quinta-feira, 31 de maio de 2018

O VELHO DO RESTELO

Fonte: Google


O VELHO DO RESTELO

Valério Chaves
Des. inativo TJPI

            Um dia desses, como costumeiramente faço nas horas vagas, quando procurava sintonizar uma emissora de rádio, ouvir um apresentador de programa noturno perguntar para um ouvinte se ele sabia responder o que era experiência.

            Depois de algumas respostas aleatórias não condizentes com a pergunta formulada no ar, o próprio perguntador respondeu dizendo que experiência era tudo aquilo que a gente pensa que sabe com base na quantidade de vezes que errou na vida.

            Do alto de toda essa sabedoria contida na resposta daquele locutor de rádio, pude compreender que o tempo vivido faz a gente olhar para trás, examinar as atitudes certas que tomou, e talvez, decepcionado com o que errou ou deixou de fazer, vê que realmente o tempo ajuda a aprimorar a convivência social, familiar e todas as etapas futuras da vida.

            À medida que os anos vão passando (envelhecendo), parece que mais razão a gente vai dando a Camões quando ele fala, no célebre episódio do Velho do Castelo (canto IV, estrofes 94-104), de um velho que através de um discurso veemente, condenando a aventura insana de Vasco da Gama iniciando viagem às índias, no momento em que este se despedia do porto de Belém, em 1492.

            Em “Os Lusíadas”, Camões diz em verso que o próprio Vasco da Gama falou do episódio ao rei de Melinde (África) no relato que fez de sua viagem:

            94 - (O Velho do Restelo)
            Mas um velho d’aspecto venerando
            Que ficava nas praias, entre a gente,
            Postos em nós os olhos, meneando
            Três vezes a cabeça, descontente,
            A voz pesada um pouco alevantando
            Que nós no mar ouvimos claramente,
            C’um saber só de experiência feito,
            Tais palavras tirou do experto peito.

            Como se pode extrair das estrofes seguintes desse poema camoniano, o discurso do Velho, que representava a opinião conservadora da época, não era inteiramente rejeitado por Camões, pois não obstante sua empolgação com a aventura da viagem ultramarina, impelida pelo desejo de riqueza e fama, representava também a expressão de suas ideias divididas entre o Humanismo pacifista e os ideais da Cavalaria e das Cruzadas organizadas por nobres europeus, com notáveis consequências políticas e religiosas.

            Ao lado dos perigos e das inconveniências da viagem de Vasco da Gama, inclui o que em grego se chamava skhetliasmós, ou seja, uma reclamação visando condenar a viagem ou a persuadir o viajante a desistir de fazê-la.

            Portanto, mirando-se em assuntos ou pessoas dos tempos atuais, poder-se-ia dizer que Vasco da Gama à luz do pensamento do Velho do Restelo, representa hoje aqueles que, por vaidade, cobiça de riqueza ou prestígio político, se lançam às aventuras e aos interesses pessoais despreocupados com o futuro da Pátria e bem-estar da sociedade.   

quarta-feira, 30 de maio de 2018

POEMAS PRAIANOS


Fonte: Google

POEMAS PRAIANOS

Alcenor Candeira Filho

                        I                      

de volta a terra ao sol da tarde
pós recolhidos vela e leme
mastro posto sobre  popa e banco
remo rumo marítima orla
donde são vistos ao alcance d’olhos
                                                                 entre serras
                                                                 pescadas
                                                                 cavalas
                                                                 camurupins
                                                                 tubarões
pequenos peixes agitados
fora dondas donde tirados
                                                (presas de redes
                                                presos em redes)
aos pulos
                  amontoados
                                          em casco
                                          sem quilha
                                          de frágil
                                          canoa
-  peixinhos submersos
                             em atmosférico ar de afogados.
                                              
                                  


                                 II

do mar
             para a brasa
daí
             para a mesa
toalha limpa
                       peixe no ponto
                                              em branco posto prato
                                              em cuja dourada borda
                                              uma mosca pinta e borda.
               
                                 III

sobre mesa
pós almoço
sobremesa
água e mosca.

                                 IV

miniatura do corvo de Poe
tangida donde  pousara há pouco
a mosca voa
                     mas volta
                                      (mais vai
                                      mais volta)
e agora em beira de copo de cristal
bebe espuma de neve sobre cerveja
que mela língua lábio barba bigode
do solitário e solidário dono
da casa de praia coberta de palha
entre alvacentas e pequenas dunas.                                       

terça-feira, 29 de maio de 2018

Retratos e uma charge de Gervásio Castro


Foto da autoria de Dinavan Fernandes

Retrato da autoria de Gilmar Maccagnan

Retratos e uma charge de Gervásio Castro

Elmar Carvalho

O presidente Nelson Nery Costa, em suas profícuas e dinâmicas gestões na Academia Piauiense de Letras (está no seu terceiro mandato), reformou o belo e velho prédio onde está sediado o sodalício. Esse sobrado tem uma bela história, talvez povoada de fantasmas e recheada de lendas, que ainda está por ser contada. Coroando essas realizações, criou uma pinacoteca e um museu, com importantes obras doadas por ele próprio e por outros acadêmicos.

E resolveu aperfeiçoar e expandir a galeria de patronos e acadêmicos, tornando-a completa e tanto quanto possível padronizada. Para isso solicitou a colaboração dos acadêmicos. Com todo esse trabalho de restauração e reforma da sede e ampliação da galeria, o meu retrato terminou não sendo encontrado, pelo que ele me pediu um outro, para que a Cremísia Alberto de Sousa o adaptasse ao padrão dos demais.

O retrato não localizado era uma fotografia artística feita pelo grande fotógrafo Gilmar Maccagnan, elaborada há, aproximadamente, vinte anos, um pouco depois de eu haver ingressado na magistratura piauiense. Ao contar que eu tinha uma outra desse grande mestre da arte fotográfica, nos moldes da extraviada, a Cremísia me esclareceu que ela não se adequava à galeria, pois, além de ser colorida, era, em suas palavras, “muito fashion”, com o que concordei.

Era, no entanto, uma bela fotografia, não resta dúvida. Fazia parte de um “pacote”, integrado por um álbum e por um grande quadro com uma excelente “fototela”, de fundo esfumaçado, difuso, em que ele, ao que parece, acrescentava efeitos com o uso de lentes, de modo a imitar os retratos clássicos, feitos por grandes artistas da pintura universal. Na grande tela do retrato fotográfico, que orna a nossa sala, estamos eu, a Fátima, a Elmara e o João Miguel. Todas as fotos eram, digamos, analógicas (alguns tolos diriam anacrônicas), sem o uso do famigerado fotoshop, com a consequente maquiagem e rejuvenescimento eletrônico.  

Fototela da autoria de Gilmar Maccagnan
Não existindo o elixir da juventude e não podendo eu voltar no tempo, lembrei-me de um pôster, em que eu estava no auge de minha maturidade, ou melhor, no seu início. O retrato era frontal e eu estava de terno. Rosto sério, sem “os risos fáceis da alegria”, eu aparentemente não fazia pose. Seu autor é o falecido jornalista, historiador e fotógrafo Dinavan Fernandes, membro do cerimonial do TJ-PI. A Cremísia, que é também uma exímia fotógrafa, fez a redução necessária e o transformou em um belo preto e branco; e lhe colocou a legenda de praxe: “Elmar Carvalho – Cadeira 10”.

Essa cadeira 10, aproveito para informar, vem sendo uma cadeira de poetas, pois poeta foi o seu patrono Licurgo de Paiva, também jornalista, falecido em circunstâncias um tanto trágicas. O seu primeiro ocupante foi o barrense Celso Pinheiro, um dos maiores poetas simbolistas do Brasil, morto no mesmo dia em que também faleceu o grande Da Costa e Silva – 29 de junho de 1950. Foi sucedido pelo monsenhor Antônio Monteiro de Sampaio, meu mestre no curso de Administração de Empresas (UFPI – Parnaíba), compositor, notável orador sacro e poeta. Veio a seguir H. Dobal (Hindemburgo Dobal Teixeira), um dos grandes poetas brasileiros, que foi sucedido por este “poeta menor, perdoai!”, para usar uma expressão do poeta maior Manuel Bandeira.

Mas voltando à fotografia, a Cremísia me deu uma cópia virtual de sua reprodução.  Mandei imprimi-la em papel fotográfico, e a emoldurei, para afixá-la em minha biblioteca. Agora, quando eu vejo esse retrato, e vejo o brilho de minhas pupilas, que então ostentava, recordo o rapaz que eu fui, cheio de sonhos e alegria, apesar do semblante algo circunspecto. Mandei lhe fosse posta a mesma legenda acima transcrita. Mas o rapaz, talvez por ser também flamenguista, fez as letras em vermelho, a fazer contraste com a própria foto.


Charge da autoria de Gervásio Castro


Para aproveitar a viagem e o tempo, reproduzi no mesmo estúdio, no mesmo tipo de papel, uma charge elaborada pelo Gervásio Castro, em seu estilo inconfundível um dos maiores chargistas do Brasil, datada de 19 de maio de 2010. Nela o Gervásio me retratou como juiz, flamenguista, leitor, blogueiro e literato, porquanto envergo uma toga, empunho um martelo (não o de Thor, claro está), e puxo um carrinho no qual estão livros, um computador e uma pena de escrever. Debaixo da veste negra, talar, feita por minha saudosa mãe, visto uma gloriosa camisa do Flamengo.

Entreguei na sede da Academia, já devidamente emoldurada, a charge, para que seja afixada em nosso museu, já que se trata de uma obra de arte, feita com esmero por um dos melhores chargistas nacionais, o caro amigo Gervásio Castro, cujo irmão, Fernando di Castro, pode com ele ser ombreado. Ambos são parnaibanos, porém o Gervásio se radicou no Rio de Janeiro, embora passe temporadas em Parnaíba, ao menos uma vez por ano.

O Osvaldo Assunção, no sábado, disse-me que ia esperar a chegada de mais uns quadros para providenciar sua “entronização” na parede. Pensando na alta qualidade dessa obra e no espaço ainda disponível, pedi-lhe: “Mas, por favor, não demore muito, para que esse quadro tenha um bom lugar”. O Osvaldo sorriu, e balançou a cabeça em assentimento. Talvez eu tenha sido egocêntrico, mas o Gervásio e a charge bem merecem o que solicitei.   

segunda-feira, 28 de maio de 2018

Saco de carvão

Fonte: Portal da APAL


Saco de carvão

Pádua Marques *

Outro dia uma de minhas irmãs achou de, depois de uma latumia danada do vendedor na nossa porta, comprar um saco de carvão. Fazia tempos que aqui na nossa casa de Parnaíba eu não encontrava uma mercadoria dessas. Veio à lembrança quando morávamos no bairro de Fátima e ainda minha mãe estava longe de ter na cozinha um fogão a gás, um luxo pra poucos naquela época.

Meu pai, homem de pouco dinheiro na burra, tinha das suas de vez em quando e numa dessas, pra encurtar caminho e se livrar dos atravessadores, meteu naquela cabeça branca de comprar carvão, vindo no trem da tarde. Esse carvão, assim como galinhas poedeiras ou prontas pra ir à panela, franguinhas de primeira pena, melancias, maxixes, quiabos, tapiocas, beijus e leitões cevados, tudo descia na Esplanada da Estação.

Também vinha muita gente feia e triste, vinda de Marruás, Vidéo, Bom Princípio, Cocal e até da muito longe Piracuruca. Toda essa gente e coisas vinham direto´pra estação ali no bairro de Fátima. Papai comprou vários sacos de carvão. Antes, pediu a um amigo seu jumento pra depois do negócio levar a carga pra nossa casa. Ora, aquele carvão todo daria pra consumo de vários dias e até meses.

Eu e meu irmão ficamos encantados com aquela aventura de ir da estação de trem até nossa casa tangendo o jumento carregado de carvão, que depois de chegado e descarregado e medido numa lata de querosene, foi colocado nos fundos da cozinha à espera de sua utilidade.

O tempo passou, vieram outros e um dia, quando as coisas melhoraram em casa, minha mãe escasquetou e acabou comprando um fogão a gás marca Jangada. Não sei ao certo se na Rosemary ou no Décio Lobão. Como diria minha mãe, outra realidade! O carvão passou a ser mercadoria pra se comprar de vez em quando. Já ninguém olhava pro monte que se formava no canto da cozinha. Servia quando muito pra queimar no ferro de gomar.

O monte de carvão servia agora pra ser lugar e ninho de galinha com choco e que dentro de poucos dias sairia de porta pra fora com uma dúzia de pintos procurando o que comer. O saco de carvão foi perdendo importância. Ora vejam só! Mas de vez em quando entrava em cena no fogareiro que por precaução minha mãe conservou num canto em caso de emergência.

Olhando pra fora, o tempo e as coisas foram melhorando na Parnaíba. De uns tempos pra cá não se encontra mais na rua ao sol das oito horas os carvoeiros gritando a mercadoria enquanto estalavam o relho no lombo dos jumentos querendo pressa.

Mas todo esse rodeio que eu fiz teve e tem um propósito de chegada. Pra os políticos, os carreiristas de palanques, os demagogos de toda sorte, o povo é feito aquele saco de carvão. De quatro em quatro anos eles estão na sua porta vendendo uma mercadoria  que não tem estoque, exceto aos domingos quando alguém resolve fazer um churrasco. O saco de carvão, que é o povo, fica esquecido, dormente, aguentando tudo. Os meninos de casa nunca passam perto. O carvão se livrou de ser queimado dentro de um ferro de gomar porque hoje o que não falta é ferro elétrico de todo tipo, tamanho e marca. Carvão suja as mãos e quando aceso enche a cozinha de fumaça.

E se serve de ninho pra galinha choca, acaba empestando a cozinha e a despensa de piungas. As eleições estão chegando. A campanha pesada vai ser depois da Copa da Rússia. Será um refrigério. Se esquecem de tudo em quanto: preço da gasolina, quebra-quebra, carnê do Paraíba, prestação da casa própria, reforma da Previdência, Lava Jato, o Lula. Quando a gente se espantar é a campanha e a propaganda na televisão e nos outdoors.

Os políticos vão entrar em sua casa com a maior cara limpa. Se deixarem, eles são capazes de ir até a cozinha. Se descuidar eles são capazes de abrir a panela. São capazes de beijar e colocar nos braços crianças catarrentas e dar abraços em velhas vestidas de chambres e com a baba da noite nos cantos da boca. Carvão é coisa pra se comprar baratinho hoje em dia. Tem nos supermercados, postos de gasolina, nalguma padaria ou vendinha de subúrbio.

Povo, gente, gente pobre e ignorante é feito saco de carvão. O político compra o voto dessa gente prometendo saúde, educação e segurança. Só promete mais hospitais, médicos a rodo e a toda hora. Político compra voto dessa gente com uma cédula de cinquenta contos, pagamento de uma prestação da Macavi ou do Armazém Paraíba, uma bolsa de estudos pra um sobrinho e por aí vai. Depois que está eleito e feito na vida se esquece do povo, que vira saco de carvão. 

*Pádua Marques é jornalista e escritor, membro da Academia Parnaibana de Letras.   

domingo, 27 de maio de 2018

Seleta Piauiense - Álvaro Pacheco

Fonte: Google/Blog do João Melo


CANTO DA LAVADEIRA DO RIO

Álvaro Pacheco (1933)

Bate roupa, bate sol
bata fome, bate peitos
bate carne descarnada
na pedra, no coarador.

Precisa anil para a roupa
do patrão ficar branquinha
tinindo na estearina.

Bate a vida, a vida toda
bate a morte, a juventude
fica no rio, na pedra
se esgarça na correnteza
a pureza de menina
o sonho simples (de pobre)
os meninos espiando
ela só não vendo nada,

Precisa roupas, fiapos
um fiapinho de nada
pra chegar no céu enxuta.

Fonte: site Antonio Miranda 
(Portal da Poesia Iberoamericana)   

sábado, 26 de maio de 2018

Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva, pioneiro da literatura piauiense.

Fonte: Google


Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva, pioneiro da literatura piauiense.

Reginaldo Miranda

O primeiro piauiense a incursionar no campo da poesia foi Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva. Nascido em 1786, na vila de S. João da Parnaíba, hoje cidade de Parnaíba, no norte do Estado, era filho de Antonio Saraiva de Carvalho e Margarida Rosa da Silva. Apenas completada a idade de seis anos, o que remete ao ano de 1792, os pais lhe mandaram estudar em Portugal, certamente morando na casa de familiares. É que o Piauí ainda não contava com escolas. Sobre esse prematuro afastamento do lar paterno, longe das brincadeiras entre amigos e dos afagos maternos, assim como a sofrida travessia do Oceano, aos dezoito anos de idade ele vai recordar: “Passaram três lustros e mais três anos/Que à estância dos mortais volvi do nada;/Mas bem que ainda não seja adiantada/Minha idade, sofrido hei já mil danos;//Além dos torvos mares desumanos,/Recebi dos meus pais a vida ervada;/E contando anos seis à Pátria Amada/Arrancaram-me os pais com vis enganos”. Vê-se nesse soneto um traço de revolta pelo afastamento da “Pátria Amada” ainda em tenra idade, o que marcou profundamente a sua personalidade. Assim, parece injusta a crítica de que só tinha de piauiense a origem do nascimento. A verdade é que embora gostasse da sua terra, sua formação se dera toda em Portugal.

Em 29 de outubro de 1805, ingressa no curso de Leis da Universidade de Coimbra, onde se forma em 15 de junho de 1810. Segundo alguns relatos, por esse tempo passa a morar, sucessivamente, no Arco da Traição, n.º 13 e nos Palácios Confusos, n.º 7 e 65, designações singelas de repúblicas de jovens universitários. Tentando definir esse ambiente dissoluto assim informa o historiógrafo João Pinheiro: “Os Palácios Confusos eram um manancial de onde, do bairro alto, rolavam as catadupas da troça à cidade baixa, para a Ponte, para o Sansão e para Sophia. O acadêmico estróina, o faceiro, o arruador, o díscolo, o cábula, o poeta guloso e bêbado do outeiro, o perturbador do seráfico sossego dos mosteiros de Chellas e de Sant’ana, arruavam-se nos Palácios Confusos. Da malta de facínoras, chamada de Carqueja, o maior número dos sócios foi dali para o degredo e para a forca. O Ovídio brasileiro compreendia a natureza, como ela especialmente se exibia nos Palácios Confusos. Tangia a viola e compunha as letras de suas cantigas, que ainda vivem e gemem no primeiro livro dos seus versos” (Literatura Piauiense – escorço histórico, 1994:15). É desse tempo de convivência entre a Universidade e essa malta de boêmios que publica seu primeiro livro Poemas, em 1808. No mesmo período Portugal foi invadido pelas tropas francesas de Napoleão Bonaparte, obrigando fugirem para o Brasil o Príncipe Regente, toda a família real e os demais graúdos da Corte. A apreensão era grande, os pais no distante Piauí se preocupavam com a sorte do filho que persistiu até a conclusão do curso. E mesmo esse ambiente incerto não impediu o casamento do estudante piauiense.

Dessa forma, formado em Leis e casado, pleiteia passaporte para retornar ao Piauí com a jovem esposa, “em face da repentina invasão do inimigo” francês. Esse passaporte para a viagem foi expedido em nove de outubro de 1810, o descrevendo como “de estatura ordinária, de idade de vinte e quatro anos, rosto redondo e pálido, olhos pardos, (e) nariz regular”. Traz a Informação de que o titular “intenta passar para a cidade do Maranhão na companhia de sua mulher Dona Umbelina Joana Almadamim, para se transportarem para o Piauí”. Retornava, assim, à terra natal depois de quase vinte anos ausente. Vinha rever os pais e apresentar-lhes a esposa. Era, ao que tudo indica, o segundo bacharel piauiense. Nos autos cíveis para a justificação de passaporte foram ouvidas em Coimbra quatro testemunhas: Jerônimo Luís da Silva, solteiro, 27 anos, bacharel em Leis, residente na Rua dos Sapateiros; José Francisco de Medeiros, solteiro, 28 anos, bacharel em Leis, residente na Rua dos Douradores, freguesia de S. Nicolau; Manoel Francisco de Medeiros, solteiro, 18 anos, estudante do curso de Leis da Universidade de Coimbra, residente na mesma Rua dos Douradores; e consta, também, um atestado de sua naturalidade, casamento e intenção de retornar ao Piauí firmado por Joaquim Félix de Menezes, Feliciano Nogueira e o padre José Maria de Sousa Lima, capelão da Brigada Real da Marinha. Todavia, o poeta se declara batizado na freguesia de N. Sra. do Rosário, da dita vila de Parnaíba, em evidente equívoco. É que ao tempo de seu batizado não existia freguesia em Parnaíba, pertencendo esta à freguesia de N. Sra. do Carmo de Piracuruca.

Ao contrário do que muitos apregoam, nos parece que Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva, não trazia muitas saudades de Portugal, onde fora criado longe do aconchego familiar. Os temas ligados à Corte de que trata em sua obra são em face de sua formação toda ela transcorrendo em Portugal, sob a influência de Bocage. Os cantos de seu primeiro livro são as impressões de um jovem estudante de dezoito anos de idade, cujos últimos dois terços da existência se dera longe da terra natal. Os temas abordados, assim como os oferecimentos às autoridades representam a tentativa vã de um jovem bacharel da Colônia para angariar boa colocação na Corte, frustrada com a mudança de rumos na política européia. Consta que depois de seu regresso não mais retornou a Portugal, fazendo toda a sua carreira profissional no Brasil. Também, demonstrando afeto com a “Pátria Amada” soube cantar: “Os bronzes da tirania/já no Brasil não rouquejam./Os monstros que os escravizam/já entre nós não vicejam”; “Amanheceu finalmente/a liberdade no Brasil/Ah! Não desça à sepultura/o dia sete de abril”. Em 1821, embora eleito representante do Piauí junto às Cortes Constituintes de Lisboa, não aceita o mandato porque se encontrava radicado no Brasil, sendo substituído pelo padre Domingos da Conceição, que se encontrava no reino. De fato, preferia a vida em seu jovem País. Em 1812, é nomeado juiz de fora da comarca de Mariana, em Minas Gerais, de onde passou para a comarca de N. Sra. do Desterro, atual Florianópolis(SC). Mais tarde, assumiu o cargo de desembargador da Relação do Rio de Janeiro, onde se aposentou. Faleceu na cidade de Piraí (RJ), em 11 de janeiro de 1852.

Conforme dissemos, o poeta Ovídio Saraiva estreou em livro aos dezoito anos de idade com Poemas (1808). Participando ativamente das manifestações patrióticas estudantis que rechaçavam a invasão francesa, publicou: Ode pindárica e congratulatória ao Príncipe, à Pátria e à Academia pela restauração do Governo Legítimo (Coimbra, 1808); Narração das marchas feitas pelo corpo acadêmico, desde 21 de março, quando saiu de Coimbra, até 12 de maio, sua entrada no Porto(Coimbra, 1809) e Os sucessos da restauração do Porto (Coimbra, 1812). De retorno ao Brasil, publicou: O patriotismo acadêmico (Rio de Janeiro, 1812); O pranto americano (Rio de Janeiro, 1812); O amigo do rei e da nação (Rio de Janeiro, 1821); As saudosas cinzas do Sr. João de Castro Mello, Visconde de Castro (1821); Considerações sobre a legislação civil e criminal do Império do Brasil (Rio de Janeiro, 1837); Heroídes de Olímpia e Herculano (Rio de Janeiro, 1840); Defesa de João Guilherme Ratcliff, caso rumoroso que lhe deu notoriedade e associou seu nome ao movimento nativista, ao defender esse português descendente de poloneses, que se envolveu na Confederação do Equador(1824); é, também, autor de uma letra do hino “Ao grande e heróico sete de abril” (1831), considerada fraca, embora musicada por Francisco Manuel da Silva(1795 – 1865).

No entanto, a importância da obra literária de Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva para a literatura piauiense é meramente cronológica, em face de ser considerada fraca e não representar temas, costumes e modus vivendi local. Citando Ronald de Carvalho, afirma João Pinheiro, que esse poeta era “entusiasta admirador de Bocage, filiou-se aos Elmanistas, entre os quais muito se distinguiu por diversos trabalhos em que, como quase todos os congêneres da época, sentia-se ainda o influxo dos árcades portugueses”. Para Herculano Moraes, historiador da literatura piauiense, o livro “Poemas é um vasto conjunto de versos da corrente elmanista” com “nítida influência de Bocage, notadamente na construção do soneto, rigorosamente decassílabo”. Acrescenta que a poética desse autor é marcada por temáticas de expressões simbolistas, falando de sofrimento, desengano, desgraça, morte, tristeza, solidão, tortura, desespero, langor e outras expressões sinônimas(Visão histórica da literatura piauiense. 4ª ed. Teresina, 1997). É a mesma opinião do crítico literário Francisco Miguel de Moura: “A estética de Ovídio Saraiva era portuguesa, demonstrando forte influência arcádica e acentos bocagianos” (Literatura do Piauí, 2001).

Em ligeiro traço é este o perfil de Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva, o primeiro poeta e escritor nascido na bacia oriental do rio Parnaíba, embora dela, aos prantos, tenha sido arrancado em tenra idade.

__________________

*REGINALDO MIRANDA, autor de diversos livros e artigos, é membro efetivo da Academia Piauiense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico Piauiense e do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-PI. Contato: reginaldomiranda2005@ig.com.br   

sexta-feira, 25 de maio de 2018

Herculano – O nome e o homem

Fonte: Google/Portal AZ


Herculano – O nome e o homem

Gutemberg Rocha
(Membro do Instituto Histórico de Oeiras)


Todo aquele que tenha frequentado a Casa de Lucídio Freitas, sede da Academia Piauiense de Letras, em Teresina, nas últimas décadas, certamente terá se deparado com o escritor Herculano Moraes pelos cômodos daquele templo da cultura piauiense. Presente em praticamente todos os eventos da Casa, muitas vezes no papel de cerimonialista, ele era, até onde pude perceber, o mais assíduo dos imortais no dia a dia da Academia. Nas palavras do acadêmico Celso Barros Coelho, Herculano era “um amigo e um intelectual brilhante”. Com o seu falecimento, em 17 de maio de 2018, aos 73 anos de idade, abriu-se uma lacuna, e sua falta será sentida não apenas pelos seus pares, mas por todos que costumam visitar aquela Casa. 

Não sei até que ponto o nome de alguém pode determinar ou influenciar a sua história, mas, no caso de Herculano Moraes, parece haver uma associação profunda entre o nome e o homem. Como é claro e evidente, “Herculano” provém de “Hércules”, personagem da mitologia greco-romana, que notabilizou-se  por ter executado, com sucesso, doze tarefas extremamente difíceis, conhecidas como “Os Doze Trabalhos de Hércules”; depois, de acordo com o Dicionário de Nomes Próprios, ao qual recorri através do Google, o nome Herculano “indica uma pessoa que encontra nos livros uma fonte para enriquecer sua visão do mundo”.

Herculano Moraes encontrou nos livros mais que uma fonte de enriquecimento para sua visão: ele utilizou o livro como meio de clarear a nossa visão e enriquecer o mundo. Poeta, cronista, contista, romancista, ensaísta, revisor, crítico literário e jornalista, produziu proficuamente, deixando-nos uma obra de reconhecido valor. A coleção “Visão Histórica da Literatura Piauiense”, em três volumes e na quarta edição, tem sido de grande utilidade para minhas pesquisas pessoais e representa apenas uma pequena fatia do seu legado. Há mais, muito mais! Quem o conhece sabe.

Na comparação com o herói mitológico, se pararmos para analisar com rigor, creio até que Herculano supera Hércules na quantidade de façanhas, já que na sua trajetória não lhe faltaram desafios, e cada um ele o enfrentava com galhardia e competência. Quem há de negar que seja trabalho hercúleo, por exemplo, produzir uma bibliografia extensa e valiosa?  Ou assumir os cargos que ele assumiu na administração pública, inclusive a direção do Teatro 4 de Setembro e da Casa Anísio Brito? Ou ser um digno vereador de Teresina? Ou percorrer o Piauí a construir academias literárias? Ou, ainda, lutar pela inclusão da Literatura Piauiense no currículo das escolas estaduais do Piauí?

Natural de São Raimundo Nonato, Herculano Moraes contribuiu substancialmente para a cultura do nosso Estado e para um mundo melhor. Incentivou jovens escritores, valorizou a intelectualidade local, procurou democratizar o conhecimento. Foi um dos fundadores do Círculo Literário Piauiense (CLIP), pertenceu à União Brasileira de Escritores (UBE/PI) e participou de inúmeros movimentos e entidades culturais. Não era um deus ou semideus, mas estava acima do homem comum. Por mérito próprio, conquistou um lugar entre os imortais. No entanto, acolhia a todos que adentravam a Casa de Lucídio Freitas como se fora mero mortal, com respeito, cortesia e humildade, fazendo-nos sentir à vontade naquele ambiente de natureza austera e erudita. Ele, que sempre foi um autêntico paladino da Academia Piauiense de Letras, está agora onde poderá encontrar a verdadeira imortalidade. Que Deus o tenha!       

quinta-feira, 24 de maio de 2018

JORNAL INOVAÇÃO E A QUEIMA DOS TAPUMES

Fonte: Google/Jornal da Parnaíba
Fonte: Google/Jornal da Parnaíba
JORNAL INOVAÇÃO E A QUEIMA DOS TAPUMES

Elmar Carvalho
        
Fui hoje com o Canindé Correia à praia de Macapá, visitar o amigo comum Franzé Ribeiro. Para a nossa surpresa e satisfação, a sua mulher Clarice estava de aniversário. Tivemos uma palestra muito agradável com o Fabrício, filho dos anfitriões, Carol Porto e com o Érico Vinícius, que demonstraram ser jovens inteligentes, atualizados, de boa cultura e interessados em arte.

O nome do último foi uma homenagem prestada pelo seu falecido pai ao grande romancista gaúcho e ao famoso poetinha, na verdade um grande poeta, pelo que a palavra deveria ser usada no aumentativo e jamais no diminutivo. Já havíamos estado nessa casa algumas vezes, e sempre nos sentimos à vontade, quase como se estivéssemos em nossa própria residência.

Franzé e o Reginaldo Costa foram os fundadores do jornal Inovação, de cujo grupo fizemos parte este escriba, o Canindé Correia, Vicente de Paula (Potência), Flamarion Mesquita, Jonas Carvalho, João Maria Madeira Basto, Mário Carvalho, Jonas Carvalho, Porfírio Carvalho, Neco Carvalho, Ednólia Fontenele, Bartolomeu Martins, Danilo Melo e vários colaboradores, como Alcenor Candeira Filho, Karleno, Diderot Mavignier, Jorge Carvalho, Israel Correia e vários outros poetas e escritores. Esse jornal circulou do final da década de setenta até o começo dos anos noventa, em periodicidade mais ou menos mensal. Tinha suplemento cultural. Fazia entrevista. Entre outros, foram entrevistados Francisco das Chagas Caldas Rodrigues, Assis Brasil, Ladislau João da Silva, Alcenor Candeira Filho e uma prostituta. Fez pesquisa social, com metodologia científica, vez que os questionários eram elaborados pelo estatístico João Batista Teles.

Inicialmente, foi impresso em mimeógrafo, no formato apostila, tamanho A4. Foi o primeiro jornal parnaibano a ser impresso em off-set. O periódico pertencia ao Movimento Social e Cultural Inovação, que manteve uma biblioteca, durante muito anos, e promoveu palestras e debates. Graças a sua influência, surgiram vários outros jornais alternativos. Foi um jornal bravo e independente, que combatia a administração pública municipal, estadual e federal, ainda na época da ditadura militar.

Quando o prefeito João Batista Ferreira da Silva destruiu a bela e velha Praça da Graça, para construir uma modernosa, o jornal combateu ferozmente essa decisão, ainda mais porque o início da construção demorou. A campanha do jornal, numa época em que a radiodifusão e o jornalismo eram bastante atrasados, e em que a internet não existia, foi muito forte, e terminou movendo a opinião pública contra a atitude do prefeito, até que populares, revoltados com a situação, derrubaram os tapumes que escondiam os escombros da praça, empilharam-nos e os queimaram. Foi uma verdadeira festa popular, pois, no dia seguinte, houve uma espécie de carnaval, com vários carros desfilando em torno dos destroços da praça.

O Inovação era informativo, formativo e cultural, e vários importantes escritores, poetas e artistas plásticos publicaram suas produções nele. Foi, pelo menos durante alguns anos, o jornal mais lido e comentado de Parnaíba. Ainda hoje sinto uma nostalgia muito grande da falta desse jornal, e ter feito parte do grupo do Inovação é um de meus maiores orgulhos, e tem mais valor para mim do que certas honrarias.

*          *          *

Esta charge se encontra no livro PoeMitos da Parnaíba, com textos de Elmar Carvalho e ilustrações de Gervásio Castro

AS CHARGES DE GERVÁSIO CASTRO

De manhã cedo, estive na casa da mãe do Gervásio Castro, que está passando uma temporada em Parnaíba, sua terra natal. Radicou-se no Rio de Janeiro há várias décadas, e assimilou a parte boa do espírito carioca, sobretudo a maneira mais suave de encarar a vida e uma gostosa pitada de senso de humor. Foi ele que ilustrou os meus PoeMitos da Parnaíba, que publiquei em livro, a ser lançado brevemente em Parnaíba, em data a ser marcada pelo presidente da Academia Parnaibana, Antônio de Pádua Ribeiro dos Santos. 

Não nos conhecíamos pessoalmente, mas apenas através de e-mails e de telefonemas, embora tenhamos vários amigos comuns. Posso dizer que o Gervásio captou o que eu quis transmitir através dos PoeMitos de um modo tão perfeito, como eu jamais poderia imaginar. Soube retratar a parte satírica e erótica com muita criatividade, de modo sutil, elegante, delicado mesmo, que não agride a sensibilidade de ninguém, dando ao personagem graça, leveza, com certeira dose de humor, que disfarça a parte mais crua da nudez e de eventual escatologia de alguns dos poemas. 

Suas charges são coloridas, mas com cores que se harmonizam entre si e com o desenho ou retrato. Tentou extrair das personalidades o que elas tinham de mais belo ou de mais pungente. Seus traços são perfeitos, mesmo quando se avizinham da caricatura e sempre parecem respeitar as leis da perspectiva e da proporcionalidade, mesmo quando têm como objeto alguma deformação física. Por isso mesmo, mereceu o elogio do prefaciador, o mestre e doutor em Literatura Brasileira, Cunha e Silva Filho, crítico abalizado, ensaísta da melhor estirpe e cronista de mérito. 

Seu irmão, Fernando Castro, é outro monstro sagrado e consagrado da charge e da caricatura. O Gervásio está levando a cabo a missão difícil de ilustrar o poema épico moderno A Zona Planetária, de minha autoria, que pretendo transformar em livro, com o acréscimo de um ensaio sobre os velhos cabarés. Sem dúvida a cumprirá com brilhantismo, pois suas charges, em muitos momentos, têm rasgo de verdadeira genialidade. Será prefaciado pela Teresinha Queiroz, uma de nossas maiores escritoras e historiadoras, membro da APL, com vários livros importantes publicados. 

15 de fevereiro de 2010 

quarta-feira, 23 de maio de 2018

CONVITE MISSA



CONVITE MISSA

            O Presidente da Academia Piauiense de Letras e demais membros, agradecendo pelas manifestações de conforto, apoio, carinho e solidariedade recebidos no momento de imensa saudade, convida a todos para participar da celebração da Missa pela passagem do Sétimo Dia de falecimento do Acadêmico e poeta Herculano Moraes da Silva Filho.

            Dia 24 de maio de 2018 (quinta-feira)
            Data: 19:30h
            Local: Capela de São Miguel Arcanjo – Centro Pastoral Paulo VI
                        Avenida Frei Serafim   

AUSÊNCIA DE UM POETA

Fonte: Google


AUSÊNCIA DE UM POETA

Valério Chaves
Des. inativo TJPI

            Foi com tristeza que recebi a notícia da morte do amigo, acadêmico, intelectual, poeta, jornalista, radialista, político, redator e editor dos principais veículos de comunicação do Piauí, Herculano Moraes, ocorrida em Teresina , dia 17 de maio.

            Trata-se de um amigo de convivência profissional durante longo tempo, a partir dos anos 60, militando no rádio em Teresina e em quase todos os veículos de comunicação do Piauí. Um pesquisador e divulgador da literatura piauiense, enfim, um amigo que foi embora sem avisar a hora levando consigo um pouco da gente.

            Mas a vida nos é dada por comodato estabelecendo condições de vigência. A concessão dada à vida de Herculano chegou ao fim sem conter nenhuma cláusula de renovação contratual.

            Partiu cedo, deixando contribuições profissionais e pessoais, porquanto sempre foi exemplo de companheirismo, valorização da ética, do conhecimento e da cultura piauiense.

            Sua esposa, suas crianças, seus amigos, seus confrades de academias, não o tiveram ontem, não o terão amanhã, não o terão nunca mais para ajudá-lo a apagar as velas do bolo dourado da vida. Vida que ele construiu com trabalho intelectual retratando a literatura piauiense através seus poemas e poesias inesquecíveis. Em Seca, Enchente, Solidão revela-se um poeta telúrico sentindo na carne os sofrimentos de sua gente:

            "Órfão de tudo, de minha pátria e do mundo,
            tenho lutado contra seca e contra enchente
               comido o pão que o diabo amassou!
             E não tenho vergonha nunca de falar de minha origem
              Pois o ferro do qual sou feito
            de tão rijo e tão perfeito
            não terá, jamais, fuligem" (p.9)         

            Todos, porém, entendem o choro da sua ausência porque o choro, como disse alguém mais entendido, é companheiro constante e voz antiga da dor que, por sua vez, é a teimosa mensageira da morte.

            Pobres mortais, só nos resta dizer ao mundo com a voz que Deus empresta aos inocentes: Aos olhos dos descrentes, parece ter morrido. Ele, porém, está em paz.

            Essa condição ele mesmo revela:

            "Se me perguntarem outra vez por que sou tão silencioso e triste, responderei:
          -Deixem-me em paz". (p.77)