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ouço um clamor dentro
Elias Paz e Silva (1963)
ouço um clamor dentro
de mim
um rio fluindo por
entre
ossos veias pelos
lágrimas são sorrisos
há cores
no arco-íris na existência
harmonia sem fim brota enfim
Poeta, contista, cronista, romancista, memorialista e diarista. Membro da Academia Piauiense de Letras. Juiz de Direito aposentado. *AS MATÉRIAS ASSINADAS SÃO DE RESPONSABILIDADE DE SEUS AUTORES, E NÃO TRADUZEM OBRIGATORIAMENTE A OPINIÃO DO TITULAR DESTE BLOG.
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CORES, FLORES E DOLORES
Elmar Carvalho
Nesta manhã, a caminho do fórum,
reparei num pé de lírio, nascido no pequeno jardim de uma casa simples, de
esquina. A copa da pequena árvore se transformou em puras flores, de alvura
imaculada. Flores níveas, pequenas, de quatro pétalas. Em seguida, perlonguei o
muro da casa do advogado Gilberto Nunes, recentemente falecido.
É quase uma chácara, em pleno
centro comercial e histórico de Regeneração. A residência fica no centro do
terreno, do tamanho de um quarteirão, rodeada de árvores diversas, várias frutíferas,
entre as quais um pernalta e esgalhado jenipapeiro; algumas, grandes e copadas.
Sobre o muro vetusto, de tijolos aparentes, se debruçam arbustos ornamentais, a
derramar suas belas flores, de coloração e feitios diversos, como um presente
aos transeuntes, que muitas vezes sequer reparam na beleza desse pequeno jardim
botânico, no coração da cidade.
Essa vivenda, referta de plantas
ornamentais, como madressilvas, buganvílias, margaridas e flamboyants é uma
catilinária florida e contundente ao poema de Cesáreo Verde, utilitarista, a
cantar com entusiasmo as árvores exclusivamente frutíferas da quinta. Os lírios
miúdos me fizeram lembrar os grandes lírios de São José, que conheci na minha
meninice, em José de Freitas.
De suas grandes taças era exalado
um suave, porém embriagante perfume, que deixava siderados os poetas
simbolistas, a cometerem seus versos melódicos, sugestivos, cheios de brancuras
liriais, de níveas brancuras nebulosas, que lhes faziam sonhar com as peles
alvas de monjas ciliciadas, e com castas donzelas inalcançáveis em suas torres
ebúrneas, ou com fogosas damas, na consumição de desejos interditos.
Os lírios me fizeram lembrar o
caramanchão da casa do professor Lima Couto, em Parnaíba, com quem tantas vezes
conversei sobre poesia, cultura e educação, em minha juventude sonhadora. O
velho mestre era um poeta bissexto, admirador de Longfellow, cujos versos
traduzira de forma admirável, pois fora professor de inglês. Fora também
livreiro e diretor de colégio público. Admirava, creio, o ex-governador Chagas
Rodrigues, sobretudo porque ele, numa administração avançada para os padrões da
época, com a implantação do planejamento e da criação de empresas públicas,
estadualizara o Ginásio Parnaibano.
Os lírios, as flores e os cheiros
me fizeram viajar no tempo e no espaço, e eu retornei ao país de minha
infância, e senti o cheiro forte dos alecrins pisados na procissão do Senhor
dos Passos, em que eu me comovi demasiadamente com o seu sofrimento, com o
sofrimento de sua mãe, na cerimônia do encontro, em que a púrpura e o roxo das
vestes era a própria exteriorização dos corações lacerados, das chagas vivas
das lanças e dos cravos.
5 de maio de 2010
Fonte: Google/Edilson Morais Brito |
IMPIAUIDOSAMENTE
Ednólia Fontenele (1960)
nesta cama
não haverá poesia
vendo-te distante
terra minha.
recordar o sabor
do arroz "maria isabel"
da paçoca com carne-de-sol
leva-me até "o
manuelzinho"
lá em Campo Maior.
nesta noite
não sonharei,
ao fechar os olhos
não enxerguei o Igaraçu
estender seu braço
para abraçar a ilha grande
de Santa Isabel
entre jovens que comem
casquinhos de caranguejo
lá no cabana
tão lentamente
quase imperceptível passar
buscando em seu próprio leito
a cumplicidade para um coito
com as águas do mar.
Ao Dr Deusdedit Moita
Carlos Henriques de Araújo
Memorialista, cronista e poeta
Trinta dias já se passaram, mas uma dor “profunda” continua entre seus familiares e amigos. A lembrança de sua integridade, sua lealdade, seu compromisso com a justiça, sua dedicação para com os familiares, amigos e todas as pessoas que tiveram o privilegio de conviver com ele.
O corpo físico é a síntese do universo que funciona em harmonia com o Divino. Quando o homem se conscientiza dos seus deveres para com a natureza, o corpo humano e o espiritual se interligam numa harmonia divina, do amor, da felicidade e da alegria fruto dessa união.
Todos nós vamos morrer um dia. Nossa passagem pela terra, como o próprio nome diz, é passageira. Estamos aqui na terra para uma experiência como seres humanos, pois somos espírito, fragmentos do Espírito maior – Deus. Muitas pessoas estiveram na missa de corpo presente, no funeral e na missa do sétimo dia para lhe dar seu último adeus e cumprimentar seus familiares.
Como odontólogo, professor e escritor ele nos deixa uma obra maravilhosa. Como pessoa, pai, marido, sogro e amigo nos deixa uma lembrança carinhosa e uma saudade infinita.
Ele escreveu sete livros: Atirando a esmo; Crônicas nordestina; Acertando na mosca; Crônicas agudas; Estórias e fatos; O charlatão diplomado; O resto depois de tudo. Todos compostos de crônicas, pequenos contos, casos e estórias engraçadas, retratando a vida no interior, na fazenda com gente humilde no seu dia a dia. A leitura de seus livros me inspiraram a escrever também.
A história do Dr Deusdedit fica eternizada aqui na terra pela lembrança dos seus alunos na universidade, seus clientes no consultório odontológico, seus familiares, seus amigos, e nos seus livros. Sua história aqui na terra termina, mas uma outra começa, com nova realidade, em outra dimensão junto ao nosso criador.
O ser humano é um “universo” único no qual, seus elementos constituem a verdadeira harmonia do conjunto de fatores da nossa realidade. A mente humana é a gerente da nossa vontade, dela emanam nossos pensamentos e ideias e, consequentemente, nossas atitudes e ações. E o Dr Deusdedit foi um ícone nesse universo.
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Des. João Menezes, um simpático amigo
Elmar Carvalho
Após muitos anos de serviço público, ingressei na
magistratura em 20 de dezembro de 1997. Em julho de 1998, vim a conhecer o Des.
João Menezes mais de perto. Estava eu à porta de uma das casas da Colônia de
Férias, quando ele ia passando em direção à casa em que estava hospedado. Me cumprimentou, e entabulamos rápida
conversa. Diria que “nossos santos bateram”, como se costuma dizer. De
imediato, notei que ele era uma pessoa cordial, afável e muito simpática.
Nas oportunidades subsequentes em que nos encontrávamos
sempre lhe apreciava a mesma cordialidade e simpatia. Ficou sabendo que eu era
escritor e poeta, e parecia ter uma genuína alegria com as minhas eventuais
conquistas nessa seara. Diria mesmo que ele parecia ter certo orgulho disso.
Fiquei feliz quando ele tomou posse como presidente do Tribunal de Justiça do
Piauí, cargo que exerceu de 2002 até o dia 07 de novembro de 2003, quando se
aposentou, no dia em que completava 70 anos de vida.
Creio que no final de 2010, quando eu já havia alcançado mais
de 35 anos de serviço público, fui ao gabinete do Des. Edvaldo Moura, então
presidente do TJPI, para resolver assunto relacionado com meu pedido de “abono
permanência”; ali encontrei o Des. João Menezes, que me acolheu com a
cordialidade e simpatia de sempre. Nesse encontro, aconteceu um episódio
jocoso, diria mesmo anedótico, de que eu e ele fomos protagonistas. Para não
repetir o que já escrevi alhures, transcrevo o que consta em meu e-book Diário
Incontínuo, disponível no site da Amazon:
“Fui ao Tribunal de Justiça, na sexta-feira, tratar de vários
assuntos, um dos quais de meu interesse funcional. Ao entrar no gabinete da
presidência, além do presidente Edvaldo Moura, encontrei o des. João Menezes da
Silva, que também presidiu a corte de Justiça do Piauí. Trata-se de cidadão afável,
educado, e que sempre me foi muito simpático, desde o meu início na
magistratura.
Disse-lhe que estava requerendo meu abono previdenciário, em
virtude de minha permanência na atividade. Há vários meses completei tempo de
serviço e idade para aposentar-me, uma vez que comecei a trabalhar aos dezenove
anos, quando ingressei na ECT e posteriormente na extinta SUNAB, sem sofrer a
interrupção de um dia sequer, em minha prestação laboral.
O des. João Menezes, a sorrir com gosto, ao saber de minha
pretensão, e sabendo que também me dedico às letras e à cultura, indagou-me por
que eu desejava a gratificação, uma vez que eu, por ser poeta, deveria viver de
brisa e de coisas etéreas e espirituais, e não de bens financeiros e
econômicos. Respondi-lhe que o poeta poderia dispensar as coisas materiais, mas
que a sua família precisava de alimentos e outros bens concretos, inclusive
dinheiro. Por fim, expliquei ao bom magistrado João Menezes, que era o juiz que
sustentava o poeta, encarnado na mesma pessoa física, que sou eu mesmo.
Dizem que o intelectual Eduardo Prado, ao contemplar
verdejante campo, teria perguntado a sua mulher Alice, em criativo jogo de
palavras: “De que ali se vive?” Conta a lenda, que ela, imediatamente, teria
respondido com outro trocadilho em torno do nome do marido: “É do ar do prado”.
Não podendo eu, ao contrário de Alice, mesmo cultivando as coisas espirituais,
viver apenas de brisa, espero seja o meu abono deferido.”
Em 20 de dezembro de 2014 me aposentei, e no ano seguinte
publiquei o meu livro Confissões de um juiz, no qual, de forma resumida, narrei
o caso anedótico acima. Dei um exemplar ao caro amigo Des. João Menezes,
advertindo-o de que nele se encontrava o nosso episódio hilário. Algumas vezes,
recordávamos esse fato, e ele ria com muito gosto, e fazia comentários a
respeito, de forma sempre bem-humorada.
Algumas vezes, ele me contou fatos de sua vida de juiz. Por
essas histórias pude perceber que ele tinha uma inteligência emocional arguta e
uma sabedoria de vida apropriada para resolver as questões, que lhe eram
submetidas, sem necessidade de firulas da hermenêutica, de sibilinas doutrinas
ou de altas teses doutrinárias. Resolvia esses imbróglios com o seu bom-senso e
alto senso de justiça e de querer, realmente, fazer Justiça.
Agora, que meus pais se foram, que muitos de meus mais estimados amigos já estão partindo para o “outro lado do mistério”, começo a achar mais verde e mais bonita a outra margem do rio, e já começo a preparar o meu óbolo para o velho barqueiro Caronte. E os encontrarei numa das moradas do Pai, de que nos falou Jesus.
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A outra face
Rogério Newton (1959)
quando nasci
meu pai e minha mãe
untaram algodão de palavras
passaram no meu peito
e na minha fronte
sopraram búzios nos ouvidos
na rua de pedra
meninos lenhadores tangiam
jumentos
chocalhos soavam como a flauta de
khrishna
o riacho borbulhava entre as
pedras
um anjo barroco sertanejo sorria
os passos
do meu pai e da minha mãe
ressoam nesta casa
por isso choro
de alegria
tenho o coração em chamas
as mãos vazias
toda manhã
bebo gotas de orvalho
não sei por que teimas
em lembrar a cozinha
da casa da infância
o céu estrelado
acima das paredes ocre
das carnaúbas
a cinza fria recolhida
por mãos negras
sia domingas, baziliza
sancha, luzia
maria do ôi cego, das dores
impossível esquecer essa
lembrança
quente como os doces
de minha mãe no fogão de lenha
o pote de barro
apara água da chuva
Alcenor em charge de Fernando di Castro |
Depoimento sobre Alcenor Candeira Filho
Elmar Carvalho
Anos atrás o poeta e escritor
Alcenor Candeira Filho escreveu uma série de depoimentos sobre figuras ilustres
de Parnaíba, em vários setores de atividade. Em razão disso, escrevi um
depoimento sobre ele, meu amigo há mais de quatro décadas. No dia em que ele
faz 76 anos de vida, achei por bem republicá-lo, como uma homenagem a tudo que
ele fez em prol do serviço público, da educação e da literatura.
1
Quando fui deixar vários exemplares da obra Novas Páginas
Parnaibanas, enviados pelo seu autor, para serem distribuídos aos acadêmicos e
visitantes da Academia Piauiense de Letras, o seu presidente, o jurista e
escritor Nelson Nery Costa, consultou-me sobre a conveniência de lançá-los em
evento de nosso sodalício, o que teve a minha pronta concordância e aplauso.
Assim, neste sábado, véspera do segundo turno da eleição
presidencial, o livro foi lançado em nosso auditório, juntamente com os
seguintes: O cantinho do poeta, de Jonas Piauí, por mim apresentado e
prefaciado, Ermelinda, de Lili Castelo Branco, que teve a excelente
apresentação do seu filho (e sucessor na APL) Heitor Castelo Branco Filho, e
Teoria e realidade da desobediência civil, apresentado de forma elucidativa por
seu autor, Nelson Nery Costa. Ao apresentar Novas páginas parnaibanas, disse
que iria fazer uma espécie de depoimento e crônica memorialística sobre Alcenor
Candeira Filho, porquanto nossa amizade perfaz quatro décadas. Tentarei, a
seguir, recompor o meu discurso, baseado no roteiro mnemônico, a que me ative.
Tendo meu pai assumido a chefia da Empresa de Correios e
Telégrafos em Parnaíba, fomos residir nessa cidade em junho de 1975, quando eu
tinha 19 anos de idade. Em setembro desse ano fui morar em Teresina, para
ingressar na ECT, mas no começo de 1977 retornei, em virtude de aprovação em
vestibular, para fazer Administração de Empresas na Universidade Federal do Piauí,
cujo curso era ministrado exclusivamente no Campus Ministro Reis Velloso, em
Parnaíba.
Nessa época, quando o poeta Alcenor Candeira Filho foi aos
Correios, para postar ou receber correspondência, um carteiro, sabedor de minha
condição de literato, me chamou para conhecê-lo. Mas eu, um tanto retraído,
algo tímido nos contatos iniciais, preferi vê-lo à distância, sem me dar a
conhecer. Muitos anos depois, soube que ele lia os poemas de feição modernista
que eu publicava nos jornais Folha do Litoral e Norte do Piauí, e um pouco mais
tarde no alternativo Inovação.
O postalista, cujo nome não consigo recordar, disse-me, com
postura algo confidencial, como se revelasse um segredo ou mistério, que
Alcenor se formara em Direito para tentar reabrir o processo criminal sobre a
morte trágica de seu pai, para dessa forma conseguir a condenação dos
responsáveis pelo fato delituoso. Contudo, em livro que posteriormente escreveu
sobre o assunto, o poeta afirmou jamais ter alimentado esse objetivo.
Ainda cheguei a ver um opúsculo, que alguém dera a meu pai, o
qual continha a tese de defesa do brilhante causídico, jurista e escritor Celso
Barros Coelho, que apesar disso se tornou amigo do poeta, tendo ambos sido
colegas como procuradores federais (lotados no INSS), no magistério superior
(UFPI) e como membros da Academia Piauiense de Letras (APL). O pequeno livro,
em virtude de mudanças residenciais, terminou sendo extraviado, o que muito
lamento, pois hoje poderia ser uma relíquia de minha biblioteca, pela raridade,
e por ser um documento referente a um fato rumoroso do Piauí, e que abalou
Parnaíba, no último trimestre do ano de 1959.
No começo de 1977 fiz amizade com Paulo de Athayde Couto, meu
colega do curso de Administração de Empresas, filho do professor Lima Couto,
poeta e erudito, que, para gáudio meu, admirava meus poemas, e com quem
conversei tantas vezes, sobre poesia e outros assuntos culturais, debaixo do
caramanchão do jardim de seu sobrado. Lima Couto admirava os poetas Abgar
Renault, Longfellow e Tagore, dos quais recitava de memória alguns versos.
Paulo Couto, também poeta, começou por essa época a publicar
crônicas no jornal Folha do Litoral. Em sua companhia, fui algumas vezes à casa
do Alcenor, datando daí a nossa amizade, que se mantém inalterável e sólida,
através do respeito e da admiração recíprocos, regada a muita conversa e
eventuais goles de cerveja. O Paulo e eu participamos dos seguintes livros:
Salada Seleta (prefaciado por Alcenor), Galopando, Em três tempos e Poesia do
Campus (editado em minha gestão no Diretório Acadêmico 3 de Março).
2
Nas vezes em que estive na casa de Alcenor, via na parede o
retrato em preto e branco de seu pai, cuja essência biográfica e morte trágica
já conhecia, mas nunca lhe indaguei a respeito, como se isso fosse um tabu ou
assunto interdito, ao menos para mim. Porém, como no poema drummondiano, sabia
que não se tratava apenas de uma fotografia na parede, mas de um símbolo do
amor e da saudade, que certamente lhe pungiam a alma de poeta e de filho, como
bem se pode constatar na leitura do poema elegíaco Passando em revista, cuja
estrofe inicial transcrevo:
Passando em revista
o tempo da noite
vejo que meu pai
Alcenor Rodrigues Candeira
(trucidado em 59
pela família Cavalcante)
continua na parede
sem cabelos brancos
como eu não queria.
Tampouco tratei desse assunto com Canindé Correia, meu
compadre e amigo há quarenta anos, casado com Tânia, sua irmã caçula, cuja mão
o velho Alcenor segurava, na hora fatídica, no momento em que os sinos
dobravam, não a finados, mas assinalando o instante final para a saída da
procissão de Nossa Senhora das Graças, a padroeira da cidade; dobrava ele, no
dia 11 de outubro de 1959, às cinco horas da tarde, a última esquina em direção
à catedral e a curva fatal de seu destino. Muitos anos depois, o meu parente
Geraldinho (Geraldo Majella Nunes de Carvalho) contou-me que seu pai, o
magistrado Geraldo Majella de Carvalho, meu professor no curso de Direito, de
forma algo enigmática o levou a ver a lápide do túmulo de Alcenor, em que ele
leu o epitáfio: “Exemplo de honestidade, coragem e lealdade. ‘... E porque vivo
ninguém o venceria covardemente o mataram.’”
Nunca seu pai lhe explicou a razão dessa visita inesperada e
um tanto misteriosa em seu objetivo ao Cemitério da Igualdade. Nesse velho
campo santo, no qual talvez tenha se inspirado H. Dobal, para fazer um poema
homônimo, integrante de A Serra das Confusões, foi sepultada a minha prima
Verônica Melo, falecida no auge de sua beleza e juventude, em virtude de um
acidente com um fogareiro a álcool, cujo túmulo descobri por acaso, se é que
existe o que chamamos acaso; a poetisa Luíza Amélia de Queiroz, de cujo
mausoléu rebentou magnífica e copada gameleira, que partiu e retorceu a lápide,
como para lhe atender o pedido expresso em versos, de que desejava repousar à
sombra dessa árvore; o professor Amstein, engenheiro suíço, alto, de barba e
cabelos ruivos, de muita verve e imaginação, quase um mitômano, que, no dizer
de Renato Castelo Branco, era “barulhento, inconsequente e brincalhão”, e que
já chegara a Parnaíba “montado em uma meia-verdade”; minha irmã Josélia, morta
quando mal completara 15 anos, no apogeu de sua beleza e contagiante simpatia,
em cujo jazigo meu pai fez afixar uma placa com os versos imortais de Da Costa e
Silva: “Saudade – asa de dor do pensamento!”
Mas a Igualdade do nome é um tanto desmentida porque ao lado
de sepulcros singelos estão os suntuosos mausoléus de (outrora) poderosos
industriais, políticos e empresários.
3
Transposta a digressão do parágrafo acima, reponho a
locomotiva e o leitmotiv desta crônica memorialística e depoimento nos trilhos.
Ao longo desses quarenta anos de amizade, eu e o Alcenor Candeira Filho
participamos de muitos projetos literários em comum. À guisa de exemplo, sem
consulta a livros e documentos, fomos partícipes de várias coletâneas e
antologias, entre as quais cito: Poemágico – a nova alquimia, Poemarít(i)mos, A
Poesia Piauiense no Século XX (org. Assis Brasil), Baião de Todos (org. Cineas
Santos) e Antologia dos Poetas Piauienses (org. Wilson Carvalho Gonçalves).
Fomos coautores de A Poesia Parnaibana e Parnárias – poemas sobre Parnaíba, dos
quais também foram coautores Adrião José Neto (do primeiro) e Inácio Marinheiro
(do segundo). Fomos ambos colaboradores dos jornais alternativos Inovação,
Querela e Abertura, que circularam a partir da segunda metade da década de
1970.
Na seara da poesia e da prosa, arrolo os seguintes livros de
sua autoria: Sombras entre ruínas, Rosas e pedras, A insônia da cidade,
Antologia poética, Teoria do texto e outros poemas, Parnaíba: meu universo, Das
formas de influência na criação poética, Aspectos da Literatura Piauiense,
Literatura Piauiense no Vestibular, Memorial da cidade amiga e O crime da Praça
da Graça. Nestes livros estão estampados belos poemas da literatura piauienses
e fulgurantes textos da melhor prosa. Muitos analisam e elucidam aspectos da
mais alta relevância de nossa arte literária.
O certo é que, em resumo, sua prosa límpida, objetiva,
concisa, de bem delineada temática e redação, foi sempre admirável. E sempre
lhe aplaudi os poemas, de diferentes matizes, assuntos e época, seja o mais
singelo ou o mais criativo, o mais discursivo ou o de maior plasticidade, seja
o repassado de telurismo, a cantar a beleza arquitetônica ou natural de
Parnaíba, seja o que retrata figuras populares, dramáticas ou jocosas, ou ainda
os que denunciam as mazelas sociais e da política. Para não falar de suas
intertextualidades inventivas e de seus instigantes metapoemas.
4
Não tive a honra de ser seu aluno. Contudo, ouvi vários
depoimentos sobre sua performance como professor, sobretudo de literatura, no
ensino médio. Fátima, minha mulher, foi sua aluna, e sempre teceu entusiasmados
elogios às suas aulas, ao modo como ele sabia prender a atenção do discípulo.
Sem dúvida pode ele ser considerado um dos melhores mestres dessa disciplina,
tanto por ser um cultor das letras, como por ser um leitor voraz de obras
literárias e de teoria do texto e da literatura. Posso, assim, afirmar que
muitas de suas aulas eram verdadeiras conferências, ele que é um esmerado
conferencista e tribuno, tanto pelo conteúdo, quanto pelo timbre, dicção e
cadência vocal. Sem medo de errar, posso dizer que ele foi magistral no
magistério, que sempre desempenhou com zelo, vocação e entusiasmo.
Já tive ocasião de reconhecer que ele foi pioneiro na
imprensa alternativa piauiense, sobretudo na que utilizava o mimeógrafo, na
qualidade de colaborador e de um dos idealizadores do jornal O Linguinha, cujo
número inaugural foi lançado na noite que marcou a passagem de 1971 para 1972.
Também afirmei o seu pioneirismo na publicação de livros mimeografados, no
formato “apostila”, ao publicar os livros Sombras entre ruínas (1975) e Rosas e
pedras (1976), com belos poemas elegíacos, em que se percebia certo pessimismo
e algum timbre ou ressonância do simbolismo, sem embargo de sua modernidade e
de denúncias socais e políticas, que atacavam as mazelas de então e de sempre.
Publiquei essas afirmativas em sítios internéticos e nunca recebi contestação,
razão pela qual as reitero agora.
Por oportuno e para não ficar me repetindo ou chovendo no
molhado, acho melhor trazer à colação o que já disse alhures:
Durante quase todo o século XX, até meados da década de 70, a
poesia feita no Piauí era um amálgama do simbolismo, do parnasianismo e,
principalmente, do romantismo, com a predominância de temáticas elegíacas e,
sobretudo, líricas, povoadas de amadas intocáveis, inatingíveis, com os poetas
chorando essas paixões interditas. Posso afirmar, sem medo de erro, que o
modernismo chegou muito tardiamente ao nosso Estado, mais precisamente na
segunda metade da década de setenta (ao menos enquanto sistema literário), com
a chamada geração mimeógrafo, geração 70 ou ainda geração pós-69, não importa
que nome se lhe queira dar. Chegou para ficar, revisitando todos os ismos e
todos os modernismos de 1922 até a contemporaneidade. Tanto isso é verdade, que
já tive oportunidade de afirmar no meu opúsculo Aspectos da Literatura
Parnaibana:
“É preciso que se diga e agora vou dizer, sem vaidade, mas
também sem falsa modéstia: antes de Alcenor Candeira Filho, com seus dois
livros (“Sombra entre Ruínas” e “Rosas e Pedras”), impressos em mimeógrafo,
pioneiros, inclusive em termos de Piauí, da utilização desse equipamento na
confecção de livros, que passou a designar uma geração literária, deste escriba
e do poeta V. de Araújo, ambos com poemas publicados, ainda nos idos de
1977/1978, nas páginas de “Folha do Litoral”, o que se viam em Parnaíba eram
poemas obsoletos e formalmente ultrapassados, sobretudo sonetos de cunho
parnasiano, escola já destroçada em 1922, pelo movimento dos modernistas, mas
cujos influxos ainda não haviam chegado a Parnaíba, ao menos publicamente,
através de livros e jornais.”
5
Na qualidade de homem e de crítico literário sempre procurou
ser franco e veraz, e nunca gostou de fazer concessões espúrias e nem elogios
imerecidos. Por isso mesmo não faz promessas que não queira ou possa cumprir.
Tanto isso é verdade (e conto isso apenas para ilustrar o seu caráter), que o
confrade Homero Castelo Branco, com seu jeito bonachão, relata, com muita verve
e graça, uma anedota verídica a seu respeito. Numa disputa eleitoral da
Academia Piauiense, ele pediu, por telefone, o voto do poeta Alcenor. Este, com
bons modos, mas com a sua reconhecida franqueza, respondeu-lhe que já estava
comprometido comigo. Homero, de plano, lhe retrucou, com seu notável senso de
humor e presença de espírito: “Pois faz muito bem! Se eu também fosse
acadêmico, votaria era no Elmar”. Na eleição seguinte, o Alcenor e eu tivemos a
satisfação e honra de lhe sufragar o nome vitorioso.
Como servidor público foi exemplar, ao cumprir os seus
deveres com competência e responsabilidade, tanto nos cargos efetivos, como nos
de confiança. Procurador federal, foi agente do INSS em Parnaíba por vários
anos, sem que se ouvisse o menor ruído que pudesse desabonar sua conduta;
antes, pelo contrário. Foi secretário da Educação e de Gestão do município de
Parnaíba por doze anos, tendo exercido esses dois cargos com probidade e
correção administrativa.
Fora da literatura, consolidamos nossa amizade e admiração
recíprocas, que já remontam a quatro décadas, através de uma boa conversa e de
uns bons goles de cerveja, em saudáveis libações etílicas, como diria o saudoso
“confrade” Pereira, ou melhor, o imortal Pacamão, do livro de Assis Brasil e de
meus PoeMitos da Parnaíba. E ainda por cima, pertencemos à nação rubro-negra,
tendo os amigos Gervásio Castro e Fernando di Castro, irmãos e flamenguistas,
nos feito belas charges, em que envergamos a camisa e o glorioso escudo do
Flamengo.
Fomos motociclistas por muitos anos, de forma que não posso
esquecer os meus verdes anos parnaibanos, em que os meus vastos e bastos cabelos
ondulados farfalhavam ao vento, a percorrer em minha moto uivante as ruas
noturnas de Parnaíba, como um jovem lobisomem que então eu era. Ó tempos! Ó
saudades imortais de um tempo extinto, mas sempre ressuscitado na cornucópia
incessante da memória.
Ao fazer esta espécie de crônica memorialística e depoimento
sobre Alcenor Candeira Filho, tive o desiderato de prestar uma homenagem e um
reconhecimento a um notável intelectual, professor, poeta e escritor que, com
honestidade, sem ciúmes e sem inveja, sempre reconheceu, louvou e exaltou os
verdadeiros valores da literatura parnaibana e piauiense, tanto na tribuna de
uma sala de aula e dos auditórios, como através de seus livros e escritos
avulsos, publicados em periódicos e na internet.
Oeiras na Independência do Brasil
Reginaldo Miranda [1]
Contudo, essa manifestação
contrariava os interesses colonialistas dos constituintes de Portugal, que nos
queriam reduzir à situação de colônia e explorar nossos recursos naturais de
forma predatória, escravizando-nos. Por essa razão, para abafar essas
manifestações, marchou o comandante das armas para Parnaíba, obrigando a
retirada dos conspiradores para o Ceará e reduzindo aquela vila à obediência.
No entanto, os fatos que se sucederam naquela vila litorânea, as idas e vindas,
os altos e baixos, escapam aos objetivos desta solenidade. Aqui, agora, estamos
para dizer da participação de Oeiras, a velha capital, nesses sucessos da
Independência.
Desde que o major Fidié deixara a
cidade de Oeiras, a situação modificara-se sensivelmente. Aqueles em que ele
mais confiava foram os primeiros que se levantaram em armas para depô-lo e
proclamar nossa solene e completa independência do reino de Portugal. Fidié
deixara Oeiras em 13 de novembro de 1822, à frente do Batalhão de Primeira
Linha e da tropa miliciana. Simbolicamente, trinta dias depois, em 13 de
dezembro – Dia de Santa Luzia – seis homens encapuzados invadiram a Casa da
Pólvora, surpreendendo os guardas, tomando-lhes as armas e lhes aplicando
algumas chibatadas, sem que ninguém os socorresse. Em torno do episódio houve
devassa, mas nada foi apurado, sendo o silêncio bastante eloquente. Oeiras
tramava. Oeiras conspirava. No silêncio da noite, urdia-se a tessitura da
Independência.
Esse silêncio só era quebrado
pelos sermões de um padre pró-lusitano, vigário colado José Joaquim Monteiro de
Carvalho e Oliveira, que pressentia os fatos e fazia alardes, chegando a firmar
uma representação, em 31 de dezembro, pedindo a convocação de um conselho civil
e militar para apurar assunto muito sério, segundo ele. Reunido o conselho no
dia seguinte, com a presença das principais autoridades civis e militares,
escusou-se o vigário de indicar nomes alegando que essa indiscrição seria
incompatível com seu ministério sagrado. No entanto, depois de votação secreta,
deliberou-se pela prisão em suas próprias casas, com sentinela à vista, por
conspiração, de José de Sousa Coelho de Faria, José Félix Barbosa, Lourenço de
Araújo Barbosa, João Barbosa de Freitas e tenente Ignacio Gomes Correia. Nenhum
membro da elite dominante, sendo essa uma mera satisfação momentânea, para
continuarem a tramar com segurança.
Nessa altura dos acontecimentos
chega a Oeiras um correio de Jacobina, na Bahia. Era 11 de janeiro de 1823. Foi
quando, depois de quatro meses, as autoridades locais tomaram conhecimento do
Grito do Ipiranga e da aclamação de D. Pedro como Imperador Constitucional do
Brasil. A situação mudava de figura. Uma portaria e proclamações do novo
governo imperial brasileiro noticiava os fatos e os conclamava à adesão. O
general Labatut informava que, por ordem do novo imperador brasileiro, se
encontrava à frente de um grande exército, sitiando a cidade da Bahia; que no
último dia 8 de novembro, patriotas baianos, de armas à mão, haviam mostrado
seu valor aos portugueses, matando em combate mais de 200 e ferindo 300, além
de fazerem muitos prisioneiros; informava dos reforços que esperava e
assegurava-lhes que tão logo subjugasse os lusitanos de Salvador marcharia
sobre o Piauí, para ajudar os patriotas locais. Essa notícia coincidia com um
levante do destacamento militar da vila de Marvão, hoje Castelo do Piauí, que
aderira à Independência. O vale do Crateús ameaçava a capital.
Mesmo diante desses fatos, a
temerosa e vacilante Junta de Governo do Piauí, avisou ao general Labatut, pelo
mesmo estafeta, que permanecia fiel ao governo de Lisboa. E toma medidas
tendentes a evitar ser surpreendida pela invasão de patriotas pela divisa
cearense. Contudo, sabiam que sua causa estava severamente ameaçada e perdendo
apoios. Não sabiam mais em quem confiar. Por essa razão, o ouvidor da comarca,
Dr. Francisco Zuzarte Mendes Barreto pede licença para retornar a Portugal, o
que foi negado pela Junta de Governo. Era desconfortável a situação para os
defensores da causa lusitana.
Estavam as coisas nesses termos
quando um alvoroço tomou conta da cidade de Oeiras, na manhã de 24 de janeiro de
1823. A cidade acordara novidadesca, com movimento de tropas no largo da
matriz. Fugiram na madrugada alguns membros da Junta. Novo governo se
instalava. Também, novo sistema político, nova realidade. Estavam completamente
desligados de Lisboa e para sempre unidos politicamente ao Rio de Janeiro. Ao
romper do dia era grande a agitação e todos buscavam saber das novidades,
entender o que realmente acontecia. Os relatos ainda eram desencontrados e
somente aos poucos as peças iam se encaixando.
De fato, seguindo um plano
adredemente traçado, na madrugada daquele dia os patriotas que tramavam em
silêncio, derrubaram o governo pró-lusitano e assumiram as rédeas da província.
Lideraram o levante o brigadeiro Manuel de Sousa Martins e seu irmão
tenente-coronel Joaquim de Sousa Martins, que ficara no comando da força, como
delegado de Fidié. Naquela madrugada, Raimundo de Sousa Martins e Francisco
Manuel de Araújo Costa, rebelaram o Regimento de Cavalaria n.º 1; Manuel
Pinheiro de Miranda Osório e José de Sousa Martins, assaltaram o Quartel de
Linha; Ignácio Francisco de Araújo Costa e José Martins de Sousa, cada uma por
sua parte, cercaram as residências e prenderam dois comandantes militares
pró-lusitanos[3]; Manuel Clementino de Sousa Martins tomou a Casa da Pólvora.
Enquanto esses fatos se desenrolavam, faziam patrulha pela cidade, com seu
regimento de cavalaria rebelado, os majores Bernardo Antônio Saraiva e Honorato
José de Moraes Rego, para apoiarem onde se fizesse necessário.
Enfim, assim se desenrolaram os
fatos e ao romper do dia o povo respondeu com vivas, aos brados que os irmãos
Sousa Martins, os irmãos Araújo Costa, Miranda Osório e outros erguiam à
Independência e ao Imperador.
Reunidos naquela manhã, os
vereadores, chefes militares, juiz de fora e os demais graúdos, em sessão
extraordinária do senado da câmara, por unanimidade, ratificaram os fatos e
aclamaram com entusiasmo o príncipe D. Pedro como Imperador Constitucional do Brasil. Em seguida, foi eleita a Junta Provisória
de Governo, assim composta: presidente Manuel de Sousa Martins; secretário
Manuel Pinheiro de Miranda Osório; e vogais Miguel José Ferreira, Ignacio
Francisco de Araújo Costa e Honorato José de Moraes Rego. Na mesma ocasião
fizeram os eleitos o juramento e tomaram posse de seus respectivos cargos, de
tudo lavrando-se ata de vereação para a perpétua memória dos tempos.
Desde então, foi ação primordial
do novo governo cooptar as demais vilas da província, arregimentar os corpos
militares e consolidar o movimento emancipacionista. No dia seguinte,
despacharam mensagem às câmaras das seis vilas piauienses, comunicando os fatos
e ordenando que fizessem o mesmo imediatamente; aos dois comandantes militares
de Campo Maior, ordenaram que cessassem suas ações e não embaraçassem, direta
ou indiretamente, o Sistema do Brasil; ao major Fidié, para abandonar o Piauí;
e ao governo pró-lusitano do Maranhão, para guardar neutralidade. Por via das
dúvidas, suspenderam a exportação de carnes e tomaram medidas de segurança com
relação à divisa maranhense.
Aliás, foi preocupação permanente
do governo proteger as passagens do rio Parnaíba, com receio de invasão de
tropas maranhenses. Não mostraram
receios do retorno de Fidié, mas temiam ataques do governo do Maranhão, que não
se concretizou. Talvez, se tivessem concentrado suas ações para deter o major
Fidié, em vez de preocupar-se com o Maranhão, teríamos tido melhor sorte na
Batalha do Jenipapo.
De toda forma, o presidente Manuel
de Sousa Martins e seus aliados juntaram tropas e as enviaram para as passagens
do rio Parnaíba. Em pouco tempo o capitão Francisco Manuel de Araújo Costa está
com sua tropa nos portos de São Gonçalo, Santo Antônio e Poti, onde vai
reunir-se ao tenente-coronel Raimundo de Sousa Martins, seu primo e cunhado.
Foram dois denodados lutadores. Recebem reforços de Valença, liderados por
Claro Luís Pereira de Abreu Bacelar, João da Costa Sousa e Antônio José Leite
Pereira de Castelo Branco, gente intemerata, representantes das principais
famílias do vale do Berlengas; de Parnaguá, veio somar-se a eles o capitão
Tibúrcio José de Borges; cujo contingente engrossa as fileiras do capitão-mor
João Gomes Caminha, oeirense que liderava um regimento de Jerumenha.
Não se pode esquecer os nomes de
Thomé Mendes Vieira, Arnaldo José de Carvalho, José Ignácio Madeira, Mathias de
Sousa Rebelo, Francisco Irineu Gomes Correia, João Damasceno Rodrigues, para
ficar apenas entre os combatentes do centro e sul piauiense. Tudo gente
denodada, brava, que não fugiu ao chamado da pátria.
Entram os cearenses
arregimentados por Simplício Dias da Silva, João Cândido de Deus e Silva e
outros lidadores parnaibanos.
Enfim, vem a Batalha do Jenipapo
e o posterior cerco de Caxias obrigando a rendição do major João José da Cunha
Fidié, que vem trazido para Oeiras e, posteriormente, enviado para a
Bahia. É importante ressaltar que o
brigadeiro Manuel de Sousa Martins, presidente da Junta de Governo do Piauí,
com o irmão Joaquim, governador das armas e os cearenses capitão-mor José
Pereira Filgueiras, comandante das armas do Ceará e Tristão Gonçalves Pereira,
vogal da Junta de Governo cearense, tomaram parte pessoalmente no cerco e nas
negociações para rendição de Caxias.
Depois vieram as chantagens a
aleivosias dos cearenses, mas é assunto para outra oportunidade.
Manuel de Sousa Martins foi o
braço forte, o grande líder desse movimento, por isso assumindo a testa do
governo da província, como presidente da Junta de Governo. Não esmoreceu com a
derrota dos patriotas em 13 de março, na histórica Batalha do Jenipapo, em
Campo Maior, só descansando com a derrota total dos portugueses e prisão de
Fidié, depois do cerco de Caxias, em agosto de 1823. É a grande referência da
política piauiense durante a fase provincial, com poder inconteste, daí que
somente conseguiram transferir a capital quando ele já beirava à senilidade.
Concluindo, pode-se dizer que a
proclamação de Oeiras, em 24 de janeiro, foi a primeira declaração oficial dos
piauienses pela separação política de Portugal. Foi o primeiro ato que ecoou o
Grito do Ipiranga no Piauí. E a participação dos piauienses foi decisiva para
consolidação da unidade nacional, evitando que o Brasil se desintegrasse como
ocorrera na colônia espanhola. Por essas razões, merecem figurar nossos
patriotas da Independência entre os heróis da pátria. Muito obrigado.
[1] REGINALDO MIRANDA, advogado
com mais de 30 anos de efetiva atividade profissional, cofundador e
ex-presidente da Associação de Advogados Previdenciaristas do Piauí (AAPP),
ex-membro do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-PI, em duas gestões,
ex-presidente da Academia Piauiense de Letras, em dois biênios. Autor de
diversos livros e artigos. Possui curso de Preparação à Magistratura (ESMEPI) e
de especialização em Direito Constitucional e em Direito Processual
(UFPI-ESAPI). Contato: reginaldomirandaadv@gmail.com
[2] Antiga patente militar ou
correspondente a major.
[3] Capitão Agostinho Pires e
alferes Dâmaso Pinto da Veiga.
NOTÍCIAS ESPARSAS
Raimundo Alves de Lima - RAL (1956 - 2013)
Dos países longínquos
chegam notícias de amor e morte.
Na rua onde moro,
neste momento, há quem jogue cartas,
desfira socos em canalhas, cometa adultério,
morra de tédio.
(Muitas Coisas estão em minha rua,
não em mim)
Fonte: Canção Permanente, edição do autor, 1982.
Fonte: Google |
AS GRANDES TRAIÇÕES DA HISTORIA DA HUMANIDADE
Valério Chaves
Desembargador
aposentado do TJPI
Elmar Carvalho
1
Neste sábado, dia 28/01/2023,
aconteceu a primeira reunião de nossa APL, após o recesso do final/começo de
ano. Todos os acadêmicos que foram ao passeio turístico-cultural a São Raimundo
Nonato, Parque Nacional de Serra da Capivara (situado em partes dos municípios
de São Raimundo Nonato, João Costa, Brejo do Piauí e Coronel José Dias) e
Oeiras foram unânimes em dizer que a viagem foi excelente e proveitosa.
Em minha breve fala, enalteci o
passeio, fixando os pontos que achei mais importantes, seja por achá-los mais
interessantes, curiosos ou surpreendentes. Na empolgação do discurso, disse que
me sagraria o Pero Vaz de Caminha dessa expedição, e escreveria uma crônica
sobre ela. É o que tento fazer agora, sem nenhuma consulta a anotações, já que
não as fiz.
No sábado, dia 21, seguimos em nossa
viagem, cujo ponto de partida foi o estacionamento da Ponte Estaiada Mestre
Izidoro França. Procurei uma poltrona perto da janela, através da qual fui
olhando a paisagem e as pequenas cidades e povoações, que tantas vezes vi, à
límpida luz do sol ou à penumbrosa luz do luar, quando mourejei por vários anos
em longínquas comarcas do sul do Piauí.
Conduziu o ônibus o excelente e
prestativo motorista Valdenir José da Costa e foi responsável pela viagem a educada
e solícita Jaqueline Nobre, que prestou impecável assistência aos
expedicionários, quase todos legalmente idosos, mas, na prática, jovens acima
dos sessenta anos. Fizemos uma parada estratégica e logística na progressista
Água Branca, cidade do coração, quase diria natal, do presidente Zózimo
Tavares, comandante em chefe da expedição. O local da parada não poderia ser
mais apropriado: era a lanchonete dos irmãos Sales, frequentadíssima, onde se
pode degustar um delicioso e legítimo bolo frito ou um requeijão de primeira
qualidade, além de outros quitutes.
Seguindo o plano e o roteiro da
viagem, almoçamos em Floriano, e sem mais delongas marchamos rumo a São
Raimundo Nonato, em plena caatinga. A viagem transcorreu sem nenhum acidente ou
incidente digno de reparo, exceto um que poderia ter sido trágico, mas que a
graça de Deus o mitigou. Dona Mécia, esposa do poeta Francisco Miguel de Moura,
meu amigo há várias décadas, quando já estávamos nos aproximando de nosso
destino, ao se levantar, com o ônibus em movimento, caiu sobre a escada do
veículo, mas felizmente só teve dois pequenos ferimentos e hematomas, na região
da cabeça. Logo chegamos a SRN e ela recebeu os necessários cuidados médicos,
sem constatação de que houvesse algo de maior gravidade. O confrade Plínio
Macedo e sua tia Socorro Macedo, por serem naturais da cidade, prestaram todo o
apoio a Mécia, que no dia seguinte já estava em plena vitalidade, tanto que lhe
disse, brincando, em analogia a um filme de ação, que ela era “dura na queda”.
Nos instalamos no Real Hotel, no
centro da cidade, e seguimos para o prédio do SENAC, em cujo auditório
ocorreria a solenidade de nossa Academia. Foi exibido o documentário sobre a
história da APL, dirigido e editado por Luciano Klaus, com roteiro do presidente
Zózimo Tavares. Foi também projetado o vídeo (clipoema) Miragens de Serra da
Capivara, com poema de Elmar Carvalho, fotografias do médico Valdeci Ribeiro de
Carvalho, e editado por Claucio Ciarlini. Ambos os audiovisuais foram bastante
aplaudidos pelos presentes. O professor universitário Gênesis Naum Farias me
solicitou cópia do poema, para publicação em sítio internético.
Após, a mesa foi composta por Zózimo
Tavares, presidente da APL, Carmelita de Castro Silva, prefeita municipal,
Magno Pires, vice-presidente da APL, Fonseca Neto, palestrante e 1º secretário,
além de outras autoridades. A cerimonialista foi a jornalista Vanize Lemos, que
exerceu com maestria o seu mister. Houve ainda o lançamento do livro/álbum
Piauí – terra querida, filha do sol do equador, com textos e esplêndidas
fotografias de André Pessoa.
Fonseca Neto, em sua brilhante
palestra, em seu estilo próprio, inimitável, falou da importância do trabalho
da confreira Niede Guidon, das descobertas, estudos e análises do apurado labor
arqueológico, bem como do notável significado das pinturas rupestres, e da
importância disso tudo para a história do Piauí, do Brasil e do mundo.
Ao ouvi-lo fiquei imaginando as
labutas, as lutas, as agruras que esses nossos ancestrais, esses “capivarões de
Guidon”, no dizer fonsequiano, tiveram que enfrentar, ao relento ou em furnas
esconsas, sofrendo picadas de insetos e as chicotadas do frio noturno, das
chuvas e das tempestades.
No dia seguinte, domingo, fomos
conhecer os cantos e encantos do Parque Nacional de Serra da Capivara. Os
cantos porque conhecemos vários sítios e pontos turísticos e os cantos maviosos
de aves álacres e belas, como corrupiões, bem-te-vis, galos-de-campina, sabiás
e chico-pretos. E encantos porque o parque é todo cheio de encantos, que nos
proporcionam sua floresta bem preservada, seus paredões rochosos, e as
serranias ao longe. A famosa pedra-furada acaso não seria um portal para uma
outra dimensão, talvez ainda mais bela? Alguém já a teria atravessado, em
tempos imemoriais, que se perdem na voragem do próprio tempo? Jamais teremos
resposta para esse mistério.
Ao fim do périplo, um dos guias, ao
saber que eu tinha um poema sobre Serra da Capivara, me disse também ter feito
versos, em que louvava essas louçanias, e me conduziu até um tipo de mandacaru,
de espinhos pequenos e bem flexíveis. Num gesto quase ritualístico ou de
prestidigitação, pôs as pontas dos dedos no topo de um dos “galhos” do cacto e
os moveu de cima para baixo, na forma e na velocidade adequadas, e fez surgir o
rumor de água, como a escorrer por um córrego, que imaginei ornado por belos
seixos. Que mistério encerraria essa singular sonoplastia, nascida de uma
planta típica das caatingas secas, adustas, de poucas chuvas, que imitava o som
de água corrente, tão cara aos ouvidos dos sertanejos?
Após o almoço em restaurante do parque,
fomos conhecer o Museu da Natureza, concebido em avançada tecnologia, que nos
proporcionou diversas experiências sonoras, táteis e visuais, e no campo
eletromagnético. Vimos projetados enormes paquidermes, com seus rugidos
assustadores, além de imagens panorâmicas e aéreas de todo o parque.
Tive a nítida sensação de sobrevoar os
imensos paredões e desfiladeiros, quando usei o simulador de asa delta, que
proporciona imagens cinematográficas em 3 dimensões. Me senti um anjo, sem peso
e sem pecado, a voar sobre um abismo vertiginoso de beleza, que um dia
sobrevoarei de verdade, quando eu partir para a outra dimensão de uma das casas
do Pai, como prometeu Jesus Cristo, de que eu tive a prefiguração nesse voo de
mentirinha.
Fomos em seguida visitar o Museu do
Homem Americano, na cidade de São Raimundo Nonato. É um misto de museu
convencional, com a formação de ambientes e de exposição de diversos objetos,
oriundos das escavações nos diversos sítios arqueológicos do Parque de Serra da
Capivara, como utensílios diversos, vasilhas, vasos, armas, pontas de flecha,
facas rudimentares, urnas funerárias, esqueletos de animais e de antigos
habitantes da caatinga capivarense, e de museu tecnológico, em que imagens são
projetadas, sobretudo as das pinturas rupestres, em que se veem animais e as
antiquíssimas pessoas da região, em situações que sugerem danças, rituais e
outras atividades, inclusive amorosas, como a afamada cena do beijo
pré-histórico.
Antes do retorno ao hotel, prestamos
singela homenagem ao Dr. Raul Macedo, pai do confrade Plínio Macedo e do Des.
Pedro Macedo, ao pé do monumento que tem o seu busto. Foi o primeiro médico do
município. Por seu espírito solidário e humanitário, prestou relevantes
serviços à região sanraimundense.
À noite, fomos jantar em uma
churrascaria perto do nosso hotel. Fizemos breve e alegre libação comemorativa.
Ao voltarmos ao hotel, conversamos sobre poesia e poetas. Instigado pelo
jornalista e documentarista Luciano Klaus, terminei falando da velha Zona
Planetária, mítico cabaré campomaiorense, cujos casarões foram destruídos num
forte inverno implacável, de chuvas constantes e torrenciais, mas que ainda
remanescem num poema de minha autoria, de igual título, cujos versos iniciais
recitei na noite sanraimundense: “Anfion percorre os sulcos / dos discos das
vitrolas e as / emoções são alinhadas pedra a pedra. / Apolo é qualquer moço
feio / que nos vitrais Narciso se julga. / De repente, Átropos corta o fio da
vida / que era tecido pelas Parcas lentamente / pelos golpes de facas, adagas
ou estiletes / nas mãos de um velho Pã embriagado.” E a câmara indiscreta de
Klaus tudo viu e tudo registrou para os arquivos implacáveis de Luciano.
Na manhã do dia seguinte, cedo, logo
após o café, arribamos para a velha Oeiras. Seguimos pela estrada que passa por
São João do Piauí, que me fez lembrar do padre Solon Aragão e do poeta Adail
Coelho Maia, e pela cidade de Simplício Mendes, na qual foi juiz por alguns
anos o confrade e Des. Oton Lustosa. Por essa urbe passei algumas vezes, no
início de minha carreira de julgador, em demanda de minha longínqua Comarca de
Socorro do Piauí. No entorno do monumento ao médico Isaías Coelho, Oton Lustosa
fez breve pronunciamento em que relembrou a sua atuação magistratural na cidade
e um pouco de sua vida civil e familiar, ainda com escasso tempo de casado. Foi
cumprimentado por velho servidor da Justiça, que dele guardava boas
recordações.
Ao rever a estátua do célebre médico
Isaías Coelho, me lembrei de histórias que li ou ouvi contar a seu respeito.
Numa época em que não havia praticamente exames médicos, mormente na região,
tinha grande clientela. Muitos vinham de longínquas paragens para se consultar
com esse esculápio do sertão. Pelos seus diagnósticos e medicamentos certeiros,
ganhou fama de ter dotes mediúnicos, quase um taumaturgo, senão mesmo um
demiurgo. Morreu celibatário, talvez porque tenha desejado dedicar o maior e o
melhor esforço de sua vida exclusivamente ao exercício da medicina.
2
À colonial e episcopal Oeiras chegamos
um pouco depois do meio-dia.
Nos hospedamos no Hotel do SESC, cujo
nome homenageia o nosso estimado confrade Moisés Reis. Já o Carlos Rubem,
guardião dos vetustos solares e da cultura de Oeiras, Promotor de Justiça (e de
cultura, como já disse alhures), nos esperava com a sua lhaneza de sempre.
Fez questão de mostrar aos
expedicionários uma bela placa metálica, que estampa, no hall do hotel, o meu
poema Noturno de Oeiras. Inclusive, no dia seguinte, ele terminou por
transformar o jovem governador Rafael Fonteles numa espécie de garoto
propaganda do meu poema, ao lhe fotografar ao lado da placa e ao gravar rápido
vídeo, com o gestor se referindo ao Noturno.
Após breve descanso, fomos fazer um
pequeno passeio turístico. Visitamos o sobrado Major Selemérico, que foi na
Oeiras colonial e imperial o Palácio dos Governadores. Vimos os retratos dos
presidentes da Província e os governadores do Piauí no período republicano.
Vimos a mesa grande, rústica, em que Manuel de Sousa Martins, depois Visconde
da Parnaíba, decidiu a adesão do Piauí ao movimento em prol da Independência do
Brasil. É um prédio simples, despojado,
sem ostentação de objetos luxuosos, mas em que a história de um tempo antigo
parece nos espreitar dos beirais, dos velhos assoalhos, das enrugadas paredes,
das frestas dos velhos móveis, da escadaria de pedra.
Estivemos no Solar do Major Doca
Nunes, ancestral do ex-governador Wilson Martins. Nesse museu vimos muitos
móveis antigos e muitos objetos artísticos, entre os quais belas pinturas e
esculturas. Nosso guia exemplar foi o poeta e economista Olavo Braz Barbosa
Nunes Filho, que com sua forte e clara voz tudo nos explicava, tudo nos
esclarecia, inclusive sobre alguns aspectos da vida familiar de Doca. Muito
fiquei honrado quando ele, após elogiar o meu Noturno, me entregou o seu lindo
livro/álbum Pedaços de Mim, em que são exibidos textos em prosa e em versos de
sua autoria, além de excelentes fotografias autorais de paisagens, plantas,
igrejas e obras de arte sacra, sobretudo de Oeiras.
Tivemos
o prazer de olhar vários compartimentos da vetusta catedral de Nossa Senhora da
Vitória. Percorremos sua nave. Vimos velhas imagens de santos. Contemplamos seu
retábulo principal, tão bem retratado pelo escritor oeirense Dagoberto de
Carvalho Jr., em seu estilo castiço e clássico, em páginas admiráveis,
inclusive na sua excelente magna obra Passeio a Oeiras, de cuja sexta edição
tive a honra de ser o prefaciador. Visitamos as capelas. Vimos algumas lápides
e perguntamos pela do Visconde da Parnaíba, o homem que por maior lapso de
tempo governou o Piauí. Uma das pessoas que nos acompanhavam nos informou que o
corpo do ilustre oeirense fora enterrado debaixo do altar-mor, mas sem nenhum
sinal ou marca, que pudesse indicar o seu jazigo. Seu nome, que não consta em
nenhuma lápide, que não encima nenhum epitáfio, contudo está grafado em letras
imortais em todos os livros da História Piauiense.
Com a ajuda de guia experiente,
devassamos todos os meandros e recônditos do Museu de Arte Sacra, instalado no
antigo Palácio dos Bispos. Vimos a Galeria dos Bispos, inclusive do primeiro,
Dom Expedito Lopes, que se encontra em processo de beatificação. Fundou o
Ginásio Municipal de Oeiras, do qual foi diretor e professor. Sua vida foi
tragicamente ceifada, quando servia na Diocese de Garanhuns, pelo padre Hosana
de Siqueira e Silva, que se rebelou contra sua admoestação. Seu algoz veio
também a ser assassinado algumas décadas depois.
Vimos muitos utensílios sacros,
pinturas, esculturas, móveis, além de paramentos de antigos bispos e
fotografias. Entretanto, não pudemos ver a famosa e valiosíssima custódia de
ouro maciço, cravejada de pedras preciosas, trabalho da mais refinada
ourivesaria portuguesa, que, segundo o historiador Pe. Cláudio Melo, fora doada
à matriz de Oeiras, no tempo de Tomé de Carvalho, pelo mestre-de-campo Bernardo
de Carvalho e Aguiar. Fica guardada em um cofre, em recinto hermeticamente
fechado. Essa custódia, que já fora roubada em tempos antigos, só é exibida uma
vez por ano, por ocasião da procissão e da missa de Corpus Christie. Segundo
Carlos Rubem, quando esse ostensório é levantado na procissão ou na missa, como
que um frêmito parece comover os fiéis, numa quase epifania, ousaria
dizer.
À noite, no Cine-Teatro Oeiras, uma das obras marcantes do coronel Orlando Carvalho, foi realizada a sessão especial da Academia Piauiense de Letras e do Instituto Histórico de Oeiras - IHO, de que sou sócio correspondente. Além de membros das duas instituições e pessoas da sociedade oeirense, compareceram várias autoridades, entre as quais o governador, o prefeito municipal, deputados e vereadores. Compuseram a mesa o presidente da APL Zózimo Tavares, o governador Rafael Fonteles, o presidente da Assembleia Legislativa, Franzé Silva, o prefeito José Raimundo de Sá Lopes, o presidente da Câmara Municipal, Espedito Martins, o ex-governador Wilson Martins, a presidente do IHO, Inácia Rodrigues Ferreira, o bispo diocesano Dom Edilson Soares Nobre, o 1º secretário da APL, Fonseca Neto, e os conferencistas Moisés Reis e Reginaldo Miranda.
Foram exibidos o documentário sobre a
História da APL (direção e edição de Luciano Klaus, e roteiro de Zózimo
Tavares) e o clipoema Noturno de Oeiras, poema de Elmar Carvalho, com produção,
fotografias e edição de Inamorato Reis, interpretado por Claucio Gonçalves de
Carvalho. Ambos os vídeos foram entusiasticamente aplaudidos.
Moisés Reis, advogado de notável
competência e ética, em nome do IHO,
pronunciou um magnífico discurso de recepção, com sua voz pausada, de límpida e
bela entonação. Traçou breve panorama da história da Academia, da qual é
destacado integrante, e fez a exímia louvação de alguns de seus patronos e
membros. Não sou tão humilde a ponto de deixar de transcrever o trecho com que
ele me distinguiu:
“E foi assim que o amigo e confrade
Elmar Carvalho, filho de Oeiras pelos laços formais de merecido título de
cidadania, que já havia se tornado oeirense por coração, vocação, predestinação
e devoção, como afirma em seu opúsculo “Oeiras na Alma e no Coração” foi assim,
repito, que o prezado confrade, alimentado pelo espírito secular e modelador da
alma, interpretou muito bem a característica peculiar, idiossincrásica, do
cidadão oeirense, através de seus poemas, crônicas, textos literários e
discursos. Quem, desta cidade, não já recitou o seu célebre poema Noturno de
Oeiras, ‘navegando na noite de um tempo que não termina?’”
O outro orador da noite foi o grande
historiador Reginaldo Miranda, que se houve com não menos brilhantismo, ao
pronunciar esplêndida conferência sobre a data magna de 24 de Janeiro, em seu
bicentenário. Falou sobre a importância e significado dessa efeméride, quando o
brigadeiro Manuel de Sousa Martins encabeçou o movimento que marcou a adesão do
Piauí à Independência do Brasil e ao império instituído por D. Pedro I, com a
instituição de uma junta governativa, da qual ele era o presidente. Fez
vibrante elogio ao inolvidável fato histórico e arrancou entusiasmados aplausos
de todos os oeirenses.
No dia 24, data em que se celebra a
adesão do governo do Piauí à Independência do Brasil, os acadêmicos da APL
fomos participar da solenidade comemorativa dessa efeméride no Memorial do 24
de Janeiro, em que, além do ato de levantamento das bandeiras do Brasil, pelo
governador Rafael Fonteles, do Piauí, pelo ex-governador Wilson Martins (em
cujo governo foi erigido o Memorial, com exceção da estátua de bronze do
Visconde da Parnaíba) e de Oeiras, pelo prefeito José Raimundo, o governador do
Estado depositou uma corbélia de flores aos pés da estátua do brigadeiro Manuel
de Sousa Martins.
Após essa cerimônia, fomos ao centro,
no carro que conduzia Wilson Martins e o caro José Augusto Nunes, seu primo,
antigo caçador (de conversa) na Furna da Onça, dileto amigo, que considero o
último Fidalgo da Velha Mocha, onde visitamos a Galeria do Divino, que Olavo
Braz criou e instalou, sem ajuda do poder público, em casa de sua propriedade,
no entorno da Praça das Vitórias. Todos os objetos de arte sacra exibidos nesse
espaço cultural foram por ele adquiridos. Creio tenha ele se inspirado no Museu
do Divino de Amarante, criado às expensas do professor Marcelino Leal Barroso
de Carvalho, e por este mantido em casa sua, igualmente sem ajuda oficial.
Nessa galeria ele também expõe, em chapas de vidro, variados poemas de
oeirenses ou sobre a velha cap, entre os quais, para gáudio meu, o Noturno de
Oeiras.
Nos dirigimos, guiados pelo incansável
e intimorato Carlos Rubem, à Casa de Pólvora, localizada nas cercanias da
igreja do Rosário, no bairro de igual nome. É um edifício rústico, com uma
única porta de madeira maciça, feito em pedra de cantaria.
Consta que no dia 13 de dezembro de
1822, vários oeirenses encapuzados renderam os guardas, subordinados ao
comandante das armas, o português João José da Cunha Fidié, que já se
encontrava em Parnaíba, e levaram as armas e munições que encontraram nesse
paiol. Deram uma boa surra nos guardas e desapareceram no vão da história, sem
que nunca se lhes descobrissem as identidades, pelo que ficaram como heróis
anônimos.
3
À tarde, após o almoço e breve
repouso, iniciamos a viagem de retorno a Teresina, via Regeneração, em que se
se contemplam deslumbrantes paisagens, do alto de serras, e se percorre longo
trecho da Chapada Grande. Também se veem extensas plantações de soja, que se
perdem na linha do horizonte.
Fizemos breve parada turística,
afetiva e sentimental em Regeneração, em virtude de que o Des. Oton e eu
exercemos por vários anos a magistratura nessa histórica Comarca e de que nela,
há várias décadas, o ex-presidente Reginaldo Miranda exerce a advocacia com
proficiência, zelo e ética, e também pelo fato de que nós três temos o Título
de Cidadãos Honorários dessa cidade e município, outrora vila e aldeamento nos
tempos coloniais e imperiais. Reginaldo e o advogado Márcio Freitas, que
participou da excursão com o seu filho João Gabriel, jovem bem informado e já
um erudito, são casados com regenerenses. O Luciano Klaus gravou breves
depoimentos, no entorno da imponente igreja de São Gonçalo, dos confrades Oton,
Reginaldo e deste escrevinhador metido a escrivão.
Os acadêmicos Oton Lustosa e Reginaldo
Miranda discorreram sobre suas ligações telúricas, afetivas e sentimentais com
a cidade, assim como a respeito de suas experiências pessoais e laborais.
Em meu depoimento, recordando os
velhos tempos do aldeamento indígena, falei que por ela e nas suas imediações
passaram índios alegres, que gostavam de música e de dança; que o próprio
padroeiro São Gonçalo fora um santo alegre e festeiro, a tocar sua viola; que
os folguedos de São Gonçalo deveriam ser incentivados; que nela passara três a
quatro dias, no começo dos anos 70, no apogeu de minha adolescência, tão
estuante de vida e entusiasmo, quando nela dançara e namorara; que me batizara
regenerense, na ocasião em que na companhia do soldado Raimundinho ou Pereira
visitara as nascentes efervescentes do Mulato, a molhar a cabeça com uma cuia e
quando recebi o meu Título de Cidadania, proposto pelo vereador Neto Leal.
Falei ainda do meu esforço em movimentar com a possível celeridade os inúmeros
processos.
Sugeri ao Klaus fosse feito um
documentário da viagem. Notei pela sua evasiva e sorriso maroto que isso já
estava planejado por ele e pelo roteirista Zózimo Tavares. Nada mais lhe foi
perguntado e nada mais ele disse.
Fizemos nova parada na indefectível
Lanchonete Sales, na amorável e aprazível Água Branca do presidente Zózimo.
Em algum ponto da viagem, já nos
aproximando de Teresina, de microfone em punho, a Jaqueline Nobre nos convocou
a dizermos algumas palavras sobre a viagem. Os que falamos fomos unânimes em
dizer que a expedição fora excelente e sem nenhum percalço digno de nota,
exceto aquele a que já me referi.
Julgo importante acrescentar que,
durante a viagem, se formaram várias rodas de conversas, entre os passageiros
que se encontravam em cadeiras vizinhas. Participei de uma roda formada por
Reginaldo Miranda, Fonseca Neto e a professora Socorro Barros, da qual vez ou
outra participavam Márcio Freitas e João Gabriel Freitas. A conversava girava
sobre assuntos diversos e aleatórios, mas com predominância de temas culturais
e históricos. Aprendi muito com todos eles.
Encerrando o meu mister de escrivão da
viagem, afirmo que não seguirei o exemplo de Pero Vaz de Caminha, que em sua
magnífica carta a El-Rei, verdadeira certidão de nascimento do Brasil colonial,
fez um pedido de ordem pessoal e aludiu, de maneira insólita, a certas
vergonhas. Assim, nada pedirei e terei vergonha suficiente para não falar na
vergonha de quem quer que seja.
Ao anoitecer, no estacionamento da
Ponte Estaiada, ponto inicial e final da viagem, encontramos a nos esperar os
nossos familiares e entes queridos. Como nos velhos filmes: The end.
(*) Participaram da viagem: Valdenir José da Costa, Jaqueline Nobre, Zózimo Tavares e Regina, Jasmine Malta, Des. Oton Lustosa e Lindaura, Márcio Freitas, João Gabriel, Cremísia, Luciano Klaus, Jairo Moura, Maykon Douglas, Vanize Lemos, Plínio Macedo, Francisco Miguel de Moura e Mécia, Reginaldo Miranda e Maira, Fonseca Neto, Socorro Barros e Elmar Carvalho. Obs.: os acadêmicos Magno Pires, padre Toni Batista e Moisés Reis foram em transporte próprio.