostentam placas,
nas quais são nomeados os patriarcas das famílias que neles residem ou
residiram. Assim, uma delas indicava o nome do coronel Domingos Mourão Filho,
que residiu no Solar da Estrela Marrom, cuja biografia foi narrada pelo
jornalista e escritor José Eduardo Pereira em memorial álbum; outra, referia o
casarão haver pertencido à família Gomes Campelo, da qual faz parte o
desembargador Tomaz Gomes Campelo, que sempre comparece aos importantes eventos
culturais da cidade.
Encerramos o nosso périplo turístico
no Mirante do Gritador, de onde se tem uma deslumbrante visão do abismo e dos
morros adjacentes, além das casas e quintais, que se erguem no vale. Embora,
como dito, o eco estivesse de folga ou de greve, o mesmo não aconteceu com o
vento, que nos devolveu os objetos leves, que lançamos ao precipício.
Acredito que o despenhadeiro do
Gritador seja um boqueirão dos ventos, que, ao baterem na fralda do morro,
erguem-se em busca de saída para sua desenfreada e incansável correria,
devolvendo esses objetos, como se eles fossem um bumerangue. Saquei um potente
binóculo e trouxe para mais perto de mim a beleza da paisagem serrana, que se
erguia ao longe, e a trouxe comigo, no embornal de minha memória, e no cartão
de memória da máquina fotográfica.”
Mas, para que não se diga que só
falei de flores, o Lirton resolveu ir conhecer o Museu da Roça. Ao tentar abrir
o portão, constatei que estava fechado a cadeado. Quando Lirton deu marcha à
ré, os dois pneus da lateral direita da picape caíram numa vala, provocada pela
erosão. Porém, tudo acabou em flores, porque logo fomos socorridos pelo Gerson
Filho, Rubens Luna e outros amigos, e pudemos seguir, em rota alternativa, para
a Cachoeira da Pedra Negra, em Campo Maior, por mim desconhecida, que
pertencera a uma tia sua, frequentada por ele em sua infância e adolescência.
Contudo, uma outra surpresa
desagradável nos aguardava. No mourão da porteira se encontravam afixadas duas
placas, que estampavam, em letreiros bem enfáticos e repetitivos, as seguintes
frases: “Privado – Não entre sem permissão – Proibido entrada: de turistas,
banhistas etc... – Por favor não insista – Respeite nossa privacidade!” Chamo a
atenção do leitor, para o etc. seguido de reticências [...], como a dizer, de
forma peremptória, que não existia nenhuma exceção. Como o portão não se
encontrava fechado a cadeado ou fechadura, resolvemos nos arriscar e entramos.
Encontramos no alpendre da sede do
imóvel três idosos, dois homens e uma mulher. Como muita humildade e mil
pedidos de desculpas, o meu colega e amigo explicou a situação; falou que o
imóvel pertencera a sua tia e ao ex-deputado federal, engenheiro e arquiteto
Adalberto Alexandrino Correia Lima, com quem ela na época era casada; que ali
estivera muitas vezes, em sua meninice e adolescência; que viera de longe,
movido pela saudade de rever a cachoeira, mas, se não permitissem a rápida
visita, não haveria problema.
O idoso, apresentado como sendo pai
do dono do sítio, ainda iniciou uma frase, que parecia ser de indeferimento;
mas Lirton estava eloquente e argumentativo, e retomou a sua petição oral, com
novos e reforçados fundamentos. O homem, então, permitiu nossa ida à
queda-d’água. Tivemos uma bela visão do açude, construído por Adalberto Correia
Lima. Vimos o alto paredão da cachoeira, de pedra negra, como seu nome
indicava, por onde despencava a água, como uma pequena e bela Catarata do
Iguaçu.
Perto de onde tomamos um delicioso e
refrescante banho, havia uma imensa árvore, frondosa e cheia de cipós, na qual
se enroscavam belas plantas trepadeiras, de grandes folhas esmaltadas, que
reverberavam ao sol da caatinga. Ao mergulhar naquelas águas frias, acho que o
Lirton mergulhou no passado e na saudade de sua meninice, alegre e descuidada,
“que os anos não trazem mais”.
Foi, enfim, o arremate feliz de um
turismo histórico, cultural e ecológico.
Finalizando, quero acrescentar,
sobretudo no tocante à parte histórica, que não desejei contrariar ou magoar
ninguém, e tampouco criar polêmicas e discussões. Mas, entendo que só se faz
história com a verdade, pois caso contrário seria estória, ou até mesmo estória
de Trancoso. Mesmo com relação às suas suposições e hipóteses mais apaixonantes
e queridas, o historiador deve abdicar, quando surgir uma melhor prova e uma
mais consistente argumentação em contrário.
Ante a verdade, todos devemos nos
curvar. Assim como o mal não pode prevalecer sobre o bem, hipóteses e
conjecturas não podem se contrapor à verdade. Esta é tão importante que levou
Jesus a dizer: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida.”
E deve a verdade ser o caminho e a
vida do historiador e da História.
(*) Esta crônica serve de prefácio ao e-book “História e Fé na
Conquista do Sertão do Norte: A CAPELA DAS FRECHEIRAS”, por sugestão do
professor Ricardo Alaggio Ribeiro, diretor da EDUFPI, com a devida autorização
do historiador e genealogista Vicente Miranda.