sábado, 31 de maio de 2014

A Princesinha do Mar e o trágico quotidiano brasileiro



Cunha e Silva Filho

Copacabana, o mais  conhecido bairro  carioca e um dos mais famosos do mundo por tantos   motivos,  beleza, praias,  lindas mulheres,   sol de verão, gente de todo o  mundo,  esconde, entretanto,  uma  face assombrosa: a violência, que se encontra agora, sobretudo nos morros e também no asfalto. Entretanto,  convém, para elucidação dos fatos,   saber que tipo de violência  existe e em que circunstâncias  ela se mostra,  agora,  atuante.

Sabe-se que, onde há favelas, há tráfico de drogas e somente isso  já é fator determinante  de  violência. Na favela Pavão-Pavãozinho,  um dos morros de Copacabana, existe uma UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) que tem sua razão de ser: a proteção  da comunidade que ali  vive. Ocorre que um incidente levou  os moradores  à indignação   pela morte de um  dançarino, o Douglas, que naquela favela já morou e, depois,  mudou-se  de lá  para viver  em outro lugar. O dançarino,  um jovem,  alegre,   pessoa querida de muita gente,  de vez em quando,  ia ao Pavão- Pavãozinho a fim de visitar um filho pequeno que mora com a sua  ex-mulher.

Douglas DG,  fazia parte dos dançarinos  de um programa da Rede Globo  apresentado pela conhecida  atriz  Regina Cazé. Participou também  de um  filme-documentário sobre  violência em morro do Rio de Janeiro onde, como personagem,  termina sendo assassinado    pela polícia, se não me engano.A ficção  virou  realidade  no seu caso.

 Um  homem, um  morador de rua, em Copacabana,  no mesmo  dia em que o dançarino foi morto,   foi vítima de bala perdida não se sabe se da polícia ou dos traficantes.

O trágico  incidente    foi um confronto  entre  blitz da polícia militar e traficantes  do  mencionado  morro. Tudo indica que Douglas, para fugir do tiroteio,  pulara um muro, mas mesmo assim  foi  assassinado, alguns dizem  por engano por ser confundido com um  bandido, outros, falam que foi  assassinado  por policiais.

A mãe de Douglas  abriu a boca e denunciou, diante de câmeras de televisão, que  os culpados  foram  policiais. Mãe corajosa,  articulada,   que, agora,   desconsolada, com a brutal  morte do filho querido, está decidida a lutar para que  os responsáveis pelo crime sejam  exemplarmente  punidos.

É mais um  lamentável  caso  da violência  crescente  no  Brasil, sobretudo no  Rio e São Paulo, mas que se alastra com seus tentáculos  sanguinários pelo país todo. Já fiz vários artigos  tratando do mais grave problema  brasileiro  contemporâneo, que é a falta  de  segurança  para proteção do cidadão brasileiro em todas as faixas etárias.

Ninguém pode  desconhecer que as UPPs  têm sido  úteis  às populações  que  moram em comunidades  carentes. Contudo,  há um lado  podre  da  polícia  que, atuando nas UPPs,  segundo  a imprensa  tem divulgado continuamente,  comete  abusos  de autoridade e provoca   mal-estar  em razão do comportamento de policiais despreparados  para atuarem  no contexto social   das favelas  cariocas. Conversando  com  pessoas  que  já moraram em  favelas, grande parte   delas não confiam  na polícia.Veem   essa instituição  como  inimiga  e mesmo, em alguns casos,   cúmplice  de  grupos  de milicianos que mandam e desmandam  em  comunidades  cariocas.

O governo  estadual  se revela,  pois,  incompetente  para  solucionar   essas mazelas  embutidas na violência. Enquanto isso,  o crime, os assaltos de todas as espécies cometidos por menores e adultos campeiam aterrorizando a sociedade carioca que, assim, se vê acuada,   órfã   de ações efetivas  do poder de segurança  pública. Os limites  suportáveis já  foram  ultrapassados e a cidade do Rio de Janeiro está cercada de  favelas onde  grassam a desordem,  a violência e o tráfico de drogas, assim como a ausência de um  poder   público que  não sabe enfrentar  com  vigor e  inteligência  uma cidade  partida em  três  grupos  de gente: a das pessoas de bem, os traficantes  e a polícia  despreparada e, muitas vezes,  conivente com  a criminalidade.

A maior parte do noticiário  jornalístico, no rádio,  na televisão diz respeito  a esse quotidiano em que  a criminalidade  galopante  parece  já estar naturalizada, como que  fazendo  parte  da culturado povo brasileiro. Quando  um  país chega  a este estágio de barbárie,  de  impotência  dos governantes  para  diminuir  a nocividade  do crime de todos os tipos e níveis  de perversidade contra o cidadão brasileiro,  é  porque  é   um país  que dá provas   irrefutáveis  de  sua   completa   indiferença pela proteção  da sociedade. É tempo de mudarmos, de sairmos  dessa encruzilhada  de  maldades sociais,  de desgoverno,  de desídia  em administrar os estados que  formam a Nação.

As estatísticas estão aí para mostrarem  o número  de mortes  pela mão  nefanda do crime  organizado  ou não. Como querem os governante  se elegerem à Presidência,   a governadores, diante  da  situação  caótica  da sociedade  amedrontada diuturnamente com  criminosos  à espreita  de  ceifarem vidas  de inocentes? Com que cara irão enfrentar  os comícios e os programas  de televisão quando começarem os debates  dos candidatos,   sobretudo para  candidatos que aspiram  a reeleições? Terão  a cara de pau os que estão no poder e  desejam  nele continuar?  Será muito constrangedor  a um candidato tentar  justificar-se  diante  dos  crimes hediondos cometidos no país  e com  muitos dos seus  algozes  ainda  em liberdade e menores  bandidos e sanguinários  que matam  indefesos mesmo que  estes  não tenham   esboçado  nenhum reação  contra eles. Estão matando,  a sangue frio,  pessoas   de bem, trabalhadores,  profissionais,  homens ainda  com muito  tempo   de vida  útil  e  produtiva em todos os  campos de atividade.

O escandaloso  número de  pessoas  vítimas de criminoso  impiedosos equivale  a um país em guerra civil.  Este é o retrato  de um país  que está sediando  a Copa Mundial  de Futebol e, depois, as Olimpíadas.

Acordem,  políticos  e governantes,  porque a hora   do debate e de enfrentar  os votos  caminha  a passos largos.

Ou atacaremos  os problemas  nacionais  mais críticos, como a violência, a saúde, a educação pública  fundamental e média e os transportes, ou  estaremos   fadados  à perda  da governança patriótica,  séria e competente. Ou  tornamos  rigorosas as  penas contra  criminosos  hediondos, muito frequentes  no país,  ou  a Nação perderá  o controle de governabilidade. Ou  modificaremos  de imediato  a penalidade  para menores   do crime, ou  seremos  responsabilizados  pelos  crimes de omissão no exercício do poder  público.

Ou criaremos vergonha na cara – e aqui me refiro à classe  política em todos os níveis - ,  ou  perderemos a oportunidade  de sermos  uma  pátria  digna do aplauso e da admiração  das nações  do mundo  que conseguiram  entrar efetivamente  na maioridade  de uma democracia  verdadeira, na qual  a sociedade  seja   a parte essencial  e determinante na mudança  de escolhas  de governantes que tenham  como  objetivo  mais alto  o bem-estar do seu povo.   

quinta-feira, 29 de maio de 2014

O TRABALHO HUMANO


O TRABALHO HUMANO

Jacob Fortes

Comum é ouvir-se, durante a engorda do cotidiano brasileiro, que o trabalho humano é a atividade por meio da qual o homem, no exercício de suas forças físicas ou mentais, consegue obter recursos para prover a si e aqueles por quem é responsável. Esse entendimento simplista alude apenas ao efeito mais imediato do trabalho: a remuneração. Ainda que parcialmente verdadeiro, esse entendimento não reflete o conjunto de benefícios que o trabalho é capaz de propiciar às pessoas. Mesmo quando sob o regime filantrópico, o trabalho oferece muitas contrapartidas, nem sempre percebidas por todos os olhos. A remuneração não é o único fruto que o trabalho proporciona às pessoas, mas, principalmente, o que elas se tornam através dele. É por meio do trabalho que as pessoas se qualificam, desenvolvem os seus talentos, aperfeiçoam suas dimensões interpessoais, agregam hábitos salutares de convivência grupal, de etiqueta social, fortalecem comportamentos éticos, aprendem até mesmo a usar um talher, quando das refeições nos locais de trabalho. Enfim, as pessoas evoluem em todas as dimensões: técnica, administrativa, interpessoal, espiritual, patrimonial, ética, etc. O trabalho, como meio de satisfação pessoal, é o santo sacrifício que, além de dignificar, é responsável pela prosperidade das pessoas e de comunidades.

O valor do trabalho não se mede por sua rotulação: qualificado, semiqualificado ou não qualificado, mas pela perfeição com que é executado. Assim como o trabalho é um dever inelutável também é direito que assiste ao homem, conforme Declaração Universal dos Direitos Humanos.

À luz do cristianismo, o trabalho se funda numa dupla predestinação do homem: completar a obra criadora, valendo-se das esplêndidas potencialidades da natureza; realizar a sua própria plenitude, exercitando as suas energias físicas e espirituais.

Preceito bíblico, Gênesis, preconiza que “o homem comerá o pão com o suor do próprio rosto”. O suor, no caso, tem o pressuposto de valorizar tudo aquilo que o homem adquire ou realiza. Dessa premissa, no entanto, discrepam os corruptos; preferem comer o pão adquirido com suor alheio. Os corruptos se comportam aos moldes do Chupim: em vez de construir o seu próprio ninho, à sorrelfa põe os seus ovos nos ninhos alheios para que os filhotes sejam criados por pais adotivos. Enquanto os pais adotivos, por vezes o apoucado tico-tico, trabalham em regime extraordinário para alimentar os filhotes grandalhões, os pais biológicos esvoaçam livres e frajolas desfrutando das delícias da vida, à custa dos outros. “Quando os homens são puros, as leis são desnecessárias, quando são corruptos, as leis são inúteis.” (Benjamin Disraeli).

Que o labor do País prossiga sob o manto da retidão; consciência sã é refúgio seguro quando nela não se homizia nada que a reprove.      

quarta-feira, 28 de maio de 2014

RIO PARNAÍBA – PROBLEMAS E SOLUÇÕES



25 de maio   Diário Incontínuo

RIO PARNAÍBA – PROBLEMAS E SOLUÇÕES

Elmar Carvalho

No sábado, dia 17, no “Encontro em Defesa do Rio Parnaíba”, por mim idealizado, e que contou com o apoio integral do presidente da Academia Piauiense de Letras, Nelson Nery Costa, proferi a palestra “Rio Parnaíba – problemas e soluções”. A solenidade foi presidida pelo desembargador Oton Lustosa, em virtude da ausência justificada do titular. Nunca fui tão aplaudido em minha vida, o que parece demonstrar a justeza de minhas críticas e denúncias, e o acerto das soluções que apontei.

Além da APL, apoiaram o evento a Associação dos Magistrados Piauienses – AMAPI e o Grande Oriente do Brasil/Piauí – GOB-PI. Também discursaram o acadêmico Humberto Guimarães, versando o tema “O rio Parnaíba na Literatura Piauiense”, e o deputado federal José Francisco Paes Landim, que proferiu a palestra “Em defesa do rio Parnaíba”. Compareceu um público razoável, composto por pessoas interessadas em cultura e ambientalismo.

Foram homenageados, por seus trabalhos em defesa do rio Parnaíba, os escritores e intelectuais Lauro Correia, Manoel Paulo Nunes, Paes Landim, Carlos Augusto Pires Brandão, Cid Castro Dias, Humberto Guimarães e Elmar Carvalho, e ainda a AMAPI. Dr. Lauro, além de haver enviado uma bela carta justificando sua ausência, foi representado pelo professor Israel Coreia e pelo economista Canindé Correia, que vieram de Parnaíba exclusivamente para essa finalidade.

Esclareci, logo no início, após recitar os versos do Postal III, componente de meu poema “3 Postais de Parnaíba”, que minha fala seria concisa, sintética, clara, sem palavras técnicas. Citei os versos de Fernando Pessoa, em que o poeta dizia que era um técnico, mas que era um técnico só dentro da técnica, e que fora disso era um doido, com todo o direito a sê-lo. Explicitei que, conquanto não fosse maluco, me despojaria de todo tecnicismo, de toda linguagem tecnicista ou de erudição balofa. Contei que meu pai, aluno do Colégio Diocesano em 1940, ouviu o professor de geografia Álvaro Ferreira asseverar que, em 50 anos, se providências não fossem adotadas, o Parnaíba morreria. Ainda bem que o velho mestre e presidente da APL não foi um profeta perfeito, pois o nosso maior curso d'água ainda se mantém vivo, embora estrebuchando, embora nas vascas de lenta e dolorosa agonia.

Vislumbrei o final da navegação no Velho Monge, tanto em Teresina como em Parnaíba. Quando fui morar nesta última cidade, em junho de 1975, ainda vi grandes embarcações e chalanas ancoradas no Igaraçu, no porto Salgado, e nelas viajei a lazer para Tutoia e Água Doce, no delta maranhense. Também ainda cheguei a viajar de trem, em poucas ocasiões.

No lugar de a navegação e as ferrovias terem sido revitalizadas e melhoradas, com motores mais velozes e mais potentes, terminaram sendo suprimidas ou abandonadas, ao contrário do que ocorre em diversos países desenvolvidos de várias partes do mundo. Afirmei que essas duas formas de transportes são importantes e mais baratas que as demais opções; e mais importantes tornar-se-iam quando da conclusão do porto de Luís Correia. Mas ponderei que esta obra parecia um manto de Penélope, cuja urdidura, feita e desfeita, nunca terminava.

Falei que as várias cidades ribeirinhas, inclusive e principalmente Teresina, nossa mesopotâmica capital, despejam os seus esgotos, sem nenhum tratamento, no Parnaíba; que as cidades necessitam de galerias pluviais, mas que particulares, empresas e órgãos públicos muitas vezes lançam seus dejetos e águas servidas nas galerias e sarjetas. Obviamente esse procedimento nocivo polui as águas do Velho Monge, que é o principal (ou mesmo o único) fornecedor de água para essas urbes. Informei que estudos indicam que o lençol freático profundo de Teresina é formado por água salobra, não potável. Chamei a atenção para o que está acontecendo com o sistema de abastecimento d'água da cidade de São Paulo.

Abordei os desmatamentos e as queimadas, que vêm destruindo as matas ciliares de nosso mais importante curso d'água. Demonstrei que nosso poeta maior, (Antônio Francisco) Da Costa e Silva, no livro Zodíaco, publicado em 1917, já vergastava essas duas mazelas, em fulgurantes e imortais versos candentes. Sugeri que o Poder Público poderia fazer uso de guardas ou agentes florestais que esclarecessem os ribeirinhos sobre a importância das matas ciliares, até mesmo para a conservação de suas terras, mas que também exercesse o seu dever/poder de fiscalizar e punir, quando necessário; que poderia oferecer a essa população sementes e mudas e até certas isenções tributárias para que conservasse a floresta das beiras de nossos rios, ou fizesse o reflorestamento.

Os desvios d'água, para qualquer finalidade, e a construção de barragens provocam danos ambientais e, sem dúvida, em menor ou maior grau, prejudicam os rios, razão pela qual os estudos do impacto ambiental são indispensáveis, para que esses prejuízos possam ser minimizados ou mesmo evitados. Nesse ponto, discorri sobre a campanha liderada por Lauro Correia e Paulo Nunes contra a construção de cinco barragens no Parnaíba, que iriam produzir irrisórias quantidades de eletricidade, mas que iriam prejudicar algumas cidades, com a inundação de parte delas, e impediriam para sempre a navegabilidade do Velho Monge, mesmo porque até hoje a eclusa da Barragem de Boa Esperança ainda está por ser concluída. Acrescentei que fui um soldado raso dessa peleja, mas que também desferi os meus “tirambaços”.

Fatalmente essas barragens iriam diminuir o volume d'água, o que iria afetar o delta parnaibano. Com isso a influência das marés seria exercida com maior intensidade, o que tornaria salobro o precioso líquido na região litorânea, provocando possivelmente grandes danos ao abastecimento de água potável na cidade de Parnaíba, sobretudo. Talvez – quem poderia garantir? – a extraordinária beleza do Delta, com suas ilhas, canais e mangues, ficasse comprometida. Além de tudo isso, as usinas eólicas substituem com demasiadas vantagens essas intervenções prejudiciais e perigosas. E instáveis e quase sempre imprevisíveis, tanto pelo excesso de chuva como por causa das rigorosas estiagens.

Falei de outras mazelas, inclusive a agricultura e a pecuária predatórias, que podem provocar erosões, assoreamento de lagos e rios, envenenamento de aquíferos, e destruição dos mananciais, brejos e olhos d'água, sem falar nos danos à fauna. Portanto, o governo deve exercer a fiscalização com firmeza e de maneira contínua, para que os nossos cursos d'água não desapareçam. Indispensável a criação e fiscalização de áreas de preservação das nascentes do Parnaíba e de seus afluentes. Deixei bem claro que os cuidados referentes ao nosso principal rio deverão ser estendidos aos seus tributários. Não pode o interesse particular e egoístico prevalecer sobre o coletivo.

Para surpresa e mesmo perplexidade do auditório, no tocante às sugestões, eu disse que a grande solução para os problemas do Parnaíba era exatamente não se fazer nada e não se deixar fazer; não se fazer sistema de esgotos que depositem as vazas podres da cidade em suas águas; não se construir mais nenhuma barragem; não desmatar e nem queimar as florestas de suas margens; não se desviar ou retirar suas águas desnecessariamente.

Aduzi que os órgãos públicos ambientais deveriam exercer os serviços de orientação e fiscalização em relação aos ribeirinhos, com programas de reflorestamento e incentivos fiscais, conforme já explicitei acima. Retirar-se, na medida do possível, os esgotos já existentes. Com essas providências e talvez um serviço de dragagem moderno, com o uso de estacas ou outros equipamentos e métodos, em que o rio dragar-se-ia a si mesmo, talvez o Parnaíba voltasse a se tornar mais estreito e mais profundo, e por conseguinte mais saudável.

Ainda no campo das soluções, retomando uma ideia antiga do engenheiro, advogado e administrador Lauro Andrade Correia, ainda do tempo em que ele foi presidente da FIEPI, no início da década de 1980, afirmei que o Velho Monge poderia ser rejuvenescido e revitalizado com a transposição de águas do Tocantins, na altura de Carolina (MA), para um dos afluentes do rio Balsas, o qual deságua em nosso mais importante rio, a montante da cidade de Uruçuí (PI).

Expliquei que essa transposição exigiria a construção de um canal, de apenas 100 quilômetros, sem necessidade de grandes bombeamentos, já que a gravidade, o afluente e o Balsas tudo fariam, sem emprego de maiores esforços. Não haveria necessidade de obras faraônicas e/ou mirabolantes de engenharia, nem do uso de complicadas e sofisticadas tecnologias. Por conseguinte, seria uma obra simples e de baixo custo, em termos de governo federal.


Fernando Pessoa, num de seus magníficos poemas, disse que o Tejo era mais belo que o rio que corre pela sua aldeia, mas que o Tejo não era mais belo que o rio de sua aldeia, porque o Tejo não era o rio que corre pela sua aldeia. Parafraseando-o, bradei que os rios Amazonas e São Francisco são mais importantes e mais bonitos que o Parnaíba, mas que eles não são mais importantes e nem mais bonitos que o Parnaíba, porque eles não são o rio que banha a nossa província.     

terça-feira, 27 de maio de 2014

Breve apresentação de Memorial do Ouro


Breve apresentação de Memorial do Ouro

Dílson Lages Monteiro

Peço permissão para ser breve, a fim de que se sobreponham neste espaço a informalidade e a conversa, e este momento seja para  todos o mais agradável possível.

Esta obra foi escrita e reescrita em outro centro urbano, em obstinado processo. Nesse processo, representações da história propriamente dita foram reelaboradas por linguagem literária; com a clara intenção de investigar no fundo, o próprio significado do Brasil.

Embora  o autor, Gilberto de Abreu Sodré Carvalho, tenha, pois, construído o mundo de Memorial do Ouro, em São Paulo  escolheu, porém, Teresina – movido pelo afeto às suas origens, sobretudo  -  como lugar para que ela se materializasse em forma de livro impresso – aqui tanto se editou esta ficção, como também, a partir de agora, esta ficção se torna definitivamente de conhecimento  público.

Revela-se, por essa razão, em particular, de um sentido especial, para nós que acompanhamos pequena parte do processo de construção do livro – processo sempre encantador, mas, no caso deste livro, mais especial, pela responsabilidade e confiança depositados em nós; mais encantador e especial, pelo afeto do escritor com esta Terra e porque, ainda,  fortalece o sistema literário do Piauí - reforça uma nova cultura que vem se reinventando e se consolidando aqui,  a cultura da edição de livros, fortemente alavancada  nos últimos anos com o surgimento de pequenas editoras e com a  intensificação de publicações independentes de todos os matizes.

Começo estas palavras com duas breves divagações, que se impõem como indispensáveis para  comentar resumidamente  o tema do romance.  A primeira dessas divagações, a ligação do autor com o Piauí. A segunda, as reservas literárias que conduziram o escritor a construir um novo e apaixonado percurso como profissional da linguagem.

Saibamos, a princípio, mais sobre o autor de Memorial do ouro. Gilberto de Abreu Sodré Carvalho nasceu no Rio de Janeiro, em 1947. É casado com uma educadora musical e pai de três filhos. Reconhecido como consultor experiente em modelagem organizacional a partir do enfoque jurídico-gerencial. Por 40 anos, foi advogado interno e consultor de grandes corporações, e membro de colegiados de planejamento estratégico e relações com governo, em holdings. Além disso, é acadêmico e autor de diversos artigos e papers de direito empresarial e gestão.   É também Genealogista e historiador voltado para o início do século 18 brasileiro. Publicou dez livros, alguns deles por editoras como a Imago e a Fundação Getúlio Vargas.

A ligação de Gilberto Sodré com o Piauí é antiga, apesar de somente nesta semana, em função das contingências profissionais e da distância física de seu assentamento, ter efetivamente dividido com os piauienses, presencilamente, parte de sua experiência como pesquisador e ficcionista. Suas raízes familiares estão na Barras do Marataoã antiga, onde nasceram os seus avôs e bisavôs pelo lado paterno. Ter em seu DNA um pedaço da gente piauiense o fez sempre um curioso por este Estado, tanto que chegou a escrever livro de genealogia – Os Carvalho de Almeida do Piauí - para buscar o elo afetivo que nutriu ao longo de décadas, pela força do imaginário, com a paisagem humana e social de todos nós.

Esse elo, aliás, refletiu-se inclusive em Memorial do ouro, posto que um dos personagens, apesar de não apresentar relevo principal na obra é Antônio Carvalho de Almeida, português que recebeu sesmaria na localidade Taboca, no hoje município de Esperantina, e de quem descende. Suas pesquisas sobre o Piauí e sua gente reforçaram o seu entendimento sobre o processo de conquista e devassamento do Brasil colonial, com seus valores, métodos e arbirtrariedades.

A busca de suas raízes no Sudeste também o conduziu a entender, analogamente, a interposição dos interesses econômicos e patrimonialistas anulando quaisquer noções de justiça social. Nesse particular, mergulhando em sua origem familiar pelo lado materno, nasceu o seu interesse em pesquisar sobre a Santa Inquisição, a produzir estudos e palestras sobre o tema e, agora, em converter essa história para a ficção.

Essa busca por suas raízes, no Piauí e no Sudeste, formaram parte das reservas literárias que fundamentaram o argumento para Memorial do Ouro. Do contato com documentos, com relatos da memorial oral e do imaginário coletivo, foi-se o autor deixando seduzir pelo tema da Inquisição e pelas nuances que o momento histórico em que se situa o tema fez brotar, a tal ponto que  somente a história já não era mais suficiente para que sua inquietação de escritor se contivesse.

 Assim, nascia, também, uma de suas marcas mais evidentes como ficcionista, também um de seus maiores méritos: a utilização dos recursos literários, para subjetivamente, desemborcar em uma escrita que é também ensaio, testemunho e metaficção, sobre os quais me debruçarei com o vagar e o tempo necessário em breve.

Por meio de João Aveleda, cada um de vocês, encontrará um narrador inquieto em perguntar o sentido de Deus e do Rei, em questionar o sentido do medo, do fingimento e da verdade, da submissão e das artimanhas para se manter imune as cruezas do poder; enfim, dos interesse e valores do Rio de Janeiro e do Piauí, de Minas Gerais,enfim, do Brasil e de Portugal dos séculos XVII e XVIII.

Finalizo essas breves palavras, com trecho de entrevista de Gilberto Sodré, a fim de caracterizar a atmosfera de “medo de fingimento”  e resumir  o sentido de toda a obra:

Esse é o reino em que todos vivemos. Todos nós, nas nossas mentes, nos nossos pensamentos, somos cruéis, preconceituosos. Ao agirmos, somos, por muitas vezes, dissimulados. Nós nos editamos como pessoas aceitáveis, todo o tempo, fazendo maior ou menor força para tanto. Queremos ser vistos como bons, centrados, leais e merecedores; mas só nós sabemos da nossa verdade. Muitas vezes, nem nós mesmos sabemos da nosso verdade, tal a mistura que fazemos entre o que cremos e o que cremos para constar para os outros”.

Conforme já havia mencionado, que este espaço e momento sejam da informalidade e da conversa. Muito Obrigado!


Fonte: Portal Entretextos, do qual Dílson Lages Monteiro é editor.    

segunda-feira, 26 de maio de 2014

PRETO NO BRANCO - MORENO BRASILEIRO


Preto no branco - moreno brasileiro

Francisco Miguel de Moura*

Não me refiro ao preconceito de cor, mas à população brasileira como um todo, começando pelo Piauí. Se o IBGE usa essas expressões, por que não podemos usá-las também! São as mais consentâneas com a verdade, visto que as demais (pardo, caboclo, cafuso, por exemplo) podem parecer deboches. Sobre este assunto, lembrei-me de certo dia, lá pela década de 1980, quando estava a ler o jornal “A Tarde”, de Salvador.  No importante diário, deparei-me com a notícia, para mim até então estúpida, de que, proporcionalmente, o estado brasileiro onde a população “de cor” é maior não é a Bahia, como muitos falam, mas o Piauí. Infelizmente não guardei recorte da matéria. Tal afirmação de que Oeiras, proporcionalmente, tinha mais negros do que a Bahia (todo baiano chama a sua capital assim), mesmo proporcionalmente como ele frisava, me deixou “grilado”. 

Será que ele tinha razão? Pegando um compêndio escolar denominado “Estudos Regionais do Piauí”, de Joselina Lima Pereira Rodrigues, edição de 2001, leio: “Os povoadores do Piauí originaram-se dos elementos básicos formadores da raça brasileira: o branco, o negro e o índio”. Repare o leitor que a professora escreve expressamente “raça brasileira”, referindo a nossa população atual. O caldeamento dessas três raças se deu de modos muito diferentes, aqui e ali, do primeiro ao século atual. É preciso que a gente se lembre que as terras do Piauí foram as últimas a serem alcançadas por portugueses: Em 1674, o português Afonso Mafrense penetra pelos sertões acima do rio São Francisco, com muito risco, pois os índios, perseguidos  pelos senhores de engenho, aqui se encastelavam. Era o início do desbravamento. Tenha-se, naturalmente, em conta a dificuldade de chegar-se até onde fundaram a capital e daí produzir a expansão acontecida, a partir do centro até o norte e o sul. É preciso também não deixar fugir da nossa memória – pois que ainda não fugiu da memória escrita, como atestam historiadores como Odilon Nunes e atualmente Reginaldo Miranda – que o Piauí é o único estado brasileiro onde todos os índios foram exterminados, não sobrando nenhum, o que faz lembrar Canudos, infelizmente.  Eis por que nossa mistura com índio é praticamente nula.

 Começando com o núcleo inicial, como deve ser, não estamos trabalhando com dados precisos, estatísticos, mas com hipóteses e algumas citações: “O povoamento inicial do Piauí deu-se com muitas famílias enviadas do Maranhão e, pouco depois, com 300 brancos criminosos libertados em Lisboa, além de escravos e índios”. Também o crescimento de Oeiras foi muito lento. “Criada por Carta Régia de 30-6-1712, em 1730 a vila tinha apenas entre 25 e 30 moradores”, conforme registra Cláudio Bastos, no “Dicionário Histórico e Geográfico do Piauí”, editado em 1994. O que existia antes era apenas uma freguesia sob a invocação de Nossa Senhora da Vitória, ligada ao bispado de Pernambuco, a qual foi desligada como vila em 1696, ano em que justamente se comemora o nascimento de Oeiras, nossa antiga capital. Consta também, em vários historiadores, que a maioria dos piauienses brancos é originária de sete famílias que vieram para cá, com o intuito de permanecer, fato notável porque o comum era virem, enriquecerem e voltarem para Portugal. Parece-me que elas povoaram do centro do para o sul do nosso estado. E, em minha opinião e de alguns comentaristas antes de mim, estas famílias de audazes e fortes portugueses, vindas para cá com armas e bagagens, foram crescendo e se reproduzindo. Chegamos a pensar que a burguesia piauiense que domina as várias atividades, ontem a pastoril e agrícola, hoje a de políticos e administradores, de uma forma ou de outra descende desses troncos familiares. Eles combateram ferozmente os indígenas e importaram negros, para o trabalho muito extenso das fazendas de gado. E ninguém estuda nem fala, mas tivemos a civilização do couro: porta, mesa, cadeira, roupa e tudo mais que mais se pudesse e quisesse fazer era feito de couro de boi. Nessa época, exportávamos gado para o Maranhão, Ceará, Pernambuco, Bahia, Minas Gerais e quiçá para o sul do país.

Se fizéssemos uma pesquisa lingüística nos modos e hábitos do piauiense, certamente encontraríamos indícios e traços do preconceito, no passado. Mas os tempos e o modo de ser da população foram mudando, a miscigenação entre brancos e pretos aumentando. Recentemente veio a Constituição Federal de 1988, que, num dos seus artigos iniciais, proíbe o preconceito de todos os tipos - nem precisamos citá-lo. Portanto, pode-se deduzir que quem tem preconceito não é um ser humano útil, pois pratica um ato dos mais incongruentes com a vida em sociedade. A partir do conhecimento que tenho sobre estes assuntos, tanto os históricos quanto os atuais, é que vejo o desenvolvimento da sociedade brasileira no rumo de um povo homogeneizado na cor, na linguagem, nos costumes, na sensibilidade e na doçura, na inteligência e no amor. Tenho observado, particularmente no Piauí, que a cor morena domina, é maioria. Sou capaz de apostar que sim. E esta é a cor da “raça brasileira”, de que falou a professora Joselina Lima Pereira Rodrigues. Para mim, não tem a inteligência e o coração brasileiros aquele que interpõe, seja pessoa entidade civil ou governamental, qualquer obstáculo à tendência da “morenização” do brasileiro. É a tendência do norte, nordeste, sudeste e centroeste.  A região sul demorará mais a integração de que falamos em virtude do tipo de imigração recebida, destoante daquela do Brasil colonial e imperial, porque mais recente. Quem não concorda?  
____________________
*Francisco Miguel de Moura, membro da Academia Piauiense de Letras - APL-Teresina, PI; membro da União Brasileira de Escritores (SP e PI) e sócio a IWA - International Writers and Artists Association - Estados Unidos. 

domingo, 25 de maio de 2014

Seleta Piauiense - Mário Faustino


Nam Sibyllam

Mário Faustino (1930 - 1962)


Lá onde um velho corpo desfraldava
As trêmulas imagens de seus anos;
Onde imaturo corpo condenava
Ao canibal solar seus tenros anos;
Lá onde em cada corpo vi gravadas
Lápides eloquentes de um passado
Ou de um futuro arguido pelos anos;
Lá cândidos leões alvijubados
Às brisas temporais se espedaçavam
Contra as salsas areias sibilantes;
Lá vi o pó do espaço me enrolando
Em turbilhões de peixes e presságios —
Pois na orla do mundo as delatantes
Sombras marinhas, vagas, me apontavam. 

sábado, 24 de maio de 2014

Desista, professor!


Desista, professor!

José Maria Vasconcelos
Cronista, josemaria001@hotmail.com

          A comida foi posta sobre a mesa. Quer comer? Coma. Se não, retire-se, mas não fale mal do alimento. Mais fácil criticar  comida do que ir para a cozinha, limpar panelas, preparar cozido. Especialmente no serviço público, descobre-se quem quer lambuzar, em vez de colaborar.
          Neste momento, parcela dos professores da rede pública municipal articula mais uma greve, para aporrinhar, especialmente as famílias dos estudantes. Essa gente entende mais de greve do que ministrar aula. Comandados por uma trinca de oportunistas, quase sempre prevalecem interesses pessoais, visando naco na gestão pública ou um voo na política. Em se tratando de laços familiares implantados na trincheira da greve, a fim de prejudicar o gestor, pode-se concluir a dimensão do barulho. Pior, quando secretário da pasta atraca, com unhas e dentes, a causa educacional do município e demonstra patriótico esforço pela educação das crianças menos privilegiadas. Inveja e interesses resvalam para a irracionalidade, em especial quando veem câmera da TV. Falam bonito, sapecam bordões surrados, porém, no fundo, no fundo mesmo, barganham uma futura candidatura política ou carguinho público.
          Essa história não vem de agora. Se se observarem alguns figurões envergando mandato político ou cargos administrativos, eram, antes, barraqueiros e berreiros defensores de classes trabalhadoras. Frente a câmeras de TV e microfones das rádios, eles exibiam, nas veias e na lábia apaixonada, o amor coletivo. Hoje, isolados e montados no bem-bom, curtem, de longe, indiferentes, o clamor da classe que defendiam. Cadê os professores de antanho, frente a escolas e grevistas, pregando melhores salários e educação de qualidade? Cadê eles ocupando programa sindical da rádio, início da manhã, esbravejando ataques aos patrões? Hoje, comandam outra causa, a própria, a do sossegado contracheque em repartição pública.
          Expressiva parcela do magistérioi não ministra mais aulas. Apenas copiam na lousa. Acham-se atemorizados, porque alunos não lhes obedecem. Sugiro-lhes imediata desistência da profissão, enquanto é tempo. Educação e Saúde, neste país, valem medalhas de ouro aos heróis.
          Exemplo heroico na rede pública vem de escola da modesta Cocal dos Alves-PI, celebrizada, nacionalmente, por único segredo: comunhão de esforços de professores, estudantes e pais. Substituíram insatisfações e greves pela conscientização coletiva, inclusive da família. No princípio das dores, faltava tudo, até papel higiênico na escola. A liderança de uma diretora, repassada aos professores e estudantes, multiplicou pães e peixes do sucesso. Atenção, interesses políticos saíram pela descarga dos banheiros lavados.
          Tenho ministrado palestras em escolas públicas, abordando temas sobre idealismo e vocação. Em alguns estabelecimentos, descubro a falta de uma Cocal dos Alves. Aí me recordo do episódio evangélico: Cristo pregava sobre o alimento de sua carne. O público se escandalizou. Evadiu-se. O Mestre virou-se e desafiou os apóstolos: “Vocês também querem debandar!” É que a Educação exige elevada vocação, como atender convite para nobre banquete. Quem quer, come. Se não, cai fora. Não fica a reclamar. A grevar.     

sexta-feira, 23 de maio de 2014

PROFESSOR LIMA COUTO


PROFESSOR LIMA COUTO

Elmar Carvalho

No começo de 1977, quando iniciava o meu curso de Administração de Empresas, feito no Campus Ministro Reis Velloso – UFPI, freqüentava a casa do velho professor Lima Couto, sobretudo à noite, quando costumava pegar carona com o seu filho Paulo Couto, meu amigo e colega de turma, no seu fusca branco, que me lembraria uma garça, não fosse o seu formato mais parecido com um besouro. Foi quando conheci e passei a admirar o mestre.

Nessa época, iniciei a minha colaboração nos jornais parnaibanos Folha do Litoral, extinto, e Norte do Piauí, de Mário Meireles, ainda hoje em circulação, com a publicação de meus poemas, de feição modernista, vários posteriormente enfeixados em meus livros e nas antologias de que participei, ao contrário de vários outros colaboradores, que publicavam exclusivamente versos de sabor passadista, conforme registro no meu ensaio “Jornal Inovação – um depoimento”: “(...) antes de Alcenor Candeira Filho, com seus dois livros (“Sombras entre Ruínas” e “Rosas e Pedras”), impressos em mimeógrafo, pioneiros, inclusive em termos de Piauí, da utilização desse equipamento, que passou a designar uma geração literária, deste escriba e do poeta V. de Araújo, ambos com poemas publicados, ainda nos idos de 1977/1978, nas páginas de “Folha do Litoral”, o que se viam em Parnaíba eram poemas obsoletos e formalmente ultrapassados, sobretudo sonetos de cunho parnasiano (...)”

Para minha satisfação, o prof. Lima Couto, que era um apreciador de poesia, embora sua formação intelectual talvez não haja assimilado bem o modernismo, admirava os meus poemas e os comentava comigo, bem como aproveitava, nas várias vezes em que fui a sua casa, para discutir outros assuntos literários, culturais e educacionais. Não obstante já tê-lo conhecido numa idade avançada, tomava-se então de grande euforia e com sua voz melódica e de timbre marcante, com gestos fortes e caraterísticos, falava-me de poetas que admirava, entre os quais se destacavam Longfellow e Tagore, e me recitava, de memória, poemas que apreciava, a maioria de conteúdo filosófico e de mensagem edificante. Pude, via de conseqüência, vislumbrar a sua considerável erudição.

Com o mais vivo entusiasmo, falava-me de sua experiência magisterial, sobretudo na qualidade de professor de Inglês, língua que dominava, havendo feito até uma bela tradução de poema do já aludido Longfellow. Também falava de sua trajetória como administrador educacional, das suas ações e metas administrativas, bem como de sua meteórica experiência como livreiro. Tinha em grande conta a estadualização, no governo Chagas Rodrigues, do velho Ginásio Parnaibano, que hoje ostenta o nome do prof. Lima Rebelo, também conhecido como Preceptor da Parnaíba.

Algumas vezes, enquanto esperava o Paulo, aproveitava para ficar no jardim da casa, para olhar as plantas e absorver os perfumes das flores do caramanchão. Creio que vem dessa saudosa lembrança, esses versos que pus no meu poema “Vida in Vitro”, que é na verdade o inventário e a epopéia da vida de um homem, de um homem qualquer:

         buscas os cheiros embriagantes dos
         brancos lírios de são josé e das rosas vermelhas
         do velho caramanchão de antigamente.
         os lírios se transformaram em cálices
         de amargura e nas rosas depositas
         o orvalho de tuas lágrimas pelo mundo
         perdido num canto escuro do passado


Ainda hoje recordo com muita intensidade esse velho mestre, que não foi meu professor na instrução pública, mas de quem recolhi lições admiráveis e de quem recebi incentivo e palavras de estímulo.

Um dia, para minha perplexidade e apreensão, o meu amigo e jornalista B. Silva me contou que o Prof. Lima Couto dissera temer que eu viesse a morrer muito jovem, pois me achava muito inteligente e um bom poeta. O elogio era suspeito, porquanto oriundo de uma pessoa amiga, mas me deixou um tanto temeroso, pois estava eu ainda no ocaso de minha adolescência, mergulhado nos sonhos que o tempo e a vida se encarregaram de desmantelar e envolvido pela aura da poesia, que ainda não me abandonou.

Felizmente, para mim, o grande mestre era um mau profeta, e aqui ainda estou eu para contar a história e para relembrar, numa crônica repassada de saudade, poesia e emoção, a figura inesquecível de um ser humano que se chamou José de Lima Couto.

quarta-feira, 21 de maio de 2014

NILTO MACIEL - GRANDE ESCRITOR BRASILEIRO


Francisco Miguel de Moura
Escritor. Membro da Academia Piauiense de Letras

Olhando-se a biografia de um grande escritor, o que encontramos? Muito e pouco. Muito de bibliografia, seja de obras publicadas dele ou dos outros, seja de prêmios recebidos, seja de participações em obras coletivas. Pouco de feitos políticos ou administrativos fora da área. Assim aconteceu com NILTO MACIEL, nascido em Baturité, Ceará, em 30-1-1945, e falecido em Fortaleza, em 30-4-2014. Ele ingressou na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará em 1970; criou, em 1976, com outros escritores, a revista “O Saco”, que revolucionou o Ceará e o Brasil; mudou-se para Brasília em 1977, tendo trabalhado na Câmara dos Deputados, no Supremo Tribunal Federal e no Tribunal de Justiça do Distrito Federal, quando fundou a revista “Literatura” (1991). Muitos números foram editados e continuou a fazê-lo a partir de 2002, quando voltou para Fortaleza. Da importantíssima publicação – talvez a melhor do Brasil no período – fui colaborador com artigos e poemas, tanto nas edições de Brasília, quanto nas de Fortaleza, e fiz parte do Conselho Editorial com os escritores Batista de Lima, Enéas Athanázio, Jorge Tufic, Leontino Filho, Nelson Hoffmann e Soares Feitosa. No ano 2000, quando fizemos uma viagem à Cuba de Fidel Castro, conheci pessoalmente Nilto Maciel, de quem fiquei sabendo, por ouvi-lo e vê-lo, que “era uma pessoa que só dava valor à vida e à literatura, tudo mais era brincadeira, na verdade, era um grande gozador”. Foi uma festa agradável, não obstante não conversarmos sobre a política, nem de lá nem de cá, porque não era esta a “nossa praia”, como diz o carioca. Lançamos, na ocasião, o livro coletivo “Poesía de Brasil”, organizado por Aricy Curvello e traduzido ao espanhol por Gabriel Solis.

É verdade que NILTO bebia muito, especialmente cerveja, se não era alcoólatra, parecia. Seu corpo foi encontrado em 30 de abril, em sua casa, onde morava sozinho. Não havia como levar ao hospital. Seus amigos apressaram para sepultá-lo no dia seguinte. Era casado, mas não vivia com a mulher (ou as mulheres) – gostava de muitas (ou de todas). E tinha filhas, ao que sei. Mas a verdade é que era um solitário, visitado apenas por poucos amigos, a maioria escritores e escritoras, em sua casa, onde mantinha boa biblioteca, onde trabalhava sem hora. Seu modo de ser, desde o primeiro livro, levava-o para a literatura, digo, para sua solidão. Na infância sonhara ser jogador de futebol, depois das brincadeiras de rua, refere um dos seus recentes livros, “Quintal dos dias” (2013), onde mistura história, realidade e ficção e conta parte de sua infância no interior. Eis porque abraçou o realismo mágico ou fantástico, nas suas "estórias". Sobre um dos seus primeiros livros, fiz um paralelo dele com o Jorge Luís Borges, em artigo de jornal. Grande contista este Nilto Maciel, grande novelista, grande incentivador da literatura e dos escritores. Neste particular foi um benfeitor da humanidade. Porque literatura é humanismo, o mais puro humanismo, chegando mesmo a assemelhar-se a uma “religião sem dogmas”, expressão que usei alhures e apliquei à literatura, pela primeira vez. 

Dito isto, é importante reproduzir parte do 1º capítulo de “Quintal dos dias”, onde o escritor abre a boca, no dizer popular: “Venho da Serra, do verde do Ceará, mas meus pais e avós vieram do sertão seco. Do tempo do trabuco, da injustiça, da perseguição, de Antônio Conselheiro, aquele de Canudos, que as tropas militares massacraram. Li a História desses povos, dessas gentes. Mas li também Camões, a Bíblia, Alencar, Machado, cordel, Moreira Campos. E me pus a escrever também. Mais para relembrar aquele povo e seus descendentes. Para recriá-los. Ou mesmo criá-los, porque talvez nada exista. O que existe é a obra de arte, que é ficção. Nada é real. Quanto mais antigo mais irreal. Ninguém me conhece. Ninguém me lê. Sou marginal da literatura. Há muito deixei de sonhar com glórias e famas. Tudo isto é passageiro. O que é bom permanece. Sem precisar de muletas, fanfarras, galardões, medalhas. Sou apenas um escritor de poemas, contos e romances”.  

Falar em Nilto Maciel é falar em literatura, todo o tempo. Conheço quase todos os livros que publicou, em torno de 30 só de ficção, dos quais li os primeiros e os últimos. Houve um intermédio em que me encontrava em grande efervescência e escrevia muito mais do que lia. Destaco sua obra “Vasto abismo” (1998): - Quem escreveu um livro como esse não precisa escrever mais nada para tornar-se célebre. Mas li, também, principalmente os contos, a partir do primeiro:“Itinerário” (1974), estreia do escritor. Sobre ele, escrevi:“Recomendo-o, sobretudo aos jovens, pela concisão do estilo, poeticidade do desenvolvimento, concretude e brevidade dos exercícios ficcionais. Há surpresas de finura na linguagem, de aproveitamento máximo dos temas, de finalização – acho até que por esta última qualidade se caracterizam. Parecem, a maioria, propositalmente reduzidos ao final, talvez como impacto de estrutura, talvez como motivação poética. Fábulas, anti-histórias, crônicas do sentir e do ser, vão do alegórico ao zombeteiro, mas não descem ao anedótico, eis algumas das estratégias usadas no seu movimento de criação”.

Contista, cronista, poeta, romancista e divulgador da literatura, especialmente daqueles autores que não ganharam a “simpatia” da grande mídia - via grandes editoras – Nilto Maciel, antes de sua morte, adivinha sua imortalidade na literatura, escrevendo o livro “Como me tornei um imortal” (2013), devassando a vida de seus amigos e conhecidos e expondo-os em crônicas bem humoradas e fantásticas. “É um virtuose”.   

terça-feira, 20 de maio de 2014

Pátrias divididas


Cunha e Silva Filho

        O exemplo da Ucrânia,  com a anexação  da Crimeia à Rússia,  é mais um  exemplo  histórico de que  um pais,  um  povo  se acha dividido. O incidente  não é fortuito. Sãos múltiplos os exemplos  de separações,  por sangrentas  guerras civis,  caso  dos Estados Unidos, cujo  exemplo maior  foi a Guerra  da Secessão (1861-1865) entre  estados do Norte e do Sul.

       Por desagregações dos povos por motivos  de imperialismo  e colonização de  estados mais  belicamente poderosos, como foram  os  do Império  Romano,  senhor todo poderoso  de parte do mundo antigo, as conquistas   de  Alexandre, o Grande,  as invasões napoleônicas, a tentativa  nazi-fascista de Hitler na Segunda Guerra Mundial, cuja sequela  mais  aviltante foi  o Holocausto ainda hoje  negado  por  energúmenos  de todos os quadrantes.

       Outros ainda por  razões ideológicas, linguísticas  ou religiosas foram   fundamentos   desencadeadores  de  separações,  anexações   manu  militari, e que são  feridas  não  totalmente  cicatrizadas   a divisão  da Alemanha,  do Coreia, do Vietnam.

      No cerne de todas essas tormentas  está  mente  deformada  ou  a cupidez  dos  homens,  sempre  nos surpreendendo com   decisões que, tomadas,  vão  prejudicar  povos , nações no mundo  inteiro.

Preocupa-me, agora,  o exemplo da Crimeia, preocupa-me também  a situação político-econômica de Portugal, assim como  de algumas regiões da África, da Venezuela. Imagine-se se não fossem os organismos  de paz  e  de mediação  de que ainda  dispomos que, bem ou mal,  conseguem  algumas pequenas   vitórias  entre  nações  que  teimam  em  permanecer em   eterno  estado  de tensões ou iminências  bélicas, fratricidas ou não,  por razões  várias e sobretudo  econômicas e políticas e hegemônicas.

Como está visto,  este mal  tendente ao confronto  ou a provocações,  caso   da Coreia do Norte, parece não ter fim, assim como  outros males  internos  de nações  que, sozinhas,  não chegam  a acordos  de paz no sentido mais  geral do termo. Memso no  campo cultural, da criação  literária,  nações como  a Cuba,  China e até a Rússia atual, ainda  não vêem com bons olhos   os escritores que,  na literatura   focalizam   ângulos sociais  e condições  de vida  de seus  povos que não  se alinham  pela cartilhas   do que  o dictatat  inquisitorial  impõe  seu dedo de censura.

Ora,  a literatura  é uma  arte, a da palavra ,  que,  para ser  originalmente   criadora,  precisa de  respirar  ares  de liberdade. Por mais que alguém possa  subestimar o caráter  social ou político  de uma  obra literária,  a própria  estrutura  narrativa já embute  esse componente sem o qual  a literatura  seria  mera abstração  de um significante carente   de uma  significado.

Numa entrevista  concedida por telefone, de Nova Iorque, ao jornalista  Leonardo Cazes do Prosa  &Verso (jornal  O Globo, p. 2-3) de ontem,  19 de abril, a ensaísta americana, de  origem turca,  Elif Batuman,  especialista em literatura  russa, e ela mesma  também  ficcionista,   faz um  comentário que,  nem  por  ser assim  tão original,  é bom  de se ouvir de  um intelectual:  “A literatura  é uma forma de compreender as complexidades de um  país. É uma maneira de enxergar as suas contradições, independentemente do valor  que uma nação  dê  à literatura.”

Na mesma entrevista  a ensaísta comenta  sobre a situação política  da Rússia e da Turquia atual, sobretudo dos seus   respectivos líderes,  Putin e Erdogan, que, para ela,  são dois líderes  “controversos”,  os quais têm “em comum,” segundo ela, sedução do nacionalismo. Ainda  acrescenta  ela, os dois  são “autocráticos”,  têm apoio  popular e   alimentam  “ antigas glórias imperiais”. É, portanto, sintomático o recente episódio  de tropas  russas na  Crimeia  seguidas  de  anexação  à Rússia.

Por falar  em apoio  popular  a governos  fortes, autoritários explicita ou  implicitamente  e, ademais,  com  autoritarismos  setorizados que se alastram  por certos   governos  estaduais  e municipais, essa realidade  que se pode  perceber  até entre nós,  tem  uma dimensão de risco a uma democracia   verdadeira.

Vejo  como  oportuna   a conclusão que  o crítico  inglês  Terrry  Eagleton  faz sobre o estágio  atual  da crítica literária  e suas  aporias, tendo  por  premissa  aquele entendimento  a que aludi  acima sobre  a estrutura da  obra  literária:”A crítica moderna teve origem na luta contra o estado  absolutista; a menos  que seu futuro não se defina como uma luta  contra o estado  burguês,  seria bem  possível   que nenhum futuro para ela se vislumbre." ((The function of  criticism – from the Specator to Post-Structuralism. London: Verso Editions  and NLB,  1984, p. 124).

Uma nação nunca  foi nem tampouco seria um mar de rosa  ideologicamente falando. Nelas existem  continuamente  tensões,  internas na  estrutura  do poder  e lá fora,  entre o povo,  nas suas várias  classes sociais,  nos seus  diversos  interesses pessoais,  cada qual  parecendo  ser,  aos olhos  de um observador,   um vulcão  adormecido que,  ainda que dure  por muito tempo,  pode, um dia,   entrar em atividade.

As nações são, por conseguinte,  aparentemente  unidas, mas não o são sob condições   adversas  de conflitos  e manipulações  das forças do poder  dominante e do poder  na expectativa  de   domínio. É nessa ciranda, sob corda bamba,  que  vivem as nações precariamente.   

domingo, 18 de maio de 2014

No reino do surreal


No reino do surreal

II – BASQUETEBOL

Elmar Carvalho

tomaram-me
            tudo inclusive
            o óbolo inútil
            o bolo indigesto
            a bola murcha
            a bala de festim
            a balada calada
                           alada
            mas sem voo
mas ainda me sobrou
            cabeça para arrancá-la
            e enfiá-la
            na cesta       

sábado, 17 de maio de 2014

Em Família


Em Família

José Maria Vasconcelos
Cronista, josemaria001@hotmail.com
         
          Grupo de casais do Bairro São João reúne-se para estudos e debates sobre formação cristã.   Frequentemente, sou convidado a participar do prazeroso encontro e contribuído no debate. Desta vez, o questionário da reunião focava o tema família. Triviais perguntas que sabemos de cor, cujas respostas nem sempre análogas às de qualquer casal. O que parece trivial e harmônico para uns, caracteriza motivo de conflitos, separação ou tragédia para outros.
          Numa época de intensa valorização profissional e vocação empreendedora, investe-se dinheiro e tempo em cursos de capacitação, estratégias, conhecimento do mercado, seleção de clientes, incentivos, gestão, metas e objetivos. Cobra-se bastante prudência ao escolher uma profissão ou criar uma empresa. Qualquer tropeço acarreta prejuízos e inconsequências pelo resto da vida.
          A constituição de uma família exige também especiais cuidados, análogos aos do mundo de negócios e profissões. Com bastante antecedência, é preciso planejar a futura família. Averiguar metas e objetivos, ideais e vocação. Tudo começa ainda no período de namoro, analisando todos os aspectos de caráter, cultura, relações familiares, equilíbrio emocional, condutas, distúrbios de saúde, formação profissional e filosófica de cada lado.
          A experiência sexual precoce quase sempre resvala para desenfreada paixão, seguida de frieza emocional ou conflitos. Questões como sexo, posição social e econômica não podem estabelecer só como ponto de partida no amadurecimento amoroso. É na família que se determina a maior parte do que será alguém no futuro.
       Tem-se, nos últimos tempos, afrontado a família explorando somente infortúnios e desvios de conduta, especialmente nas novelas. Prevalece o enredo envolvendo famílias e casais desajustados, abutres farejando podridão. Nenhum exemplo serve de imitação. Ainda inventam títulos mascarados de candura: Em Família; Laços de Família. O escritor Víctor Hugo definiu a preferência pelo desgaste da família: “Toda doutrina que visa destruir a família é má. Quando se decompõe uma sociedade, o que se acha como resíduo final não é o indivíduo, mas, sim, a família”. A classe artística, em geral, não serve de exemplo de família feliz.
          Interesses humanos inventaram o acasalamento cartorial e jurídico; o casamento, porém, tem origem remota na Criação, é patrimônio divino, só Deus segura. Quem quiser receber as bênçãos de um casamento e família felizes, deve exercitar algumas orientações cristãs: Vida espiritual no lar. As crianças precisam crescer acompanhando os pais e irmãos mais velhos no bom exemplo de virtudes cristãs e vida de igreja. O lar exige ambiente de disciplina, limites, simplicidade no uso do dinheiro, prudência no excesso de prosperidade e conforto, valorizando sempre o esforço e mérito. Despojar-se de picuinhas, intrigas, ódio, inveja, preguiça, palavrões, programas eletrônicos imorais, certas novelas, espetáculos e shows de imundices musicais. Fidelidade aos princípios e mandamentos divinos. Exemplos de convivência saudável, diálogos, humildade, tolerância sem agressividade verbal.
          A empresa prospera quando se praticam regras de convivência com funcionários e clientes, além de outros cuidados. Que tal começar, hoje, a família que se deseja construir? Uma reunião de casais até que serve de prazerosa terapia.      

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Memorial do Ouro: lançamento em Teresina


O Portal Entretextos e a Livraria Entrelivros convidam para o lançamento de Memorial do Ouro, romance de Gilberto de Abreu Sodré Carvalho, dia 23, a partir das 19h, na Livraria Entrelivros, em Teresina. O livro marca a estreia na ficção de autor já experiente com a palavra escrita em livros de direito empresarial, de gestão, história social e genealogia.


No Piauí, além de lançar Memorial do Ouro, o autor cumpre agenda de palestras em Teresina e Campo Maior e visita o berço de suas raízes familiares, as cidades de Barras e Cabeceiras.

Fonte: Portal Entretextos

quinta-feira, 15 de maio de 2014

OBRAS INACABADAS E UM DOS MEUS AVOENGOS


15 de maio   Diário Incontínuo

OBRAS INACABADAS E UM DOS MEUS AVOENGOS

Elmar Carvalho

Estive na casa do velho amigo Antenor Rêgo Filho para receber de suas mãos o livro Obras Inacabadas, da autoria de nosso parente Francisco de Assis Carvalho, cujo exemplar ele gentilmente me conseguira. Devo dizer que já admirava sua residência e suas árvores à distância, mais precisamente do posto de combustível em que ia abastecer o meu carro, que lhe fica ao lado.

Logo ao chegar recolhi vários frutos do enorme jatobazeiro, que sombreia a casa e o seu jardim, com a intensão de reproduzir essa frondosa árvore em nosso sítio da Várzea do Simão, situado às margens do Parnaíba, no município de Buriti dos Lopes, perto do limite com Parnaíba. O solar do Tena é amplo e alto; algumas de suas partes, por recomendação estética do arquiteto, foram construídas em espessa parede dupla.


Ficamos a conversar em seu aconchegante alpendre, rodeado pelas árvores, que nos transmitem a ilusão de estarmos em um sítio campestre. Falamos sobre vários amigos e conhecidos, sobretudo barrenses, muitos dos quais já falecidos. Quando estava prestes a deixar o casarão do amigo Antenor, encontrei, em cima do cimento, quase prensado entre um jarro e o muro, em local de pouca luminosidade, um jatobá cuja plantinha tenra, na verdade apenas um broto, rebentara milagrosamente da dura casca do fruto, conquanto todas as circunstâncias lhe fossem adversas.

Segundo informações contidas no próprio livro, Assis Carvalho vinha escrevendo essa obra memorialística de forma discreta, quase sigilosa, sem nenhuma pretensão literária, quando foi colhido pela “indesejada das gentes”, deixando-a inconclusa; eis a explicação do título. Talvez por esse motivo ou talvez mais provavelmente por modéstia, pouco falou de si mesmo, de sua vida, de sua trajetória profissional, preferindo falar de seus avós paternos e maternos, de seus pais, de seus tios e de seus irmãos. Para suprir essa lacuna, o médico Sebastião Aécio de Carvalho, seu irmão mais novo, discorreu sobre sua vida e personalidade. O livro enfeixa ainda vários depoimentos de filhos e netos do seu saudoso autor.

Seus avós paternos foram João Antônio de Carvalho e Auta Fernandes Pereira, e os maternos se chamavam João Bartolomeu de Carvalho e Ana Rosa da Silva (Dondom). Era filho de João Fernandes de Carvalho e Maria Carvalho, conhecida como Marocas. Este casal, além de Assis, teve os seguintes filhos: Maria Judite, João Berchmans, Maria do Rosário, José dos Santos (Bilé), Geraldo Majella, Lázaro e Sebastião Aécio. Todos já faleceram, com exceção do caçula Sebastião.

Segundo meu pai, nosso parentesco com essa família era através de João Antônio de Carvalho, proprietário da fazenda Santinho, localizada perto da cidade de Barras. Contudo, o nome do avô materno do autor – João Bartolomeu de Carvalho – não me pareceu estranho. Ao contrário, me pareceu familiar. Fui conferir essa impressão em meu pequeno trabalho “Breve Notícia Familiar” e nos livros “Ruas, Avenidas e Praças de Piripiri” e “Ponta-de-Rama”, do primo Fabiano Melo.

Desse cotejo, confirmei que meu trisavô, por parte de mãe, tinha o nome de João Bartolomeu de Carvalho. Restava-me a dúvida sobre se seria a mesma pessoa, ou se se tratava de caso de homônimos. No livro de Assis Carvalho, as informações sobre esse nosso avoengo eram escassas e um tanto vagas. Consta nessa obra que ele seria natural da região de Granja – CE, e que se casou “com Ana Rosa da Silva (Dondom) lá pelos idos de 1894”, e que essa união durara pouco tempo, porquanto ele falecera em dezembro de 1897. Fabiano Melo, em seu livro Ponta-de-Rama (edição de 1990), afirma que ele seria piauiense.

Em “Obras Inacabadas” consta ainda a informação de que a historiadora Judite Santana, em suas pesquisas históricas, teria encontrado o registro de que ele seria um dos signatários da ata de instalação da vila de Piripiri, fato ocorrido em 18 de setembro de 1874. Em seu livro Piripiri (edição de 1972), às páginas 24/25, essa historiadora transcreve o auto de inauguração da nova vila, no qual consta que fora assinado pelo Juiz de Direito, pelo escrivão e “mais pessoas gradas desta localidade que compareceram a este ato solene de inauguração da vila”. A povoação fora elevada a essa categoria através da Lei Provincial nº 849, de 16 de junho de 1874.

João Bartolomeu se casou com Mariana Rosa de Carvalho, minha trisavó, em data que desconheço. Em 2 de outubro de 1880 a filha deste casal, Antônia Quitéria de Carvalho, contraiu núpcias com Horácio Luiz de Melo. Tomando-se por base o ano de casamento de sua filha, e considerando-se que ela teria pelo menos quinze anos na época, é fora de dúvida que ele já era casado, em primeira núpcias, em 1865. Fica claro desse conjunto de informações e documentos, que se harmonizam, já que não se contradizem e nem se excluem, que suas atividades na região de Piripiri e Piracuruca começaram bem antes do seu casamento em Barras, ocorrido em 1894, conforme já consta neste registro.

Após todo esse cotejo de informações, fundamentadas em documentos ou não, me é lícito inferir que se trata de um único e mesmo João Bartolomeu. Sem dúvida, ele se tornara viúvo do primeiro casamento, e convolou segundo matrimônio em Barras, talvez já um tanto idoso ou maduro, tanto que faleceu três anos após.


Esclareço, por fim, que fiz este registro apenas como uma modesta contribuição à genealogia piauiense. Quanto ao jatobá, do qual falei no início desta crônica, espero que dê inúmeros e bons frutos, como muitos dos Carvalhos aqui referidos o fizeram.