terça-feira, 31 de janeiro de 2023

A Estética na obra Morangos Silvestres e outros contos eróticos, de J. L. Rocha do Nascimento

Fonte: Google


A Estética na obra Morangos Silvestres e outros contos eróticos, de J. L. Rocha do Nascimento


Carlos Evandro M. Eulálio

 

Alguns teóricos consideram o erotismo o tema mais antigo da literatura.  Na antiguidade o vemos desde os Cânticos dos Cânticos da Bíblia, perpassando pelo Satíricon, um texto de Petrônio escrito no século I, aos escritos do francês Marquês de Sade (1714/1814). No Brasil, o erotismo como arte literária surge inicialmente com Gregório de Matos Guerra (1636 – 1696) e comparece nos textos de alguns autores das nossas escolas literárias do século XIX aos dias atuais. Obras que há algum tempo eram restritas, por vezes até de circulação clandestina, são agora acolhidas por um público bem maior em relação àquele de décadas passadas. Mesmo diante de um número razoável de publicações de obras que abordam a sexualidade, observa-se, no entanto, que alguns leitores alimentam tabus em relação a essa linha de produção, vista ainda como gênero de texto de qualidade inferior ao cânone literário, talvez pela dificuldade que têm em distinguir o pornográfico do erótico. Para definir esses termos com mais precisão, alguns autores partem de conceitos dicotômicos, quando consideram o erotismo uma arte elevada, produzida para estimular o intelecto, enquanto o pornográfico uma arte rebaixada, para estimular o corpo, portanto, desprovida de qualquer função estética, servindo apenas ao estímulo sexual: (GUIDOTTI, 2019, p.29).

Com base nos conceitos de Maingueneau, para quem o texto erótico é sempre tomado pela tentação do esteticismo, tentado a transformar a sugestão sexual em contemplação das formas puras, a professora Clarissa Garcia Guidotti esclarece: [...] enquanto o texto pornográfico será explícito e direto, com o uso de uma linguagem muito mais denotativa, o erotismo se valerá das ambiguidades, metáforas, metonímias e outras figuras de linguagem. A diferenciação básica que Maingueneau estabelece entre os dois gêneros, tem a ver com o uso da função poética, que será amplamente solicitada pelo autor do texto erótico. (GUIDOTTI, 2019, p.30).

Fundamentada na etimologia desses termos, a psicóloga Audrey Vanessa Barbosa Leme declara: [...] a palavra pornografia do grego pornographos remete a hábitos e costumes relacionados à devassidão sexual, ao que é considerado obsceno, indecente, sendo veiculada por meio de imagens, publicações, linguagens, gestos etc. Também do grego, a palavra erotismo, de Eros, Deus do amor e da Paixão, relaciona-se à sensualidade e ao amor; é a poesia do sexo. O erotismo insinua, deixando espaço para a imaginação, enquanto a pornografia é explícita (LEME, 2015). 

Nessa linha de raciocínio, eis a seguir algumas opiniões de escritores especialistas no assunto, coligidas por Omar Godoy, em seu texto A lei do Desejo:

-  Eliane Robert Moraes, crítica literária, organizadora da Antologia da poesia erótica brasileira afirma que a separação entre erotismo e pornografia parece ser mesmo um entrave na compreensão da sexualidade na arte.

- Márcia Denser, autora de O animal dos Motéis (1981), rejeita o rótulo de literatura erótica. Ela se queixa de ter recebido o carimbo de escritora erótica por questões comerciais: Não sou escritora erótica, nem faço literatura erótica. Faço literatura, ponto.

- Antonio Carlos Viana, escritor sergipano e teórico da literatura, ensina que um dos cuidados a serem tomados pelo escritor é esquecer o perfil de quem vai ler a obra. [...]. O que importa é que a linguagem seja aliciadora, que o cative a cada palavra colocada, transportando para algo que ele conhece, mas nunca viu escrito daquele jeito. Ele acredita ainda no poder da sugestão, afirma que muitas vezes, você pode fazer simplesmente uma alusão à cena e nada mais. Existe conto mais erótico do que ‘Missa do Galo’, de Machado de Assis? Tudo ali é apenas sugestão, mas o clima erótico envolve as duas personagens de tal forma que até parece sonho, conclui Viana.

Na entrevista a Wellington Soares, respondendo acerca de sua faceta erótica em Fesceninos (sic), conto que abre o livro Dei pra mal dizer, escrito em parceria com Airton Sampaio e M. de Moura Filho, J. L. Rocha do Nascimento afirma: Embora recorrente, o erotismo ainda é um termo interditado, quase sempre visto com alguma reserva, sobretudo por quem não sabe fazer distinção entre erotismo e pornografia. Parafraseando o filósofo alemão Hans-Georg Gádamer, se o leitor quer compreender um texto, tem que deixar que ele diga algo, numa palavra: tem que dar uma chance ao texto. Foi isso que aconteceu. Quem suspendeu os seus pré-juízos, e leu o livro, percebeu que o tratamento dado ao tema foi sério, há neles uma preocupação estética. Infelizmente, alguns leitores fizeram apenas juízos morais e não estéticos (ROCHA DO NASCIMENTO, J. L. 2021, p. 58).

São pertinentes as palavras do autor, quando lemos a sua mais recente obra literária Morangos Silvestres e outros contos eróticos. O estético em suas páginas é um dos principais ingredientes que concorrem para a construção da tessitura textual do livro. O trabalho artístico do autor deriva dos inúmeros recursos estilísticos que utiliza nos contos, decorrentes do uso da função poética, através de imagens sinestésicas e sugestivas, metáforas, alusões e associações que presentificam nos textos elementos semânticos e/ou formais inerentes aos gêneros de textos, teatral, musical e cinematográfico.

O livro é composto de 21 contos, repletos de referências intertextuais, a maioria narrados em primeira pessoa (exceto os contos Butim, Conjunção de Sabores e Óleo de Ameixa), todos com personagens inominadas. São protagonistas dos relatos personagens tanto masculinas quanto femininas. Geralmente o final de um conto abre o início do seguinte. Essa técnica nos intui afirmar que os contos da obra, embora autônomos entre si, unificam-se na totalidade da narrativa. Com isso o autor consegue vencer um dos maiores desafios dos escritores da atualidade, qual seja o de manter o leitor interessado do início ao final dos textos que se cruzam e se completam na narrativa seguinte, caracterizando um formato de livro que transcende limites da prosa tradicional. A retomada da história de um conto por outro, em geral acontece com mudança do foco narrativo, embora os textos mantenham a sequência da mesma história, como nos contos Anjo Sado e Gran Finale, por exemplo. Em Anjo Sado, o foco narrativo é da perspectiva do primeiro narrador-protagonista:

Adoro quando você me amarra os pés e prende minhas mãos, ela disse, enquanto eu me preparava para o ritual, que dei início logo após saírem de sua boca as palavras mágicas: vai, me bate! Bate forte, daquele jeito. (ROCHA NASCIMENTO, J. L. 2022, p. 65).

Já no conto seguinte, Gran Finale, o ponto de vista se transfere para o segundo protagonista:

Minhas carnes tremiam quando perguntava se eu queria apanhar, de mentirinha, claro, mesmo batendo forte. Eu, é claro, dizia quero, bate! E, naquele dia. Eu queria mais que nunca. (ROCHA NASCIMENTO, J. L. 2022, p. 67).

O conto de abertura, Morangos Silvestres, título inspirado no filme do mesmo nome, do sueco Igmar Bergman, evoca cenas associadas implicitamente ao protagonista dessa grandiosa obra cinematográfica Isak Borg:

[...] Instantes depois, nossas roupas misturadas pelo chão, nossos corpos nus perseguiam um ao outro e nossas carnes, trêmulas, ardiam em brasa. Em Bergman, será que eles são apenas uma referência? Perguntou, enquanto tocava com a ponta da língua e superfície texturizada. Em suas lembranças, o protagonista volta à cena em que sua paixão de adolescência se dirige ao pomar. (ROCHA NASCIMENTO, J. L. 2022, p.11).

Na sequência, não numa sucessão linear de eventos, mas numa conexão de cenas em cadeia discursiva, como nas montagens de Bergman, a personagem dialoga com Sérgio Leone, cineasta italiano, mestre no manejo do close-up:

[...] Insisti nos movimentos circulares, já bem na antecâmara. Seus olhos pareciam desmaiar o corpo. Pensei numa tomada com a câmera avançando rápido à maneira de Sérgio Leone. Afaste uma da outra, deixe-a abertas, o máximo possível, escancaradas, para que ela cresça diante dos meus olhos, quero ver tudo, eu como com os olhos, você sabe. (ROCHA NASCIMENTO, J. L. 2022, p.12).  

Outras alusões e associações que estabelecem relações com o cinema e com a literatura, merecem destaque no mesmo conto, nas seguintes passagens das páginas 12 e 13:

- [...] Veio-me então outra ideia, Brando é que estava certo, nada de seguir roteiros preconcebidos. (Sabe-se que o ator Marlon Brando – 1924/2004 - improvisava parte de suas falas nas cenas que representava no cinema). 

-  [...] Transformei-me num cão farejador, dei de salivar. Os que bebem como os cães, lembrei-me não sei bem por quê, do episódio bíblico, ou teria sido do romance? Ainda à maneira canina, comecei a lamber aquela pele azeitada com óleo de ameixa. Matei minha sede. (Referências ao romance de Assis Brasil, Os que Bebem como os Cães, e aos que bebem como os cães da passagem bíblica do Livro dos Juízes, capítulo 7, em alusão ao exército de Gideão). 

- [...] Passado algum tempo, ela e suas carnes, subjugadas, vieram ao chão, como as muralhas de Jericó. Eu um Josué recompensado, depois de sitiar, invadir e conquistar a cidadela. (Alusão à queda das muralhas de Jericó, relatada no velho testamento).

- [...] E antes que os galos da madrugada tecessem a manhã, o aço de minha espada, por seguidas vezes, foi chamado ao campo de batalha e não se curvou. (Referência ao poema Tecendo a Manhã de João Cabral).

Em diálogo, o protagonista retoma Bergman ao mencionar o filme O Sétimo Selo, adaptação de uma peça de teatro do mesmo diretor, e a Quentin Tarantino, diretor e crítico de cinema americano. O Sétimo Selo refere-se a uma passagem do Apocalipse, em que Deus tem 7 selos nas mãos. A abertura de cada um representa um desastre para a humanidade, sendo o último deles o fim dos tempos de forma irreversível: 

[...] – Tarantino, à sua maneira, muda a história ao evitar a abertura do sétimo selo. - E daí qual a relação com Bergman? – Não percebe? – Não. – Que tal vermos agora o nobre cavaleiro irlandês naquele jogo de xadrez com a morte? Você encontrará a resposta. Ela, sem tirar os olhos do cão andaluz, já meio adormecido, respondeu: - Com uma condição. – Qual? – Depois que se abrir o sétimo selo, vamos brincar de cabra-cega (ROCHA NASCIMENTO, J.L. 2022, p.14).

Na sequência, o conto Cabra-Cega.

                A relação entre os contos da obra Morangos Silvestres e outros contos eróticos e o cinema acontece não apenas em função da referência a cenas de filmes, mas à sintaxe cinematográfica da narrativa que descreve os movimentos das personagens e os objetos em cena. O mesmo ocorre em relação ao teatro e à música. No conto Cabra-Cega, o segundo do livro, a música constitui o principal recurso para a construção desta cena:

[...] Pra completar meu domínio cego, digo que quero ouvir Wagner. Apocalypse Now! Impossível esquecer a cena. Sou eu quem está surfando. Ele é meu pedaço de praia, o meu cavalo de aço, o meu cuspidor de fogo. Anda, quero ser abatida enquanto cavalgo. Quero ouvir o matraquear dessa metralhadora. Quero morrer sob fogo de artilharia. E morro. (ROCHA NASCIMENTO, J. L. 2022, p.18)

 Em Apocalypse Now, filme épico de guerra norte-americano de 1979, do diretor Francis Ford Coppola, o ataque de helicópteros americanos a uma aldeia vietnamita, ao som da Cavalgada das Valquírias, prelúdio do terceiro ato da ópera A Valquíria, de Richard Wagner, serve como música de fundo de uma das mais famosas e inesquecíveis cenas de combate já levadas às telas dos cinemas.

O conto Prelúdio, em virtude de sua estrutura dramática, pródigo em recursos poéticos (metáforas e sinestesias), visuais e cênicos, demanda um espaço como o palco, a fim de ser representado e não narrado. Isso porque o conto é construído por meio do diálogo que faz a história acontecer, sendo viável adaptar-se ao teatro e ao cinema.

Para Bataille, o erotismo consiste numa experiência ligada à experiência da vida, não como objetivo de uma ciência, mas da paixão mais profundamente, de uma contemplação poética. (BATAILLE, 1987, p.14) O elo entre o erotismo e a poesia está presente no conto Expresso da Meia Noite, através de uma linguagem metafórica do início ao final do texto:

“Teu corpo nu, frente ao espelho, translúcido como a pele de um ovo, eu o tenho sempre nos meus braços, quando você se azeita”. Lembra? [...] - “Tua cabeça levemente soerguida para um dos lados. Os olhos fechados seguem, caminham em busca do primeiro vagão do trem, que vem que vem e segue direto para as estrelas”. [...] - “Teu monte de Vênus negro contrasta com a brancura da pele branca. Parece uma ilha, um oásis redentor. Me curvo tal qual um sacerdote e me coloco na frente de tua morada”. (ROCHA NASCIMENTO, J. L. 2022, p.63-64).

No conto E se eu escrevesse como o Rubem Fonseca? a ligação entre literatura e erotismo persiste implicitamente, quando no diálogo das personagens é feita uma alusão a duas obras de Rubem Fonseca, O Caso Morel (primeiro romance do autor), e o conto Lúcia McCartney: 

Na madrugada o telefone toca.

– Liga pra mim, amanhã cedo.

- De novo? Estamos ao telefone e já passa da meia-noite.

- Antes de tomar o café da manhã, quando eu sair do banho, na hora em que eu estiver me lambuzando com óleo. Só pra me chamar de putinha.

- Tá.

No dia seguinte é a primeira coisa que eu faço.

– Sua puta! Cadela, vadia!

- Assim, não! Quem chama assim é o Paulo Morel, um personagem de Rubem Fonseca. Se pelo menos fosse igual ao José Roberto. Quero daquele jeito, do jeito que eu gosto. Você sabe. (ROCHA NASCIMENTO, J. L. 2022, p.69).

 

No diálogo, com a tomada de consciência crítica, a partir da alusão aos perfis das personagens José Roberto e Paul Morel, instaura-se no conto o tom parodístico da narrativa. Com uma dose de humor e ironia, o narrador reflete na obra o estilo direto e “brutal” de Rubem Fonseca. 

Eis, portanto, em linhas gerais, um breve comentário de alguns contos da obra Morangos silvestres e outros contos eróticos, de autoria do já consagrado contista piauiense J. L. Rocha do Nascimento. É uma obra que explora a interface da literatura relacionada a outras manifestações artísticas, como o teatro, a música e o cinema. Além dessas relações intersemióticas, o autor desenvolve na obra possibilidades estéticas que tornam as construções sintáticas dos textos menos discursivas e mais poéticas, através de uma linguagem visual, sugestiva, metafórica e sinestésica.                   

  

REFERÊNCIAS

 

 

BATAILLE, Georges. O Erotismo. Tradução de Cláudia Fares. São Paulo: Editora ARX, 1987, citado por NOVAES, Nayara M.S. In dissertação de mestrado 

Uberlândia: UFU, 2017, p.13.

 

GUIDOTTI, Clarissa Garcia. O coração que pulsa entre as pernas: uma história da expressão do desejo, a partir da antologia erótica brasileira. Rio Grande - RS Universidade Federal do Rio Grande -  https://ppgletras.furg.br/dissertacoes-e-teses/publicacoes-de-2019.

 

GODOY, Omar. A lei do desejo. www.bpp.pr.gov.br/Candido/Página Especial-Literatura, acessado em 2/1/2023.  

 

LEME, Audrey. Erotismo x Pornografia. https://www.psicologiasdobrasil.com.br., acessado em 4/1/2023

 

 

ROCHA DO NASCIMENTO, J.L. In SOARES, Wellington (org.). Entrevistas com autores piauienses e um bróder. Teresina: Quimera Editora, 2921.

 

SOARES, Wellington (org.). Entrevistas com autores piauienses e um bróder. Teresina: Quimera Editora, 2921.

 

https://classicosdosclassicos.mus.br/apocalypse-now-coppola-wagner-cavalgada-das-valquirias, acessado em 4/1/2023.     

segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

Eça de Queirós, o Contador de Urubus e o meu solar de Torges

 

Fonte: Internet

Eça de Queirós, o Contador de Urubus e o meu solar de Torges


Fabrício Carvalho Amorim Leite (*)


A saudade, ou a necessidade de um refúgio bucólico, trouxe-me, nestes dias, a ler o agradável conto Civilização, de Eça de Queirós, para, igualmente, viajar através de seus personagens.

Por vez, em resumo, a história narra, dentre outras passagens, a vida de um fidalgo português e culto chamado Jacinto.

Este, estressado com a vida urbana e suas parafernálias tecnológicas para época, como a máquina de escrever, os autocopistas, o telégrafo Morse, o fonógrafo, o telefone e outros, decide realizar viagem a sua propriedade rural.

Eça chamou-a de solar de Torges, situada num povoado do mesmo nome na zona serrana de Portugal.

Acontece que, por um infortúnio, a maior parte da grande bagagem da comitiva não pôde chegar na propriedade e o fidalgo português e sua suntuosa comitiva tiveram que realizar uma rústica estadia sem os luxuosos mimos encomendados.

Entretanto, de tudo não foi perdido, porque o personagem Jacinto, passado o choque por sair da “civilização”, até que gostou da simplicidade do local, sem os luxos e frivolidades da cidade.

E, trazendo um pouco para mim, inspirado no conto acima, não que eu seja um fidalgo ou alguém parecido, como o personagem de Eça. Por isso, é que recentemente fiz uma viagem ao pequeno povoado de Mundo Novo dos Amorims, em Esperantina/PI, fundado a duro trabalho, entre os anos 1900 e 1920, por membros da minha família.

Chegando no “meu solar de Torges”, logo notei que o estimado e lúcido anfitrião José, de quase 90 anos, sabiamente, não possuía um celular, ou esta geringonça, como fala.

Por bisbilhotice, perguntei-lhe que horas jantava:

— Religiosamente, 4 horas da tarde. Disse-me, de forma taciturna.

Admito que achei estranho, como homem “ supercivilizado” que sou, alguém jantar às 4 h da tarde, mas imagino que seja um antigo hábito local.

E a sua ocupação principal? Indaguei.

— Assistir novela e jogos de futebol.

Aí vi um certo costume da “civilização”, por ser adepto da televisão. Menos ruim.

Em seguida, silenciosamente, aplicando uma tática metódica, hábil e paciente, pus-me a investigar a fundo os hábitos de seu José.

Depois de muita observação, notei que este, como o famoso Jacinto, de Eça, tinha ao entardecer, ao contemplar o horizonte, um inusitado momento de “doce paz crepuscular”.

E, não sei se é comum na região, - o que será objeto de futura investigação -, ou só do meu anfitrião, mas soube que era um hábito antigo dele contar o número de urubus.

Sim, urubus! Podiam ser bem-te-vis, xexeús, corrupiões .... Porém, ele gosta mesmo é de contar os afamados abutres.

Diante deste estranho hábito, para um “supercivilizado”, fiquei mais curioso ainda, pois, para a maioria das pessoas da “civilização”, os urubus são aves feias, nojentas, avarentas e comem carniça. Ou seja, possuem, há séculos, uma enorme má fama.

Por isso, com extrema cautela nas palavras, e para buscar mais detalhes do digno ofício, fui falando-lhe, de forma geral, sobre aves, como são bonitas... vistosas...livres...úteis para o mundo...

Tive o cuidado de não discorrer a respeito de futebol, porque o símbolo do Flamengo é um urubu, para não lhe causar certos melindres...desconfianças na séria investigação em andamento...

Já ao entardecer, notei que meu anfitrião, em sua privativa cadeira reforçada de fitilho azul-celeste, ficara calado, imóvel e olhava de forma fixa - praticamente, sem piscar - para uma grande árvore sem folhas no horizonte.

Tinha ali uma verdadeira feição austera de paz contemplativa, como, também, senti. E compartilhei o momento, por empatia e prazer.

Achei por bem não intervir e nem puxar conversa, porque poderia, de vez, estragar o sagrado ritual vespertino em curso. Ou, até mesmo, ser convidado a sair de seu observatório privado.

Por volta das sete horas da noite, ao que percebi, como amador e curioso na nobre profissão, a urubuzada estava toda empoleirada. E, pensei: agora é a vez da minha pergunta final:

Seu José, quantos urubus o senhor contou hoje?

Alguns minutos se passaram, como fosse uma eternidade, abstraindo profundamente, ele olhou para mim e disse:

— Ah, meu caro! — Exclamou ele. — Esta cerimônia de contagem faço mentalmente, por satisfação mesmo.

— E tenho medo que se eu revelar o segredo da contagem do número de urubus da árvore fique azarado...amaldiçoado...doente... — Completou.

Então, compreendendo a arraigada superstição, encerrei a conversa, desejando-lhe uma boa-noite.

Azar ou mau agouro? Pensei. O hábito pitoresco de contar urubus, por certo, não lhe causou males, porque o anfitrião tinha quase 90 anos com a saúde ótima e invejável.

Com certeza, é um método antigo, eficaz e secreto de meditação ou de “doce paz crepuscular” encontrado, ponderei.

Porém, depois de muito refletir a respeito, conclui, no meu inquérito particular, que o seu José deve ser um dos únicos contadores de urubus da região ou do mundo, o que o torna valiosíssimo para a natureza e humanidade.

Bem que um perito em observação de urubus (ou em contagem do número deles) é imprescindível, pois são aves muito importantes para a limpeza do ecossistema. De fato.

Só sei que, mesmo não me revelando os segredos do ofício, caso, subitamente, a urubuzada surja doente, meu proativo anfitrião, com certeza, irá repassar a grave notícia às autoridades da “civilização”.

De qualquer forma, passada a minha estadia no campo, percebi que o seu José pode buscar refúgio — e enxergar beleza — na simples contemplação da natureza.

Nem que seja num momento de paz para contar docemente o número de urubus ao empoleirarem-se numa árvore desfolhada...

Diga-se, paz esta como Eça narra:

“Àquela hora, decerto, Jacinto, na varanda, em Torges, sem fonógrafo e sem telefone, reentrado na simplicidade, via, sob a paz lenta da tarde, ao tremeluzir da primeira estrela, a boiada recolher entre o canto dos boieiros. ”

Por isso, no próximo mês regressarei para o “meu solar de Torges”...

(*) Advogado e escritor.

domingo, 29 de janeiro de 2023

Seleta Piauiense - Elmar Carvalho

Fonte: Google

 

NOTURNO EM DOR MAIOR


Elmar Carvalho (1956)

 

na noite ca’lad(r)a

        um cão ladra

        sem resposta

um galo canta

sem o eco doutro galo

um vaga-

lume vaga

sem lume

vaga-

            rosa/mente

            demente

na noite vaga

uma ave

noctívaga

navega

na vaga

do m’ar sem movimentos

nos cataventos

      sem ventos

e de mirantes

        sem mira/gens

a morte espreita

nos olhos vidrados

do enforcado.  

quinta-feira, 26 de janeiro de 2023

Discurso do Dr. Moisés Reis em recepção aos confrades da APL

No entorno do busto do Visconde da Parnaíba, vê-se os acadêmicos: Francisco Miguel de Moura, Magno Pires, Reginaldo Miranda, Pe. Tony Batista, Moisés Reis, Plínio Macedo, Fonseca Neto, Des. Oton Lustosa e Elmar Carvalho




DISCURSO DE RECEPÇÃO, EM OEIRAS, AOS CONFRADES E CONFREIRAS DA ACADEMIA PIAUIENSE DE LETRAS- APL- POR OCASIÃO DAS COMEMORAÇÕES DE DUZENTOS ANOS DA ADESÃO DA CAPITAL PIAUIENSE/OEIRAS À INDEPENDÊNCIA DO BRASIL

[Moisés Reis]

Senhoras e Senhores

Com muita satisfação e grande lisonja aceitei o prazeroso encargo, deferido pelo nosso Instituto Histórico, para dar as boas-vindas aos ilustres confrades da Academia Piauiense de Letras que, estrategicamente, planejaram visitar a terra oeirense, neste momento em que se comemora a data em que os heróis desta invicta cidade, ombrearam-se, forjados sob o sentimento de grande civismo, para dar e garantir o contributo da terra mafrensina e do Piauí em prol da independência do Brasil.

De fato, prezados Confrades e Confreiras, a “cidadela do espírito”, no dizer dagobertiano, esse oeirense de escol, nosso confrade e um dos grandes mentores do nosso Instituto Histórico, que por motivos de saúde, aqui não pode comparecer, honrando-me com mandato de representação; esta cidadela do espírito, que “fundada sob os auspícios do Bispado de Olinda, desmembrada da mais ocidental das paróquias pernambucanas, de então de Nossa Senhora do Cabrobró, é o marco institucional e primeiro e definitivo da

 1


criação do hoje Estado do Piaui” ́, como bem anotou o nosso confrade Fonseca neto;1 esta querida Oeiras,2 “nascida nos sertões de dentro, Capital do mando de outrora, capital perene das tradições do Piauí”, em candente qualificação por um dos maiores baluartes da Academia Piauiense de Letras - Arimatea Tito Filho, se sente profundamente honrada ao acolher os ilustres Membros da Academia à frente o nosso Presidente- Zózimo Tavares.

A honra de recebê-los em nossa cidade, caríssimos Confrades e Confreiras, se avulta sobranceira, ainda mais, pelo fato de que se trata de momento de grande relevância, eis que na história centenária da Academia, pela primeira vez, ocorre o deslocamento de sua sede, privilegiando Oeiras, já vinda de S R Nonato, em visita ao Parque Nacional da Serra da Capivara, onde realizou sessão solene para entrega do diploma de Membro efetivo e Perpétuo, da academia, à professora Niede Guidon, ocupante da cadeira 24.

Oeiras, portanto, recebe a ilustre comitiva, exultante, também, porque a APL vem até nós com o propósito, de extrema singularidade e de respeitoso apreço, para irmanar-se ao brioso povo da cidade e ao Instituto Histórico de Oeiras, e sob o pálio de profundo respeito, render homenagens a valentes e corajosos oierenses, na oportunidade em que se comemora a magna data de duzentos anos dos atos de

1 Vitória de Oeiras, a Fundação do Piauí, Fonseca Neto, Antonio, in Revista do Inst. Hist. De Oeiras, pag.

36. 2

  Oeiras tem origem numa capela fundada em 1697 e dedicada a Nossa Senhora da Vitória. O povoado foi elevado a vila e sede de

  Conselho em 1712. Tornou-se capital do Piauí em 1759, sendo elevada o município em 1761. Foi capital até 1851.

2


heroísmo dos citadinos, em prol da independência do Brasil do jugo português.

Sem dúvida, o momento me é honroso, sensibiliza e comove o espírito. Minha palavra, talvez, não alcance a altura do significado deste evento. De fato, seria necessário talento ao orador e capacidade para garantir a cintilação das ideias, predicados de poucos, entre os quais não me incluo. Mas, espero que cada palavra dita, ela que é considerada “simples e delicada flor do sentimento”3, seja o desenho legítimo do pensamento, que aqui será expressado com fidelidade e singeleza.

De tal modo, considerando o alto significado das ilustres presenças de tantos membros da Academia, urge que o acolhimento, neste momento importante e solene, seja cinzelado nos anais do Instituto Histórico, com apuro e esmero, razão pela qual se deu preferência à palavra escrita.

Aqui está, pois, a palavra escrita, porque só ela, a palavra escrita, é imortal, só ela “nas artes a que é matéria- prima, fala ao mesmo tempo à fantasia e à razão, ao sentimento e às paixões”4

Senhoras e Senhores,

3 Escritor José de Alencar.

4 Latino Coelho; Dicionário da Sabedoria, Ed Fitipaldi; S Paulo 1985; p. 191

  3


Peço permissão aos concidadãos oeirenses e aos membros do Instituto Histórico, para, inicialmente, dizer um pouco sobre a Academia Piauiense de Letras, entidade de rico passado, constituindo “uma longa e bela história, que se traduz no mais perene e edificante testemunho de amor à cultura no Piauí”, como diz o nosso laborioso e produtivo Presidente Zózimo, e que, cá nos rincões desta cidade que “domina soberana quase dois séculos de história do Piauí, confundindo indissociavelmente sua trajetória”, na abalizada afirmação da confrade Teresinha Queiroz, o Instituto Histórico, no cumprimento do seu objetivo, também realiza, ao zelar pelas tradições, defendendo o patrimônio histórico-cultural do solo oeirense.

Senhores membros do Instituto histórico; prezados concidadãos desta amorável terra.

O que em princípio era só um sonho, uma ideia, entre outros de Lucidio Freitas, Fenelon Castelo Branco João Pinheiro, Jonatas Batista e dos oeirenses, Clodoaldo Freitas, Higino Cunha, terminou virando realidade em 30 de dezembro de 1917, cuja instalação ocorreu em 24 de janeiro de 1918, há mais de cem anos, assegurando o que é, hoje, a Academia Piauiense de Letras: indiscutível verdade histórica, como o é, também, o Instituto Histórico de Oeiras, criado em 01.1972 e instalado na emblemática data de 24 de janeiro de 1972, há meio século.

 4


E quanto não é a admiração ao mergulhar no rico passado da Academia, inteirando-se da vida de ilustres piauienses, portadores de opulenta cultura, que mourejaram, incansável e despojadamente, no afã e no exercício sublime de dar vida e continuidade aos valores de nossas letras, mantendo-as identificadas com suas raízes nacionais

Grande e nobilíssimo tem sido o papel exercido pela Casa de Lucidio Freitas, ao longo da primeira centúria de seu nascimento. Casa de sonhadores impenitentes, a Academia, que teve como presidente o oeirense Clodoaldo Freitas, vem cuidando dos interesses culturais do nosso povo e zelando, por através dos tempos, pela cultura da língua e pelo desenvolvimento da literatura piauiense, revelando, como dito pelo mestre e acadêmico Celso Barros, “que o ideal que a inspirou traz, em verdade, o signo da vida longa e da imortalidade”.

Não sem razão, Arimatea Tito Filho, um grande realizador, que dirigiu a Casa por mais de vinte anos, traçando o perfil histórico da Academia, lançava inquestionável assertiva segundo a qual:

“A sua maior virtude consiste na sua resistência. Sofre, por vezes, e resiste. Curte amarguras e vitaliza-se. A poesia dos seus poetas, a prosa dos prosadores, as letras, enfim, em todas as suas nuanças, de todos os seus legionários, conjugam-se e constroem a

 5


defensiva e gigantesca muralha, que é ao mesmo tempo resistência e resignação”.

Outro notável Confrade, de passamento recente, professor Paulo Nunes, também pilastra mestra da Casa de Lucidio Freitas, ao evocar sua história, pugnou pela tese de que nem tudo que é humano tem destino sombrio de desaparecer através dos tempos, no lago do esquecimento, dizendo bem que:

“As academias, como em geral se pensa, não são câmaras mortuárias do passado, usando as palavras de Graça Aranha, mas instituições culturais comprometidas com a tradição, possuindo da cultura um sentido orgânico, na concepção de Gramsci; elas também se notabilizam como instrumento de transformação e de mudanças, vivendo aquela síntese dialética entre tradição e invenção de que nos fala Miguel Torga”.

A academia Piauiense de Letras, do alto de sua centúria, assim como o Instituto Histórico de Oeiras no seu cinquentenário, resiste ao tempo, mantendo-se de pé, sob o prisma do idealismo e da beleza moral. Ao longo do tempo, chama viva que é, tem mostrado que não são os técnicos, os cientistas, os homens práticos, que constroem a obra duradoura. Os poetas, os literatos, os escritores, os

 6


intelectuais, iluminados pelo ideal, são capazes de milagres como o de manter viva, pulsante e colaborativa essa vetusta entidade cultural.

Essa é a Academia Piauiense de Letras, senhoras e senhores, que “ antes de isolar-se em seus membros, ruminando sua produção e a elaboração literária, abre-se aos intelectuais de todos os matizes e formações; relaciona-se com todos os órgãos e entidades públicas, abriga estudiosos e estudantes de todos os níveis, para com eles interagir nos diversos ramos do conhecimento”, como o disse a nossa Confrade Fides Angélica, em conferência realizada a 24 de janeiro de 1998, por ocasião da comemoração dos 80 anos da Entidade.

Oeiras orgulha-se, meu caro Presidente Zózimo Tavares, caríssimos confrades e confreiras, de vir contribuindo, através da participação de vários dos seus filhos em prol das causas maiores do sodalício, defendendo a inteligência e os valores que a dignificam.

São muitos os oeirenses que atravessaram o umbral da Casa de Lucidio Freitas. Apenas Teresina supera a terra mafrensina em quantidade de membros.

 7


Tal acontecimento, sem dúvida, constitui galardão e laurel, produto de continuadas homenagens que a Academia vem deferindo à nossa cidade, ao revigorar, com o passar dos anos, a prática de manter em seus quadros filhos da ex-capital que, no passado, marcaram pujante presença nesse verdadeiro “Templo de Comunhão Cultural”. E são muitos os que emprestaram suas fúlgidas inteligências a serviço do Sodalício. Respeitoso, nominemo-los, reverentemente: Clodoaldo Freitas, o primeiro Presidente da Entidade, Coelho Rodrigues, Álvaro Mendes; Nogueira Tapety, Licurgo de Paiva; Leopoldo Damasceno; Pedro Brito, Vidal de Freitas, Petrarca Sá, Bugyja Brito, Luis Lopes Sobrinho, O. G Rego de Carvalho, Alvina Gameiro, José Expedito Rego, agora contando com as presenças de Dagoberto Carvalho, Welington Dias e deste orador.

Senhoras e Senhores Acadêmicos:

Tenho ouvido, ao longo dos anos, de amigos outros, em tom curioso a indagação sobre o que fascina tanto os oeirenses quando se referem à velha urbe. Que telurismo é esse, dizem, que é capaz de transfigurar o semblante de cada um de lá, quando a conversa gira em torno do passado da velha cidade? O que há de especial que arrebata os nativos, vinculando-os ao torrão de tal maneira que, estejam onde estiverem, trazem-no sempre na lembrança e no coração?

 8


São questionamentos para os quais procuro responder, com toda oeirensidade, que se trata de um bem- querer transcendental. São impulsos do coração, que nunca fenecem porque alimentados com o humus da sua história, rica em passado, mentora de heróis verdadeiros. Num lampejo filosófico acanhadíssimo, arrisco insinuar que esse amor por Oeiras é alimentado pelo espírito que só ela tem, secular e modelador da alma de cada um de seus filhos.

E foi assim que o amigo e confrade, Elmar Carvalho, filho de Oeiras pelos laços formais de merecido título de cidadania, que já havia se tornado oeirense por coração, vocação, predestinação e devoção, como afirma em seu opúsculo “Oeiras na Alma e no Coração”5 foi assim, repito, que o prezado confrade, alimentado pelo espirito secular e modelador da alma, interpretou muito bem a característica peculiar, idiossincrásica, do cidadão oeirense, através de seus poemas, crônicas, textos literários e discursos. Quem, desta cidade, não já recitou o seu célebre Poema Noturno de Oeiras, “navegando na noite de um tempo que não termina?

Pois é! O oeirense é assim: constitui particularidade dos seus filhos, como disse, motivado pelo rico passado, lembrar, com emoção, a terra amada, o lugar onde nasceu, como o fez, há mais de cem anos, o grande poeta Nogueira Tapety, membro ilustre de nossa Academia de Letras, que ao falar do aconchego da volta, da cidade iluminada, dos lugares

 5 Oeiras na alma e no coração; Elmar Carvalho, pag. 05

 9


queridos, disse, em lírica manifestação de bem-querer telúrico, em uma das estrofes do decantado poema “A volta”:

“Aqui chego a julgar a vida uma delícia... Foi-se de mim o tédio

Ao sentir desse sol a paterna carícia,

Que do alto, manhã cedo, em luminoso assédio,

Envolve, alegra e doura tudo

Num glorioso esplendor ardente e mudo.”

Senhoras e Senhores,

Foi sob essa áurea espiritual, de amor a terra mafrensina que, tendo como patrono (in memorian) o Brigadeiro Manoel de Sousa Martins, nasceu, em 1972 o Instituto Histórico de Oeiras, sob o afã de aguçado patriotismo de intelectuais oeirenses, entre os quais os nossos confrades Dagoberto Carvalho e José Expedito Rego, com o propósito primordial de zelar pelas tradições e preservar o patrimônio histórico da terra mafrensina.

Em sua jornada de meio século, o Instituto tem se mantido firme na defesa do patrimônio histórico e cultural desta ex-capital, patrocinando eventos, em defesa da memória, da identidade e do patrimônio artístico e imaterial de nossa cidade.

A comemoração, hoje, de mais uma passagem do 24 de janeiro, ora completando duzentos anos da luta pela

 10


independência do Piauí, é mais um ato da zelosa atuação do Instituto Histórico em prol de manter viva as tradições culturais da vetusta cidade.

Cuida-se, a presente iniciativa, de extrema relevância, eis que se destina a resguardar em favor dos nossos pósteros, acontecimento de ato heroico praticado por ilustres oeirenses do passado que, movidos pelo ideal de liberdade, corajosamente, a 24 de janeiro de 1823, comandados pelo Brigadeiro Manoel de Sousa Martins, subleva a guarnição da capital e, juntos com outros ilustres filhos da terra, aderem à independência do Brasil e proclamam o príncipe Dom Pedro Imperador.

Sobre esse fato histórico, não direi mais, posto que temos aqui um dos grandes historiadores da nossa Academia e ex-presidente, o confrade Reginaldo Miranda, que nos brindará com palestra, relatando os feitos dos oeirenses em favor da independência do Brasil.

Finalmente, mais uma vez, dirijo-me, profundamente penhorado, à ilustre Presidente do Instituto Histórico de Oeiras, a professora Inácia Ferreira, bem como a toda a diretoria, e de modo especial ao nosso Carlos Rubem, ex-presidente do Instituto que, a seu modo, com olhos de Argos, vigia e protege, incansavelmente, os interesses culturais e históricos da nossa terra, para agradecer a honrosa missão de dar as boas-vindas aos prezadíssimos confrades da

 11


Academia Piauiense de Letras, o que faço, finalmente, dizendo- lhes, do recôndito da alma, do fundo do coração: sintam-se à vontade! Oeiras e o Instituto Histórico os acolhem sensibilizados, agradecendo a histórica e emblemática visita a nossa terra, neste momento em que, sobranceiro, avulta envolvente clima de grande civismo, pelas comemorações do 24 de janeiro, data magna em que a então capital do Piauí, levantou-se, altaneira, em prol da independência do Brasil.

Oeiras, 23 de janeiro de 2023.

Moises Reis


Membro da Instituto Histórico de Oeiras e membro efetivo da Academia Piauiense de Letras.

Discurso pronunciado no dia 23 de janeiro de 2023, no Cine Teatro de Oeiras, por ocasião da comemoração, pelo Instituto Histórico de Oeiras, e pela Academia Piauiense de Letras, da passagem dos duzentos anos da adesão da Capital Piauiense/Oeiras à Independência do Brasil.

Autoridades Presentes: Presidente da Academia Piauiense de Letras Zózimo Tavares; Presidente do Instituto Histórico de Oeiras – Inácia Ferreira; Governador do Estado, Dr Rafael Fonteles; Prefeito Municipal de Oeiras, José Raimundo; Presidente da Câmara de Vereadores, Vereador Expedito Martins; Presidente da Assembleia Legislativa do Piauí, Dep. Franzé Silva; Bispo Diocesano, Dom Edilson Soares Nobre; Acadêmicos da Academia Piauiense de Letras: Zózimo Tavares; Magno Pires; Fonseca Neto; Reginaldo Miranda; Elmar Carvalho; Padre Toni Batista; Francisco Miguel de Moura; Oton Lustosa e Plínio Macedo;


Nota: Oeiras tem origem numa capela fundada em 1697 e dedicada a Nossa Senhora da Vitória. O povoado foi elevado a vila e sede de Conselho em 1712. Tornou-se capital do Piauí em 1759, sendo elevada o município em 1761. Foi capital até 1851.

domingo, 22 de janeiro de 2023

Seleta Piauiense - Paulo Machado

 

Fonte: Google

O Rio

 

Paulo Machado (1956)

 

preciso urgentemente escrever um poema!

 

que os versos sejam vorazes,

lembrando do rio de minha cidade,

comendo as pedras do cais.

 

mas como escrevê-lo?

 

como domar o rio de minha cidade

à condição de poema?

 

o rio de minha cidade não pede adjetivos,

principalmente recusa os que o tornam abstrato.

 

o rio de minha cidade é um rio migrante,

Por que aprisioná-lo no corpo de um poema?

 

o rio de minha cidade guarda em suas entranhas

o orgulho do homem sozinho.

 

o rio de minha cidade é água viva na carne,

água pesada na memória.

 

o rio de minha cidade é torto

como uma cicatriz

fazê-lo reto seria contradizê-lo

 

vivê-lo, petrificá-lo nas retinas

esquecê-lo, jamais

 

preciso urgentemente escrever um poema! 

quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

LUÍZA AMÁLIA, UMA CAÇADORA DE IMAGENS

Elmar e Socorro Meireles, em fotografia feita por Luíza Amália

                          

LUÍZA AMÁLIA, UMA CAÇADORA DE IMAGENS    


Elmar Carvalho

             

Por e-mail, recebi da Luíza Amália Meireles, amiga dos tempos parnaibanos, várias fotos do lançamento do livro “O que os netos dos vaqueiros me contaram – o domínio oligárquico no Vale do Parnaíba”, de Manuel Domingos Neto, a que já me referi, na nota anterior. Ela, mercê de seu esforço e através de concurso público, é auditora-fiscal da Receita Federal.

Cultiva o hobby da fotografia, assim como seu irmão Meireles, chamado pelo Reginaldo Costa de “santo”, exatamente pela sua quase beatitude e mansidão de pessoa boa. Na fila dos autógrafos, fiquei imediatamente atrás de sua irmã Socorro, que ocupa uma das diretorias da Secretaria Estadual da Educação. Tanto o Meireles como a Socorro ajudaram o jornal Inovação em sua luta quixotesca por um mundo mais justo e mais fraterno.

Numa das vezes em que a Luíza me fotografava, um amigo ficou na frente da mira para me cumprimentar. Este fato me fez lembrar das lendas dos caçadores, muitos deles versados em mistificações hiperbólicas, que muitas vezes, quando estão concentrados na pontaria, são atrapalhados por alguma circunstância fortuita ou por alguma assombração protetora dos animais.

Encontrei na solenidade o teatrólogo e intelectual Tarciso Prado, quase totalmente recuperado de um grande susto que levou, quando um infarto lhe pregou uma peça – sem trocadilho dramatúrgico nenhum – da qual saiu ileso. Quando cheguei, conversava ele com o arquiteto Olavo Pereira, cujo livro sobre arquitetura piauiense o Tarciso considera como um dos melhores no gênero.

Olavo é parente de vários amigos meus e do saudoso Francisco Pereira da Silva, natural de Campo Maior, um dos maiores  teatrólogos do Brasil, cuja obra completa foi recentemente editada, pela FUNARTE, órgão do Ministério da Cultura. Há cinco anos existe uma lei estadual prevendo a criação de um memorial em homenagem ao Chico, mas, por mistérios insondáveis, que nem uma sibila seria capaz de explicar, não construído até hoje.

Mas por que mudei tanto de assunto e de modo um tanto abrupto, em texto tão curto, é um mistério que nem eu mesmo sei explicar, a não ser fazendo uma analogia com o título deste registro: Luíza Amália é uma caçadora de imagens, e eu sou um caçador de assunto e de conversa.

4 de maio de 2010

terça-feira, 17 de janeiro de 2023

SAUDADES DE MINHA INFÂNCIA

 

Rio Parnaíba, visto da Toca do Velho Monge, na Várzea do Simão


SAUDADES DE MINHA INFÂNCIA

 

Ana Paula Rodrigues de Souza

Especialista e mestranda

 

Morei toda minha infância e adolescência no interior chamado Gameleiras 7 km até a Comunidade Várzea do Simão, Município de Buriti dos Lopes - PI.

Estudar naquela época sempre foi meu foco, e meu pai sempre fala: “O futuro de quem mora no interior é o estudo”.

Com os livros colocado em uma sacola de pano ou de sacos plásticos ia ao encontro de minhas primas e pé na estrada de barro e poeira, passando por carnaubais e matas de campestres destino a escola, Unidade Escolar João Simão, escola na qual cursei até 4ª série do Ensino Fundamental. E para cursar o Ensino Fundamental maior e Ensino Médio e Faculdade cursei na cidade de Parnaíba. Então, naquela época minha mãe (Maria do Amparo) minha maior incentivadora, naquela época era professora, além de outras como Maria dos Remédios a (tia Remédios, minha professora na época) e Srª Gorete, (falecida). Eu acordava cedinho corria para Lagoa Boa Fé tomava banho, meu café com leite mugido, Cuscuz e ovos mexido, pegava meu material na sacolinha e pé na estrada poeirenta.

Naquela época, íamos para a escola caminhando e não recamávamos, na escola tirava notas azuis e morria de medo de notas vermelhas no meu boletim. Tinha que ser acima de 7. Tempo em que não tínhamos Bolsa Família nem auxílio emergencial, o meu fardamento e material escolar, todos quem comprava era meu pai com muito suor do trabalho forçado.

O calçado era conga, ou havaianas de cabresto grosso e se quebrasse colocávamos um prego no cabresto e assim íamos para escola feliz. Mas o meu sonho de consumo era o sapatos All Star (tive um! ); não tínhamos celular e nem internet. Na minha casa naquela época tínhamos apenas a luz de lamparina e lampião, eu estudava a luz de lamparina e era assim que respondia todas as tarefas vindo da escola.

Na escola adorava quando a professora usava mimeógrafo e aquele cheiro do álcool tomava conta da sala, e quando íamos estudar a tabuada e fazer a lição, (leitura de texto). As pesquisas eram feitas em livros velhos guardado na escola, não tínhamos dinheiro para ter enciclopédias em casa. O trabalho era escrito à mão e na folha de papel almaço, a capa era feita com papel sulfite. Tinha dever de casa para fazer, a Educação Física era de verdade, brincávamos na areia na hora do intervalo de queima, pega bandeira e pula elástico, torcia para o intervalo não termina. Na hora da chamada tínhamos que responder à chamada da professora dizendo presente, não podia chegar atrasado e ainda cantávamos o Hino Nacional no pátio antes de ir para a sala de aula. Mas, as vezes chegamos atrasados porque quando era inverno tudo alagava e íamos para escola de canoa e lá seguíamos eu e minhas primas para a escola, então demorava mais até que chegávamos.

Na escola tinha o Gordo; a Magrela; Quatro Olhos; a Baixinha; Olívia Palito; o Palitão; o Cabelo Bombril, a branca azeda, a espeto de assar manjuba, o cavalo de zé da Graça, a Burra pampa, a Dente de burro e por aí vai... Todo mundo era zoado, às vezes até brigávamos, mas logo estava tudo resolvido e seguia a amizade... Era brincadeira e ninguém se queixava de bullying. Existia o valentão, a zangadona e até aquela que chorava de mais. Mas também existia quem defendesse.

O lanche servido na escola era o melhor de todos, a sopinha de letras ou de número, aquela carne de jabá e até o mingau de aveia, hummm uma délicia!!!, não tinha quem reclamassem. Na hora do descanso, era o momento mais lindo todos deitados no chão da sala de aula e lá mesmo cochilávamos sem se preocupar com nada.

Época em que ser gordinho(a) era sinal de saúde e se fosse magro, tínhamos que tomar o Biotônico Fontoura e comer bastante para engordar.

Ao entardecer a palavra já para casa! suava alto e eu: "peraí mãe " era para ficar mais tempo na frente de casa brincando de roda ou de pega-pega e não no computador ou no celular!!!...

Colecionávamos pedrinhas, elásticos, figurinhas, papéis de carta, etc. Eu tinha vários elásticos e uma caixinha de dominó que meu pai comprou na época. As brincadeiras eram saudáveis, brincávamos de bater em figurinhas e não nos colegas e professores, de jogar pedrinhas, de jogar dominó, etc. Na bolsa de material eu carregava a cartilha, a tabuada, lápis e borracha, mas não podia faltar as pedrinhas e o elástico para minhas brincadeiras preferida.

No interior, as brincadeiras era jogar bola, queimado, pular corda, subir em árvores, pique bandeira, pular elástico; pique-esconde, polícia e ladrão; andar de bicicleta, tomar banho na lagoa da Boa Fé ou brincar na casa de forno do vô Domingos Mendes, pai de meu pai. Muitas vezes com a minha mãe ou a minha tia Claúdia olhando a gente brincar, elas nunca deixavam nós sozinhos, era uma chatice, mas era o jeito.!!!. Comia as vezes na casa da vó Raimunda Mendes mãe de meu pai, mas só quando meu pai sai para cuidar do gado e minha mãe ia trabalhar. Na escola não importava se meu amigo era negro; branco; pardo; rico; pobre; menino; menina, todo mundo brincava junto e como era bom. Bom não, era maravilhoso!...

Que saudades desse tempo em que a chuva tinha cheiro de terra molhada! Em que pisar na poça de lama e depois ir para escola era divertido. Época em que nossa única dor era quando passava Merthiolate ou violeta nos machucados. Felizes em comparação com esse mundo de hoje onde tudo se torna bullying. Nossos pais eram presentes, mesmo trabalhando fora o dia todo, educação era em casa, até porque, aí da gente se a mãe tivesse que ir à escola por aprontarmos. Nada de chegar em casa com algo que não era nosso, desrespeitar alguém mais velho tínhamos que pedir desculpas. Era um puxão de orelha, ou castigo logo ou só aquele olhar de “vc vai ficar sem brincar la fora hoje”.

Tínhamos que levantar para os mais velhos sentarem. Fico me perguntando, quando foi que tudo mudou e os valores se perderam e se inverteram dessa forma? Meu Deus! Hoje, os filhos não respeitam mais os pais, filho grita alto com os pais, os pais não tem mais domínio sobre os filhos. Que geração é essa de hoje? Quanta saudade, quantos valores, que para esta geração não vale nada! por tudo que vivi e aprendi. Que saudades da minha infância.   

segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

Três décadas de união

Fonte: Google

 

Três décadas de união


Sousa Filho

  

       Há exatos trinta anos, contrai matrimônio com a então senhorita Vanusa, doravante,  minha esposa. Mulher de fibra, verdadeira e que sempre esteve (e ainda está) ao meu lado em todos os momentos bons e difíceis da minha vida. Citarei alguns, haja vista  que são tantos momentos e não caberiam nesse texto.

       Como eu poderia esquecer as madrugadas que ela abdicava do sono dela para fazer café,  para que eu ficasse acordado e conseguisse estudar para o vestibular e tentar uma vaga na Uespi? Objetivo alcançado. Muito obrigado, meu amor.

        Outro momento inesquecível foi quando  ela me deu a notícia que eu seria pai. Confesso que chorei muito de felicidades. Nove meses depois nasceu uma menina linda, a qual demos o nome de Vanessa.

         É muito importante dizer que após três anos do nascimento da Vanessa,  veio ao mundo o nosso filho amado Lucas Mateus, mais uma dádiva de Deus. Vanusa, como sempre, uma mãe dedicada. Inesquecíveis também são as idas idas e vindas para levar e buscar  nossos filhos para a escola,  uma vez, que eu estava no trabalho e não poderia levá-los.

        Devo dizer também que hoje já temos a nossa neta Valentina e o nosso neto José Luiz Lino, filhos do primeiro fruto da nossa união, a nossa filha amada Vanessa.

        São tantos momentos maravilhosos, que eu me orgulho de ter passado ao seu

 

lado nessas três décadas,  que seria impossível retratá-los nesse texto, Vanusa. Tentei em versos exprimir todo o meu amor e reconhecimento em um poema que fiz pra você e está imortalizado nas paginas da coletânea Versania e no Recanto das letras conforme está retratado abaixo;

 

 Meu cais (Sousa Filho)

 

Você é meu alicerce

Meu rochedo

Meu porto

Meu cais

Minha companheira

Meu norte

Nos momentos turbulentos,

Minha válvula de escape

Meu abrigo

 

Meu afago

Meu acalanto

Meu suporfe

Meu porto seguro

Minha fortaleza

Com certeza

Minha musa:

Vanusa


        Dessa forma, agradeço a Deus por ter colocado Vanusa na minha vida. Sem ela, eu não seria nem sombra do que sou. Muito obrigado,  senhor. Feliz aniversário de trinta anos de casamento,  Vanusa.  Eu amo você. Que Deus continue abençoando a nossa família.     

domingo, 15 de janeiro de 2023

Seleta Piauiense - Paulo Couto

 

Fonte: Google

Na metrópole

 

Paulo Couto (1956)

 

Altos prédios arranham o céu

Em concreto armado

Corações de cimento

 

Homens mecanizados

Computadores e robôs

Insensíveis e automáticos

 

Perdem-se na multidão

Seres mutilados

Invade no peito a solidão

 

Apressados em passos precisos

Correm os homens para o trabalho

Precisam de dinheiro e poder

 

Homens sem sentimentos

Que não podem errar

Não sabem amar.