O Menino do Canto Escuro
Frederico A. Rebelo Torres (*)
Em maio deste ano, tive a honra de receber um
convite do próprio autor, o advogado Dr. João Batista do Rêgo, para prestigiar
o lançamento de sua obra inaugural. Ao receber o livro autografado, junto com
outros exemplares para a Academia Miguel-alvense de Letras e para compartilhar
com amigos, tive a oportunidade de mergulhar na cativante história que ele nos
apresenta.
Pág.20 “A localidade Canto Escuro fica no município
de Barras, no Estado do Piauí. Segundo as informações, o Canto Escuro era um
lugar de mata muito fechada, com terras boas para a agricultura, e que
começaram a ser exploradas pelos moradores das localidades Santa Bárbara e
Bosque a partir do ano de 1920, cultivando ali suas roças. E por ser uma região
de matas virgens, como era chamada naquela época, o sol praticamente não
clareava o solo que ficava encoberto pelas árvores e pouco iluminava o chão,
deixando os lugares sempre escuros. Daí então, os agricultores passaram a
denominar essa localidade de Canto Escuro, nome que perdura até hoje.”
Ao eleger o título 'O Menino do Canto Escuro', o
autor recorre à figura de linguagem denominada 'metáfora', empregando o termo
ou expressão em um sentido figurado, evocando outras ideias e imagens além de
seu significado literal. Neste contexto, a metáfora se revela no emprego da
expressão 'Canto Escuro', que vai além da mera indicação geográfica. A locução
'Canto Escuro' é empregada como metáfora que simboliza a condição de pobreza e
obscuridade social vivenciada pelo menino. A figura de linguagem utilizada na
narrativa exalta a atmosfera emocional do livro, estabelecendo vínculos entre o
ambiente físico e o contexto social e emocional do protagonista. Deste modo, o
título 'O Menino do Canto Escuro' se destaca como uma poderosa metáfora,
convidando o leitor a explorar a história de um garoto que enfrentou desafios e
adversidades em um cenário marcado por dificuldades.
O Canto Escuro era o lugar onde o menino se escondia
(ou estava escondido) do mundo, também era um lugar onde ele podia sonhar e
criar suas próprias fantasias. O título expressa que o menino ainda vive dentro
do autor, pode ser uma referência ao fato de que o menino era uma pessoa única
e especial. O Menino do Canto Escuro foi capaz de ver a beleza no mundo, mesmo
nos lugares mais obscuros, e capaz de encontrar esperança, mesmo nos momentos
mais difíceis.
Ao utilizar o nome do lugar onde nasceu no título
do livro, o autor quis prestar homenagem ao nome do logradouro onde nascera,
dando-lhe conotações de santuário, para ele, para família e para posteridade.
Revelando o caráter predominantemente sentimental, bairrista e saudosista do
autor.
O livro é um testemunho personalíssimo da história
do protagonista, sem cortes ou aparas, trazendo para as páginas todas as
frestas e gargalos da vida desde o menino pobre daquela época até o homem
bem-sucedido de hoje. Página a página, sem demonstrar o ódio abrasivo ou a
fresa da vontade de vingança, o autor ritmiza a narrativa, pari passu, de forma
sincera, nos guia em sua Odisseia.
O livro começa com o autor contando sobre sua
infância numa pequena cidade do interior do Nordeste. Ele descreve sua família
e os conflitos internos, a bigamia do pai, a intolerância parental por parte de
alguns irmãos, a condição de quase sem teto, numa casa insalubre, a dificuldade
para alimentação e etc... seus primeiros anos de vida. O livro é cheio de
memórias afetivas e também de momentos de tristeza e dificuldade. O autor fala
sobre a pobreza, o preconceito e a violência que ele e sua família enfrentaram.
Além disso celebra, hoje, as conquistas de uma família e todas suas vitórias,
mostrando-se inclusive um cidadão do mundo.
João Batista nasceu em 1949, e o trecho mais
marcante da história se passa entre a cidade de Barras e a capital Teresina, no
Piauí. A narrativa autobiográfica 'O Menino do Canto Escuro' revela um olhar
perspicaz sobre a jornada de vida de João Batista, desde sua infância em uma
pequena cidade no interior do Nordeste do Brasil. O autor nos transporta para o
cenário do Piauí dos anos 1950 e 1960,70 até os dias atuais, onde ele enfrentou
inúmeras dificuldades, mas soube encontrar esperança mesmo nos lugares mais
sombrios.
É importante considerar o contexto histórico local,
nacional e regional para entender a realidade de João Batista e de milhares de
outros "Meninos do Canto Escuro" que viviam naquela região e época.
O Brasil passava por um período de transição nos
anos 1950, movendo-se de uma economia agrária-exportadora para uma
urbana-industrial. Isso foi devido ao processo de industrialização que começou
em 1930 e que criou condições específicas para o aumento do êxodo rural. Em
1940, poucas pessoas da população brasileira viviam em cidades. No entanto, a
partir de 1950, o processo de urbanização se intensificou, pois, a
industrialização promovida por Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek criou um
mercado interno integrado que atraiu milhares de pessoas para o sudeste do
país. Enquanto isso, boa parte da população rural do Piauí, que não tinha condições
de migrar para o sudeste, região que possuía a maior infraestrutura e,
consequentemente, concentrava o maior número de indústrias, migrava das cidades
do interior para a capital piauiense, Teresina, em busca de melhores condições
de vida e escolaridade e foi isso que aconteceu com nosso protagonista que em
chegando à capital, deparou-se em ter que trabalhar em “Cantos” de caminhões,
ambulante, empregado do comercio com e sem vínculo empregatício.
Enquanto João Batista tinha 21 anos e apenas lia e
escrevia, os anos 1960, no Piauí, em especial em Teresina, foram marcados pela
ascensão da geração CLIP, que significa "Círculo Literário
Piauiense". Este grupo foi oficialmente fundado em 2 de abril de 1967, mas
houve um período de preparação antes disso. O movimento começou com a
associação dos escritores Herculano Moraes e Hardi Filho em meados de 1964.
Eles eram jovens escritores e poetas que queriam divulgar seus livros.
Neste contexto, podemos afirmar que existiam dois
"Piauí": o engajado econômica e culturalmente e o Piauí do
obscurantismo. Nosso personagem desejoso a todo custo sair da obscuridade, fato
que só aconteceu de forma efetiva em 1977, quando conseguiu seu primeiro
trabalho na Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), conquistando
a estabilidade econômica, uma vida digna para si e sua família e posteriormente
com seu ingresso efetivo como advogado na ordem.
O autor, durante todo o percurso do livro, mostra
uma memória espetacular, apontando com precisão datas, lugares, nomes,
paisagens, sequências de acontecimentos e sensações sentidas desde tenra idade.
É impressionante que o autor ainda preserve na memória alguns termos ou
terminologias que já caíram em desuso, a exemplo de “franzino”, para indicar
indivíduo magro, além de outros termos e vocábulos do passado. Fato
interessante que ainda nos anos de 1960, a figura do tropeiro ainda era viva e
o próprio João Batista, fora tropeiro a transportar as bananas para “As
Barras”, na companhia do padrinho.
Uma extraordinária
ferramenta de registro histórico, pois o mesmo narra toda a jornada da
profissão rural, tornando-se um referencial para aqueles que se dedicam à nobre
missão de contar histórias.
Na obra “Os Sertões”, Euclides da Cunha afirma:
“o nordestino antes de tudo é um forte”. E podemos afirmar que João
Batista é um desses nordestinos.
"Sou nordestino!
Sou do sertão, terra quente,
Que é bem
difícil chover.
Nasci de um
povo valente,
acostumado a
sofrer.
Sou
nordestino, oxente,
E tenho
orgulho de ser.
Autor: Guibson Medeiros"
Sobre a obra “O Menino do Canto Escuro”, diz o renomado Advogado e
Historiador Piauiense, Imortal Reginaldo Miranda:
"Ler a presente autobiografia é viajar no
tempo e no espaço, conduzido pela escrita do seu autor".
A literatura brasileira conta com muitas obras
deste gênero, importantíssimas, seja ficção ou realidade. Cito Fernando Sabino
e José Lins do Rêgo como exemplo nesse contexto.
Temos em "O Menino do Canto Escuro" uma
obra que ultrapassa o simples relato de uma vida, representando um verdadeiro
mergulho nas memórias do autor, Dr. João Batista do Rêgo. Ao longo das páginas,
somos transportados para o interior do Piauí, para a pequena Barras, das
décadas de 1950 e 1960, onde o cenário rico em detalhes nos permite vivenciar a
infância e a juventude de um menino que enfrentou inúmeras dificuldades, mas
soube encontrar luz mesmo nos lugares mais sombrios.
Essa autobiografia é um testemunho honesto e
genuíno de uma vida repleta de desafios e superações. O autor não poupa
detalhes ao retratar sua jornada, compartilhando tanto as alegrias quanto as
dores que moldaram sua trajetória. A pobreza, o preconceito e a violência são
abordados de forma corajosa, permitindo ao leitor vislumbrar a complexidade das
experiências vividas.
Em meio aos desafios e oportunidades que a vida nos
oferece, é essencial lembrar que todos nós somos protagonistas de nossa própria
jornada. A trajetória de João Batista nos ensina que cada passo dado, cada
escolha feita e cada sonho acalentado são peças fundamentais na construção do
nosso destino. Sua obstinação pelo conhecimento.
Portanto, expresso minha admiração e gratidão a
João Batista do Rêgo por compartilhar sua história com tanto vigor e
profundidade. Sua obra é um verdadeiro legado, que nos inspira a enfrentar
desafios e a valorizar cada passo dado em nossa própria jornada. Sua coragem em
escrever sobre suas origens e suas lutas inspira a todos que buscam entender o
verdadeiro significado da resiliência e da superação, para “As Barras do
Maratauã” mais um filho desponta no cenário cultural do Piaui.
(*) Escritor, crítico literário e poeta. Membro da Academia
Miguel-alvense de Letras - AML, da Academia de Letras do Vale do Longá - ALVAL e da Confraria Camões ALB, AMLH, AHMOC e SOPIPO.