terça-feira, 30 de maio de 2023

Minha visão, em comentário, sobre o livro Fundação Cultural Assis Brasil - uma história a contar

Arte: Elmara Cristina


Minha visão, em comentário, sobre o livro Fundação Cultural Assis Brasil - uma história a contar


Wilton Porto 


De 31 de março de 64 a 15 de abril de 85 os militares estiveram no governo do estado brasileiro. Correspondeu 21 anos de perseguições, desterros, violências, prisões, mortes, "pau-de-arara", choque elétrico, inclusive nos testículos.


Os intelectuais, artistas de modo geral, usando de conotações, figuras de linguagem não se calaram.


Foi neste período, que nasceu a Fundação Cultural "Assis Brasil".

Naquele período, se quatro pessoas estivessem conversando, teriam que se dispersar, as luzes teriam que se apagar antes de 22h.

A venda estava em nossas bocas. Na distante Parnaíba não existia imunidade de perseguição.

A juventude intelectual e estudiosa queria e buscava alternativas para destravar a garganta.

Poesias, crônicas, jornais, teatro, movimento organizados, como o Movimento Cultural e Social Inovação, que tinha o Jornal Inovação, um dos jornais mais importantes da Parnaíba, o Querela, o Linguinha, o Tetéu e outros. Mais recente, o O PIAGUI.

Ednólia Fontenele era uma jovem de grande talento e muito cedo estava entre os nomes que sobressaíam dentro da cultura piauiense.

Era das pessoas que exerciam influência no grupo do "Inovação", e dentro da escola, a vivacidade, o afã de manifestar a luz tão intensa na fronte, a fizeram destaque e líder intelectual.

Fundou Jornal, levou professores a apoiarem a grandeza de espírito e tino pelas letras. Estava traçado o nome da Poetisa Ednólia Fontenele, com poesias de incomparáveis beleza, tonalidade social, política e romântica que a tornavam a princesa de uma geração de intelectuais.


Assim, com ideias muito avançadas, muito além do tempo dela, como disse Dr. Roberto Cajubá, Ednólia foi a principal mentora da Funcab.

A ousadia iniciou com o nome: FUNDAÇÃO CULTURAL "ASSIS BRASIL".

Assis Brasil, parnaibano, estava entre os maiores escritores do nosso país. Já havia conquistado,dois prêmios, por merecimento, dentro da literatura brasileira: o Valmap, o mais luzente, no Brasil.

Beira Rio, Beira Vida e Os que Bebem como Cães   realmente dignificam o Escritor parnaibano.

Ednólia e Airton Meneses não pestanejaram em homenagear Assis Brasil, embora se soubesse as causas do afastamento do Escritor da terra Natal.

A juventude intelectual estava disposta a não se calar, a não se dobrar fácil aos ditames da sociedade mandante e injusta.

E lembra, novamente, Robero Cajubá, no lançamento desta obra: "Ednólia era tão adiantada, no seu tempo, que a quase totalidade dos membros da diretoria, da Fundação   Cultural Assis Brasil, era de mulheres, quando as mulheres ainda pouco tinham participação em entidades sociais.


Para se saber com mais propriedade sobre esta fundação, devemos ler o livro que acaba de ser lançado pelo Escritor e Poeta Dr. Fernando Ferraz, intitulado FUNDAÇÃO CULTURAL ASSIS BRASIL, Uma história a ser contada.

Da minha parte, nesta matéria, farei alguns complementos e comentários que se fazem necessários.


A visão de ação da Funcab demonstra  a qualidade de pensamento dos seus membros.

Parnaíba sempre fora de uma tenacidade pioneirística fora do comum. E quase tudo de elevado começou em Parnaiba.

Navegabilidade, indústria, borracha, pesca, comércio estrangeiro, rádio...

Somos, hoje, uma cidade Universitária, e Federação das Indústrias desde o início existiu aqui.

Políticos de grande envergadura e homens de pontente poder são filhos desta cidade.

É de se acreditar que, entre os objetivos da Funcab, uma larga ideia cultural, administrativa e turista estivessem contempladas. Entre eles, a criação de um museu que contemple os inúmeros anseios dos intelectuais de modo geral.


Um grande momento da fundação foi o feliz desejo de se instalar uma biblioteca num vagão de trem. Originariedade e biblioteca única, neste estilo no mundo cultural.

Astúcia da juventude estudiosa, que congregava a Funcab.

Sigam o meu raciocínio em redor dessa biblioteca, que por motivos financeiros não vingou.


À época se tinha enorme preocupação, por não existir em Parnaiba, obra para os vestibulandos.

Os Professores de Literatura Alcenor Candeira e Rossana Silva: Colégio Cobrão e Dez é que se viravam em apostilas.

A Biblioteca Benedito Jonas Correia seria de uma grandeza sem tamanho. Supriria e muito esta lacuna.

E tem mais, espandiria o conhecimento do estudante.

O estudante que fosse àquela biblioteca, não ficaria só no estudo das matérias para vestibular. Ele poderia ouvir sobre a importância que teve aquele vagão, dentro do transporte de carga. Ouvir sobre a estrada de ferro, sobre o comércio, a facilidade de transportar carga, a melhora da economia...

Poderia ouvir sobre o Escritor Assis Brasil e Benedito Jonas Correia.

Fui Professor quase 30 anos.

E eu costumava perguntar quem conhecia Assis Brasil. A mudez era a resposta.

Ali, se teria aula, debate, informação sobre cultura, economia, comércio e cidadãos de destaque na sociedade.

De 15 em 15 dias poderia se levar escritores da cidade para falar do trabalho que desenvolve e as publicações.


Mas, onde estavam os homens que se preocupavam com o bem-estar da sua gente?!

Cultura e educação são transformação. E o mesmismo contribui para o encabrestar.


Certo dia, Ednólia Fontenele enviou-me uma mensagem, propondo que eu me mobilizasse, a fim de dar uma injeção de ânimo cultural, no tocante à Praça dos Poetas.

Aquele local havia sido abandonado, servindo de mictório público e área para os usadores de droga.

Contatei com o Presidente do IHGGP, Reginaldo Júnior, aproveitamos a presença do Professor de História Francisco Nascimento, que leciona na Universidade de Picos e estava em Parnaiba de férias. 

Convidamos várias pessoas para este trabalho, inclusive Bejamin Santos, o idealizador da praça, quando Secretário de Cultura do município.

Eu, Eliana(minha esposa), Reginaldo Júnior e Francisco Nascimento éramos a base do trabalho.

Contatamos com o Secretário de Infraestrutura, do Meio Ambiente e Cultura.

Colocamos lâmpadas de qualidade, compramos mangueira para irrigar a praça, conversamos com os comerciantes que trabalhavam ao redor da praça, a fim de que apadrinhassem áreas e da praça e cuidassem, tendo assim, abatimento de impostos e taxas.

Eu e Eliana ficávamos o dia todo correndo, gastando do nosso bolso com gasolina e compras de material, como mangueiras, torneiras e até lâmpadas. 

As Secretarias de Infraestrutura e Meio Ambiente eram as que mais procurávamos e eram todos atenciosos.

Iríamos arborizar a Praça e trocar as placas.

Marcamos um dia para fazer uma manifestação pacífica, na Praça da Graça, para culminar na Praça dos Poetas, em que teríamos vários eventos culturais.

Marcamos um encontro, na Prefeitura, com a Secretária de Cultura, Fátima Carmino.

Esta nos recebeu muito bem, inclusive informando que, O Deputado José Francisco Paes Landim havia enviado uma verba e parte seria para a Funcab.

Ao sairmos da reunião, o sr. Florentino Neto convidou-nos para uma nova reunião.

Chamou-nos de moleques e os outros adjetivos que não vale a pena revelar.

Disse, ter sido informado, que iríamos fazer manifestação política contra o Prefeito.

Nesta reunião encontravam-se eu, Eliana, Reginaldo Jr. Francisco Nascimento. Fátima Carmina também estava.

Eu falei em nome da Funcab. Dei-lhe uma lição de educação e bom tratamento. Eliana estava para pular no pescoço dele. Assim não deixamos ela falar. Mas até hoje, ele passa vergonha, se estende a mão para ela, em cumprimento. Hoje, ele passa longe dela.

Assim, não aconteceu o evento na Praça da Graça, porém, tivemos uma belíssima tarde cultural na Praça dos Poetas.

Chateados, abandonamos o trabalho de injeção. 


Ainda quero confirmar, que a Funcab promoveu encontro cultural na Praça da Graça, com varal poético, divulgação de obras próprias e de autores piauienses, declamações e debates.

Assis Brasil sempre foi divulgado por nós na coluna Culturescrendo e programa de rádio na Educadora, ambos sob a minha responsabilidade.


O IHGGP proveu uma semana cultural. Filmes e fotos e palestras aconteceram.

Assis Brasil esteve presente e fora homenageado. Eu discursei em nome da Funcab, como também o representei numa formatura de estudantes da Uespi.

Saímos com o Escritor em colégios e em todos Assis Brasil era ovacionado. Inclusive, no Diocesano, alunos declamaram para o Escritor parnaibano.

No IHGGP, ele também ouviu o discurso da Secretária Fátima Carmina.


Gostaria de afirmar que, quem mantinha a Coluna CULTURESCREVENDO EM JORAIS E RÁDIOS ERA WILTON PORTO.


MAGISTRALIDADE DA FUNCAB


Sei da paciência que o autor desta obra, Fernando Ferraz, teve para escrvê-la. Muito material disperso, um tanto consumido pelas traças e aqueles sorvidos pelo mofo.

A memória foi de grande valia. Cosme que possuía muita coisa de memória e encaixotado num quarto do fundo da casa dele, a família não tinha como ajudar. O IHGGP estava em "reforma" e não poderia fazer muito.

Impressionou-me a quantidade de documentos que Fernando conseguiu adquirir. Eu muitas vezes, para fazer melhor, precisei de documentações e ninguém tinha.

Quando foi para tentar salvar a Funcab, contatar com a Receita Federal, eu não pude.

Nem mesmo quando Renato Neves deixou a presidência e eu assumi, como vice, a pasta veio parar em minhas mãos.

Não podemos negar, que os esforços imorredouros foram demasiados. Que dentro das possibilidades não se pode dizer que nada se fez.

Em todo ato de manifestação cultural e artístico, estivemos marcando presença desde quando ela foi criada até o último respirar.

As dificuldades e os pensamentos contrários machucavam, porém não foram maiores que a nossa consciência do nosso papel de agentes culturais.

Quando Dr. Lauro me convidou para reativar a Funcab e pediu-me que convidasse Renato Neves para esta tarefa e aceitamos de prontidão e, não me torturei quando, impuseram que Renato fosse o presidente.

Problemas interno há nas melhores famílias. O que foi feito supera as dificuldades.

Não fizemos mais por falta de apoio financeiro.

Cultura ainda não é prioridade neste país. 

Posso dizer a esta cidade, onde não nasci, que fui além do que podia, e Ednólia Fontenele sempre acreditou em mim e nunca deixou de aplaudir os meus humildes esforços. 

Leiam este livro. Verão que, em tempos difíceis, a intelectualidade parnaibana levantou os braços,  a voz e fez.


E melhor: continua fazendo.


É preciso que se justifique um erro que cometi, quando uma aluna do Colégio Estadual "Lima Rebelo", Socorro, enviou-me o poema "Tédio", dizendo que era dela.

Publiquei-o na Coluna Culturescrevendo.

Elmar Carvalho chamou-me a atenção: o poema é dele, publicado no livro Rosa dos Ventos Gerais.

A culpa é mais minha do que do Fernando Ferraz.

domingo, 28 de maio de 2023

TÉDIO

 

Fonte: Google

TÉDIO


Elmar Carvalho

 

Só o tédio absoluto,

o vazio total,

a negação completa,

eu sinto sempre.

Sempre a falta de algo.

Sempre o algo inalcançável.

Sempre a louca

procura

do tesouro perdido,

da pedra filosofal inexistente.

Sempre a eterna

falta de inspiração

para a eterna poesia

nunca feita.

Sempre a mesma

falta de amor.

Sempre o mesmo amor

velho e tedioso.

Sempre o

mesmo tédio cansado.

Sempre, sempre, sempre

o mesmo sempre de desilusão. 

           Pba. 08.09.77

sexta-feira, 26 de maio de 2023

CASTELOS DE AREIA E DE CARTAS

 

Fonte: Google

                         

CASTELOS DE AREIA E DE CARTAS


Elmar Carvalho


Foi lançado ontem, na Academia Piauiense de Letras, o livro Castelos de Areia, do escritor e médico Marcus Sabry. O autor nasceu em Parnaíba, em 1970. É descendente das famílias Sabry, do Egito, e Azar, da Arábia Saudita, vindas para o Brasil no final do século XIX. Formado em medicina pela Universidade Federal do Piauí, da qual é hoje professor. Fez residência e doutorado na Universidade Federal de São Paulo.

Na solenidade, houve interessante e agradável palestra do escritor, ilustrada com belas e elucidativas imagens e gráficos, exibidos através de data show. Em sua fala, de forma sucinta, ele expôs suas ideias, que, por via agradável, suave e sutil estão contidas no livro, por intermédio da ficção. Segundo a tese do conferencista, a humanidade terá menos problemas e, consequentemente, melhor qualidade de vida, quando, predominantemente, alcançar em percentuais mais elevados os estágios da racionalidade e da ciência, com a fase mágica ficando bastante reduzida. Nesta última etapa (mágica), as pessoas estão, em sua ótica, muito ligadas ao misticismo e a preconceitos.

Na palestra, Marcus Sabry procurou demonstrar que certos traumas podem não ser bem equacionados e superados pelo ser humano, tornando-se a pessoa, muitas vezes, prejudicial a si mesma e aos outros, sobretudo mergulhando em situações de estresses e de depressões. Entretanto, se o indivíduo adotar a postura correta, poderá superar os seus problemas psicológicos, levando uma vida mais feliz e mais útil aos outros, inclusive à fauna e à flora, pois certamente a pessoa adotará atitudes mais construtivas, e não, destrutivas.

E essas atitudes serão mais facilmente processadas por uma pessoa portadora de pensamentos mais racionais e mais científicos. Na narrativa, há um encontro entre um menino e um ancião. Um, no início da vida, com um mar a ser desbravado e conhecido; o outro, já tendo navegado o que lhe foi possível navegar, já tendo aproveitado ou desperdiçado as oportunidades que lhe surgiram na dinâmica muitas vezes imprevisível da vida.

De qualquer sorte, o idoso terá, no mínimo, amealhado, se tiver um pouco de sabedoria, um patrimônio grandioso de experiências e lições, que poderá, egoisticamente, reservar apenas para si ou, generosamente, compartilhar com os outros. Só me resta acrescentar que o autor é, de fato, um escritor, pois além de ter imaginação e originalidade, o seu texto é vertido em linguagem correta, clara e elegante, sem rebuscamentos e torneios frasais artificiosos e forçados.

16 de maio de 2010

quarta-feira, 24 de maio de 2023

O Poeta e seu Labirinto - e-book

 



O Poeta e seu Labirinto é mais um livro do escritor Elmar Carvalho. Uma coletânea de poemas que perpassam diversos temas com sensibilidade e inteligência.  A vida, o amor, o tempo e a morte são alguns dos assuntos abordados nos seus poemas.

Ficou interessado em saber mais ? Adquira já o seu livro! Disponível em formato e-book pelo Instituto IECK:
https://instituto-de-ensino-e-cultura-kraieski-ieck.herospark.co/adquira-ja-seu-exemplar   

segunda-feira, 22 de maio de 2023

A IMPOTÊNCIA SEXUAL EM FACE DA LEI

Foto meramente ilustrativa    Fonte: Google


 A IMPOTÊNCIA SEXUAL EM FACE DA LEI


Valério Chaves Pinto – Des. aposentado do TJPI

 

            Há algum tempo foi divulgado um fato que se não fosse fruto de falsos dogmas defendidos por setores mais radicais da sociedade brasileira, tinha muito a ver com o ineditismo popular e as supérfluas fórmulas sacramentais de certos atos da vida civil do brasileiro.

            A notícia (não confirmada oficialmente) dizia que um influente líder religioso teria se negado a celebrar o casamento de um funcionário público com uma empresária do ramo de cosméticos pelo simples fato de o noivo ser paraplégico e não ter prova médica de sua capacidade sexual.

            - Só pode casar quem tiver capacidade física comprovada de gerar filhos. Fora do sexo para fins de procriação, não existe felicidade no casamento – teria dito o celebrante perante os noivos.

            Afinal, quem possui defeito físico e é impotente sexual está proibido de casar perante a igreja e a lei civil?

            Para a lei brasileira qual é a posição do Direito Civil em relação aos chamados fins do casamento?

            O Código Civil Brasileiro de 2002 tem respostas para essas questões na medida em que ao tratar das proibições para o casamento em seu artigo 1.521, não elenca a impotência sexual como um dos impedimentos dirimentes públicos ou privados que obstam a realização válida do casamento. Apenas para efeito de anulação do casamento o Código refere no seu art. 1.556 ao erro essencial quanto à pessoa do outro cônjuge, mas só se o erro for de tal forma que o seu conhecimento ulterior acerca da realidade fática ou jurídica, torne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado.

 Erros de natureza diversa ou secundária como os que dizem respeito a defeito físico, capacidade de gerar filhos, preferências esportivas, artísticas e culturais não interferem na validade e na eficácia do vínculo matrimonial estabelecido. Para a doutrina o erro essencial não deve imiscuir-se estranhos, porque somente o cônjuge poderá decidir se a vida conjugal deve continuar.

Embora se saiba que o sexo é componente importante no casamento, eis que dele decorre a reprodução da espécie humana e o entrosamento de homem e mulher, porém ninguém pode alegar impotência sexual como defeito físico insuscetível de cura pela medicina, como causa de impedimento para o casamento civil entre homem e mulher.

 Mesmo que a esterilidade do cônjuge se constituísse em proibição para a celebração do ato, haveria de se ponderar que somente a vontade dos contraentes deve atuar como instrumento para a felicidade de ambos, mormente se existe recíproca afeição e comunhão de esforços.

Com efeito, sendo o casamento um direito intangível, parece claro que todo homem, enquanto livre e não escravo, merece exercitá-lo desvinculado de tendências sociais, morais, filosóficas, políticas e, principalmente religiosas.

No mundo moderno, com os avanços da ciência aumentando a capacidade do homem de criar e superar limites, ninguém mais ignora a quantidade de casos de cura de pessoas que sobrevivem à expectativa dos próprios médicos. Os desafios estão sendo mostrados pela velocidade de multiplicação do saber. As doenças incuráveis deixaram de ser regra para se tornar exceção. Disso resulta claro que, sendo a impotência sexual no casamento uma questão de direito, é também, fundamentalmente, um problema de medicina.

O caso em referência, certamente deve ter tido um final feliz porque ninguém tem o direito de proibir a felicidade de outrem. Afinal, o sentido de o homem dar significado à sua vida e dimensionar sua personalidade, transcende a uma mera condição física.

Portanto, diferentemente do que pensam alguns defensores das desilusões que emergem do sonho não realizado, está na hora de esquecer os falsos dogmas e se estabelecer uma distinção bem nítida entre impotência sexual e vontade de ser feliz.

quinta-feira, 18 de maio de 2023

ESFINGIDOR

Fonte: Google


Por pura blague, no Grupo dos Poetas Mortais respondi a uma postagem pessoana com este poeminha:


ESFINGIDOR

O poeta é esfinge

E um grande simulador.

Enigmaticamente finge

Que não finge a dor

Da qual é o próprio causador.

 

A postagem do quarteto inicial do poema Autopsicografia já havia sido respondida pelo poeta Carlos Pontes, quando a respondi com o poeminha acima, que alguns poderão chamar de metapoema, intertextualização, paráfrase ou até mesmo paródia, embora esta última deva ter certa jocosidade.

Resolvi postar meu pequeno poema em minha lista de transmissão e em vários grupos literários de WhatsApp. Para minha grata surpresa, o minúsculo poema recebeu o elogio de várias pessoas e até pequenos comentários.

Transcrevo, abaixo, algumas dessas manifestações:

 

Meu dileto Confrade

El’mar.

 

 Que somos dissimulados

Fingimos a todo tempo

Sermos

Submisso e maltratados

Mais um arguto olhar

Curioso clinico abalizado

Provar-nos-á em seu rigor

Que em vez de presas

Somos o predador!

E somos os lobos

Dos próprios lobos

E célula fagocitando

Somos os únicos

Seres viventes

Que das dores que deveras sente

Fingidas ou não fingidas

 Fingimo-las dissimulando-as

Humanamente!

(Frederico Rebelo)

 

O poeta é um sofredor...

finge que é uma bela flor...

a paixão, a plena dor...

(José Luiz de Carvalho)

 

Poeta és, finge

Que causa dor,

Pois que fingir dor

É enigma maior

Do que “decifra-me

Ou te devoro”.

(Pedrinho Guitar)

 

E estou procurando percorrer o labor'into  de seus versos.

(Frederico Rebelo)

 

Achei por bem responder o seguinte ao amigo e poeta Frederico Rebelo: “Você é um novo Teseu e Dédalo e Édipo, e vai desgraçar tanto a Esfinge como o Minotauro. E vai revirar/desvendar o labirinto pelo verso e anverso.”

 

Você é um grande mestre dos Poetas.

(José Paraguassu)

 

A blague do Elmar, com base na famosa poesia de Fernando Pessoa, traduz um ensinamento digno do Pessoa.

Elmar não é um Pessoa, entanto, é uma pessoa possuidora de postura plenamente capaz de produzir obras de sensível beleza e sabedoria tanto quanto qualquer Poeta universal.

(Wilton Porto)  

 

Agradeço a todos os amigos que se manifestaram sobre meu micro poema, que escrevi despretensiosamente. Na verdade o escrevi, como disse, por pura brincadeira, e talvez como um exercício de criatividade.         

O amigo Antônio José Melo dos Santos, professor de Literatura e Português na Terra dos Carnaubais, me disse que iria usar o meu pequenino poema Esfingidor em sala de aula, para mostrar a seus alunos que a poesia ainda vive. Ou pelo menos sobrevive, digo eu.   

terça-feira, 16 de maio de 2023

VADE RETRO, ANTICRISTOS!

Fonte: Google

 

VADE RETRO, ANTICRISTOS!


Antônio Francisco Sousa – Auditor-Fiscal (afscousa01@hotmail.com)

 

                Já um tanto confortável demais com a leitura de livros clássicos de primeira linha – José Saramago, Gabriel G. Marques, Vargas Llosa, Thomas Mann, Ernest Hemingway, Machado de Assis, Assis Brasil, decidi sair um pouco dessa zona de conforto e buscar obras menos conhecidas, o que, no meu entendimento, não somente me daria nova visão literária, como livraria de qualquer grande responsabilidade o leitor/livro escolhido.

                Passando pela praça de eventos daquele shopping center, encostei em uma livraria do tipo móvel ou itinerante, lá instalada. Diversas obras, desde George Orwell, a compactadas de Dante, Cervantes, Victor Hugo. Como minha atual intenção era dar um tempo aos clássicos, optei por um livro de autor, para mim, desconhecido, cujo título é Nostradamus e o Terceiro Anticristo. Leitura, de fato, diferenciada. O autor, que até escreveu outro livro sobre o vidente, ao qual intitulou Todas as Profecias de Nostradamus, contendo algo em torno de novecentos e quarenta e duas, descritas em quadras, versos e centúrias, assegura que, dessas, quarenta e sete são dedicadas ao primeiro anticristo, Napoleão Bonaparte; trinta ao segundo, Adolf Hitler e trinta e seis ao terceiro anticristo, que há de vir, segundo previsões, lá pelo ano dois mil e setenta. Como me havia imposto a penitência de ler a obra escolhida até o fim, fui em frente. Mutatis, mutandis, em alguns momentos, por vias transversas, a obra me remeteu a J. J. Benitez e seu best-seller Cavalo de Tróia; a outro bem-vendido escritor, Augusto Cury, em sua obra Colecionador de Lágrimas, Holocausto Nunca Mais, em razão do exagero fictício – no caso de esses dois últimos, ficção científica surreal, no daquele, excesso de niilismo. Tenho a impressão de que vou poder confirmar essa observação quando concluir a leitura, a qual já comecei, do livro Piquenique na Estrada; isso porque, diante do já lido, está fácil perceber – diversos críticos literários fizeram isso antes de mim – que o que não falta na obra são características niilistas.

                A mim pareceu que as traduções de diversos versos e quadras das centúrias, relacionados aos três anticristos, ou, talvez a interpretação delas, feita pelo autor, como que partem das consequências – a pretensa realização das previsões – para as causas – aquilo que o escritor entendia como necessário que fosse dito, de modo a atingir o objetivo já antecipado.

                Se foram, Napoleão Bonaparte e Hitler, anticristos, que pena pagaram seus contemporâneos. Quiçá, Lúcifer os tenha levado para sua morada; e o Todo-Poderoso de bondade recolhido os que sobreviveram a eles.

                Uma passagem do Nostradamus e o Terceiro Anticristo comenta que Hitler teria sido vítima de um evento bondoso: o anunciado e enviado filho do demônio respeitara uma obra católica, não somente não permitindo sua destruição, como protegendo a catedral, consoante permanente vigilância em seus arredores durante a segunda guerra mundial; o que garantiu à igreja manter-se de pé até hoje. Ou seja, até o diabo, quando pode, tem seus dias de pio.

                Outro fato que me chamou à atenção em relação ao entendimento que o autor tirava de algumas previsões de Nostradamus, é que elas se reportavam a eventos futuros, porém, ocorreriam em locais que não mais existiriam; cidades, povoados, há muito destruídos, terras arrasadas. Como se essas destruições não pudessem, ou estivessem protegidas das previsões daquele profeta. Quer dizer, se Nostradamus previu que aqueles locais em que suas previsões ocorreriam, e o tradutor das premonições (centúrias, quadras e versos) não percebeu isso, como querer crer que não tenha havido outras tantas incorreções ou incoerências na interpretação de diversas outras previsões?

                Para não parecer ainda mais hipócrita, ou quem sabe, irônico, do que já possa estar sendo, ao mesmo tempo em que não mais vou usar meus verbos para falar do terceiro anticristo, cuja presença com seus malefícios ocorreria lá pelos idos de dois mil e setenta, quando já não mais estarei por aqui para testemunhar seus malfeitos, declaro a quem por isso se interessar, que pretendo retomar, em breve, minhas leituras mais sérias. Vade retro, anticristos!              

segunda-feira, 15 de maio de 2023

O Poeta e seu Labirinto, de Elmar Carvalho

 

Carlos Evandro M. Eulálio, Celson Chaves, Elmar Carvalho e Domingos José Carvalho

Elmar Carvalho e Helano Lopes, o Poeta da Estação


O Poeta e seu Labirinto, de Elmar Carvalho

 

Carlos Evandro M. Eulálio*

                              

É com imensa satisfação que nesta radiosa manhã de outono, na Terra dos Carnaubais, participo do lançamento da obra “O poeta e seu labirinto”, do renomado escritor Elmar Carvalho, livro que singelamente o autor denomina opúsculo. Do latim, opusculum, é diminutivo de opus, obra.  Tipo de publicação de caráter literário ou científico, bastante utilizada no final do século XIX e início do século XX, contendo geralmente entre 20 e 30 páginas.  O opúsculo possui ainda outra característica, o fato de ser escrito e editado como uma obra isolada. Para exemplificar, cito A Paz Perpétua, opúsculo de Kant, sobre o finalismo, publicado em 1795.  Na literatura brasileira, um dos primeiros e mais conhecidos opúsculos foi da autoria de José de Alencar: “Como e Por Que Sou Romancista,” de 1873, autobiografia literária em forma de carta, com a finalidade de oferecer informações a respeito de si mesmo, a Inocêncio Francisco da Silva, autor do Dicionário Bibliográfico Português. No Piauí, O. G. Rego de Carvalho, seguindo o modelo de Alencar, deixou-nos o opúsculo "Como e Por Que me Fiz Escritor", editado pelo Projeto Lamparina, em 1994. Com esses dados, queremos apenas ressaltar a importância deste gênero de publicação, bastante utilizado por notáveis escritores da literatura brasileira de todas as épocas.

Em O Poeta e seu Labirinto, o autor reúne 21 poemas que extrai de sua monumental obra Rosa dos Ventos Gerais.  O termo labirinto, com base no imaginário coletivo, leva-nos num primeiro momento a concebê-lo como um complexo de caminhos enredados, de difícil saída. Na poesia de Elmar Carvalho, o labirinto constitui a metáfora da própria existência que, apesar dos tortuosos caminhos que percorreu, há sempre uma luz no final do túnel. Assim canta o poeta: 

Minha estrada

é a esteira de luz

que o sol traça no mar.

Meu arco-do-triunfo

é o arco-íris

que o sol pinta no céu.

                (CARVALHO, 2023, p.29)      

No nosso ensaio sobre os poemas do livro Rosa dos Ventos Gerais,  já em sua terceira edição, após tecer algumas considerações sobre o cenário sociopolítico e literário brasileiro, no qual situo o poeta  e as suas primeiras manifestações literárias, enfatizo também seus vínculos com a modernidade poética, sem abandonar a tradição literária e dela extraindo sábias lições que refletem e refratam originalmente em suas criações poéticas, mediante emprego de recursos linguísticos, plásticos e sonoros, nas mais diversas e expressivas combinações. A seleção de poemas inserta neste opúsculo foi feita criteriosamente pelo próprio poeta, com foco nos temas que abrangem a vida, o amor, a mulher, o poeta, o poema, o sexo, o tempo e memória.

A lírica funde-se ao épico e ao dramático para desvelar uma poesia de caráter mítico e histórico, não porque narra eventos históricos, mas porque dialoga com os homens de todas as épocas, por meio da intertextualidade. Assim é o diálogo com a mitologia no poema Na Noite, pelo qual o eu lírico, isto é, a voz que enuncia o poema, resgata um dos mitos gregos mais conhecidos: O labirinto de Creta, edificado por Dédalo, para nele encarcerar o monstro  Minotauro, meio homem, meio touro, alimentado com jovens a ele oferecidas. E Teseu, guiado por Ariadne, marca o caminho com um fio de novelo, a fim de destruir Minotauro. Eis o poema:  

                               Na noite

                               um sapo coaxa.

                               Uma puta triste

                               acha graça. Acha graça.

                               Um galo

                               às desoras desfere um canto

                               fora de hora. E chora.

                               Um cão ladra por nada:

                               nenhuma cadela no cio.

                               O silêncio

                               grita como louco

                               na concha acústica

                               dos labirintos dos ouvidos moucos

                               por onde um Teseu lasso caminha

                               em busca do Minotauro – perdido

                               sem o fio de Ariadne –

                               conduzido por outro fio

                               que parte / se parte e

                               se reparte entre o ser

                               e o não ser.

                               E os gritos de Teseu

                               arrancam ecos

                               que já ecos de si mesmos

                               se repetem se repetem

                               até a mais completa

                               absoluta exaustão.

                                               (Na Noite)

A poesia de Elmar Carvalho, reconstitui pela linguagem cenários, flagrantes de uma existência, imagens do passado que são ícones de uma época que já vai longe de todos, mas impregnam a mente com o vigor da recordação liricamente recuperados. Assim canta o poeta em trecho do poema Eterno Retorno:

                               [...] recordações de fantasmas

                               que já nos abandonaram

                               de amigos mortos

                               que nos acompanham

                               cada vez mais vivos

                               de sustos e gritos

                               de proscritos e malditos

                               de agouros e assombrações

                               de desdouros e sombras vãs, malsãs,

                               oriundos dos porões escavados

                               nos subterrâneos dos sobrados

                               subterfúgios e refúgios

                               da memória.

Os poemas de Elmar transmitem ao leitor inesquecíveis ensinamentos. Nesse sentido surpreendemos em sua obra um aspecto que reputo da mais alta importância: o caráter pedagógico de seus textos, como assinala Mário Faustino nos Diálogos de Oficina: “Os grandes poetas sempre se interessaram ativamente pela Filosofia, pelas ciências e pela política de sua época, encontrando-se em cada um deles o retrato mais ou menos fiel e minucioso do que se passava e do que se fazia na dinâmica social do tempo em que viveram. [...] Toda poesia verdadeira é didática. E nenhum meio de comunicação ensina tão profundamente e de modo tão inesquecível quanto a poesia” (FAUSTINO, 1977). 

Ao conhecer o poeta Elmar, no início dos anos 1980, tive o privilégio de assistir à gestação do épico Dalilíada, poema inspirado na obra de Salvador Dali. Ao acompanhar de perto o seu trabalho, constatei que acabara de conhecer um erudito.  Um poeta que não se rende aos apelos da inspiração, porque concebe o poético como produto de um trabalho elaborado e planejado. Assim vejo o poeta e os seus poemas. Estes não brotam de um momento circunstancial, ou como um Deus ex machina, isto é, como aparição do inesperado, mas do trabalho de oficina, eivado de reflexão e sabedoria. É o poeta fabro, ou seja, o poeta fazedor, o poeta artífice da palavra, cujo trabalho também contribui para elevar e aperfeiçoar o nosso idioma.

 

*Carlos Evandro Martins Eulálio, professor de Latim e de Língua portuguesa, é membro da Academia Piauiense de Letras, ocupante da cadeira 38.   

domingo, 14 de maio de 2023

RETRATO DE MINHA MÃE


Meu pai e minha mãe, em tela do pintor Rogério Albino




RETRATO DE MINHA MÃE

 

Elmar Carvalho


Neste Dias das Mães, em que se completaram 10 anos do falecimento de minha saudosa mãe (26/04/2013), resolvi republicar este texto em sua homenagem.

 

Fernando Pessoa, em versos, disse que após sua morte, se quisessem escrever sua biografia, não haveria nada mais simples, porquanto tinha apenas duas datas: a de sua nascença e a de sua morte. Minha mãe nasceu no dia 20/11/1933 e faleceu na sexta-feira passada, 26/04/2013. Era de poucas letras, embora tivesse enorme sabedoria de vida, e tinha o que hoje chamam de inteligência emocional. Com efeito, em sua modéstia e simplicidade, era uma mulher muito inteligente e perspicaz. Se eu quisesse resumir este perfil, que tento fazer de minha mãe, diria que o texto insuperável de Don Ramon Angel Jara, bispo de La Serena – Chile, a ela se aplica com exatidão, como se aplica a todas as verdadeiras mães.

Não exerceu cargos e nem funções públicas. E nunca os almejou. Cristo disse que quem desejasse ser o maior, deveria ser o que mais servisse. Portanto, deveria ser o maior e o melhor dos servos. Mamãe (quase) renunciou a si mesma, para servir aos outros. Sua missão, à qual se dedicou de forma obstinada e contínua, sem tréguas, sem férias, sem feriado, sem queixas e sem lamentações ou mágoas, foi cuidar do seu marido e dos seus oito filhos. E como soube cuidar... Nisso foi inexcedível.

Desde o amanhecer até o momento em que ia dormir, não sabia ficar quieta. Sempre tinha algo a fazer. Nisso se incluíam todos os misteres domésticos. Cuidava do marido e dos filhos; limpava a casa; lavava as roupas e as louças; fazia as refeições e chegou ao ponto, durante vários anos, de confeccionar as roupas dos filhos, mormente numa época em que não era costume comprar-se roupas feitas.

Nossas roupas eram bem-feitas, tanto no corte, como na costura, e bem se ajustavam ao nosso porte. Em determinada época, apenas por passatempo, no período em que morava em Parnaíba, passou a confeccionar animais e bonecas de pano ou plástico, para presentear os filhos e alguns amigos, e também ornar sua casa. Eram trabalhos feitos com esmero, com observância de detalhes, enfeites e adereços, que lhe revelaram a sua faceta artística, a que não deu continuidade, porquanto sua vocação ou devoção era, efetivamente, ser esposa, mãe e exímia dona de casa.

Mesmo quando passou a ter colaboradora, jamais deixou de exercitar esses trabalhos. Nunca lhe ouvimos lamúrias por causa de sua dura labuta doméstica. Sentia-se realizada em ser dona de casa e mãe de família. Parecia encarar esse labor extenuante e repetitivo como uma missão sagrada, que lhe dava íntima satisfação e à qual não desejava e nem poderia fugir, ainda que apenas aos domingos.

Das várias mensagens que os netos divulgaram através da internet (facebook) e que publiquei em meu blog, pinço trecho de duas. Este, de meu filho João Miguel, cadete da Polícia Militar do Amazonas, e que, por isso mesmo, não pôde comparecer ao enterro de sua avó: “Hoje o céu está mais alegre. Os anjos cantam. Chega mais uma estrela para brilhar no paraíso. Passa agora um filme na minha cabeça dos momentos que passamos juntos, da alegria que cativava todos, da cumplicidade com a família, da sinceridade que transparecia em seu rosto”. E este outro, escrito por Raquel Guedelha: “Certa vez, vovó comentou com meu irmão, que a imagem da felicidade dela era olhar para o passado e lembrar a época em que o meu avô chegava do trabalho em Campo Maior, e todos os filhos dela, que brincavam na frente da casa, saíam correndo ao encontro do pai para trazê-lo para casa”.

Tinha mamãe o espírito forte e uma grande energia vital. Mantinha sempre o ânimo alegre, sem mágoa, sem ira e sem temores. Não tinha inveja de nada e nunca se maldizia. Não gostava de fuxicos, futricas e fofocas, e, portanto, não se comprazia em falar da vida alheia. Embora não fosse de visitar amiúde as casas alheias, mesmo porque não tinha tempo para isso, tinha a amizade e a estima dos vizinhos, aos quais tinha o mesmo apreço, amizade e consideração. Creio que a sua força e vitalidade provinham de uma Fé singela, mas inabalável em Deus, que ela não alardeava, pois a conservava em seu íntimo, em recanto secreto.

Essa Fé a fez ser sempre uma mulher forte, decidida, embora de trato suave, e mesmo delicado. Cultivava discreta alegria, sem ostentação e espalhafato. Ao trabalhar, em sua faina diária e contínua, cantarolava algumas músicas de sua predileção. Não obstante essa sua postura, soube disciplinar os filhos, com a palavra, com o castigo e com os corretivos, para que fôssemos pessoas do bem e buscássemos a virtude. Nessa seara tivemos, também, o seu exemplo e o de nosso pai, que lhe sobrevive. Contudo, não fomos criados presos, amarrados à barra de seu vestido. Fomos livres e brincamos a valer.

Conquanto tivesse mamãe uma personalidade forte, e tenha enfrentado com galhardia as dificuldades e vicissitudes da vida, que se abatem sobre todas as famílias, sejam percalços financeiros ou doenças, sem nunca esmorecer ou perder a Esperança e a Fé, entretanto, quando a tragédia, pela primeira e única vez, atingiu a nossa família, eu pude imaginar o quanto ela nos amava. Foi quando minha irmã Josélia, aos quinze anos de idade, no auge de sua beleza, carisma e simpatia contagiante, linda e odorífera flor que mal desabrochara, foi colhida brutal e inesperadamente pela morte, vítima de acidente automobilístico.

Minha mãe passou vários dias imersa em imensa tristeza, prostrada em sua alcova, a derramar profusas e sentidas lágrimas; chorou sua filha, como Raquel chorou seus filhos, “sem aceitar consolação por eles, porque já não existem”. A duras penas, sabe Deus com que esforço, conseguiu sair de sua profunda prostração, para cuidar do seu marido e de seus filhos, que dela ainda muito precisavam. Aos poucos, retomou a sua rotina e voltou a tomar posse de si mesma, do modo como sempre fora.

Tinha senso de humor, embora o usasse de forma moderada, e jamais para diminuir ou ridicularizar quem quer que fosse. Certa feita, o meu saudoso cunhado Zé Henrique disse que, quando morresse, gostaria de ser um urubu. Um pouco por influência minha, creio, ele passara a admirar essas negras aves, a sua saúde, a sua missão de limpar o mundo, a sua magnífica coreografia aérea, e até mesmo o seu gingado caminhar de malandro carioca. Minha mãe, sorridente, retrucou-lhe que preferia ser um bem-te-vi, pela sua beleza e alegria. Na tarde de sua morte, ouvi o canto alegre desse passarinho, que já não ouvia há algum tempo, e tive o lampejo de que seu espírito partia para o infinito.

Décadas atrás, minha mãe ganhou um casal de papagaios. Criou-os com muito zelo, carinho e estima. Não lhes ensinou palavrões e nem cantigas indecorosas, como as que hoje nos agridem os tímpanos e a alma em quase todo lugar. Ensinou-lhes belas e alegres canções, inclusive religiosas, conquanto não fosse carola, avessa que era a hipocrisias e falsidades farisaicas.

Graças à sua obstinada determinação nesse mister, o Louro e a Rosa aprenderam um vasto repertório de palavras, frases e cantigas. Era muito engraçado ouvir-se a algazarra festiva dos papagaios, quando eles estavam de bom-humor, pois essas aves, como os humanos, cuja voz eles imitam, parecem ter os seus caprichos, em que alternam momentos de alegre expansão com momentos de sisuda introspecção, ou mesmo de certa melancolia.

Deus concedeu a minha mãe que ela nos preparasse para a sua morte. Ela sempre disse não ter medo de morrer. Quando teve de encarar duas ou três cirurgias, resolveu enfrentá-las de imediato, sem desânimo e sem receio. Os sentimentos negativos, que deve ter tido, em sua condição de humana, guardou-os para si; parecia não desejar contaminar os outros com queixas, medos, mágoas ou desesperanças. Em virtude de sua hepatopatia, um ano atrás, começou a definhar e a apresentar alguns problemas de saúde, ela que sempre fora tão saudável e incansável.

Esses problemas começaram a amiudar, e culminaram com a necessidade de ser internada em hospital de Teresina. Poucos dias depois, com a alteração de suas taxas, como a de potássio, que se elevou muito, e a de sódio, que caiu demasiadamente, seu coração, que era forte e vigoroso, sofreu uma fibrilação atrial, tendo ela que ir para a Unidade de Tratamento Intensivo.

Disso lhe adveio outras complicações, como uma embolia, numa das pernas, tendo ela que ser submetida a pequena cirurgia para retirada do coágulo sanguíneo. Finalmente, ocorreu o seu falecimento, aos 79 anos de idade, na tarde do dia 26, às 15:45 horas. Esse lento e gradativo declínio de sua saúde, contribuiu para que meu pai, minhas duas irmãs, meus quatro irmãos e eu suportássemos a sua morte sem desespero, e com resignação. Os choros foram contidos, silenciosos, ou apenas internamente, sem convulsivos soluços e clamores.

Minha mãe, como já falei, dizia não temer a morte. Dizia isso de forma humilde, sem empáfia e sem ostentação; apenas como quem, de há muito, entendeu-a como parte integrante da vida, ou mesmo como um portal para a continuação da existência, em novo estágio ou nova dimensão do espaço-tempo. Por essa razão, numa das vezes em que a visitei na UTI, disse-lhe para ser forte, rezar e confiar em Deus. Ela, com um fio de voz, dada a sua fraqueza física, porém com firmeza e serenidade, reafirmou-me não temer a morte.

O meu irmão César Carvalho (Neném), quando contei esse diálogo, disse-me, aludindo à circunstância de ser eu poeta:

– Você é doido mesmo... Todo poeta é um pouco doido. Você foi puxar um assunto desse!?

Sou, talvez, mas quem não é? Dizem que todo mundo tem um pouco de poeta e de louco. Além do mais, quiçá, tenha contribuído para reavivar a sua coragem e Fé.

Quando se aproximava a sua viagem a Teresina, para consulta e tratamento, se fosse o caso, minha mãe deu alguns de seus vasos de plantas a uma vizinha, Lindalva, esposa do comerciante Zé Francisco, amigo nosso. Ambos são pessoas boníssimas, e Deus os está abençoando em seus filhos, que estão a concluir os cursos de Radiologia e de Medicina. Recomendou, ainda, que os seus queridos papagaios fossem entregues a um dos filhos. Provavelmente, antevia que meu pai fosse sofrer muito com a visão e as cantigas deles, a lhe provocar lancinantes evocações e saudade, o que já está acontecendo.

Tempos atrás, ela firmou contrato com a funerária Pax União, naturalmente antevendo que o termo de seus dias já se aproximava. Também preveniu a familiares que desejava ser sepultada em Campo Maior, no cemitério do bairro Cidade Nova, ao lado do sepulcro de seu irmão Antônio Horácio de Melo, que fica perto do túmulo de sua irmã Maria dos Remédios e de seu cunhado Zeca Quaresma. Ela, pessoalmente, foi escolher o local, e pediu a sua reserva e marcação. Disso podemos inferir que ela tinha a premonição de que sua hora final já se avizinhava.

Josélia, filha de minha irmã Maria José (Mazé), contou que, na tarde em que minha mãe partiu para a eternidade, sonhara que ela retornava a sua casa em Campo Maior, entrando pelo quintal, cheio das árvores que ela plantou e dos arbustos ornamentais e flores que ela cultivava. Minha sobrinha, admirada de ela haver saído do hospital, lhe perguntou:

– Vovó, a senhora está bem?

Minha mãe, então, lhe respondeu:

– Agora, estou.

Quando Josélia acordou desse sono/sonho ouviu o telefone tocar. Era o meu irmão César Carvalho que ligara para lhe dar a notícia de que mamãe acabara de falecer. Certamente está bem, no lugar de beatitude que o Pai lhe deve ter destinado.

Na manhã do dia em que mamãe morreu, os papagaios começaram a cantar uma das cantigas que ela lhes ensinou. Como uma espécie de premonição, o Louro e a Rosa cantaram o seguinte trecho de hino religioso: “Mãezinha do céu, eu não sei rezar / Eu só sei dizer quero te amar”. O Solimar, um de nossos vizinhos, acrescentou que, após o cântico católico, uma das aves teria pedido: “Vovô Miguel, traz o café”, tendo a outra acrescentado que o queria com leite. Que avezinha mais exigente!...

Pouco antes da chegada do corpo de mamãe, fato ocorrido à noite, os papagaios novamente cantaram o refrão acima transcrito, e também o seguinte trecho de melancólica marchinha carnavalesca: “Oh! jardineira por que estás tão triste / Mas o que foi que te aconteceu? / Foi a camélia que caiu do galho / Deu dois suspiros e depois morreu”. Há quinze dias que meus pais já se encontravam ausentes, ficando eles aos cuidados da Alba, que também os ouviu cantar os versos iniciais do hino religioso. Os animais, que muitos dizem não ter raciocínio, parecem ter os seus mistérios e segredos.

Somos agradecidos a todos os parentes e amigos que nos deram a sua solidariedade, pessoalmente, por telefone ou pela internet, tanto nas visitas ao hospital, como no comparecimento ao velório e ao sepultamento. Na longa noite em que mamãe foi velada, muitos ficaram até o raiar do dia, rezando e nos reconfortando com sua presença. No quintal da casa, os xarás Zé Francisco, o professor e o nosso vizinho, ficaram a noite toda conversando comigo, por mais que eu lhes tenha dito que deveriam ir repousar, pois ambos têm as suas ocupações profissionais.

Muitos choraram copiosamente, embora de forma sóbria. Outros contiveram as lágrimas. Meu pai, minhas irmãs e alguns irmãos derramaram seus prantos, em alguns momentos, mas sem lamentações e sem desespero, porque sabiam que a vida de minha mãe continua em alguma das casas do Senhor da Eternidade – “na casa de meu Pai há muitas moradas. Se assim não fora, eu vo-lo teria dito”, garantiu-nos o Cristo (João, 14.2). Ao tombar do dia, mas ainda com sol, entregamos o corpo de mamãe aos cuidados da mãe terra. Sua alma, esta se encontra numa das moradas celestiais, ou “na mão de Deus, na sua mão direita”, como nos versos sublimes de Antero de Quental.

Encerrando redação sobre as mães, que valeria como prova da disciplina Educação Moral e Cívica, no antigo Ginásio Estadual, da qual era professor o impoluto juiz de Direito Dr. Hilson Bona, em que obtive nota máxima, disse, em pleno adolescer: “E agora direi, como disse Paulo Setúbal: 'Minha mãe, Deus lhe pague!'” Repito, agora, finalizando este singelo retrato, em plena maturidade: Minha mãe, Deus lhe pague.

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Sobrevivem a minha mãe, o marido, Miguel Arcângelo de Deus Carvalho, e os filhos José Elmar, João José, Antônio José, Maria José, Paulo José, Joserita e Francisco José Nonato César (César), todos com o sobrenome “de Mélo Carvalho”. Minha irmã Josélia faleceu em 02/07/1978, aos 15 anos de idade. Meu pai veio a falecer em 05.11.2017.