NAQUELA MESA
Elmar Carvalho
Contou-me Neto Leal, outro dia,
que embora seu pai não bebesse, nunca lhe recriminou as libações. Ao contrário,
quando estava bebendo, seu velho se sentava a sua mesa, para conversar e lhe
fazer companhia. Chegava mesmo a lhe trazer tira-gosto. Sem dúvida, amava o
filho e procurava lhe ser útil, agradável e gentil. Certamente, o rebento fez
por merecer essas dádivas e considerações paternas.
Anos depois, creio que já na
maturidade, Leal estava num barzinho, curtindo umas músicas de seresta, quando
o trovador cantou a música elegíaca Naquela mesa, de Sérgio Bittencourt, que se
celebrizou como jurado do programa de Flávio Cavalcante, por muitos proclamado
como o Rei da Televisão. Sérgio imortalizou-se com essa música, sobretudo
através do gogó de ouro de Nelson Gonçalves, na qual homenageou seu pai, Jacob
do Bandolim, notável virtuose desse instrumento musical, de acordes quase
celestiais.
Ao ouvir essa melodia, os olhos
de Neto Leal marejaram, e ele se retirou do recinto. Seu pai falecera fazia
poucos meses. O seresteiro, ao perceber a “mancada”, lhe foi pedir desculpa por
ter cantado tão sentida endecha, como diziam as belas letras das músicas de
outrora, verdadeiros poemas, de rico conteúdo e de versos rítmicos e elegantes,
que se harmonizavam com as bem elaboradas melodias da Velha Guarda.
Esse depoimento, me fez lembrar
um episódio de que foi protagonista meu amigo Otaviano Furtado do Vale.
Acredito que o fato se passou aproximadamente em 1973 ou 74, pois eu devia ter
17 ou 18 anos. Seu pai, o senhor João Capucho, também havia falecido fazia
poucos meses. Havíamos tomado umas talagadas de serrana, para esquentar as
turbinas, e seguíamos em direção à Praça Bona Primo, à cata de alguma lebre,
como dizia célebre colunista social de então.
De repente, o velho jovem
Otaviano começou a cantar essa música de evocação saudosista ao pai falecido.
Nunca esqueci essa cena simples, mas comovente em sua singeleza. Talvez seja
uma das maiores homenagens que um adolescente poderia prestar a seu pai. Não
foi apenas uma cena patética, sem nenhuma conotação pejorativa a essa palavra,
porque sempre que ele vem de visita ao Piauí, posto que mora em Brasília há
várias décadas, nunca deixou de rever o jazigo de seu pai, no cemitério São
João de Campo Maior.
Essa homenagem me faz recordar um
belo poema do bardo Manuel Bandeira, em que ele pede ao leitor que fosse à cova
de seu pai e rezasse, não pelo pai, mas pelo filho, pois este teria mais
precisão. E arremata o poema se declarando “morto ali”.
28 de setembro de 2010
Meu estimado confrade Elmar sou fã incondicional da voz de Nelson Gonçalves e admirador da composição do inesquecível Nelson Bitencourt e da homenagem que fez ao Mestre Jacó do bandolim.
ResponderExcluirParabéns pela postagem.