WILTON PORTO
“Seleta em verso e prosa” foi o último livro publicado pelo poeta parnaibano Alcenor Cadeira Filho. É uma coletânea em comemoração a quatro décadas do poeta projetando uma literatura de muita qualidade. Alcenor está entre os destaques da poesia piauiense e seu nome já deu saltos mais longínquos: voa Brasil afora.
Nesse livro, Alcenor Candeira Filho contempla trabalhos, em sua maioria, publicados em outras obras dele. Ele escolheu escritos – em poesia ou não – que ele considera como mais lidos e que lhe marcaram como homem das letras.
O poeta, como professor de literatura, e com uma sensibilidade arrebatada, vem fazendo obras de uma significância incomum. Com a capacidade de poetar e conhecedor das limitações de muitos estudantes, ele produz poesias que nos colocam diante de conhecimentos de como manejar a literatura, dos caminhos que temos de seguir para, não só escrever, como também entender, os passos a serem dados para traçarmos uma literatura que satisfaça.
“Em Teoria do texto”, o literato nos brinda com informações importantíssimas. E acreditem: o faz com poesias belas, numa musicalidade que chama a atenção e numa poesia vigorosa. Informa sobre reportagem; romance com sua estrutura de narrativa, classificação, o foco narrativo, quais os tipos de personagens, fala e espaço, tempo e desfecho; como se fazer um conto; uma novela, com sua etimologia, ação, espaço e tempo, linguagem...
No subtítulo POEMA, o professor nos lembra, por exemplo, que o poema não pode prescindir do “significado”: conceito, conteúdo, valor, significação. “Significante”: a imagem acústica associada a um significado e que forma um signo lingüístico.
A junção de significado com significante, lapidados com harmonia, geram a poesia, que através do verso deve sobrepujar o poeta. Ou seja, a poesia deve ser tão bem trabalhada, a ponto de ganhar mundo. Não é o poeta que eleva a poesia, é a poesia que eleva o poeta. Um poeta só arranca muitos aplausos, quando a poesia que leva ao público é destacada por todos. E Alcenor usa da expressão: “sobrevive ao poeta”
Para o poeta parnaibano, a melodia é indispensável, assim como a ideia “tão livre quanto o vento”. Uma poesia que não faça bem aos ouvidos, palavras que não geram imaginação visual e nem levem ao pensamento real, não é poesia. Assim, o poeta tem que fazer dos versos um “código para ser decodificado” pelo leitor.
A VIDA
nasc
ente
cresc
ente
do
ente
po
ente
PEDRA DO SAL
Pedra do Sal
porta do céu
porto do cio
pista do sol
no sal azul
As poesias concretas de Alcenor encerram melodia, têm significado e significante, são livres como o vento, beleza visual, nos abrem a mente para a imaginação em busca de uma decodificação.
A primeira poesia – Vida – mostra a trajetória da vida: nascemos, crescemos, ficamos doentes e morremos. Este é o núcleo do pensamento do autor. Está nas entrelinhas que, entre o nascer e o morrer (poente), muita coisa acontece. O ato de crescer, nos leva a passarmos por muitos trabalhos, conflitos, até chegarmos à doença ou outro meio para nos empurrar para o desencarne.
Na segunda poesia, o vate descreve sobre uma Pedra do Sal como tapete chamativo para o erotismo. Quem está nos braços da amada, deixando fluir por todos os poros o erotismo do momento, se encontra no céu. A beleza daquela praia, com as pedras à beira do mar, não tem como negar que não seja um porto do cio! Pista do sol (e que calor nesse momento! Que suor se misturando!) no tempero do amor (sal azul) que encanta e satisfaz os amantes!
Os “Poemas elegíacos” são momentos de finíssima inspiração. Ali o poeta se elevou a alturas inimagináveis. Eu não saberia dizer qual a mais bela. Umas são mais profundas no trabalhar os versos. Outras, o bardo está mais sensível à morte do pai, que todos sabemos, fora de forma trágica.
O soneto “No cemitério”, que irá abaixo, me toca por demais. Sinto muita emoção ao lê-lo. O poeta ali, junto à mãe, que contrita eleva o pensamento aos céus. Está lembrando o marido que partira sem breve aviso, sem apresentar doença. Fora de uma forma que não dá para se explicar e entender. Olhar preso no etéreo todo azul, o poeta deveria estar angustiado pela morte do pai e o sofrimento da mãe. As lágrimas naquele momento desafiavam o infinito. A dor sublimava a musa. “A campa, a escuridão, o isolamento são o retrato de que é nada o tudo”.
E como o é! Perder já é uma luta contra a saudade e solidão. Perder por assassinato bárbaro é perceber que tudo fora construído se desmoronou! Então, tudo se transforma em nada. A própria vida perde o valor.
De Parnaíba no velho Cemitério,
Á tarde, de meu pai junto à lousa,
Mamãe e eu... Ela reza qualquer cousa,
Com o meigo olhar fitando o azul etéreo;
E eu, sem conter em mim da fé a força,
Quero descortinar todo o mistério
Que diante de nós, ali, repousa,
Em silêncio mais frio que o de ascetério.
E, enquanto minha mãe segue rezando,
Às alturas eu solto o pensamento;
Porém, de súbito, paro... e, chorando,
Descubro, só, naquele vale mudo,
Que a campa, a escuridão, o isolamento
São o retrato de que é nada o tudo.
O livro SELETA EM VERSO E PROSA, de Alcenor Candeira Filho, é daqueles que todo escritor tem que ter na estante e pesquisado com constância por estudantes.
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