domingo, 31 de maio de 2015

Insônia


INSÔNIA

Elmar Carvalho

No silêncio abissal
da noite estagnada
a engrenagem pesada
do tempo se desenrola
e desaba sobre mim.

As botas cadenciadas
das horas marcham
- lentas lesmas –
marcham infinitamente
na noite sem fim...   

sábado, 30 de maio de 2015

Agesilau Pereira da Silva

Foto antiga de Campo Maior. Fonte: blog Bitorocara

Agesilau Pereira da Silva

Reginaldo Miranda
Da Academia Piauiense de Letras

Foi um advogado, político, jornalista e agropecuarista brasileiro. Nasceu em 1843, na cidade de Oeiras, então capital da província do Piauí, filho do coronel Raimundo Pereira da Silva(1793 – 1848), abastado fazendeiro, político e militar que destacou-se na luta de repressão à Balaiada no sul do Piauí e Maranhão. Pelo costado paterno era neto do coronel Antônio Pereira da Silva, ouvidor-geral e membro de uma junta governativa do Piauí, e de sua esposa Ana Pulcheria do Monte Serrate Castelo Branco, todos oriundos de velhos troncos familiares do Piauí.
Ainda muito cedo mudou-se para a vila de Valença, onde viveu a sua infância e aprendeu as primeiras letras.
Infelizmente, aos cinco anos de idade perde o pai, que fora assassinado por escravos de uma de suas fazendas.
Não tardou a mudar-se para o Recife, matriculando-se na Faculdade de Direito, onde se encontravam dois irmãos mais velhos, recebendo o grau de bacharel em 1868.
De regresso ao Piauí, fixou residência em Teresina, iniciando-se na advocacia, no jornalismo e na política, filiando-se ao Partido Conservador. Para defender suas ideias fundou, em 1870, juntamente com Antônio Gentil de Sousa Mendes, o jornal A Pátria, que circulou por dois anos. Colaborou em outros periódicos, onde deixou alguns trabalhos esparsos.
Foi nomeado promotor público da comarca de Amarante e procurador da Tesouraria da Fazenda. Em 13 de janeiro de 1874, assume interinamente o cargo de chefe de polícia do Piauí, havendo-se “com inteligência e atividade”, no dizer do presidente da província, até 8 de abril do mesmo ano, quando pediu dispensa para tomar assento na câmara.
Foi eleito deputado geral pelo Piauí, destacando-se na atividade parlamentar.
Publicou Discursos pronunciados na Assembleia Geral, como fruto de sua atividade parlamentar, e Razões, tese defendida na atividade advocatícia, sustentando a responsabilidade civil do Estado do Amazonas pelos danos causados por seus funcionários em caso específico.
Em 1877 foi nomeado presidente da província do Amazonas, tomando posse em 26 de maio e permanecendo até 14 de fevereiro de 1878, por pouco mais de oito meses. Em tão exíguo espaço de tempo não pôde realizar muita coisa. Entretanto, alterou a força da Guarda Policial, aumentando o efetivo para 99 homens, entre estes cinco oficiais, e reformou o Regulamento, consoante a Lei n.º 370/187.
Concluída sua gestão administrativa, o bacharel Agesilau Pereira da Silva retorna ao Piauí, fixando residência na cidade de Campo Maior, onde vive de atividades agropecuárias e tenta retornar, sem sucesso, ao parlamento nacional. Deixou, porém, descendência no Amazonas, entre as quais duas filhas: Rosa Pereira da Silva, que foi casada com Solon Pinheiro, advogado e político cearense radicado em Manaus, onde faleceu em 24.09.1917, deixando cinco filhos; e Maria Adelaide da Silva, esposa do comendador Joaquim Gonçalves de Araújo(Póvoa do Varzim, Portugal, 14.02.1860 – Manaus, 21.03.1940), mais conhecido por J. G. Araújo, líder empresarial com forte atuação no comércio varejista, capitão de indústria, atuando no setor de processamento de borracha e castanha, latifundiário e grande fazendeiro, cidadão benemérito e patrono de causas sociais no Amazonas.
Faleceu o doutor Agesilau Pereira da Silva, vítima de angina pectoris, em abril de 1913, na cidade de Campo Maior, com 70 anos de idade. Deixou de si uma memória honrada.      

quinta-feira, 28 de maio de 2015

MIGUEL ARCÂNGELO (*)


MIGUEL ARCÂNGELO (*)

Itamar Abreu Costa
Médico, poeta e escritor

I

O Médico o recebeu com alegria
Querendo explorar a sua sabedoria
Aquele Senhor lúcido, com sua bengala
Para lhe dar garantia nas sábias passadas.

II

A história com requinte de saudade:
Walmira e Miguel, amigos do passado
Nos correios e telégrafos trabalharam
Noticias, boas, outras tristes informaram.

III

Vida que segue. Agora o filho e o genro
Elmar e Itamar, empunhando a espada
Do desejo de em Campo Maior resgatar.

IV

Sua história, seus casarios, seu passado
Transformar o velho cemitério, em ponto
De cultura. A Serra Azul com turismo avançado.

(*) Obrigado, Dr. Itamar, por essa homenagem a meu pai. (Elmar)

REVISITANDO A VELHA CASA (I)



28 de maio   Diário Incontínuo

REVISITANDO A VELHA CASA (I)

Elmar Carvalho

Ainda nos meus primeiros anos de fiscal da extinta SUNAB, adquiri, no final de 1984 ou início de 1985, uma casa no conjunto residencial Memorare, no bairro de igual nome, a seis quilômetros do centro de Teresina. Na época a Rua Castelo do Piauí ainda era de terra nua, e na época das chuvas havia um trecho alagadiço. Minha rua era muito pequena, e tinha somente cinco casas, todas desse residencial. Era pequena, mas tinha um nome grande; chamava-se Dr. Alboíno Alves de Meneses. Era apenas, na verdade, um beco, do tamanho de um quarteirão.

 Para o lado esquerdo havia um enorme terreno, dentro do qual havia a casa do morador e vigia, e um campo de futebol, no qual nunca joguei. Na frente, existia outro terreno baldio, onde posteriormente, no governo Freitas Neto, foi construído o Escolão Professor James Azevedo. Cada casa do conjunto tinha a fachada com leves diferenças, inclusive quanto à cor. Todas tinham uma varanda e uma mureta na parte frontal. Depois, todas foram reformadas pelos proprietários, e a mureta alteada, de modo a se transformar em muro.

Antes da reforma e da construção do colégio, de seu alpendre eu gostava de contemplar as árvores do terreno baldio e a pequena e exuberante floresta do convento Memorare, das irmãs Catarina de Sena, que administravam o tradicional Colégio das Irmãs, situado na Avenida Frei Serafim, no qual estudaram meus filhos. Desse meu posto de observação eu via as torres gêmeas da bela igreja de N. S. da Vitória, surgindo por detrás das folhagens e do outeiro, sobre o qual fora construído o lindo convento que lhe ficava contíguo, com suas longas e largas varandas.

Do meu alpendre eu via umas bananeiras e umas casas, que escalavam o morro. Ao vento, as grandes folhas tremulavam e me pareciam acenar, como grandes flâmulas de esmeralda farfalhando ao vento. Dali eu contemplava as nuvens e as chuvas. Sentia a natureza e lhe contemplava o belo cenário, pontilhado de intervenções humanas. Escrevi alguns poemas sobre o que eu via. Alguns se perderam, seja por negligência, seja porque não os considerei dignos de publicação. Mas é certo que os escrevi em momento de emoção e embevecimento.


Fui morar no residencial Memorare no começo de 1985. Tinha 29 anos de idade, e ainda era solteiro. Foi morar comigo meu irmão Antônio José, que permaneceu na casa até o seu casamento. Eram meus vizinhos de rua o Batista Vasconcelos, funcionário da Cepisa, o professor Marcos Augusto Moreira Oliveira, Valter Matão, servidor do Banco do Brasil, e o empresário Francisco Carlos. Todos foram bons vizinhos dos quais não tenho nenhuma queixa. O Marcos já partiu para o reino infinito e o Chico Carlos foi morar em outro bairro. Nossos filhos, muitos nascidos nessa época, foram amigos e nunca houve desavenças entre eles; pelo menos, se houve, delas não guardo lembrança. 

quarta-feira, 27 de maio de 2015

Fernando di Castro & Fernando Pessoa

Pontapé inicial da construção da piscina: a imaginação do chargista Fernando di Castro e o sonho do poeta Elmar Carvalho

"Deus quer, o homem sonha e a obra nasce."


Fernando Pessoa

segunda-feira, 25 de maio de 2015

Posse de Dom Juarez no IHGPI

C O N V I T E

O presidente do Instituto Histórico e Geográfico Piauiense (IHGPI), convida para a palestra de ingresso do sócio D. Juarez Sousa da Silva, bispo de Oeiras, sob o título “A criação do bispado do Piauí”, a ter lugar no auditório Monsenhor Mateus, Centro Pastoral Paulo VI, s. av. Frei Serafim, nº 3200, nesta Capital, dia 28 de maio, às 19 horas. No aguardo.

Antonio Fonseca dos Santos Neto
Presidente

domingo, 24 de maio de 2015

Seleta Piauiense - Ovídio Saraiva


SONETO XLIII

Ovídio Saraiva (1787 – 1852)

Eis o templo de Amor: Amor se assenta
Num rubro trono; nos degraus sangrentos
Sobre mil corações, já sem alentos.
Seu tirano poder de bronze ostenta.

Magro ciúme rábido atormenta
Vivas entranhas com fatais tormentos;
A suspeita infernal, surda a lamentos,
Males, e males mais cruéis inventa.

De sangue rios mil cortam o Templo,
São mais os ais, são mais gemidos, brados,
Que as areias do mar, do Céu que estrelas.

Oh! feliz, Inocência, eu te contemplo:
Mísero amante, vê aqui teus fados;
Eis o templo de Amor, do Deus, que anelas.

Fonte: portal Poetas do Piauí

quinta-feira, 21 de maio de 2015

CELSO BARROS – TEMPO E MEMÓRIAS POLÍTICAS



21 de maio   Diário Incontínuo

CELSO BARROS – TEMPO E MEMÓRIAS POLÍTICAS

Elmar Carvalho

Não pude comparecer à solenidade de lançamento do livro Política – Tempo e Memória, da autoria de Celso Barros Coelho, ocorrida no dia 8 de maio, a partir das 19:30 horas, como muito gostaria, em virtude de que na mesma data e horário foi lançado o meu livro Confissões de um juiz, em Parnaíba, em evento organizado pelo SESC-PI, ao qual sou grato. Soube, no entanto, que foi uma grandiosa festa literária, abrilhantada pelos discursos do autor da obra, do jornalista e escritor Zózimo Tavares e do empresário e ex-deputado federal Jesus Elias Tajra. Os dois últimos fizeram a apresentação e o prefácio, que ornam e enriquecem essas notáveis memórias.

Conheço o Dr. Celso desde o meado da década de 1980, quando eu exercia o cargo de fiscal da extinta Sunab, que funcionava no prédio da Delegacia do Ministério da Fazenda, e, portanto, ficava perto de seu escritório, que na época era instalado em prédio situado na rua Álvaro Mendes, por detrás das Lojas Pernambucanas. Depois amiudamos nossa amizade e convivência, quando passei a integrar os quadros da Academia Piauiense de Letras, a partir do dia 19 de novembro de 2008. Foi ele quem nela me recebeu com belíssimo discurso, enfeixado no opúsculo A casa no tempo, de nossa autoria, minha e dele.

Em 19 de maio de 2006, na mesma solenidade em que recebi o honroso título de Cidadão Parnaibano, através de projeto de autoria do vereador João Batista Veras, então presidente da Augusta Câmara Municipal de Parnaíba, lancei o meu livro Lira dos Cinqüentanos, comemorativo, como o nome indica, de meu meio século de vida, cujo discurso de apresentação foi proferido por Celso Barros Coelho, a meu ver o maior orador vivo e o melhor que já conheci, em todos os aspectos, inclusive, voz, entonação, postura e conteúdo. Infelizmente, essa cintilante peça da retórica literária piauiense terminou se perdendo no meio dos papéis de seu autor, o que até hoje lastimo. Almejo que algum dia ela venha a ser encontrada, e assim possa ser publicada.

Ao retornar de Parnaíba, logo na segunda-feira, dia 11, pela manhã, tratei de ir ao escritório do Dr. Celso para adquirir o seu livro. Portanto, no corrente ano, já foram entregues ao público piauiense três livros de memórias: o dele, o do romancista, contista e advogado Ribamar Garcia, titulado “E depois, o trem”, e o deste cronista. Sem a menor sombra de dúvida, os dois primeiros são obras da mais alta relevância literária, e podem ser colocados entre os melhores desse gênero.

Política – Tempo e Memória, além de narrar os principais fatos e atos de sua rica trajetória política, também termina por expor outros episódios notáveis ou interessantes de sua vida, alguns remontando à sua meninice e juventude. Além de ter muito que contar, soube fazê-lo em diamantino e lapidar estilo, de frases elegantes, contudo concisas e claras, em que a beleza muitas vezes se reveste de genuína simplicidade.

O livro me revelou o que eu já aquilatava de sua personalidade, através de nossas conversas e da leitura de outros textos de sua lavra. Transparecem em suas páginas a ética e a cidadania do memorialista. Mesmo diante de perseguições e percalços, manteve a sua coerência e os seus princípios morais, sem se curvar às injunções circunstanciais da baixa política e sem lançar mão de oportunismos, que o momento ditatorial poderia ensejar ou suscitar.

Eventualmente traído por correligionários e “amigos”, que fraquejaram nos primeiros acenos da adversidade, optou por não conspurcar o seu mandato de deputado estadual, preferindo vê-lo cassado no dia 8 de maio de 1964, a ver manchada a sua biografia de homem público e de cidadão. Preferiu manter-se fiel a si mesmo e ao seu ideário de democracia e de liberdade, e à sua opção pelos mais pobres e mais humildes.

Em seus dois mandatos de deputado federal, que veio a exercer, participou de várias e importantes comissões, sobretudo as que tratavam de assuntos jurídicos e culturais. Teve a oportunidade de prestar relevantes serviços à legislação pátria, na condição de relator de importantes projetos, que se converteram em paradigmáticos diplomas legais, que lhe imortalizaram como jurista e legislador. Mesmo não tendo sido parlamentar constituinte, prestou notável contribuição à Constituição Federal de 1988, através de participação nos debates de convocação da Constituinte.

Em suas memórias, elucida e ilumina fatos e atos (e até mesmo omissões), da história do Piauí, sobretudo do início da década de 1960 a esta parte. Conquanto de forma sintética, delineia os perfis de importantes figuras políticas do Brasil e do nosso estado, registrando-lhes não apenas fatos e dados biográficos, mas traçando-lhes o retrato espiritual, fixando-lhes as ideias e virtudes, e eventualmente as fraquezas, ainda que circunstanciais ou momentâneas. Alguns desses perfis são antológicos, pela emoção e pela beleza que transmitem, pela captação do momento solar dessas personalidades.

Celso Barros Coelho poderia ter mantido o seu mandato de deputado estadual, injustamente cassado pela ditadura militar. Acenaram-lhe com essa possibilidade. Mas, como dito, ele preferiu não corromper o seu mandato. Optou por ser um legítimo "ficha limpa", guardião da democracia, da liberdade e da cidadania. Não vendeu os correligionários, e nem tampouco se vendeu. Não expôs o seu mandato, que lhe foi outorgado pelo povo, em balcões de negócios espúrios.

Teve a “loucura” de se manter fiel a si mesmo e a seu ideário político e humanista. Buscou a grandeza da Política com P maiúsculo, e não as bijuterias, benesses e ouropéis da politicanalhice, sabedor, como o poeta Fernando Pessoa, de que “Sem a loucura que é o homem / Mais que a besta sadia, / Cadáver adiado que procria?”   

terça-feira, 19 de maio de 2015

Lançamento de livros na APL


A Academia Piauiense de Letras tem o prazer de convidar V. Exa. e distinta família para o lançamento dos seguintes livros: Da Terra Simples, nº 24 – 2ª edição, de Álvaro Ferreira; À Toa – Aspectos Piauienses, nº 26 – 2ª edição, de João Pinheiro, e Estudos Piauienses, nº 42 – 2ª edição, de Agenor Augusto de Miranda, todos da Coleção Centenário.


Nelson Nery Costa
Presidente



Data: 23 de maio de 2015
Horário: 10hs9h 30
Local: Sede da Academia Piauiense de Letras (Auditório Acad. Wilson de Andrade Brandão)
Av. Miguel Rosa, 3300/S – Fone/ Fax :(86)  3221 1566–   CEP.: 64001-490  –  Teresina-PI   

Engajados, alienados, ludibriados


Engajados, alienados, ludibriados

José Maria Vasconcelos
Cronista, josemaria001@hotmail.com

             A canção de Chico Buarque, crítico da ditadura militar, parece se repetir nas atuais circunstâncias que apavoram a população: “A gente vai contra a corrente/ até não poder resistir/ Na volta do barco é que sente/ o quanto deixou de cumprir”. Bem que a geração atual se engajasse em heroica luta contra políticos que ludibriam cidadãos. Discursos para engabelar a população sem consciência crítica, com mixurucas promessas e bolsas de sobrevivência, miséria e alienação.

         A empulhação virou pasta de governo: na hora de negociar reajustes de salários, bota a culpa na Lei de Responsabilidade Fiscal. Paradoxal e cretinamente, multiplica cargos de confiança e secretarias para acomodar gentilezas políticas. Ademais, governador dobra próprio salário, confortado, às expensas do erário público até para assepsiar-se no banheiro.  Na virada do ano, deputados sentaram-se gulosos nos custos de gabinete. A política da retórica esfarrapada de disfarce e interesses pessoais. Deputado Robert Rios, acostumado a petardos de ocasião, declarou à coluna EM TEMPO, do Diário do Povo, a propósito da farra de dinheiro  que o governo do Piauí gastará com a convocação de suplentes de deputados: “O que se gasta com esses suplentes daria para pagar salários a 1.500 soldados”.

         Na época de ouro da rádio AM, Deoclécio Dantas, da Pioneira, esculachava a malandragem política. Encerrava sempre a amalaguetada crítica com um soco na mesa, dirigindo-se ao controlador de som com memorável bordão: “É uma lástima, Chico Paulo”. Outro jornalista, Donnizeti Adalto, anos 90 da modernidade televisa, bombardeava a sujeira moral da elite: “Morro e não vejo tudo!” Foi assassinado pela verborreia e discutida ética profissional. O certo é que, daqueles anos para cá, outro bordão foi plantado por palhaço cearense, Tiririca, em campanha eleitoral para deputado federal de São Paulo: “Do jeito que está, pior não fica”. Pior é que ficou, porque se elegem políticos com certificado de palhaço e malandragem.

          A Rádio CBN informa que o Brasil se encontra atrás de 60 países no desempenho da Educação. A TV Globo repetiu a notícia. Em primeiríssimos lugares, vários países do Oriente. Exatamente aqueles que não se divertem com dinheiro público, que executam corruptos e traficantes, que investem maciçamente em educação e saúde. Botaram para trás Alemanha, Inglaterra e civilizado norte da Europa. Estados Unidos, tadinho, quase 40 países na frente. Brasil piscando o olho para o Gamão, em última colocação.

         Neste exato momento, nos corredores de hospitais, imundos e fétidos, misturam-se crianças, velhinhos e senhoras prenhes, desesperados, feridos, sangrando, feridas putrefando. Horror que se repete, diariamente, que só catástrofes de Nepal. Neste instante, colégios sem professores e merenda escolar. Cadê o dinheiro que botaram aqui? Gatunos roubaram, tingiram a face de Cristo a bofetadas e espinhos. Ecoa ainda o clamor do poeta da escravidão: “Senhor Deus dos desgraçados! Dizei-me vós, Senhor Deus, se é mentira, se é verdade tanto horror perante os céus?!”

         Servidores públicos em greve cobram mais respeito à Educação e Saúde de melhores salários. O governador, que, no passado, ocupava programas sindicais das rádios e protestava frente a bancos e escolas, manda dizer que a Lei de Responsabilidade Fiscal proíbe excesso de gastos. Pelo que se sabe, excesso de gastos e malandragens não constam da pauta dos abnegados e despojados funcionários. Então, quem merece borrachadas policiais? É hora, portanto, de engajamento, de cutucar o poder, repetir a canção: “A gente vai contra a corrente...”   

Nasceu o Homem


Nasceu o Homem 


Hélio Soares Pereira

  
Nasceu o homem

para se encontrar com o pai

banhar-se de vida

sacudir a poeira

seguir



E longe do espelho

espelhar-se



Nasceu o homem

para sair do berço

caminhar sobre a terra

sobre o mar

parir o amor

de tanto amar



Nasceu o homem feito aço

feito cristal

feito sol

mormaço



Nasceu o homem

para ser o arco da flecha certeira



Nasceu o homem

para correr nas veias do mundo

no coração do ser



Nasceu o homem

para reconduzir o barco errante

do seu coração      

segunda-feira, 18 de maio de 2015

A FASE AURÍFERA DE CAMPO MAIOR


A FASE AURÍFERA DE CAMPO MAIOR

Jacob Fortes

A um forasteiro passante pelo município de Campo Maior, PI, chamam-lhe a atenção as inumeráveis carnaubeiras verdejantes que se erguem, altaneiras, por todas as planícies do município, cujas folhas semicirculares — movidas pela aragem morna do sertão, — tremulam como querendo refrescar a quentura do sol fulgente que, por pouco, não faz arder os miolos da copa. Sequer imagina o viageiro que a carnaubeira constitui o símbolo vivo do maior garimpo vegetal que se verificou no estado do Piauí: a cera da carnaúba. Esse garimpo — privativo de poucos e ambicionado por muitos, — que fazia a alegria de meia dúzia de afortunados oligárquicos, fora cascavilhado durante décadas, por mão de obra que laborava exclusivamente em períodos queimosos quando a presença da luz natural era circunstância indispensável a todas as fases da cadeia produtiva do garimpo. Garimpo bamburrado por mãos tão ricas de calos quanto de ignorância, tão submissas quanto obsequiosas. Porém, quis o destino, agenciador de venturas e desventuras, que essas minas verdes, tomassem rumo reverso: foram do fastígio à decadência, da cumeada ao sopé. Os principais compradores do ouro vegetal, Estados Unidos, Alemanha e Japão, encontraram, para desgosto de Colombo, a fórmula de “botar o ovo em pé”: acabaram por encontrar no sintético o substitutivo, ideal e barato, da cera campomaiorense, circunstância que a tornou dispensável e, concausa, lhe aviltou o preço. Isso fez secar o manancial da irmandade diamantista que, com suas botijas repletas, se repoltreavam em vida de regalo enquanto os cavouqueiros se enfastiavam de mingau ralo. Deixo de dar realce às inumeráveis aplicações da cera para não embaçar o foco do tema: a venturosa página econômica que marcou o município de campo maior.

Outro componente dessa destacada página refere-se à criação de gado vacum, monopólio também dos barões da cera. Nesse município, inspiração das gerais e influxo da presença de bandeirantes como Domingos Jorge Velho e Domingos Afonso Mafrense, formou-se, no esmorecer do século 17 para a antemanhã do século 18, extensa zona de criação de gado. Zona, diga-se, favorecida por um solo recamado de pastagens naturais e que, de brinde, assegurava a gratuidade do sal. O cloreto de sódio, necessário ao metabolismo dos animais, grassava nos barreiros salsuginosos dos tabuleiros. Desses dois componentes, extrativismo e pecuária, eram feitos os primorosos réditos dos seletos ricos que não se descuidavam em celebrar toda essa prosperidade, ora por meio de festas, em clube exclusivo, regadas a vinhos especiais importados de além-mar, ora em jantares lautos onde tomavam parte convivas de igual prestígio. Tudo pôde essa riqueza; se prestou a tudo, inclusive a generosas oblações ao Santo Padroeiro, exceto para alfabetizar, sequer, o filho de um vaqueiro, de um agregado, de um caboclo, aos quais, no entanto, facultavam o pleno direito de sonhar e ambicionar, desde que até o limite das suas sobrevivências.

Dessa gloriosa página (para o latifúndio) deflui dois sentimentos: o orgulho do chão que, em messe, fez medrar a riqueza do extrativismo e do gado; o desgosto em constatar que sobre esse passado esplêndido, desprovido de olhar social, pesa a dívida de não ter podido praticar ações libertadoras. Enxergou apenas adjutórios de bucho, procedimento comum ao latifúndio que, do alto da sua cavalgadura, arreada e ajaezada, mais das vezes se compraz em contemplar os que, arriados pelo sojigar da canga, não podem se libertar, apenas servir.

Ingloriamente sobrevive a cera, a preços modicíssimos. O chão, por se haver sedento — exposto à existência fugitiva das estações chuvosas — impropriou-se à vida pastoril; rareou-se o boi do Piauí! Nem “vaca estrela, nem boi fubá”, nem boi da cara preta, nem boi- bumbá. O vaqueiro desselou o cavalo, pôs um capacete na cabeça e montou na moto. Os caminhos onde havia o poeirão das boiadas foram envernizados; à fisionomia de cobras pretas sinuosas transmutaram-se. Mas se não tem boi do lado de lá, fiquemos cá com as moedas de ouro branco que timbram as pastarias das terras de Cora Coralina.   

domingo, 17 de maio de 2015

Juiz confesso. E ajuizado


Juiz confesso. E ajuizado

Fonseca Neto*

Um juiz na ordem social fluente é sujeito de sérias atribuições. E não é difícil supor que o é, idem, de diversas tribulações. Porque este mundo velhaco, e nele o Piauí, tem muita treita e “nós pelas costas” para destrinchar.

Pois agora está circulando em livro as confissões de um juiz de nossas justiças, e pela matéria que traz, ficamos sabendo de suas andanças, trinchados e sentenças.

Há muitos juízes que escrevem –aliás, o rompante sentenciatório tem o rito escritural... Todavia, o confesso de que se trata, cultiva o trato das letras porque sabe poetar e tem gosto em fazer as leituras do mundo em fina prosa.

Refiro-me aqui à obra memorial “Confissões de um juiz”, que um deles, Elmar Carvalho, compartilha com sua gente, dizendo de sua vida, e das trilhas reais e imaginárias dos trânsitos de sua pele, ofício e alma. Diz das sendas trilhadas e do que ficou às margens desses caminhos enquanto recolhas proveitosas de sua faina, andante.

Quanto a mim, conhecido dele, de décadas, que dizer das minhas próprias recolhas de leitor?

Digo que o livro vem caprichosamente articulado numa parte central, da qual auferiu o título da obra, “Confissões de um juiz”, seguida de outra, que chama de “Memórias afins”. E também as “Memórias afetivas”, além da “Fotográfica”. Anexou depoimentos de amigos.

Nas “confissões”, propriamente, apesar do frisson que sugere, é só o garoto campomaioral apresentando um balanço de sua judicatura e das fruições que esse múnus de servir propiciou pelas ambiências comarqueiras onde judicou. Sim, são confissões, confessáveis, de um juiz, ajuizado. (Ele até confessou, no “cisco” da APL, que há confissão de juiz, alhures, “sem juízo”...). 

Carvalho é de Campo Maior e esta póvoa das vazantes rasas habita sua alma; governa seus juizados. Viajam com ele as curvas da serrania azulada que emoldura a paisagem dessa aldeia;serras cujas erosões fazem dele, incontinuamente – fazem de mim também, – um cativo da poética-eva. Com efeito vulcânico, essas impulsões em lavas, conduziram o juiz a diversas comarcas do Piauí, inclusive à mãe de todas, da Mocha-Oeiras. Piracuruca, Socorro (“minha mítica Macondo”), Inhuma, S. Pedro, Curimatá, Ribeiro Gonçalves, Capitão de Campos, Regeneração.

Lugares de serviço público do juiz Elmar, de todas elas, em vária medida, ele cativou os jurisdicionados, e por eles foi cativado, porque na esfera da Justiça – a Repartição –, estava o titular da magistratura, mas na cabeça e alma do juiz, movia-se uma fábrica de sensações tendentes a capturar o entorno, holística e poeticamente, assim a paisagem, gente na paisagem, passarada, brisas, chuvaradas.

Vejo em “Confissões” o livro de um homem bom, e suas circunstâncias. Um piauiense do norte, norteando a vida por princípios elevados. Da sua experiência como togado no interior (e mesmo na cabeça da corte), registra que enfrentou casos intrincados. Muitos,ao nível das idiossincrasias de aldeões vivendo as tricas de relações sociais primárias e que um genuíno juiz é o referente da solução justa. Por injunção de certo espírito moleque, creio que quase todo o leitorado dessas “confissões” vai logo degustar os casos “anedóticos” que conta, com graça de quem sabe escrever, e escrevendo, sabe narrar.

Tem o caso dos maridos traídos... E o sujeito da traição, “o conquistador”, era soldado-polícia, ironicamente uma espécie de “Vulcano, ferreiro mitológico coxo, célebre por sua descomunal feiúra”. Lembra:“recebi no gabinete a visita de dois homens, que se disseram vítimas do conquistador amoroso. Acrescentaram que ele estava desencaminhando as mulheres casadas da pequenina urbe. Após me narrarem detalhes das supostas ou verdadeiras proezas do meganha, me pediram para adotar as providências cabíveis”. Diz que logo lhe veio uma antiga questão: “embora a genitália feminina seja chamada de porteira do mundo [...] não existe porteiro-guardião para esse gênero de órgão”. Daí que lembrou e contou aos maridos que soldado só ficava na cidade porque a prefeitura oferecia gratificação. Não deu outra. Lá se foram os maridos em chifre atrás do prefeito... E logo eu soube “que o soldado voltara ao quartel...”.Tinha encontrado solução para o caso, “ainda que informalmente”, o que mais interessava. “Contribuí para a paz social”.

Vencedor, sim, defendeu seu amigo intestino de um ceá.


Fonseca Neto, professor da Ufpi, escreve às segundas-feiras.         

sábado, 16 de maio de 2015

Assembleia Legislativa do Piauí – 180 anos


Assembleia Legislativa do Piauí – 180 anos

Reginaldo Miranda
Da Academia Piauiense de Letras

Era o dia 4 de maio de 1835. Na cidade de Oeiras, antiga capital do Piauí, grande era a movimentação. De várias partes haviam chegado as pessoas mais gradas da província para a solenidade de instalação da Assembleia Legislativa Provincial e posse dos vinte deputados eleitos em escrutínio secreto. Desde o dia primeiro chegavam os deputados para as sessões preparatórias que se desenrolaram nos dois dias anteriores à instalação, onde compareceram inicialmente onze dos vinte deputados, aqueles que residiam mais próximo, chegando os demais em dias subsequentes. Essas duas sessões preparatórias foram presididas pelo deputado Pedro Antônio Pereira Pinto do Lago, escolhido por aclamação.

À sessão inaugural comparece o presidente da província Manuel de Sousa Martins, então barão, depois visconde da Parnaíba, tomando assento igual ao do presidente da assembleia e à sua direita. Então, depois de abertos os trabalhos, na forma constitucional, dirige sua fala à nova casa legislativa, dizendo do estado dos negócios públicos e das providências a serem tomadas, em seguida retirando-se formalmente, acompanhado da mesma deputação que o levou ao recinto dos trabalhos. Sua fala foi seguida pela do presidente da Câmara Municipal de Oeiras, saudando o nascente poder legislativo.

Em ato contínuo passam os deputados recém-empossados à eleição da mesa diretora. Para presidente foi eleito o veterano de outras pelejas Manuel Pinheiro de Miranda Osório, derrotando três outros candidatos, inclusive seu sobrinho José Francisco de Miranda Osório; para vice-presidente foi eleito José Luís da Silva, o primeiro médico do Piauí, em acirrada disputa e já em segundo escrutínio de desempate; para primeiro e segundo secretário foram eleitos, respectivamente, Ignácio Furtado de Loiola e Ignácio de Loiola Mendes Vieira; ficaram posicionados como suplentes da mesa, Francisco de Sousa Mendes e Amaro Gomes dos Santos, este último redator do primeiro jornal de Oeiras e do Piauí, em 1832, denominado O piauiense.

Depois de eleita e empossada a mesa diretora, foram formadas as comissões de Política e Especial, esta última por sugestão do deputado José Francisco de Miranda Osório, para emitir parecer sobre comissões permanentes necessárias às atividades legislativas. É com essa estrutura que têm início os trabalhos legislativos na província do Piauí, sob a direção do tenente-coronel Manuel Pinheiro de Miranda Osório, militar oeirense e um dos principais pugnadores nas lutas pela adesão do Piauí à Independência do Brasil. Inicialmente, funcionou a Assembleia Legislativa com o regimento do Conselho Geral, em seguida elaborando o seu, tendo aquele como referência.

Segundo a referida Lei n.º 16, de 12 de agosto de 1834, o juramento dos deputados, a polícia e economia interna, entre outros, far-se-iam na fora dos regulamentos e interinamente na forma do regimento do Conselho Geral. Para complementar esse estudo, lembramos que esse juramento era feito pelos deputados ainda na fase preparatória, perante o Bispo ou primeira dignidade religiosa do lugar, na igreja matriz, depois das ações religiosas, fazendo primeiro o presidente e os mais de dois em dois, repetindo em alta voz com a mão direita sobre o Missal, o seguinte: “Juro aos Santos Evangelhos promover fielmente, quanto em mim couber, o bem geral desta província do Piauí, dentro dos limites marcados pela Constituição do Império. Assim Deus me ajude”. Cantado o hino Veni Sancte Spiritus e prestado o juramento retornaram todos à sala das sessões. Era a força da tradição católica.

A eleição desses deputados deu-se em clima de absoluta tranquilidade, em 29 de dezembro do ano anterior, dando-se a apuração dos votos somente em primeiro de fevereiro do ano da posse. Embora o processo fosse democrático, naquele tempo só votavam aqueles que tivessem certa renda e pertencessem aos estratos mais elevados da sociedade. O voto era censitário e o processo eleitoral realizado em dois turnos: eleições primárias, para a formação de um colégio eleitoral que, nas eleições secundárias elegeria os senadores e deputados gerais e provinciais. Basta dizer que apenas 113 eleitores de paróquia(eleitos em eleições primárias, em suas paróquias ou distritos) elegeram os vinte deputados. Para o registro da história, foram eleitos os membros da aristocracia rural piauiense, com a inserção de uns poucos elementos urbanos, entre padres e profissionais liberais. Foram esses os primeiros deputados do legislativo piauiense, com a respectiva votação: Manuel Pinheiro de Miranda Osório, 95; Francisco de Sousa Mendes, 94; Raimundo de Sousa Martins, 91; José Luís da Silva, 87; José Monteiro de Sá Palácio, 86; Ignácio Francisco de Araújo Costa, 86; Marcos de Araújo Costa, 84; Pedro Antônio Pereira Pinto do Lago, 84; Arnaldo José de Carvalho, 83; José Francisco de Miranda Osório, 75; Amaro Gomes dos Santos, 75; Ambrósio Machado Wanderley, 70; Justino da Silva Moura, 68; Tomé Joaquim Gomes Teixeira, 66; Joaquim de Sousa Martins, 64; Antônio Raimundo Dias de Seixas e Silva, 62; Ignácio de Loiola Mendes Vieira, 61; Manuel Clementino de Sousa Martins, 55; Francisco Serafim de Jesus, 52; e, Ignácio Furtado de Loiola, 48 votos (BRANDÃO, Wilson de Andrade. História do poder legislativo da província do Piauí. Teresina: 1997). É essa a primeira deputação do Piauí. Em outro espaço poderemos fazer uma análise das ligações genealógicas entre os membros, existindo caso de irmãos, sobrinhos, primos e parentes afins na mesma legislatura, num clube de poucas famílias.

Vale ressaltar que a criação da Assembléia Legislativa Provincial era uma exigência da Lei n.º 16 de 12 de agosto de 1834, verdadeiro ato adicional à Carta Constitucional de 25 de março de 1824, para suceder em suas atribuições o Conselho Geral da Província. Essa modificação na Carta Constitucional do Império foi proporcionada pela Lei de 12 de outubro de 1832, que deu aos deputados eleitos na legislatura seguinte poderes constituintes para reformarem alguns artigos da Constituição. E assim o fizeram.


Portanto, no último de 4 do corrente mês completaram-se 180 anos de trabalhos legislativos no Piauí, feito este comemorado pela atual diretoria com histórica sessão na velha capital. Ao longo desse tempo a Assembleia Legislativa teve altos e baixos, mas nunca arredou do compromisso constitucional de bem servir ao povo piauiense. Parabéns.  

quinta-feira, 14 de maio de 2015

Confissões de um juiz na TV Costa Norte

POSSE DO JUIZ SEBASTIÃO FIRMINO NA ALMAPI (Parte III)

O juiz Sebastião Firmino, ladeado por familiares do des. Tomaz Gomes Campelo, entre os quais os filhos Luís Américo e Viriato Campelo


14 de maio   Diário Incontínuo

POSSE DO JUIZ SEBASTIÃO FIRMINO NA ALMAPI (Parte III)

Elmar Carvalho

Dando continuidade a meu discurso, enalteci as qualidades que ornam a personalidade do juiz Sebastião Firmino Lima Filho, e discorri sobre alguns dados de sua biografia, alguns referentes a sua vida pessoal, outros a seu labor na magistratura.

Nasceu em Floriano, a cuja Academia de Letras, tão bem presidida por José Bruno dos Santos, tenho a honra de pertencer. Na Princesa do Sul radicou por várias décadas a professora Josefina Demes, que escreveu uma monumental obra historiográfica sobre essa agradável e bela terra, que me foi ofertada pelo seu sobrinho José Demes. Ausente de seu torrão natal por mais de trinta anos, Sebastião Firmino a ele retornou para exercer a judicatura, até conseguir sua remoção para a Comarca de Teresina.

O novel acadêmico é um homem polivalente, um talento multifacetado, um verdadeiro Proteu, por suas atividades polimorfas. Dessa forma, além de juiz, pratica com invejável maestria o tênis de mesa; é poeta e talentoso cantor; na infância e na adolescência foi um notável jogador de futebol, que chegou ao cúmulo da virtuose ao driblar-se a se próprio.

Na prática pebolista era um verdadeiro coringa, um legítimo homem de sete instrumentos, pois poderia atuar em todas as posições, e se o desejasse bateria o escanteio, cabecearia para o gol, e ainda se travestiria de goleiro para executar cinematográfica defesa.

Todavia, não há negar, sua maior qualidade esportiva é alcançada na prática do tênis de mesa. Notável mesatenista, já abiscoitou várias medalhas e troféus nos diversos torneios e campeonatos de que participou. Sua habilidade nessa modalidade esportiva é tão grande, que provocaria tonturas e torcicolos no espectador que tentasse acompanhar de perto as suas jogadas, mais semelhantes a prestidigitações de habilidoso mágico.

Como prova do que afirmo, o colega Edison Rogério me encaminhou e-mail, no qual me informava que Sebastião Firmino conquistara uma vistosa medalha de prata na mais recente versão dos Jogos Nacionais da Magistratura. Já antes o magistrado ER me havia sugerido que não deixasse de abordar, em meu discurso de recepção, as várias facetas e peripécias artísticas, esportivas e culturais do nosso mais novo imortal.

Julgo oportuno transcrever o seguinte trecho de um poema de sua autoria: “A bola vai / A bola vem / Belas jogadas também / É o tênis de mesa / Que vai andando tão bem.” Naturalmente “vai andando tão bem”, mas para ele, carrasco imperdoável de seus adversários. Nos referidos Jogos Nacionais venceu doze partidas, perdendo apenas a última, a de número 13, acho que apenas por causa desse número, que certamente lhe é aziago.

Na condição de poeta, sua temática é variada. Em seus versos exaltou as virtudes de sua mãe, e a beleza do esporte, da amizade, das mulheres e da natureza. A paisagem arquitetônica e natural do Piauí foi por ele enaltecida, mormente quando cantou os encantos de Floriano, Oeiras e Piracuruca. No poema relativo ao último município, fez referências a este cronista e ao desembargador Luiz Gonzaga Brandão de Carvalho, presidente e idealizador de nosso sodalício.

Entre as várias comarcas em que Sebastião Firmino atuou, destaca-se a de Oeiras, na qual ele foi titular do Juizado Especial Cível e Criminal – JECC, tendo sido sucedido pelo magistrado João Bittencourt, de quem fui sucessor. Sempre que ele me encontrava, sabedor de minha ligação afetiva e cultural a Oeiras, me estimulava a concorrer a uma vaga nessa comarca, quando surgisse a oportunidade, o que terminou acontecendo. Aliás, encerrei a minha carreira como titular do JECC da velhacap, para honra e gáudio meu.

No fórum dessa comarca, o juiz e meu amigo Edison Rogério mandou afixar um bonito banner, no qual se encontra estampado o meu poema Noturno de Oeiras, que caiu na graça dos amigos oeirenses. O ER teve ainda a iniciativa, na qualidade de juiz eleitoral, de utilizar trecho desse poema, para aferir se os candidatos objetos de reclamação eram ou não analfabetos. No documentário sobre Kátia Tapety, aparece esse banner sendo lido por sua protagonista, e nele prestou depoimento o nosso magistrado Sebastião Firmino.

O neófito membro de nosso silogeu, seja como poeta, seja como cantor, é um amado amante da beleza e das musas. Suas divas prediletas são Erato, inspiradora da poesia lírica, e Euterpe, divindade mitológica ligada à música. E sob o manto protetor dessas duas deidades, Sebastião nos encanta, com a sua poemática, com o seu talento vocal e com o seu carisma pessoal.       

quarta-feira, 13 de maio de 2015

Regresso


Regresso

Neide Moscoso

nāo quero me afobar
nem me contrariar
senão perderei
o esmero da sua
chegada
sei que virá
e
sem pressa
reconhecerei o
momento
de ter vindo   

Café Literário homenageia Salgado Maranhão


terça-feira, 12 de maio de 2015

Aldear e Exterminar

Foto meramente ilustrativa

Aldear e Exterminar 

Fonseca Neto

O livro que Reginaldo Miranda nos apresenta neste momento é a segunda edição do seu “Aldeamento dos Acoroás”, originalmente publicado há dez anos. E logo de capa se v. que trata o livro dos chamados índios, forma vocabular esta com a qual se tem designado a população ancestral enfrentada nesta região do orbe desde o início da guerra da colonização europeia.

Lendo esse livro para dizer palavras a vocês sobre ele, e para melhor organizar a própria leitura, fiz perguntas a seu autor, e entre elas, uma que diz respeito ao ato escritor da história, propriamente, portanto atinente ao método de fazê-lo: como e o que escrever sobre um povo que teve a sua existência roubada, sobretudo não deixando herança material, como expecta o cânone historiográfico assentado, e também não deixando a narrativa de sua presença gravada em suporte de escrita? Quais possibilidades, então, de fazê-lo, ante esse vazio? Ou esse vazio seria apenas construção emanada de uma vontade deliberada de ocultamento? E a memória?

Mais duas perguntas fiz – e perguntar não ofende: ao historiador cabe fazer perguntas às coisas que o tempo lavrou e que estão por aí vagando no espaço da materialidade e até nos potenciais ainda infindos do imaterial? E com efeito o historiador “interpreta” as respostas ou cabe-lhe apenas fazer o relatório do que sua vista objetou ou tenha lido no suporte de escrita anterior?

Não tenho e desconfio que não há respostas cabais sobre essas questões. Há, porém, a elaboração historiográfica sobre índios. E o autor deste “Aldeamento” inscreveu-se entre os que partiram em busca de algumas respostas, e seu texto, organizado nestas oitenta páginas, são a narrativa que conosco compartilha do que obteve.

Minhas próprias perguntas a ele foram motivadas por asseverações que – por exemplo –, faz Pierre Nora, num instigante esforço de distinguir “história” e “memória”.

“A história é a reconstrução sempre problemática e incompleta do que não existe mais. A memoria é um fenômeno sempre atual, um elo vivido no eterno presente; a história, uma representação do passado. Porque é efetiva e mágica, a memória não se acomoda a detalhes que a confortam; ela se alimenta de lembranças vagas, telescópicas, globais ou flutuantes, particulares ou simbólicas, sensível a todas as transferências, cenas, censura ou projeções. A história, porque experiência intelectual e laicizante, demanda análise, discurso crítico. A memória instala a lembrança no sagrado, a história a liberta, e a torna sempre prosaica. A memória emerge de um grupo que ela une, o que quer dizer, como Halbwarchs o fez, que há tantas memórias quantos grupos existem, que ela é, por natureza, múltipla e desacelerada, coletiva, plural e individualizada. A história, ao contrário, pertence a todos e a ninguém, o que lhe confere uma vocação para o universal. A memória se enraíza no concreto, no espaço, no gesto, na imagem, no objeto. A história só se liga às continuidades temporais, às evoluções e às relações das coisas. A memória é um absoluto e a história só conhece o relativo.

No coração da história trabalha um criticismo destruidor de memória espontânea. A memória é sempre suspeita para a história, cuja verdadeira missão é destruí-la e a repelir. A história é deslegitimação do passado vivido. No horizonte das cidades de história, nos limites de um mundo completamente historicizado, haveria dessacralização última e definitiva.”

Acoroás: sim, nosso autor os reconhece como um povo que vivia nestas terras desde uns 650 anos antes do início da guerra da colonização que praticamente os suprimiu. É sabido que este espaço hoje geograficamente chamado de “vale do rio Parnaíba”, “vale do rio Tocantins” é habitado há cerca de 500 séculos,  segundo as mais adiantadas datações da equipe liderada por Niède Guidón. Os grupos humanos atacados nesta zona do mundo a partir da segunda metade do século XV – os acoroás um deles –, são parte de um movimento de migrações milenares sobre a face fértil da terra construindo a experiência de viver, de sobreviver.

Pelas balizas de sua busca, Miranda os localiza, já estropiados e já decorridos 150 anos da guerra aberta que contra eles e outros se travara neste vale do rio que chamavam então de Punaré. Cento e cinquenta anos de uma guerra que encontrou a mais eloquente resistência dos atacados, no pleno exercício daquele direito há milênios consagrado: o imperativo da resistência e o direito à insurgência contra a tirania. Ele os localiza num “aldeamento”, à beira de um riacho a que chamarão de Mulato.

Acoroás num aldeamento. Aldeamento que o autor diz que era um “verdadeiro campo de concentração”, portanto, um lugar de “confinamento”, “vigiado por soldados”, condição de recluso que deveria propiciar o roubo, pelo agressor, em primeiro lugar, de sua força de trabalho, ao mesmo tempo, despojar-lhes de sua cultura, do próprio significado de viver; no limite, de sua condição humana, de sua humanidade.

Mas “campo de concentração” não é coisa do tempo de füher do III Reich? Não é coisa do século XX? O autor pode fazer essa comparação? Não era outro o contexto? Claro que pode fazer a comparação e saber se outro o contexto depende das referências de quem está pesquisando e escrevendo.

Há duas semanas, um grupo de manifestantes, declarando-se defensores da causa da vida animal, entraram e livraram do confinamento 172 cachorros, em São Paulo, que estavam tendo sua vida manipulada para fins de pesquisas comerciais com vistas à elaboração de novas mercadorias. A notícia disso – aliás, tímida – causou certo impacto nas razões de muita gente.

Pois vejam estas outras três notícias, as quais foram assim dadas três séculos depois dos acontecimentos narrados, por três conhecidos membros desta Casa de letrados: Odilon Nunes, J. G. Baptista e Joaquim Chaves. Em geral reproduzem os relatos que os próprios matadores fizeram aos seus superiores na ordem legal do tempo.

“Depois de 6 ou 7 dias de marcha através de caatingas e terras agreste, a rastejar o inimigo, os perseguidores surpreendem a tribo espavorida e faminta e após ligeira escaramuça, subjugam-na, jungindo os guerreiros estropiados e decorridos dois dias, sob fútil pretexto, degolam 400 e reduzem à escravidão mulheres e crianças. Era 1º de junho de 1676.

O local da carnificina dos pobres indígenas a 6 ou 7 dias da foz do Salitre, ficava bem longe do rio Gurgueia, todavia, se não na bacia do Parnaíba, pelo menos, bem perto dos tributários do Canindé, especialmente do rio Piauí. Teriam dessa vez ultrapassado o divisor das águas? Provavelmente, como da vez primeira. Quatro meses após, já D. Pedro de Almeida, Governador de Pernambuco, concede as primeiras sesmarias em território piauiense a Domingos Afonso Sertão, Julião Afonso Serra, Francisco Dias de Ávila e Bernardo Pereira Gago, de dez léguas de terras em quadro a cada um, nas margens do Gurgueia. Pediram-nas em Olinda, porque a região ficava na jurisdição de Pernambuco, isto é, nos sertões que se estendem da margem esquerda do São Francisco, em rumo do ocidente”. 

“Daí por diante não houve mais tréguas na luta com o selvagem.
Em 1679, os Tremembés haviam fechado o caminho que ligava o Maranhão ao Ceará, na zona da costa. Faziam mais: matavam os pobres náufragos que, escapando às águas, buscavam salvação e refúgio nas ilhas do delta do Parnaíba. Contra eles foi enviada a expedição de Vital Maciel Parente. Os selvagens foram surpreendidos nalgum ponto da costa, do lado do Piauí, e facilmente desbaratados. Mas o branco civilizado enodoou a vitória com um ato repugnante de selvageria: conseguiu que os índios aliados exterminassem brutalmente as crianças tremembés aprisionadas. É o próprio Governador, Inácio Coelho da Silva, que relata o nefando crime, em carta, para o príncipe regente: ‘Os índios aliados, travando das criancinhas pelos pés, mataram-nas cruelmente, dando-lhes com as cabecinhas pelos troncos das árvores, e de uma maloca, de mais de 300 só escaparam 37 inocentes’.”

“1700 – 400 Paiacus são dizimados por Morais Navarro. O padre João Tavares faz a paz com os Barbados e Tremembés. Alguns índios são aldeados no Itapicum: São Barbados, Guanarés e Aroás. 1713 – Levante geral dos selvagens. Índios indeterminados matam [o mestre de campo Antonio da Cunha] Souto Maior e Tomás Vale... 1716 – Nova luta acontece no Porto das Barcas. [Mandu] Ladino cai no rio e é assassinado por Manoel Peres, soldado. Outra versão dá este fato como acontecido em 1718. Dias de Siqueira liquida os Cariris, na ribeira do Itaim”. 

Importa mais perguntar, no entanto: por que o confinamento dos cachorros de hoje gera mais indignação no coração de muita gente do que o relato dessas vidas roubadas de gueguês e acoroás?

Há quem tenha uma resposta na ponta da língua: “era outra lei e outra ética” e não poderíamos analisar/interpretar esse passado com a “ética” do presente. Esse pensar é uma espécie de “amortecedor” ante os abalos eventualmente produzidos pelos cobros da consciência – trata-se de uma fala embasada numa espécie de furor ideológico dos mais tendentes à conservação, e até dos reacionários, daquele tipo que governa o juízo dos que morrem de amor pela história, mas que se enfurecem quando levanta ela a sua espada em fogo e em sua relatividade vingadora. Digo mais que essa guerra para escravizar índios e se apropriar das terras em que eles viviam não tinha nada de autorizada na lei do tempo – o que havia era uma estrutura iníqua de manipulação do poder, pela ganância do enriquecimento de poucos à custa do trabalho e da vida de muitos. Mas aí de novo se vai redarguir: “mas a escravidão também era normal...”. Qual normalidade? Qualquer manual de história da Europa mostra que em 1772, ano da reclusão dos acoroás, a escravidão naquele território já estava fora da lei. E por que esse é um tempo de grande expansão da hediondez escravista por aqui?

Reginaldo traz evidências da mobilizadora ganância de um desses funcionários da carreira militar que reprimia os índios, rumo às supostas minas de ouro dos goiazes. Ora, para enriquecer, ele passaria por cima, como de fato passou, de  qualquer escrúpulo, lei. Lei? “Ora a lei”.

Nesse sentido, repugnante o extermínio já à época – poderia citar várias leis restritivas atinentes –, lembre-se que a “legitimidade” desses acontecimentos é uma criação historiográfica de escritores que concordam, no próprio tempo em que escreveram, com a “naturalidade”, “justeza”, da guerra desse tempo. Tempo que não existe mais, mas existentes, e insistentes, até como que “naturais”, as estruturas urdidas em leis não revogadas, impedidas de o serem, pela força bruta dos que não querem que a sociedade em seu conjunto alcance o viver justo. Aliás, repita-se, o afirmado acima de que “A história, porque experiência intelectual e laicizante, demanda análise, discurso crítico... A história é deslegitimação do passado vivido...”.

O livro do acadêmico Reginaldo Miranda ilustra para nós a maneira como funcionava esses aldeamentos da segunda metade do século XVIII na América Portuguesa. Tem a vantagem de exprimir um exame com lentes bem próximas do dia-a-dia de um desses “verdadeiros campos de concentração” – bem caracterizados como campos de trabalhos forçados –, assim experiência espantosa, como já dito, de extermínio de uma fração da humanidade, sem conceder-lha nenhum tipo de direito à defesa. Mostra bem o processo de escolha política dos diretores, as regras do confinamento, a “educação”, a agressão da vestimenta. E o autor não alude, mas lembro que certamente das desgraças maiores para os aldeados nessas prisões, tenha sido a obrigação de aprender a moral dos imoralíssimos algozes quanto a ter vergonha de suas vergonhas, naquele sentido do escriba deslumbrado Pero Caminha.

Reginaldo utiliza o termo “indiocídio”; impressiona o dia-a-dia da resistência: na conduta dos confinados, aquela compulsão da liberdade se manifesta em todos os instantes daquela roça-cadeia a céu aberto.

Lido em diálogo com a primeira parte do recém-relançado “São Gonçalo do Amarante”, “Aldeamento dos Acoroás” permite-nos, leitores, e pesquisadores outros de suas pistas, exemplo único em nossa historiografia mais recorrente, local e até brasileira, enxergar, como o projeto de Sebastião de Melo, o Oeiras-Pombal, expresso no Diretório de 3 de maio de 1757, se fez acontecer, no pós-jesuitismo setecentista.

Regeneração é única cidade piauiense que tem seu organismo,  morfológico, institucional, étnico, explicado desde o seu aparecimento. Dependendo de que tipo de cidadão se queira erguer numa criança, por exemplo, essa cidade poderia ensinar o significado de existir numa cidade cuja origem é o que nosso autor – e eu concordo com ele – está chamando de “verdadeiro campo de concentração”.

Muito oportuno o registro, igualmente bem apoiado em fontes, do dia-a-dia do aldeamento, dos atos de corrupção dos funcionários públicos – dir-se-á, funcionários régios – levando índios para casa para servir-lhes como escravos e distribuindo outros por fazendas de apaniguados pela capitania inteira. Isso é assunto daquela época, de imensa atualidade, e prova que, em muitos sentidos, vivemos o contexto das malandragens que aquele tempo engendrou.

Ler esse ensaio despretensioso é desafiar a alma naquilo que consiste uma tarefa de cidadania que os livros de história ousem respaldar – tornar-se um brasileiro indignado e levado à recusa das misérias de sempre.