sexta-feira, 22 de novembro de 2024

NAQUELA MESA


 

NAQUELA MESA


Elmar Carvalho

 

Contou-me Neto Leal, outro dia, que embora seu pai não bebesse, nunca lhe recriminou as libações. Ao contrário, quando estava bebendo, seu velho se sentava a sua mesa, para conversar e lhe fazer companhia. Chegava mesmo a lhe trazer tira-gosto. Sem dúvida, amava o filho e procurava lhe ser útil, agradável e gentil. Certamente, o rebento fez por merecer essas dádivas e considerações paternas.

 

Anos depois, creio que já na maturidade, Leal estava num barzinho, curtindo umas músicas de seresta, quando o trovador cantou a música elegíaca Naquela mesa, de Sérgio Bittencourt, que se celebrizou como jurado do programa de Flávio Cavalcante, por muitos proclamado como o Rei da Televisão. Sérgio imortalizou-se com essa música, sobretudo através do gogó de ouro de Nelson Gonçalves, na qual homenageou seu pai, Jacob do Bandolim, notável virtuose desse instrumento musical, de acordes quase celestiais.

 

Ao ouvir essa melodia, os olhos de Neto Leal marejaram, e ele se retirou do recinto. Seu pai falecera fazia poucos meses. O seresteiro, ao perceber a “mancada”, lhe foi pedir desculpa por ter cantado tão sentida endecha, como diziam as belas letras das músicas de outrora, verdadeiros poemas, de rico conteúdo e de versos rítmicos e elegantes, que se harmonizavam com as bem elaboradas melodias da Velha Guarda.

 

Esse depoimento, me fez lembrar um episódio de que foi protagonista meu amigo Otaviano Furtado do Vale. Acredito que o fato se passou aproximadamente em 1973 ou 74, pois eu devia ter 17 ou 18 anos. Seu pai, o senhor João Capucho, também havia falecido fazia poucos meses. Havíamos tomado umas talagadas de serrana, para esquentar as turbinas, e seguíamos em direção à Praça Bona Primo, à cata de alguma lebre, como dizia célebre colunista social de então.

 

De repente, o velho jovem Otaviano começou a cantar essa música de evocação saudosista ao pai falecido. Nunca esqueci essa cena simples, mas comovente em sua singeleza. Talvez seja uma das maiores homenagens que um adolescente poderia prestar a seu pai. Não foi apenas uma cena patética, sem nenhuma conotação pejorativa a essa palavra, porque sempre que ele vem de visita ao Piauí, posto que mora em Brasília há várias décadas, nunca deixou de rever o jazigo de seu pai, no cemitério São João de Campo Maior.

 

Essa homenagem me faz recordar um belo poema do bardo Manuel Bandeira, em que ele pede ao leitor que fosse à cova de seu pai e rezasse, não pelo pai, mas pelo filho, pois este teria mais precisão. E arremata o poema se declarando “morto ali”. 

28 de setembro de 2010

Um comentário:

  1. Meu estimado confrade Elmar sou fã incondicional da voz de Nelson Gonçalves e admirador da composição do inesquecível Nelson Bitencourt e da homenagem que fez ao Mestre Jacó do bandolim.
    Parabéns pela postagem.

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