sexta-feira, 31 de maio de 2019

Essas Comodidades Que Acabam Com o Meu Salário

Fonte: Google


Essas Comodidades Que Acabam Com o Meu Salário

José Pedro Araújo
Contista, cronista e romancista

Outro dia estava conversando com meus botões: para onde estará indo o meu salário? Pus-me a pensar e descobri coisas interessantes sobre o destino desse dinheirinho suado que eu morro de trabalhar, e quando mais faço isso, mais sobram dias do mês para cobrir.

 Em tempos passados, lá no meu velho Curador, vivia-se muito bem, mesmo com salário pequeno. Isso quem tinha salário. Quem não tinha vivia também. Milagre? Nem tanto. Para começar, a alimentação básica da família era à base de arroz, feijão, carne, farinha de mandioca e, às vezes macarrão (caramba, o mesmo que hoje?). O arroz e o feijão eram produzidos pela própria família, ou adquiridos na mercearia do amigo mais próximo. A proteína da carne, em boa parte do tempo, era suprida pelas galinhas ou pelos leitões que criávamos no nosso próprio quintal. E quando precisávamos recorrer ao açougue, pagávamos preços bem em conta, uma vez que tudo era produzido no próprio município, e sem o custo dos transportes ou mesmo sem a avassaladora carga de impostos.
Hoje não funciona mais assim. O arroz vem do Rio Grande do Sul em carroçarias de caminhões, um frete que custa fortunas. E ainda tem mais uma fila interminável de gente atrás do dono do caminhão. O produtor lá no Rio Grande entregou o seu produto para um atravessador, que o repassou para um cerealista, que por sua vez fracionou o saco de sessenta quilos adquirido, e o acondicionou em embalagens de cinco quilos. Depois disso, entregou para o distribuidor. Foi esse individuo quem embarcou o produto no seu caminhão (ou em outro alugado), rodou o Brasil inteiro até entregar no mercadinho da nossa cidade. Foi, portanto, o dono do mercadinho quem me vendeu o produto.

Nessa cadeia perversa que se formou antes que o arroz chegasse até a mim, todo mundo pagou imposto e cobrou o seu lucro. Imposto municipal, estadual e federal. (Esqueci-me de dizer que o meu arroz era pilado na minha própria casa, não precisava pagar nada também pelo serviço). Pois bem, finalmente o arroz chegou à minha casa. Sobrou para mim todos os impostos cobrados antes, nos três níveis de governo e em todas as mãos por onde passou até chegar às minhas. O lucro de cada mão por onde passou também.

A despesa do caminhão também foi paga por mim, e o lucro do dono da máquina também. O arroz que saiu das mãos do produtor a R$ 0,89 (oitenta e nove centavos o quilo). Chegou a minha casa custando R$ 2,90, esse mesmo quilo. 225% a mais. Essa mesma conta pode ser feita para o feijão que vem da Bahia, ou mesmo do Paraná. E também para a carne de boi, que vem do Pará, Mato Grosso, Tocantins, ou do próprio Maranhão. Para o frango e o porco, a mesma conta pode ser feita.

Se fosse somente para isso que vai o meu salário, ainda poderia me dar por satisfeito. Agora, quando vou ao supermercado, trago mais uma quantidade enorme de produtos para acompanhar o meu arroz com feijão e carne de outrora. Tudo para terminar me alimentando do mesmo jeito. Ou pior. Dizem que o arroz e o feijão vêm com veneno. E a carne de gado, de frango ou de porco, vem com anabolizantes e outras cositas mas. E eu ainda tenho que pagar para consumir essas porcarias que só me fazem mal? Além de incluir o médico e o farmacêutico nessa conta dolorosa.

Mas ai veio mais gente, não satisfeita com o meu infortúnio, querendo tirar um naco do meu humilde salário já tão atacado. O governo (nos três níveis também), resolveu implantar um sistema de abastecimento de água na cidade. Dizia que a água que provinha de graça do meu poço não prestava para o consumo. E então o governante, preocupado com a minha saúde, é claro, pegou o dinheiro do imposto que eu paguei, fundou uma empresa de águas, pagou com ele a perfuração de um poço, colocou alguns canos sob o chão, adquiridos da mesma forma, com o meu dinheiro (contratou todo o serviço com um parente ou amigo), empregou seus familiares na minha empresa(minha?), e passou a me vender a água que eu antes consumia de graça.

Fez a mesma coisa com a energia. Toda a empresa montada com o dinheiro dos meus impostos. Aqui a coisa foi até pior. Criou uma empresa para construir uma barragem e outra para distribuir a energia lá produzida. A que produz, vende para a que distribui, e tira o seu lucro, paga os seus impostos. E esta passou a me vender a energia por um valor absurdo, ai também embutido o valor da produção (aqui também teve emprego para todos os familiares e amigos), e ainda me cobra uma carga de impostos de fazer chorar pelo serviço. Eu que gastava pouco dinheiro para manter minhas lamparinas acesas durante a noite, agora me habituei a usar a tal energia durante o dia inteiro. E a que custo?

Tive que gastar mais com a saúde, a educação, a segurança, telefone, e até para transitar pelas estradas construídas com o dinheiro dos meus impostos. Pois os serviços que o governo me oferece são de péssima qualidade. É de chorar, não é mesmo?

Mas não o aconselho a chorar ainda, tem mais. Pela casa que eu pensava ser de minha propriedade(já que comprei o terreno e construí a choupana), passaram a me cobrar um tal imposto predial e territorial urbano. Para o sitiozinho, um tal de imposto territorial rural, mais taxa de cadastro rural, e mais tributo sobre tudo o que eu tiro de lá. Esses bens são meus ou não?

E achando pouco o que já fazem comigo, abandonei o meu cavalo, vendi a minha bicicleta, descansei as minhas pernas, e agora ando de carro para os mesmo lugares a que ia antes. Talvez vá um pouco mais distante. Mas, para quê? E a que custo? Na bicicleta só precisava trocar dois pneus quando acabavam os que estavam em uso. Agora tenho que comprar quatro, mais um de reserva. A um valor vinte vezes maior. Não precisava encher o tanque da magrela com o caríssimo combustível, pagar taxa de emplacamento, seguro, pagar para ter uma carteirinha que me autoriza a dirigi-la, multas, impostos, e até mesmo pagar um motorista, caso não soubesse dirigir.

E não parou por ai. Não chore ainda. Em casa, entrava ano, saia ano, e ninguém falava em aniversário, ou melhor, só falava (agora tem que comemorar, e até mensário). E quando alguns bacanas chegaram à cidade com essa moda, passamos a adotá-la também. Ainda saia baratinho, contudo. Alguém da casa fazia um bolinho, espremia algumas laranjas ou cortava alguns maracujás colhidos no próprio quintal, misturava com bastante água, e estava tudo bem. Podíamos cantar os parabéns que ninguém ia reclamar.

O presente que se dava também era coisa barata. Sabonete Carnaval, pasta Kolynos ou, no máximo, um pote de brilhantina Glostora ou mesmo um tubo de Trim. Depois apareceu o Ki-Suco para facilitar a vida de quem não tinha laranja ou maracujá no próprio quintal. Já não precisava mais pedir na casa vizinha. Custava pouco o saquinho. E, além de tudo, tratava-se de uma novidade! Estava resolvida a questão.

E agora, o que fazemos? O bolo tem que ser originado de uma confeitaria. Os salgadinhos devem ser variados, e também adquiridos em pastelarias da moda. Tem mais a decoração, a música (sem falar que temos que ficar horas batendo palmas e acompanhando o parabéns pra você enquanto a criançada pede quinhentas vezes para apagar as velinhas). Refringentes em caixas. Ou dezenas de garrafões de dois litros. Nem vou falar de cerveja para os pais dos convidados, whisky e coisas que tais! Já está se vendo quanto custa um aniversariozinho em casa de assalariado, não é? Mas tem que ser feito, porque o vizinho que (aparentemente) ganha menos que eu o faz para toda a família? Por quê não eu?

Acho que vou parar por aqui. Pode começar a chorar. Não vou nem falar de internet, telefone celular, streaming de filmes, canais por assinatura, etc, etc, etc. Para quê? Só para me martirizar mais ainda. Eu quero é voltar para o passado. Lá vivia como um rei e a baixíssimo custo!   

quinta-feira, 30 de maio de 2019

EXPEDIÇÃO ÀS SERRAS DAS ÁGUAS COLONIAIS (*)


Fonte: Google/Pontal Piauí

EXPEDIÇÃO ÀS SERRAS DAS ÁGUAS COLONIAIS (*)

Elmar Carvalho

Instigado pelo colega e amigo Lirton Nogueira, que me deu carona, integrei a Expedição Serras das Águas Coloniais, que, a exemplo das anteriores, faz parte do projeto Pense Piauí, devidamente paramentado com indumentária própria. A caminho da vetusta casa-grande da Fazenda Ininga, nas cercanias da cidade de José de Freitas, o Lirton me revelou que o professor, ator e historiador Paulo de Tarso Libório me escalara para dizer algumas palavras, logo após a refeição matinal que ali haveria.

Em meu breve e improvisado discurso, disse que morei na bela e aprazível urbe no ano de 1970, quando tinha 13/14 anos de idade, oportunidade em que conheci o livro de pedra das lápides históricas do cemitério velho e os arredios fantasmas do chalé, que, na época, eu achava deveria ser transformado em museu. Recordei a comovente e imorredoura lembrança de uma manhã, em que, num campinho periférico da cidade, realizei, atuando como goleiro, uma sequência de três belas defesas. Com meu porte pequeno e franzino de garoto, ao executar uma acrobática voada ou ponte, que hoje chamaria estaiada, recebi o entusiasmado aplauso de um homem do povo, que exclamou, vivamente admirado: “Ó meu Deus, parece um passarinzim!” Jamais esquecerei esse aplauso, tão sincero e tão anônimo, que ainda agora me comove.

Com a ajuda do Pe. Deusdete Craveiro de Melo, meu diretor e professor no Ginásio Estadual Antônio de Almendra Freitas, fui um dos fundadores de um time, o Santos, e de um campo de futebol, que ajudei a fazer ao lado desse campo santo.  

Acrescentei que já conhecia a Ininga, de vezes anteriores, e que sobretudo assistira à sua magnífica Festa da Restauração. Sobre as cerimônias católicas celebradas então, enfatizei que, se não fora heresia, diria que foram verdadeiras teatralizações de alta e bela qualidade. Evoquei a figura episcopal de Dom Paulo Hipólito de Sousa Libório, tio do Paulo, que fora diretor de meu pai no Diocesano, e que vim a conhecer em meados dos anos 1970, em Parnaíba.

No casarão em que morou esse antístite, em Teresina, após haver resignado à Diocese de Parnaíba, o Paulo construiu um belo museu de arte e história sacras, hoje administrado pela prefeitura de Teresina, através da Fundação Cultural Monsenhor Chaves. Não poupei justos elogios ao zelo e esmero que o nosso anfitrião teve nos trabalhos de restauração da casa-grande da Fazenda Ininga, onde nasceram importantes personalidades da História Piauiense, mormente oriundas da estirpe Sampaio Castelo Branco, entre as quais o Pe. Joaquim José de Sampaio (1860-1892), jornalista, professor e confessor da Princesa Isabel, signatária da Lei Áurea, ele próprio também abolicionista, e o famoso engenheiro Antônio José de Sampaio (1863-1906), fundador da extinta fábrica de laticínios de Campos (hoje, cidade de Campinas do Piauí), cujo prédio ainda se ergue imponente, embora bastante deteriorado, com a sua chaminé sem fumaça, sem o seu apito, que quebrava a melancolia daquelas quebradas sertanejas.

Mas, sobretudo, enalteci o cuidado nos detalhes, a perfeição minimalista com que Paulo Libório fez retornar ao modelo original a solarenga e histórica casa-grande, transformando-a em museu e memorial, conservando em ambientes adequados os velhos objetos e retratos. Sugeri seja ela adquirida pelo Poder Público, para ser usada como espaço cultural, museu e local de palestras temáticas e oficinas. E mais não disse pela exiguidade do tempo.    

Seguimos para a cachoeira do Xixá, em Batalha. Foi fácil perceber que a estrada carroçável, entre a rodovia PI e a queda-d’água, fora construída ou restaurada recentemente, pois ainda se viam as marcas da patrol ou motoniveladora. Tivemos boa acolhida do prefeito João Messias Melo, que foi meu colega no curso de Direito (UFPI). Houve vários pronunciamentos, entre os quais o do desembargador federal Carlos Brandão, capitão-mor de nossa caravana expedicionária, sobre o potencial turístico da região, bem como reivindicações, sob a tenda/auditório que nos abrigou. Fomos contemplar a bela cachoeira, seu paredão rochoso e a bela floresta do entorno. Houve ainda um variado, saboroso e farto lanche, para melhor enfrentarmos a próxima viagem.

Fonte: Google/O Concierge
Nosso destino seguinte foi a antiga Igreja de Nossa Senhora do Rosário, localizada na várzea Frecheiras, localidade situada no município de Cocal (dito da Estação). Após o farto e saboroso almoço, em restaurante à margem de perene córrego de água cristalina, em que foram servidos vários tipos de sucos, entre os quais um muito delicioso, refrescante e revigorante, feito da polpa dos frutos dos buritizeiros, que ali se erguiam em profusão, imponentes e majestosos, fomos conhecer a histórica igreja, em cuja porta principal se postavam dois homens, portando tochas e trajando vestes talares negras e capuz, como a imitar medievais cavaleiros templários.

O historiador Diderot Mavignier, meu velho conhecido e colega do Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Parnaíba, proferiu palestra sobre episódios históricos que tiveram repercussão na localidade, tais como a missão jesuítica de Viçosa, na Ibiapaba, a Balaiada e a construção do templo católico, que ele, assim como alguns outros, defende tenha acontecido por volta de 1616 (ou 1619), conforme se considere a ordem de leitura de algarismos postos nas extremidades da cruz que orna o frontispício da ermida.

Em aparte, o historiador Reginaldo Miranda, que vem garimpando novos documentos históricos, através da internet, mormente do período colonial, conhecido por seu apego à verdade histórica, ponderou que a capela, talvez, date do terceiro quartel do século XVIII, e que possivelmente fora erigida pelo comendador João Paulo Diniz, que teria sido proprietário da localidade. Apresentou os fundamentos de sua tese.

Encorajado pela sua intervenção, saí do meu retraimento, e articulei o meu aparte. Argumentei que no início dos seiscentos aquela região era deserta, posto que ainda hoje (quase) o é, pelo que não haveria necessidade de um templo daquela magnitude; que os jesuítas passavam por ali cansados e apressados, fustigados por mosquitos e intempéries, sobretudo chuvas e temporais, na época própria, em viagens de São Luís para Viçosa ou vice-versa, certamente com receio de feras e índios bravios, e, portanto, não teriam condição de levar ou de fabricar os materiais usados na construção, de paredes muito grossas; por tudo isso, eu ponderei achar improvável e mesmo inverossímil a construção dessa capela nas duas primeiras décadas do século XVII, a não ser que se comprovasse, como disse Reginaldo Miranda, que ali existira uma espécie de missão, de que não há o menor vestígio ou notícia, seja documental ou de ruínas. Aliás, este último questionamento sequer é objeto de hipóteses e suposições, a não ser, como se costuma dizer, ad argumentandum.

De forma bem clara e firme, sem querer ferir ou magoar ninguém, mas apenas por amor ao debate, que sempre deve existir em assunto controvertido, e apego à verdade histórica, eu disse comungar da tese do historiador Vicente Miranda, autor do monumental livro Três Séculos de Caminhada, sobre o qual já publiquei pequena crônica ensaística na internet, que trata do povoamento e genealogia da Ibiapaba, bem como da história de Viçosa e de seu aldeamento. Vicente escreveu a monografia “História e Fé na Conquista do Sertão do Norte: A CAPELA DAS FRECHEIRAS”, como “parte complementar do Curso de Especialização em História do Brasil realizado em Teresina, no período de outubro de 2005 a dezembro de 2006”.


Foto do historiador e economista Felipe Mendes 

No trabalho referido acima, Vicente Miranda toma como base para a datação da capela os algarismos vistos nas extremidades da cruz desenhada no seu frontispício, seguindo a ordem do “pelo sinal” ou sinal da cruz (testa, peito, ombro esquerdo e ombro direito), o que é muito lógico e racional, em se tratando de templo católico. Assim, sem sombra de dúvida, os algarismos formam o número/ano 1766 (no caso, o sete guarda alguma semelhança com o número um de ponta cabeça, como é compreensível e evidente).

Não bastasse tudo isso, essa cruz, situada no lado direito da edificação (à esquerda do observador), guarda coerência com a do lado esquerdo, que tem quatro letras nas suas partes extremas, cuja leitura, seguindo a mesma ordem do sinal da cruz, forma as iniciais das palavras (ou frase): Nosso Deus Rei Salvador, que, por sua vez, se harmoniza com a frase latina  Natus Domini Regnum Salus (do Nascimento de nosso Senhor Rei Salvador). Portanto, tudo converge ou conspira para que a data proposta por Vicente Miranda – 1766 – seja a correta, ainda mais porque ela se concilia com os documentos de registro do imóvel.

Ademais, há que se levar em conta que o vetusto templo de Viçosa do Ceará, onde ficava a sede da missão jesuítica na região, foi erigido somente em 1700. A capela anterior era de taipa e palha, pelo que se verifica ser pouco crível que a ermida de Frecheiras possa haver sido construída em 1616 ou 1619, em local onde nunca foram comprovados a existência e vestígios de missão ou aldeamento, seja por documentos ou outras provas admissíveis.

O autor, através de documentos civis e eclesiásticos, que transcreve, demonstra que o imóvel onde se localiza a ermida pertencia a Diogo Álvares Ferreira Veras, que foi poderoso político e rico agropecuarista, posto que foi vereador da primeira composição do Senado da Câmara de Parnaíba e capitão-mor nessa vila. Por outro lado, suas afirmativas se afinam com o que já afirmava o festejado historiador Pe. Cláudio Melo, conforme pode ser visto neste trecho da monografia:

“Obedientes à sua condição de “fregueses”, Diogo Álvares e Francisca Thomazia curvaram-se à hierarquia eclesiástica, solicitando ao Bispo do Maranhão a competente autorização para construir a capela das Frecheiras. Foi nos arquivos daquele Bispado, ao qual pertenceu durante muito tempo a Freguesia de Nossa Senhora do Carmo de Piracuruca, que o historiador e pesquisador padre Cláudio Melo (1932 – 1981) encontrou os fundamentos históricos que elucidam as dúvidas, tanto em relação aos fundadores quanto em relação à data da construção da citada capela: ‘Piracuruca teve também no século XVIII a Capela de Frecheiras, construída a partir de 1767, pelo Capitão Mor Diogo Álvares Ferreira e sua piedosa mulher, Dona Francisca Tomásia Veras. Esta Capela ainda hoje existe e é um dos pouquíssimos templos históricos do nosso Piauí’ (grifamos).”

E se Diogo e Tomásia pediram “autorização para construir a capela das Frecheiras” é porque ela, obviamente, não existia. Portanto, entendo que até o surgimento de melhores provas e mais robustos argumentos, a tese esposada por Vicente Miranda (e pelo padre Cláudio Melo) deve ser considerada a mais lídima expressão da verdade, contra a qual não podem prevalecer meras hipóteses, suposições e ilações.

Agora, como já me vou dilatando em laudas, farei uma “minissíntese” das novas etapas da excursão, como disse um gaiato colega em sala de aula, em meus áureos tempos juvenis.

Fomos conhecer a Escola Augustinho Brandão, na cidade de Cocal dos Alves, que vem se excedendo em excelência no ensino, arrebatando importantes prêmios, em diferentes certames e olimpíadas de matemática. No bonito, amplo e muito limpo educandário, mas em auditório improvisado, foram feitos diversos pronunciamentos e reivindicações, recolhidos em documentos, assim como comoventes depoimentos de superação, esforço e exemplo. Como homenagem, consigno os nomes do prefeito Osmar Vieira, da diretora Aurilene Vieira e do paradigmático professor de matemática Amaral (Antônio Cardoso do Amaral).

Fonte: Google/Portal do Catita

Fonte: Google/180 Graus

Nosso destino seguinte foi Piracuruca. Esta é a terra de meus ancestrais maternos, por parte de antigas famílias. Nela, para gáudio meu, tomei posse efetiva do meu cargo de juiz de Direito, nos idos de janeiro de 1997. Ali escrevi o poema épico moderno Sete Cidades – roteiro de um passeio poético e sentimental, que desejava escrever há muitos anos, no curto período de menos de mês, em que exerci as funções de juiz auxiliar. Revi a magnífica igreja de pedra de Nossa Senhora do Carmo, revestida de muita história, lenda e beleza. Sua construção, pelos irmãos Dantas, foi quase uma epopeia, inclusive pelo episódio que lhes fez realizar a célebre promessa de sua ereção.

Conheci o Casarão, admirável obra arquitetônica, que abriga o excelente Museu da escritora e historiadora Maria do Carmo e do seu marido José de Morais Brito. Seus espaços ambientais, memoriais e disposição de peças artísticas e históricas foram muito bem planejadas e executadas, como tive ocasião de deixar gravado em vídeo, quando entreguei um quadro com as estrofes e ilustração da primeira parte de meu poema Sete Cidades, em que fiz a louvação das louçanias das encantadas e encantadoras cidades de pedra:

Sete Cidades:
sonho feito
de pedra
pedra feita
de sonho
sonho que se fez sonho
na concretude da pedra.

Com toda a certeza, o Museu do Casarão, ou Museu de Dona Maria do Carmo, foi feito com muito amor e esmero, e sem dúvida com muito bom-gosto e vasto gasto de dinheiro e cabedais, porquanto nem só de amor vive o homem, conquanto também nem só de pão.

Em Piripiri, terra de alguns de meus avoengos paternos, visitamos a velha estação ferroviária, onde foi instalado o Auditório Osíris Neves de Melo, em que já tive a oportunidade de lançar livro em companhia de minha amiga Clea Rezende Neves de Melo, professora universitária, cronista e historiadora, e poeta como seu pai, patrono do auditório. Além dos vários discursos proferidos, o confrade Zózimo Tavares, escritor e jornalista da melhor cepa, lançou a sua importante obra biográfica sobre o governador Alberto Silva, que foi diretor da Estrada de Ferro Central do Piauí – EFCP, cujas locomotivas – maria fumaça e a diesel – por ali passaram em tempos idos e saudosos.

Na imperial Pedro II, fomos hóspedes do empresário Gerson Mourão Filho, amigo há várias décadas do Lirton Nogueira. Nosso anfitrião nos tratou com toda lhaneza e fidalguia, como só os antigos cavalheiros sabiam fazer. Na manhã do dia seguinte, nos mostrou antigos casarões da cidade, sobretudo o Solar da Estrela Marrom, como a designou o jornalista e escritor José Eduardo Pereira, que é como se fora um museu a abrigar outro museu, composto por seus objetos, utensílios e móveis, como bilhas, oratórios, baús e cristaleiras.

Seus retratos são uma espécie de memorial da família, por assim dizer uma ilustrada genealogia. Falou da visita do general Hamilton Mourão, vice-presidente da República, que visitou a terra de seus antepassados. Gerson Mourão Filho lhe foi dedicado anfitrião e cicerone. A seu convite dei uma entrevista à rádio Imperial, de sua propriedade, em que falei de minha vida cultural e literária. Já escrevi algumas crônicas sobre essa bela e ainda bucólica cidade, de ameno clima serrano, de uma das quais transcrevo o seguinte trecho:

“Alguns dos casarões ostentam placas, nas quais são nomeados os patriarcas das famílias que neles residem ou residiram. Assim, uma delas indicava o nome do coronel Domingos Mourão Filho, que residiu no Solar da Estrela Marrom, cuja biografia foi narrada pelo jornalista e escritor José Eduardo Pereira em memorial álbum; outra, referia o casarão haver pertencido à família Gomes Campelo, da qual faz parte o desembargador Tomaz Gomes Campelo, que sempre comparece aos importantes eventos culturais da cidade.

Encerramos o nosso périplo turístico no Mirante do Gritador, de onde se tem uma deslumbrante visão do abismo e dos morros adjacentes, além das casas e quintais, que se erguem no vale. Embora, como dito, o eco estivesse de folga ou de greve, o mesmo não aconteceu com o vento, que nos devolveu os objetos leves, que lançamos ao precipício.

Acredito que o despenhadeiro do Gritador seja um boqueirão dos ventos, que, ao baterem na fralda do morro, erguem-se em busca de saída para sua desenfreada e incansável correria, devolvendo esses objetos, como se eles fossem um bumerangue. Saquei um potente binóculo e trouxe para mais perto de mim a beleza da paisagem serrana, que se erguia ao longe, e a trouxe comigo, no embornal de minha memória, e no cartão de memória da máquina fotográfica.”   

Mas, para que não se diga que só falei de flores, o Lirton resolveu ir conhecer o Museu da Roça. Ao tentar abrir o portão, constatei que estava fechado a cadeado. Quando Lirton deu marcha à ré, os dois pneus da lateral direita da picape caíram numa vala, provocada pela erosão. Porém, tudo acabou em flores, porque logo fomos socorridos pelo Gerson Filho, Rubens Luna e outros amigos, e pudemos seguir, em rota alternativa, para a Cachoeira da Pedra Negra, em Campo Maior, por mim desconhecida, que pertencera a uma tia sua, frequentada por ele em sua infância e adolescência.

Contudo, uma outra surpresa desagradável nos aguardava. No mourão da porteira se encontravam afixadas duas placas, que estampavam, em letreiros bem enfáticos e repetitivos, as seguintes frases: “Privado – Não entre sem permissão – Proibido entrada: de turistas, banhistas etc... – Por favor não insista – Respeite nossa privacidade!” Chamo a atenção do leitor, para o etc. seguido de reticências [...], como a dizer, de forma peremptória, que não existia nenhuma exceção. Como o portão não se encontrava fechado a cadeado ou fechadura, resolvemos nos arriscar e entramos.

Encontramos no alpendre da sede do imóvel três idosos, dois homens e uma mulher. Como muita humildade e mil pedidos de desculpas, o meu colega e amigo explicou a situação; falou que o imóvel pertencera a sua tia e ao ex-deputado federal, engenheiro e arquiteto Adalberto Alexandrino Correia Lima, com quem ela na época era casada; que ali estivera muitas vezes, em sua meninice e adolescência; que viera de longe, movido pela saudade de rever a cachoeira, mas, se não permitissem a rápida visita, não haveria problema.

O idoso, apresentado como sendo pai do dono do sítio, ainda iniciou uma frase, que parecia ser de indeferimento; mas Lirton estava eloquente e argumentativo, e retomou a sua petição oral, com novos e reforçados fundamentos. O homem, então, permitiu nossa ida à queda-d’água. Tivemos uma bela visão do açude, construído por Adalberto Correia Lima. Vimos o alto paredão da cachoeira, de pedra negra, como seu nome indicava, por onde despencava a água, como uma pequena e bela Catarata do Iguaçu.

Perto de onde tomamos um delicioso e refrescante banho, havia uma imensa árvore, frondosa e cheia de cipós, na qual se enroscavam belas plantas trepadeiras, de grandes folhas esmaltadas, que reverberavam ao sol da caatinga. Ao mergulhar naquelas águas frias, acho que o Lirton mergulhou no passado e na saudade de sua meninice, alegre e descuidada, “que os anos não trazem mais”.

Foi, enfim, o arremate feliz de um turismo histórico, cultural e ecológico.

Finalizando, quero acrescentar, sobretudo no tocante à parte histórica, que não desejei contrariar ou magoar ninguém, e tampouco criar polêmicas e discussões. Mas, entendo que só se faz história com a verdade, pois caso contrário seria estória, ou até mesmo estória de Trancoso. Mesmo com relação às suas suposições e hipóteses mais apaixonantes e queridas, o historiador deve abdicar, quando surgir uma melhor prova e uma mais consistente argumentação em contrário.

Ante a verdade, todos devemos nos curvar. Assim como o mal não pode prevalecer sobre o bem, hipóteses e conjecturas não podem se contrapor à verdade. Esta é tão importante que levou Jesus a dizer: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida.”

E deve a verdade ser o caminho e a vida do historiador e da História. 

(*) Esta crônica serve de prefácio ao e-book “História e Fé na Conquista do Sertão do Norte: A CAPELA DAS FRECHEIRAS”, por sugestão do professor Ricardo Alaggio Ribeiro, diretor da EDUFPI, com a devida autorização do historiador e genealogista Vicente Miranda.    

terça-feira, 28 de maio de 2019

A capela das Frecheiras

Fonte: Jornal da Parnaíba
Fonte: Blog do Coveiro


Seria a Capela das Frecheiras, situada no Norte do Piauí, no município de Cocal, a mais antiga do Piauí, conforme advogam alguns pesquisadores? O genealogista e historiador Vicente  Miranda debruçou-se sobre o tema e produziu "História e Fé na Conquista do Sertão do Norte: a Capela das Frecheiras". Nesse estudo, demonstra "que a capela realmente é antiga, cuja construção remonta ao ano de 1766, mas apenas denota o elevado grau de religiosidade da família que a edificou - a família Veras".

Leia na integra História e Fé na Conquista do Sertão do Norte: a Capela das Frecheiras no link abaixo:

domingo, 26 de maio de 2019

Seleta Piauiense - Jônatas Batista

Fonte: Google


A mulher

Jônatas Batista (1885 – 1935)

Criança é o lírio, puro e nevado,
Todo orvalhado, do campo em meio;
Anjo formoso do céu roubado,
Sempre encantado, de graça cheio.

Moça é qual ave, gentil, medrosa,
Fugindo airosa do caçador;
Corando, às vezes, treme nervosa,
Se descuidosa murmura – amor.

Esposa é a imagem, perfeita e pura,
Dessa ternura que, em sonhos, vejo;
Do lar a graça, toda a ventura,
Vida e doçura de um casto beijo.

Mãe – terna¹ amiga, doce alegria,
Santa Maria, tão meiga e boa...
Anjo da guarda, canto e poesia,
Luz que irradia – Mãe² que abençoa!...

[1] Na minha fonte consta tema.
[2] Penso que, talvez, deva ser mão.

Fonte: Antologia da Academia Piauiense de Letras (2ª edição, p. 278, APL/Coleção 100 Anos)   

sexta-feira, 24 de maio de 2019

3 POSTAIS DE PARNAÍBA

Fonte: Blog do Mário Pires


3 POSTAIS DE PARNAÍBA

Elmar Carvalho

           
Os saudosos Augusto e Dourado, na frente do extinto Recanto da Saudade

POSTAL I

As águas podres
da vala da Quarenta
tomam banho nas águas puras do Igaraçu,
nas imediações da Munguba,
onde bêbados pobres de dentes podres
dizem coisas doces por entre
o bafo azedo de vômito e de cachaça.
Um bolero, o tilintar de copos, os ruídos
da noite e os gemidos de camas e casais
completam as cenas e o cenário.

Fonte: Google/Helder Fontenele

POSTAL II

No cais da beira-rio
lavadeiras sem roupas
lavam as roupas dos ricos.
O vento brinca de pegar
parelha com o Igaraçu
e venta vadio no ventre
das velas dos veleiros e
verga suas vigas entre
vagidos e volatas.
À noite filhos-de-papais
tomam cerveja e Coca-Cola
encostados nos carrões,
enquanto as lavadeiras
passam as roupas lavadas.
A noite passa. Passa o vento.
             Passa o rio, o riso/rosa
rápido passa.

Fonte: Google/Edilson Morais Brito

POSTAL III

Hoje o Porto Salgado
                       sal’do nominal
                       do naufrágio
de uma barcaça de sal
é salamargo na lembrança
dos vareiros e embarcadiços.
E a água do Igaraçu
é uma lágrima de saudade
                        (ou sal’dade?)
do fastígio de outrora.
Os parcos barcos são
poemas de chegadas e partidas
e símbolos da decadência.  

quinta-feira, 23 de maio de 2019

Tragédia concretista (*)

Fonte: Google


Tragédia concretista (*)

Luís Martins

O poeta concretista acordou inspirado. Sonhara a noite toda com a namorada. E pensou: lábio, lábia. O lábio em que pensou era o da namorada, a lábia era a própria. Em todo o caso, na pior das hipóteses, já tinha um bom começo de poema. Todavia, cada vez mais obcecado pela lembrança daqueles lábios, achou que podia aproveitar a sua lábia e, provisoriamente desinteressado da poesia pura, resolveu telefonar à criatura amada, na esperança de maiores intimidades e vantagens. Até os poetas concretistas podem ser homens práticos.

Como, porém, transmitir a mensagem amorosa em termos vulgares, de toda a gente, se era um poeta concretista e nisto justamente residia (segundo julgava) todo o seu prestígio aos olhos das moças? Tinha que fazer um poema. A moça chamava-se Ema, era fácil. Discou. Assim que ouviu, do outro lado da linha, o “alô” sonolento do objeto amado, foi logo disparando:

- Ema. Amo. Amas?
- Como? – surpreendeu-se a jovem – Quem fala?
- Falo. Falas. Falemos.

A pequena, julgando-se vítima de um “trote”, ficou por conta e, como era muito bem-educada (essas meninas de hoje!), desligou violentamente, não antes de perpetrar, sem querer, um precioso “hai-kai” concretista:

- Basta, besta!

O poeta ficou fulminado. Não podia, não podia compreender. Sofreu, que também os concretistas sofrem; estava apaixonado, que também os concretistas se apaixonam, quando são jovens – e todo poeta concretista é jovem. Não tinha lábia. Não teria os lábios. Por que não viajar para a Líbia? Desaparecer, sumir… Sentia-se profundamente desgraçado, inútil. Um triste. Um traste.

O consolo possível era a poesia. Sentou e escreveu:

“Bela. Bola. Bala.”

O que, traduzindo em vulgar, vem a dar esta banalidade: “A minha bela, não me dá bola. Isto acaba em bala.”

Não acabou, naturalmente. Tomou uma bebedeira e tratou de arranjar outra namorada, a quem dedicou um soneto parnasiano. Foi a conta. Casaram-se e são muito falazes… Oh! Perdão: felizes. 

(*) Tomei conhecimento dessa bela e criativa crônica/conto através do livro As cem melhores crônicas, seleção de Joaquim Ferreira dos Santos (Objetiva, 1ª ed., 18ª impressão, 2017).

Fonte: Blog do Teco, o poeta sonhador

terça-feira, 21 de maio de 2019

Meu amigo e poeta Jamerson Lemos


 
Theddy Ribeiro, Deusdete Nunes (Garrincha) e Jamerson Lemos. Fonte: Google/Meio Norte


Meu amigo e poeta Jamerson Lemos

Elmar Carvalho

De manhã fui olhar parte de minha biblioteca, que fica em outra dependência da casa. Logo dei de cara com o livro Sábado Árido, de meu saudoso amigo Jamerson Lemos, poeta visceral, de muita sensibilidade e criatividade.
Jamerson era poeta todo dia, o dia todo. O opúsculo já está maltratado pelas intempéries do tempo, e levemente roído nas bordas das páginas pela irreverência e iconoclastia das traças, que não respeitam nem as boas nem as más obras. As traças não se importam com o teor do livro, mas apenas com o sabor do papel. É um pequeno grande livro. Claro, pequeno no tamanho, grande na qualidade literária.
Foi publicado em 1985. Em dedicatória datada do ano seguinte, o bardo escreveu: “Ao meu irmão Elmar Carvalho o sol do meu dia-a-dia, com o meu abraço”. Entre outras pessoas de sua amizade e admiração, dedicou-o a sua esposa, Maria das Dores, e a seus filhos Jamerson Júnior, hoje médico, e Ceres Josiane, formada em Direito.
Transcrevo o que dele disse A. Tito Filho: “Li, com entusiasmo, SÁBADO ÁRIDO, poemas em que Jamerson Lemos procura captar o essencial da vida. Os versos curtos são notavelmente rítmicos. O pensamento é íntimo e nostálgico, ideológico, mas sempre verdadeiro, pleno de angústias vitais”.
Nada tenho a acrescentar à consideração crítica do mestre, exceto que concordo com ele em gênero, número e grau, para usar uma expressão surrada e gasta. A maior homenagem que se pode prestar a um poeta é ler ou recitar os seus versos. Jamerson é um poeta para ser lido e recitado, por causa da qualidade do conteúdo e da melodia de seus versos.
Merece, com urgência, ser reeditado, para ser lido, meditado e “degustado”.


27 de fevereiro de 2010

domingo, 19 de maio de 2019

Seleta Piauiense - Antônio Chaves



A minha mãe

Antônio Chaves (1883 – 1938)

Tu, cuja prece aos céus por mim se evola,
Tu és o alívio verdadeiro e santo
À grande mágoa que se desenrola
Dentro em meu peito trêmulo de espanto.

Pobre de mim, em cuja face rola
O rosário tristíssimo do pranto,
Se não te ouvisse a voz que me consola
E os sofrimentos meus veste de encanto.

Graças a ti, ainda sinto alento
E vou rompendo, pálido e cansado,
Da vida o imenso e doloroso trilho...

Sim, a ti que me tens no pensamento,
E que não sabes, mãe, com que cuidado
Vives guardada n’alma de teu filho.

Fonte: Nebulosas, ed. APL/Coleção Centenário, 2013   

sexta-feira, 17 de maio de 2019

MOLECADA EM CORREÇÃO MILITAR NA ILHOTA



MOLECADA EM CORREÇÃO MILITAR NA ILHOTA

José Maria Vasconcelos, CRONISTA, JOSEMARIA001@HOTMAIL.COM

                      As ESCOLAS MILITARES multiplicam-se, Brasil afora, às dezenas, com excelentes resultados e aceitação das famílias. TERESINA, TIMON e CAXIAS já contam. Essas instituições impõem códigos de condutas inimagináveis: pontualidade, fardamento militar integral, canto do Hino Nacional em postura de respeito à BANDEIRA NACIONAL, conservação e limpeza dos móveis e instalações, disciplina rígida, cultivo de hortas, respeito a autoridades; penalidades ou expulsão por malandragens e vícios; formação religiosa cristã, presença da família. A renovação da matrícula dependerá da fidelidade aos estatutos da escola.

         Diferente das atuais escolas militares, já funcionou, em TERESINA, um estabelecimento militar somente para MENORES INFRATORES. Refiro-me à ESCOLA MILITAR ILHOTA ou SEMAPI (SERVIÇO DE ASSISTÊNCIA AO MENOR ABANDONADO) onde, hoje, fica uma das unidades da POLÍCIA MILITAR DO PIAUÍ (CEFAPI). A molecada temia a ronda da Polícia, que recolhia menores infratores que perambulavam por cabarés e bares. Os menores usavam farda militar, cordas na cintura, além de peixeira. E, olhe, menores infratores, que não molestavam cidadãos, porque temiam castigos.

JOSÉ DE RIBAMAR NUNES lançou, há pouco, o livro MORRO DO QUEROSENE, em que retrata a antiga e paupérrima região da ILHOTA e o MORRO DO QUEROSENE, minado de prostíbulos e casas de palha. Ali e na PIÇARRA, JOSÉ DE RIBAMAR viveu a infância e mocidade pobres, objetos de seu livro de crônicas. Na obra, o autor personifica o menino JOÃO LUÍS. JOSÉ RIBAMAR, depois funcionário do BANCO DO BRASIL, advogado, professor e escritor.

Alguns tópicos do capítulo A ILHOTA: “Os meninos moravam em torno do Morro do Querosene e imediações, entre os quais João Luís... presenciavam brigas de mulheres do Morro, escândalos de homens embriagados... Quando algum dos meninos cometia algo de grave, logo vinha a ameaça dos pais: “Olha, eu vou te botar na Ilhota!”... Os meninos ficavam apavorados... Na verdade, lá não era bicho-de-sete cabeças...havia muita disciplina e organização, uma espécie de quartel infanto-juvenil...administrado com mão de ferro...Lá estudavam, aprendiam ofício... eram devolvidos às famílias ou encaminhados para o serviço militar... faziam faxina...visitavam os pais a cada 15 dias...”

O BRASIL LEVA JEITO, SIM, com ESCOLA MILITAR, SEM MIMIMI E EXCESSO DE TOLERÂNCIA.    

quarta-feira, 15 de maio de 2019

Meus tempos de editor na FCMC


 




Meus tempos de editor na FCMC

Elmar Carvalho

Esta madrugada, sonhei com a minha gestão à frente da presidência do Conselho Editorial da Fundação Cultural Monsenhor Chaves, quando fui o coordenador de Editoração dessa entidade. Aproveitei para dar uma olhada em algumas das obras de que fui editor. Fui indicado pelo poeta e escritor Francisco Miguel de Moura à dona Eugênia Ferraz, que era a presidente da FCMC, acredito que por causa de minha atuação como presidente da União Brasileira de Escritores do Piauí – UBE-PI.

Para escrever esta nota, não fui atrás de datas na Fundação, de modo que não serei preciso quanto a isso. Assumi as funções editoriais no ano de 1994, quando o prefeito era o professor Wall Ferraz, e as deixei no final de 1997, quando tomei posse de minhas funções magistraturais perante o Tribunal de Justiça do Piauí. Com a morte de Wall Ferraz, assumiu o cargo de prefeito Francisco Gerardo, que foi sucedido por Firmino Filho.

No primeiro mandato deste, presidiu a FCMC a professora Cecília Mendes, a cuja administração servi durante quase um ano. Tive a sorte de exercer minhas funções durante um período em que a editoração foi prioridade no órgão municipal de cultura. Para administrar com impessoalidade, logo que assumi a presidência do Conselho elaborei os regulamentos de editoração e do Conselho Editorial, que foram aprovados por este e pela presidente da Fundação, que assinou as portarias respectivas, e também passei a fazer a distribuição de obras para análise dos conselheiros através de rodízio, fazendo constar em ata tanto a distribuição como a aprovação ou rejeição.

Foi, na época a que me refiro, sem a menor sombra de dúvida, o mais importante e arrojado plano editorial do Estado do Piauí, bastando que se diga que a cada quatro meses, regularmente, eram publicados a revista Cadernos de Teresina e mais quatro a seis livros. Por isso, posso afirmar que durante o meu período foram publicadas aproximadamente 60 (sessenta) obras.

Foram gestoras da FCMC, como já disse, as senhoras Eugênia Ferraz e Cecília Mendes, das quais tive total apoio, sem nenhuma interferência autoritária no Conselho, uma vez que ambas acatavam as decisões do colegiado. Devo acrescentar que a FCMC tinha uma equipe “enxuta”, mas dedicada, motivada, e que realmente vestia a camisa da cultura. Tive um bom relacionamento com todos, e de todos guardo boas lembranças.

Fora as cerca de quinze revistas Cadernos de Teresina, editadas no período em debate, foram publicados, aproximadamente, 45 livros, todos aprovados pelo Conselho, e muitos deles da mais alta significação para a cultura e a literatura do Piauí. De cabeça, sem consulta a anotações ou registros burocráticos, cito alguns, como uma pálida demonstração do que afirmo:

Dicionário Histórico e Geográfico do Estado do Piauí, de Cláudio Bastos, Os Literatos e a República: Clodoaldo Freitas, Higino Cunha e as Tiranias do Tempo, de Teresinha Queiroz, Literatura Piauiense – escorço histórico, de João Pinheiro, com posfácio de atualização de Francisco Miguel de Moura, A Harpa do Caçador, de Teodoro Castelo Branco, Crônicas de Sempre, org. de Adrião Neto, A Poesia Piauiense no Século XX, em parceria com a Imago, org. de Assis Brasil, várias obras de Mons. Chaves, Escravos do Sertão, de Miridan Brito Knox Falci, O Ofício da Palavra, de Elizabeth Oliveira, Mulheres Plurais, de Pedro Vilarinho Castelo Branco, Balaios e Bem-te-vis – a guerrilha sertaneja, de Claudete Maria Miranda Dias, Anos 70: Por que essa Lâmina nas Palavras?, de José Pereira Bezerra etc. Na revista, foram publicadas memoráveis entrevistas, como as em que foram entrevistados Mons. Chaves, Alcenor Candeira Filho, Cineas Santos, Assis Brasil, Celso Barros Coelho, Raimundo Nonato Monteiro de Santana e Pe. Raimundo José Airemoraes, cujos entrevistadores éramos eu e o jornalista Domingos Bezerra Filho, além de textos de contistas, cronistas, poetas e historiadores.

Além disso, foram editadas obras vencedoras de concursos literários, inclusive volume de textos de literatura de cordel. Com o impacto da morte de Wall Ferraz, que comoveu a população teresinense, idealizei o livro Wall Ferraz – o homem e o estadista (coletânea de crônicas e artigos), que também foi editado. Após esse infausto acontecimento, o Dicionário Histórico e Geográfico do Piauí, que havia sido acolhido com entusiasmo pelo falecido prefeito, recebeu o Prêmio Clio, concedido pela Academia Paulistana de História, que fui receber na Paulicéia, por designação de dona Eugênia Ferraz.

Na minha gestão, foram conselheiros Francisco Hardi Filho, João Bosco da Silva, José Airton Ferreira de Sousa, Marcelino Leal Barroso de Carvalho, Silvana Maria Santana de Oliveira, Rubervam Maciel do Nascimento e Francisco Miguel de Moura. Sugeri muitas capas ao artista plástico Radamés, enquanto outras foram concepções de Áureo Tupinambá Júnior e Gabriel Arcanjo, além de outros artistas.

Nas solenidades de lançamento da revista e dos livros, usávamos da palavra o prefeito, um representante dos autores e eu, representando a FCMC, em que comentava e analisava as obras. Aproveitando o apoio da administração superior da Fundação, envidei todos os meus esforços para que o plano editorial fosse bem-sucedido, e, sem cabotinismo, devo admitir que assim foi.   

26 de fevereiro de 2010