quarta-feira, 29 de novembro de 2023

TRÊS IRMÃOS EM TRÊS TEMPOS


                      

TRÊS IRMÃOS EM TRÊS TEMPOS


Elmar Carvalho

 

Recebi o livro “A Medicina, a Família e as Letras”, da autoria de Paulo Ferreira, de caráter autobiográfico. Nele, o autor conta a sua vida, desde o nascimento até a sua carreira vitoriosa de médico e de empresário do setor de saúde. Conheci o Paulo e seus irmãos Clemilton e Gilberto Ferreira, desde nossa adolescência e juventude.

 

Com eles mantive amizade e respeito recíprocos. Gostava de ouvir a gargalhada reverberante e altissonante do Clemilton, quando via ou ouvia alguma coisa engraçada. Certa feita, ao chegar a uma bodega, cumprimentei os presentes, e dirigindo-me a ele disse que ele era um gigante, um verdadeiro cavalo batizado.

 

Ele, no mesmo instante, respondeu-me que não, que apenas batizava os cavalos. Todos riram da resposta, e o Clemilton mais que todos. Não perdi o rebolado, como se diz, e retruquei: - “Então corre, vai buscar água, e batiza-te primeiro a ti mesmo, pois tu és o mais cavalo de nós”. Todos acharam graça do meu repente, inclusive o Clemilton, que disse eu não ter mesmo jeito, e querer ganhar sempre.

 

Ele, que nessa época, começo dos anos 70, fazia o curso de Técnica Agropecuária no famoso Colégio Agrícola de Teresina, foi abordado por um vizinho para fazer o diagnóstico de uma vaca que havia morrido. Respondeu que não poderia fazer tal coisa, porquanto se o animal estava morto só poderia fazer a necrópsia, e soltou o estardalhaço de sua vibrante gargalhada.

 

Quando foi trabalhar como técnico em agropecuária ganhou fama logo no início de sua carreira. Havia uma rês magérrima, quase à morte, pois se recusava a comer. Outros técnicos e veterinários examinaram a vaca e não conseguiram descobrir a doença. O nosso bravo Clemilton também foi chamado para solucionar o problema. Logo ao chegar, pediu que atravessassem um pau na boca do animal. Meteu-lhe a mão garganta adentro, e remexeu-a, atentamente e de forma circunspecta, de um lado para outro.

 

Descobriu um caroço de mucunã, entalado em sua garganta, mas o escondeu na mão, para valorizar o seu trabalho. Logo que pôde, guardou o caroço no bolso da calça, de forma discreta, de modo que ninguém visse. Depois, aviou uma receita para desinflamar a garganta bovina. E esperou o resultado. Depressa soube que o animal voltara a comer e que se encontrava completamente restabelecido. Ganhou fama de ser o maior “veterinário” da região e de ser quase milagroso.

 

O Gilberto é mais sisudo, embora também tenha senso de humor. De boa voz, rítmica entonação e de bom poder argumentativo, tornou-se respeitado advogado criminalista. Foi atuante e dinâmico líder estudantil, sendo um dos fundadores da AUCAM (Associação dos Universitários de Campo Maior). Presidiu a Casa do Estudante Pobre do Piauí, situada na Rua Rui Barbosa, em Teresina. Em sua gestão foi inaugurado o anexo, que fica por detrás do bloco antigo. Professor de História, certamente essa disciplina lhe serve para enriquecer e ilustrar a sua retórica forense. Foi, durante algum tempo, uma das lideranças proeminentes do PDT.

 

Quanto ao Paulo, veio para Teresina, onde cursou o 2º Grau e se formou em Medicina. Graças a seu esforço e tino administrativo e empresarial, construiu, aos poucos, mas sempre de forma segura, sem endividamentos temerários, o Hospital das Clínicas de Teresina. Dentro de seu planejamento e possibilidades, foi expandindo a área construída, com novos anexos e melhoramentos, e hoje pode ser considerado um dos grandes empreendedores de Teresina.

 

Já se prepara para construir um shopping na zona norte da capital, mais precisamente num grande terreno que possui na frente do HCT. Não duvido que esse empreendedor logo dará a Teresina um novo centro comercial; coisa, aliás, de que a capital já está precisando. Não deixou, contudo, de ser aquele rapaz simples, afetivo, amigo dos amigos, de sorriso largo e franco, além de ser o médico humanitário e vocacionado que é.

29 de junho de 2010

domingo, 26 de novembro de 2023

SONATA EM DOR MAIOR (*)

 

Fonte: Google

SONATA EM DOR MAIOR (*)


Elmar Carvalho

 

A mesa está posta,

mas os pratos estão vazios.

O meu povo não tem

talheres, nem colheres,

por isso come com

as mãos o que não

existe nos pratos.

O meu povo vota em

eleições para presidente

da república (de estudantes),

            mas sonha votar

            na eleição para

            Presidente da República

            Federativa do Brasil.

O meu povo deseja bater

palmas para as estátuas dos

            heróis libertários.

            Mas como se as mãos

            e os pés estão atados?

Em 1888 acabaram com a

escravidão no Brasil. Mas que escravidão?

            Se antes os escravos eram pretos,

            hoje são de todas as cores,

e cantam com raiva a “Esparrela do Brasil”. 

           Parnaíba,13.10.78

(*) Como é fácil de se notar, este é um poema "datado", mas, de certa forma, ainda é atual, se considerarmos certas mazelas do Brasil de agora, como, sobretudo, certas condições de trabalho, análogas à de trabalho escravo, e a miséria ainda reinante.

domingo, 19 de novembro de 2023

ALEGORIA DA FOME

 

Fonte: Google

ALEGORIA DA FOME


Elmar Carvalho

 

A pobreza um dia

bateu à minha porta

sob a forma de um menino

magro, sujo e maltrapilho.

E catou com suas mãos esquálidas

o sujo conteúdo

de meus sacos de lixo.

Foi quando eu saía

para o trabalho.

O menino, ou antes, um

bicho assustado correu.

Fui no seu encalço

em minha moto uivante.

O menino correu ainda mais,

varou cercas de arame farpado,

penetrou no terreno baldio por entre

arbustos espinhentos e urtigas,

com olhos e gestos de terror,

como se eu fosse espancá-lo.

E eu somente queria dizer

que ele podia catar o lixo.

Apenas não espalhasse

o resto do lixo

sobre a calçada.

Mas o meu pequeno irmão

feito bicho espavorido

tem medo dos outros bichos

que se dizem seu irmão.

E o meu irmão tem razão.

quarta-feira, 15 de novembro de 2023

Flagrantes da Expedição da APL a Pedro II

Fonte: Google

 

Flagrantes da Expedição da APL a Pedro II

 

Elmar Carvalho

 

Conheci a imperial cidade de Pedro II no final dos anos 1970, em plena juventude, numa viagem meio intempestiva e aventureira, que fiz de motocicleta, quando morava em Parnaíba. Ela era, então, uma linda e pequena urbe, bucólica e aprazível, de clima ameno, com um acanhado comércio. Com os seus casarões solarengos, ainda bem preservados, no entorno da Praça da Matriz, parecia uma cidade extraída de uma pintura magnífica.

Agora, passados mais de quarenta anos, me surpreendeu a pujança de seu comércio, inclusive com ampliações de imóveis e novas construções, ao longo de uma larga e bela avenida. Dez anos atrás, a revi novamente. Durante este decênio notei que ela cresceu muito. Perguntei a algumas pessoas a que atribuíam esse rápido progresso.

O notável economista Felipe Mendes me disse ser uma das causas o repasse de verbas federais, sobretudo a partir do governo FHC. Troquei ideias a respeito com o confrade Reginaldo Miranda, e chego à conclusão que outras causas devem ter contribuído, entre as quais: peculiaridades e atrativos locais, que atraíram o turismo, atividades agropecuárias, hortifrutigranjeiros, artesanato, extração e comercialização de opala etc. Deixo a palavra final com os economistas e estudiosos do assunto.  

À noite de sexta-feira, dia 10, dentro da meta de interiorização da Academia Piauiense de Letras - APL, houve a solenidade de nossa entidade, em parceria com a Prefeitura e a Academia Pedro-Segundense de Letras e Artes – APLA, ocorrida no Memorial Tertuliano Brandão Filho. Compuseram a mesa de honra Zózimo Tavares, presidente da APL, prefeita Elisabete Brandão, deputado Wilson Nunes Brandão, Pedro Barros, presidente da APLA, professora Fides Angélica, secretária geral da APL, Socorro Rios Magalhães, Viriato Campelo, vice-reitor da UFPI, Des. Luiz Gonzaga Brandão de Carvalho, presidente da Academia de Letras da Magistratura Piauiense, e Carlos José de Oliveira Santos, presidente da Câmara Municipal de Pedro II. Fonseca Neto, na qualidade de 1º secretário da APL, proclamou em alto e bom som as efemérides da Academia.

A professora Socorro Rios Magalhães fez uma excelente palestra, sobre o tema “Literatura Piauiense: Formação do Sistema Literário Estadual”, em que discorreu sobre os primórdios de nossa literatura, com as manifestações isoladas de escritores e poetas, como Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva, Leonardo de Carvalho Castelo Branco e José Coriolano de Souza Lima, até a formação de nosso sistema, com a existência do trinômio autor, obra e leitor. Em sua palestra de recepção à APL, o acadêmico (da APLA e da APL) Wilson Brandão abordou importantes fatos da história de Pedro II, bem como citou as mais ilustres figuras históricas do município, em diferentes campos de atividade, entre as quais Wilson Andrade Brandão, seu pai, que foi presidente da APL, jurista, historiador, autor de vários livros, professor da UFPI, secretário de Estado da Cultura e deputado estadual em vários mandatos.

Após a solenidade, participamos de um farto banquete na residência do casal Elisabete e Wilson Brandão, em que houve animado sarau poético-musical. Comidas e bebidas saborosas e variadas, houve à vontade. Logo à entrada, o confrade Plínio Macedo destacou que fomos “recebidos literalmente com um tapete vermelho”. Depois, pude notar que não fora apenas um “literal tapete vermelho”, mas também um metafórico tapete vermelho, pela fidalguia como fomos tratados e acolhidos. Sentei-me perto de Valério Carvalho, que já conhecia de vista, e do Raimundo Nunes, casado com Lourdes Amélia, irmã de nosso anfitrião.

Entabulei com os dois “vizinhos” uma profícua conversa sobre genealogia piauiense e sobre figuras ilustres de Floriano, terra natal de Valério. Logo que cheguei, este se interessou em folhear o meu minúsculo opúsculo “O Poeta e seu Labirinto”, uma seleta de apenas 21 poemas de minha autoria. Disse-lhe que não precisava ler os poemas, mas apenas o ensaio, nele contido, sobre a minha poesia, da lavra do professor Carlos Evandro Martins Eulálio. Tive a honra de autografá-lo ao Valério, que no dia seguinte me deu a auspiciosa notícia de que sua esposa, a médica Luciana, o havia lido na íntegra.

No sábado, cedo, fomos visitar o Mirante do Gritador. Passamos por três importantes povoados, que já começam a formar uma conurbação entre si e a cidade de Pedro II. Do mirante vimos uma deslumbrante paisagem, cercando um pequeno grupo de casas e um balneário. Em certo ponto do mirante, parece que o vento passa por uma espécie de boqueirão, e faz com que objetos leves levitem e não caiam no despenhadeiro.

O poeta Ernâni Getirana foi escalado para fazer uma breve palestra sobre a geografia e geologia do entorno. Ele nos explicou que ali, outrora, existira um mar. Acredita-se que o mesmo cataclismo que formou a serra da Ibiapaba, teve como consequência a formação do Morro do Gritador e teria escorraçado a água para a região de Luís Correia. Falou das lendas locais e do episódio que teria dado origem à denominação Morro do Gritador. Um jovem, que corria em perseguição a uma rês, teria sofrido um acidente e caído no abismo, arrastado pelo laço com que prendera o animal. Ao cair, soltara um grande grito, que reverberara nas pedras, através de sucessivos e amplificados ecos. Sugeri ao poeta uma outra versão, pela qual os gritos eram do pai, desesperado, à procurara do filho perdido. Isso me fez lembrar um poema de Mário de Andrade, sobre a Serra do Rola-Moça, cujos versos finais transcrevo:  

Ai, Fortuna inviolável!

O casco pisara em falso.

Dão noiva e cavalo um salto

Precipitados no abismo.

Nem o baque se escutou.

Faz um silêncio de morte,

Na altura tudo era paz ...

Chicoteado o seu cavalo,

No vão do despenhadeiro

O noivo se despenhou.

 

E a Serra do Rola-Moça

Rola-Moça se chamou.

Após, retornamos à cidade para conhecer ou rever as vetustas casas, em estilo colonial, da Praça da Matriz, em que se encontra um belo busto de Dom Pedro II, que declarou, que, se não fosse imperador, gostaria de ser professor. Exerceu com dignidade as atribuições (e consequentes atribulações) de seu cargo. Também vimos na sala de reunião da prefeitura um grande e esplêndido quadro, em que esse soberano foi retratado em perfeito trabalho de pintura. Infelizmente, não se sabe ao certo quem o pintou. Acredita-se tenha sido uma freira, professora de arte, do Colégio Sagrado Coração de Jesus, de Teresina, há cerca de 100 anos, que por modéstia não lhe teria aposto sua assinatura.

Ao atravessarmos a praça, o poeta Getirana nos avisou que no próximo ano pretende fazer um evento em seu espaço cultural Cruviana. Disse-lhe que desejava isso acontecesse numa noite enluarada, de forte cruviana, para que eu pudesse tomar uma generosa talagada da calibrina artesanal Cruviana, tendo como tira-gosto uma saborosa curvina.

A Jaqueline Nobre nos informou que iríamos ver as famosas redes, do artesanato local. Adverti que, já cansado da maratona, iria apenas me deitar numa rede, para melhor olhar minhas “redes sociais”. Ao chegarmos ao mercado, optei por ir tomar umas duas cervejas na boa e erudita companhia do confrade e amigo Carlos Evandro, no andar de cima, bem ventilado, que funciona como uma praça de alimentação. Visitamos também uma oficina e loja, em que as opalas eram lapidadas e transformadas em joias, onde ouvimos explicações sobre as minas, a extração das pedras e esse trabalho artesanal.  

Ao passarmos por uma floricultura, o amigo Fonseca Neto apontou para uma linda planta, com lindas flores roxas, quase esmaltadas, que disse ser um getirana. Não pude deixar de me lembrar do poeta, que ostenta esse florido nome. Também, por causa da cor dessas flores, me lembrei de um outro bardo que, já idoso, talvez nostálgico de sua mocidade, escrevera estes versos, acaso queixoso dos vívidos tempos idos e vividos:

E a saudade,

Que dizem ser roxa,

Ó como é bom lembrar

Um belo palmo de coxa.

Após deixar o local das redes e das rendas, eu disse para um grupo de amigos, que a uma “redeira”, que apenas poderia me enredar, eu preferiria uma “rendeira”, que tem renda, como o nome indica, embora pudesse ficar preso nos labirintos dos bilros e almofadas. Sorrimos, e voltamos ao hotel, para almoçarmos e retornarmos a Teresina. Antes, porém, vi o Des. Oton Lustosa com duas garrafas. Ao cumprimentá-lo, ele me disse que se tratava da cachaça artesanal Cruviana. Como eu lamentasse não a ter comprado, ele, gentilmente, me ofertou um dos frascos; disse-lhe que só a beberia quando fizesse uma forte cruviana em Teresina, quando a degustaria com um tira-gosto de curvina. Ele me informou que curvina, hoje, só as há, quiçá, na lagoa de Parnaguá.  

Fizemos uma boa e rápida viagem de retorno, sem nenhum incidente e acidente, ao menos dignos de nota, de modo que este escrivão dá por encerrado este breve relato.    

domingo, 12 de novembro de 2023

CIDADE GRANDE

 

Fonte: Google


CIDADE GRANDE


Elmar Carvalho

 

Dando (m)urros

no vazio

por causa da dor

                   da doidice

da vida

da vivida mediocridade

entre as ruas

                nuas sujas tristes

as ladras

     ladram como cães

e os cães

gemem como homens.

Na (c)idade

do lobo

o lobo-homem

é o lobisomem

      do homem.

Tudo é

ferro feio (en)ferrujado

ferindo feridas

já abertas.

Na cidade

na cilada

das suas ruas

surgem (g)ritos

lavados em sangue

lavrados a ferro e fogo.

Soltam berros

soltam (b)urros

prendem os b’rros

que incomodam.

Na cidade grande

onde não existe

pôr-de-sol

o homem gira e pira

       sem (gira)sol

       sem (guarda)sol.

sexta-feira, 10 de novembro de 2023

quarta-feira, 8 de novembro de 2023

Na Feira Literária de Caxias


Frederico Torres, Inaldo Lisboa e Elmar Carvalho

 

Na Feira Literária de Caxias

 

Elmar Carvalho

 

Estive em Caxias, alguns anos atrás, em duas ou três ocasiões. Pude ver as suas belas e velhas igrejas e os seus vetustos casarões e sobrados, que parecem ser o vestígio de uma época de fastígio econômico, sendo necessário dizer que a cidade se reinventou através do setor de serviço e comércio, como ocorreu com a nossa Parnaíba. Como não poderia deixar de ser, em seguida arrematei o passeio, indo à Veneza caxiense.

Em 7 de junho de 2011 publiquei em meu blog o meu texto “O Pantheon de Caxias”, em que falo um pouco de seu patrimônio arquitetônico, de sua história e dos velhos poetas e escritores, que são homenageados na Praça do Pantheon.

No panteão são destacados Vespasiano Ramos (e a sua sede ardente pela samaritana de seu imortal soneto), Francisco Dias Carneiro, industrial e poeta, que prefaciou um dos livros da poetisa piauiense Luíza Amélia de Queiroz, Coelho Neto, que “batizou” Teresina com o título de Cidade Verde, e Gonçalves Dias, o grande poeta nacional, o verdadeiro fundador de nosso Romantismo, pela qualidade de seus versos. Em tempos idos, conheci os boêmios e intelectuais Vitor Gonçalves Neto e Cid Teixeira de Abreu, professor da UFPI, poeta de excelente linhagem e fina tessitura, ambos visceralmente ligados a Caxias e Teresina.

Neste ano, em que se comemorou o Bicentenário do excelso poeta de Canção do Exílio, integrando comitiva da Confraria Camões, pronunciei uma palestra sobre o imenso bardo, na sede da Academia Caxiense de Letras. Falei sobre sua vida e comentei sua obra literária. Estavam presentes notáveis professores, escritores, historiadores e poetas de Caxias, entre os quais Eziquio Barros Neto, Wybson Carvalho, Erlinda Bittencourt, Francigelda Ribeiro e Edmilson Sanches. Da Confraria, entre outros, se encontravam na solenidade Nílson Ferreira, seu presidente, Jessé Barbosa, Frederico Rebelo e eu. Coroando tudo, à tarde, perto de nosso retorno, ainda tomei uma pinga no Bar do Cantarelli, reduto irredutível de intelectuais e boêmios. O proprietário ganhou esse honroso apelido em homenagem ao Flamengo e seu legendário goleiro, do qual é torcedor fla-nático. Posteriormente, participei de uma live, promovida pelo Institut Cultive Suisse Brésil, em que discorri sobre os poemas dramáticos de Gonçalves Dias, a qual se encontra disponível no You Tube.

Por último, fui convidado para ser debatedor na mesa-redonda “Interfaces entre a dramaturgia e a literatura”, juntamente com o escritor e professor Inaldo Lisboa, cineasta e dramaturgo. Foi um dos vários eventos artísticos e culturais da VI Feira de Literatura, Cultura e Turismo da Região dos Cocais – FLICT, e que teve a mediação do escritor e poeta Frederico Rebelo Torres.

Mesmo não sendo um homem de teatro, posto que não sou ator, diretor ou dramaturgo, resolvi enfrentar o desafio. Tentei encontrar, através das lojas internéticas, um livro sobre o assunto específico, mas não tive êxito em minha procura. Decidi, então, apelar para as lembranças de minhas leituras esparsas, ao longo de minha vida, e para o que aprendi com as poucas peças teatrais, a que assisti.

Na minha parte expositiva do debate, resolvi incluir o cinema, que considero filho da literatura, mas, talvez, sobretudo do teatro, conquanto seja fruto de sofisticada tecnologia, com o uso de muitos efeitos especiais e outros truques, e tenha cenas e cenários, mais amplos, mais flexíveis, mais dinâmicos. Ambos precisam de atores, de diretores e de um roteiro ou peça. Assisti a filmes e “dramas” ainda na minha meninice, porque havia em minha cidade o meu Cinema Paradiso, no caso o meu saudoso e inesquecível Cine Nazaré, e os circos mambembes de minha infância, que encerravam seu espetáculo com alguma peça teatral, muitas vezes tragédias lacrimejantes, a que meus pais me levaram algumas vezes.

Resolvi, em minha fala, ficar adstrito ao tema, sem entrar em digressões outras, sem tergiversações ou temas transversais. Como se diz, fui direto ao ponto proposto e dele procurei não me afastar. Dessa forma, falei dos pontos de contato entre o teatro e a literatura. Fiz o cotejo de suas afinidades e divergências, de suas vantagens e desvantagens comparativas, de suas limitações e possibilidades.

Disse que, no teatro ou no cinema, o assistente tem que acompanhar o seu tempo, a sua duração, e não pode “dar asas à imaginação”, uma vez que o cenário, as personagens e os sons são mostrados, no palco ou na tela, ao passo que na literatura o leitor pode imaginar o aspecto e detalhes de uma paisagem, as feições e a voz da personagem etc., e pode diminuir o ritmo da leitura, para melhor entendimento e reflexão. Evidentemente, deixei claro que o público ledor é cada vez menor, ao passo que o teatro, o cinema e os audiovisuais se tornam cada vez mais atraentes, mais aliciantes, com um público consumidor cada vez mais vasto.

Fiz a viagem a Caxias em companhia de meu amigo Frederico Rebelo Torres, que chamo de Dom Frederico de las Torres, bom camarada que me deu carona, e que não vive encastelado em altas torres ebúrneas. No parque ambiental, onde ocorria a Feira, contamos com a solicitude da professora universitária Francigelda Ribeiro e do poeta Wybson Carvalho, que faziam parte da organização da FLICT, realizada no período de 17 a 19 de outubro do corrente ano.

E constatamos que a Feira se tornou um acontecimento literário muito grande, poderoso e de alta qualidade, com dezenas de eventos realizados a cada dia, tais como palestras, debates, entrevistas e lançamentos de livros, e que efetivamente promove a literatura, os escritores e os poetas, dando-lhes visibilidade, porquanto conseguiu atrair razoável e interessado público.  

domingo, 5 de novembro de 2023

GALO MAGRO

Foto meramente ilustrativa   Fonte: Google

 

GALO MAGRO


Elmar Carvalho

 

Galo Magro

         não tinha

         penas multicores

         não tinha canto

         nem encanto

         não tinha crista

                  nem cristais de prata.

Sim, senhores, porque Galo Magro

        era apenas o apelido

        de um menino pobre,

        de um menino feio,

        de um menino com fome,

        de um menino sem nome,

como milhares de

outros meninos do Brasil.

        Galo Magro

        jogava bola

mas um dia

para driblar a fome

encravada no seu bucho

ainda menino foi ser

motorista de táxi.

        Um dia,

        um dia como

        outro qualquer,

        um dia simples

sem exuberância de sol

e sem adorno de nuvens

um homem mandou

que o Galo Magro

fizesse uma corrida

        à passagem do

        “Vai-não-Volta”.

        E o Galo Magro

        foi e não mais voltou.

Foi encontrado morto

        com o olhar de

        vidro absorto

        fitando o vazio

        do sem futuro.

Foi encontrado morto

        com os olhos tristes abertos

        fitando talvez a quimera

da vida perdida de quem nada espera

da vida perdida

de pobre diabo

completamente morto

morto ainda em vida

de morto morto e acabado.

 

                (Uma rosa rubra de sangue coagulado

                brilhava muito viva e linda em seu

                peito frágil de Galo Magro magro.)

sábado, 4 de novembro de 2023

Poeta da Estação ou Helano, o último heleno

Fonte: Google/Maria Luselene

Vieira Jr. e Helano Lopes



 

Poeta da Estação ou Helano, o último heleno

 

Elmar Carvalho

 

No dia 28 passado, sábado, ainda cedo, fui a Campo Maior. Tinha o compromisso de cumprir uma missão na Academia Campomaiorense de Ciências, Artes e Letras. Iria proferir o discurso de recepção ao acadêmico Gildário Dias Lima. Fui em companhia de Fátima, do escritor e crítico literário Carlos Evandro Martins Eulálio e de sua esposa Rita.

Tendo chegado com boa antecedência, fiz o contorno do mimoso e pequenino Açude Grande, sem pressa, e me dirigi à velha Estação Ferroviária da cidade, que se encontra em estado de quase abandono, e já um tanto deteriorada. Nesse prédio funcionava o célebre Museu do Zé Didor, que seria referido em meu discurso, por ser o antecessor do novel acadêmico Gildário.

Vi a vila de casas, onde residiam funcionários e militares do BEC, que contribuíra para a construção da via férrea da antiga Estrada de Ferro Central do Piauí - EFCP, vinda da outrora Amarração, hoje Luís Correia. Ali, ainda vi desfilar uma velha “maria fumaça”, cujos penachos de fumaça e vapores, além das negras ferragens e engrenagens, me despertavam certo pavor. Vi também a Praça da Estação, outrora bonita, bem conservada, com seus monumentos ornamentais. Precisa ser restaurada, para que readquira a sua antiga beleza. Nela, à noite e ao ar livre, nos anos 1960, eram exibidas películas cinematográficas.

Como não poderia deixar de ser, me lembrei do Poeta da Estação, o Helano Lopes, que, em alusão ao seu nome, chamo de o “último heleno”. Sabia que logo mais iria revê-lo na solenidade de posse, como de fato revi e cumprimentei com efusão. Após pronunciar o meu discurso, retornei a meu lugar, na plateia. Helano sentou-se ao meu lado e me parabenizou pelo discurso, com vívido entusiasmo. Em seguida, sacou um pedaço de papel e começou a escrever de forma concentrada. Ato contínuo, me repassou o seguinte texto, que para mim vale mais do que certas homenagens:  

“És o alfaiate

Na arte de escrever –

Que hábil prazer

Tens ao alinhavar

As palavras no cerzir

Dos diversos fatos –

Bordando ágil

As formas poéticas

Orquestrando

A rima na harmonia

Do ser pleno e sereno

Poeta mor!... vibrante

Filho de Campo Maior

            ESPECIAL

Ao irmão e poeta

ELMAR CARVALHO”

Em seguida vem a data e a sua assinatura personalíssima, que é uma verdadeira obra de arte, sob a qual colocou seu epíteto literário – POETA DA ESTAÇÃO.

Não bastasse isso, o irmão e poeta Helano Lopes, no grupo de WhatsApp da ACALE, postou o seguinte comentário, que muito me desvaneceu, com o qual encerro este arremedo de crônica:

“O discurso de Elmar me fez, fazer de improviso um curto poema num limitado pedaço de papel que saquei de minha carteira. Fiz este, ladeado pelo titânico aedo Elmar! Nobre e fidedigno confrade e irmão maçônico. Um naipe raro e magnânimo da plêiade campomaiorense. Um alfaiate do dom de escrever e falar. Atento ao seu magnífico discurso, vi e ouvi alinhavar com maestria os tópicos dos fatos que iam sendo expostos por este. Cerzia com habilidade e plena sabedoria as palavras, as expressões e sinônimos no âmago da plateia atenta.  Que glória! Nobre vate, sentir e ver ressoar nos meus tímpanos o som orquestrado de tuas palavras.  Gratidão Mestre! Shalom! Poeta da Estação. Bairro Estação.  01/11/2023; 09:45.”

Só me resta dizer: Muito obrigado, poeta Helano, por suas esplêndidas e generosas palavras. Deus lhe pague!  

quinta-feira, 2 de novembro de 2023

Dia de Finados

 


DE MÃOS DADAS (*)

Fonte: Google

 

DE MÃOS DADAS (*)


Alcione Pessoa Lima

 

Não é costume meu buscar qualquer caminho...

Não sou indiferente ao sol dourado,

Mas, o meu olhar prefere o escarlate do fim da tarde,

Mesmo fugindo da agonizante despedida...

Abraçado à flor que cumpriu sua missão: enfeitar o mundo e perfumar vidas.


O que me faz esperar até a última claridade

É a felicidade de poder guardar aquela imagem

E mesmo quando a memória me faltar, o inconsciente revelar-me.

No fundo da alma toda a beleza do fim. 


Não prevalecerá a saudade, mas o sorriso e o toque,

E o cheiro do amor espalhado...mesmo da pétala murcha...


Quando de volta, ao cair da noite, não será a escuridão o meu guia...

O brilho no olhar, o sorriso que abraça, as marcas do aconchego

Serão perenes, como o amor envolvente de mãe e filho.


(*) O poeta fez esse texto nos últimos dias de sua mãe.

Caçando Pedrinho

Fonte: Google




Caçando Pedrinho



*Fabrício Carvalho Amorim Leite



E era onça mesmo!


Com isso, inicia-se a saga de Pedrinho e sua turma, no Sítio do Picapau Amarelo, de Lobato, preparando-se para a arriscada aventura de enfrentar a famosa e terrível onça da Toca Fria, em Caçadas de Pedrinho.


A sequência é violenta, com tiros de canhão, facas e coronhadas. Nos últimos momentos do animal, assim atacada de todos os lados, a onça não teve remédio senão morrer. Estrebuchou e foi morrendo. Quando deu o último suspiro, Pedrinho, no maior entusiasmo de sua vida, entoou um canto de guerra: - Ale guá, guá, guá...


Hoje, vejo a narrativa com um tiquinho a mais de maturidade. Afinal, é uma obra de 1933. E a selvajaria ainda é própria dos humanos.


No entanto, há um fetiche em cravar as garras na obra de Lobato, sob a batuta da onipresente, e radical patrulha do cancelamento.


São sentimentais (ou afoitos ao julgar), e colocam o Sítio na mira das teclas e críticas.

Caçam as palavras politicamente incorretas ou ofensivas - e conseguem, às vezes, fazer com que editoras cortem trechos devido à pressão econômica.


Como bisbilhoteiro que sou, descobri que há sessenta e cinco palavras relacionadas a caça, caçadas, caçadores e setenta menções a onças em Caçadas de Pedrinho.


Em seguida, imaginei o título da obra sendo abatido pelo safári digital, transformando-se em “(Caçadas) de Pedrinho”, tachado.


Acaso, se houvesse a revisão da obra, cortando-se só essas palavras, jamais liberariam a tal caçada do infrator Pedrinho, dando-lhe, de brinde, um belo sermão e conduzindo todos ao delegado.


Não seria incrível criar uma Delegacia de Censura de Diversões Públicas na Internet (DCPI), seguindo-se com o parecer: “O presente livro, retrata maus-tratos contra uma onça indefesa, cometidos por crianças, em um livro infantil, com linguagem bastante antiecológica e cruel para o século XXI. Portanto, ao nosso ver, opinamos pela Não Liberação”.


Felizmente, mesmo com risco de Lobato, Pedrinho e sua turma serem caçados e cancelados, não considero ofensivo para as crianças lerem o texto original. Isso porque a formação de um bom leitor crítico requer a premissa de não aceitar tudo que lê.


Quando criança, assisti a muitos episódios do Sítio e, mesmo assim, não me tornei um exímio caçador de onças ou especialista no ramo de safáris.


Aliás, não sou de gabolices. E o mais próximo que chego de ser um bom caçador é atirar com espingarda de chumbinho em circos, abatendo bombons e chocolates.


Ah, como amaria que Emília, com seu pó de pirlimpimpim, me transportasse para o Sítio do Picapau Amarelo original, me livrando desta tediosa e cruel expedição de caça.


E era Pedrinho mesmo!

(*) cronista e contista

quarta-feira, 1 de novembro de 2023

DISCURSO DE RECEPÇÃO A GILDÁRIO DIAS LIMA (*)

Fotomontagem: Elmara Cristina

Elmar Carvalho e Gildário Dias Lima


 

DISCURSO DE RECEPÇÃO A GILDÁRIO DIAS LIMA (*)


Elmar Carvalho

 

Nesta manhã festiva e engalanada, tenho a honra de, em nome da Academia Campomaiorense de Ciências, Artes e Letras - ACALE e de todos os seus membros, receber o neófito acadêmico Gildário Dias Lima, cidadão de muitos méritos, louros e troféus, conforme adiante informarei.  

Portanto, a sua presença entre nós engrandecerá e fortalecerá os pilares de nosso sodalício. A solenidade de posse torna o eleito, de fato, acadêmico, e o dia de sua posse constitui a data mais importante de sua vida acadêmica, cuja efeméride deverá ser proclamada em nossas reuniões, nas ocasiões propícias, como acontece em outras academias.

Nasceu Gildário Dias Lima em Campo Maior, no dia 7 de dezembro de 1983, filho de Adelmo Bezerra Lima e Isabel Maria Dias Lima, que sempre o incentivaram em seus estudos e em suas vitórias intelectuais, e aqui se encontram, com justo orgulho, para aplaudi-lo neste novo e importante triunfo, em que a coroa de louros da imortalidade acadêmica orna a sua fronte.

Em sua cidade natal, a bucólica e bela Terra dos Carnaubais, no período de 1990 a 1998, cursou a Educação Infantil e o Ensino Fundamental I e II, na Unidade Escolar Patronato Nossa Senhora de Lourdes. Ali também estão situados, no cimo da suave colina, uma singela ermida e uma gruta, que, em minha adolescência, tantas vezes contemplei, na época em que essa paisagem era apenas um largo de terra nua, ornado de capim e flores silvestres, onde se realizavam os festejos anuais da Santa, com quermesses e leilões. Por lá vi desfilarem belas e graciosas normalistas, vestidas de azul e branco.    

Gildário fez o Ensino Médio, entre 1999 e 2002, no Educandário Leonardo da Vinci (Campo Maior), que homenageia a mais importante figura da Renascença. Da Vinci, além de pintor, poeta, músico e escultor, foi inventor, arquiteto, engenheiro e homem de ciência. Como também, escritor e cientista, veio a se tornar Gildário Dias Lima.  

Sua graduação e mestrado foram feitos na Universidade Federal do Piauí – UFPI, no período de 2003 a 2010. De 2014 a 2020, conquistou a láurea máxima, o doutorado em Física, pela Universidade Federal Fluminense (Niterói – RJ).

Foi cofundador e membro das seguintes entidades, entre outras, onde apresentou projetos e participou de eventos: Instituto de Tecnologia, Ciências e Inovação do Delta do Parnaíba (Delta TIC’s), Primeiro Fórum de Tecnologia, Ciências e Inovação do Piauí (FORTIC’s), Membro fundador da Organização não Governamental Cajuína Tech, Universidade Federal do Delta do Parnaíba, Startup Outlier Medical Automation, The Hub – Primeiro HUB de Tecnologia do Piauí, Membro da Comunidade Carnaúba Valley do Norte do Estado do Piauí,  Membro do Programa de Pós-graduação em Engenharia Elétrica da Universidade Federal do Piauí.

Conquanto ainda jovem, recebeu as seguintes homenagens e honrarias: Cidadão Honorário de Parnaíba, Comendador da Ordem Renascença do Estado do Piauí, Título de Filantropo da Câmara Municipal de Campo Maior e Medalha do Mérito Legislativo “Vereador Simplício José da Silva”.  

Entre a vida do conterrâneo Gildário e a minha, encontro alguns pontos de contato, aos quais me referirei.

Foi ele, ainda jovem, exercer o cargo de professor na Universidade Federal do Piauí, da qual mais tarde se desmembrou a Universidade Federal do Delta do Parnaíba – UFDPAR, onde continua professor respeitado, além de exercer outras atividades, inclusive de extensão, a que me referi acima.

Eu e minha família fomos morar em Parnaíba em 1975, quando era um bisonho jovem de 19 anos de idade. Tinha apenas “duas mãos e o sentimento do mundo” e a cabeça povoada de sonhos e utopias. Em 1977 ou 1978, já trabalhando na ECT – Empresa de Correios e Telégrafos e estudando no curso de Administração de Empresas (UFPI – Campus Ministro Reis Velloso), nostálgico de Campo Maior, escrevi o meu poema Cromos de Campo Maior, do qual extraio estes poucos versos:    

Açude Grande

apenas no nome, mas pequeno

na paisagem ampla dos descampados.

Tuas águas cinzentas

azularam-se em minha saudade.

Tuas águas barrentas

são tingidas de azul pelo

azul do céu que se espelha

em tuas águas de chumbo.

No umbral de seus quarenta anos, toma Gildário, no dia de hoje, posse na Academia Campomaiorense de Artes e Letras.  

No Iate Clube Laguna, à beira do formoso Açude Grande, mais de vinte e cinco anos atrás, aos 41 anos de vida, tomava eu posse na Academia de Letras do Vale do Longá. Naquela ocasião, falei sobre as demolições de edifícios antigos de Campo Maior, lendo parte de meu poema o qual dizia que literalmente haviam tombado a Fazenda Tombador. Décadas antes já havia sido demolida a velha e bela Igreja Colonial de Santo Antônio do Surubim. Adverti que, se providências não fossem tomadas, as velhas casas da Zona Planetária cairiam.   

Infelizmente, fui um bom profeta. Seis ou sete anos depois, num “inverno” rigoroso, de fortes e torrenciais chuvas, ruíram os velhos lupanares, cujos escombros úmidos, tristonho contemplei. Depois, quase sub-repticiamente, foram desaparecendo outros prédios, por causa da ganância, da insensibilidade ou da incúria do poder público. Concito os confrades para que sejamos os guardiões desses vetustos prédios, sobrados e casarões solarengos, inclusive do Cemitério Velho; este deveria ser transformado em Museu e Memorial a céu aberto. Em homenagem ao saudoso arquiteto Olavo Pereira da Silva Filho, nosso conterrâneo, peço vênia para recitar apenas os versos iniciais de meu poema A Zona Planetária:

Anfion percorre os sulcos

dos discos das vitrolas e as

emoções são alinhadas pedra a pedra.

Apolo é qualquer moço feio

que nos vitrais Narciso se julga.

De repente, Átropos corta o fio da vida

que era tecido pelas Parcas lentamente

pelos golpes de facas, adagas ou estiletes

nas mãos de um velho Pã embriagado.  

Gildário nasceu e se criou em sua terra natal. Porém, aos 22 anos de idade, foi estudar no Rio de Janeiro, de onde retornou aos 29 anos, com o   título de doutor em Física e com habilidades em tecnologia aplicada. Fora ele à procura, talvez, do pássaro azul da felicidade, assim como eu, aos 16 anos, fui em busca da pedra azul de minha serra encantada, de minha serra encardida.  

Tornou-se professor do Campus da UFPI, em Parnaíba, que logo veio a ser, com a sua parcela de contribuição, a Universidade Federal do Delta do Parnaíba. Por esse e por outros bons serviços prestados ao município, Gildário recebeu o Título de Cidadão Parnaibano, título este que tenho a honra de também haver recebido. Protagonista do setor tecnológico no Estado do Piauí, hoje se dedica a criar tecnologias disruptivas, que têm o objetivo de solucionar problemas, tornando a vida mais agradável.  

Enquanto ele, amante da ciência e das artes, vislumbra inefáveis belezas nas fórmulas e nas equações da Física e da Matemática, eu, ao contrário, reconheço que elas nada me ensinaram, exceto o terror, como explanei nestes versos:

A matemática

me enlouquece:

por isto meu pensamento

salta de mais infinito

a menos infinito

e explora as amplidões

do universo, enquanto

meus olhos vidrados

fitam a álgebra

sem vê-la.

E a minha abstração

me leva ao infinito

que meu corpo

me nega.    

Meu caro Prof. Dr. Gildário, você irá ocupar a cadeira 18 de nosso Silogeu, que tem como patrono o poeta, escritor e historiador Reginaldo Gonçalves de Lima, pernambucano de Jaboatão dos Guararapes, mas que se fez Campomaiorense como os que mais o sejam. Dele, em prefácio ao seu primoroso livro Geração Campo Maior – anotações para uma enciclopédia –, colhi o ensejo para dizer:

“Reginaldo Gonçalves de Lima veio conhecer os largos e planos tabuleiros, pontilhados de carnaubeiras, e ficou. Ficou para sempre encantado com a exuberância da paisagem, onde pontificam a sinuosidade do Surubim, o recorte do debrum azul da serra e o ondular manso e manhoso do açude. Tomou-se de amor pela terra e escreveu, talvez como retribuição e oferenda, este Geração Campo Maior – anotações para uma enciclopédia.

O subtítulo diz tudo, diz mesmo demais. Realmente, o livro é quase uma enciclopédia, chega a ser de fato uma enciclopédia pela massa de informações que contém, pela variedade de assuntos enfocados.”  

Merece essa esplêndida obra ser reeditada pelo poder público, com urgência, porque nela estão a memória dos principais fatos de nossa história e a síntese biográfica de ilustres Campomaiorenses.

E será o sucessor de José Cardoso da Silva Neto, o popular Zé Didor, o Tremendão de nossa boa e velha Jovem Guarda local, figura acolhedora, alegre e extrovertida, paladino quixotesco da memória artística e histórica de nosso torrão, que exerceu as atividades de escritor, memorialista, “historiófilo” e “museófilo”, como consta em seu curriculum na Revista Acadêmica, edição 01, ACALE, 2013, cuja obra magna, com a qual será imortalizado, foi haver criado o seu legendário Museu, através do qual amealhou, ao longo de décadas de esforço constante e tenaz, milhares de objetos históricos, de obras de arte e de valiosos e importantes documentos que agora deveriam ser preservados por algum órgão público.

Como esta solenidade está sendo realizada nesta Casa de Vereadores, não resisto à tentação de prestar rápida e singela homenagem ao Tenente Simplício José da Silva, posteriormente Tenente-Coronel, que pertenceu ao antigo Senado da Câmara de Campo Maior. Foi ele um dos maiores heróis da Guerra pela Independência do Brasil, tanto porque combateu na Batalha do Jenipapo, quanto porque, a seguir, perseguiu Fidié, em verdadeiros combates de guerrilha, e ainda porque, com mãos firmes e austeras, imprimiu ordem ao caos e à anarquia que se instauraram na vila de Campo Maior, em meio a roubos e assassinatos, após a sangrenta Batalha. Peço que aqui seja afixado o retrato desse destemido e altivo herói, ainda que simbólico, imaginário ou idealizado, legendado com a síntese de seu perfil, lavrado pelo Mons. Chaves, que foi o seu grande e incondicional admirador.    

Aqui, neste centro histórico de Campo Maior, outrora, nos festejos de Santo Antônio, a bandinha do Antônio Músico (Antônio Bona Neto) atacava com o dobrado Capitão Caçula e outros dobrados e marchas, sob  lágrimas coloridas e encantadoras da pirotécnica; aqui, outrora, existiu a primeira igreja de Santo Antônio do Surubim, erguida pelo Marechal de Campo Bernardo de Carvalho e Aguiar, último Mestre de Campo das Conquistas do Piauí e do Maranhão, fundador de currais, igrejas e cidades, entre as quais a nossa amada cidade, a velha e quase mítica Bitorocara.  

Aqui, nesta bela Praça Bona Primo, felizmente, ainda podemos ver o vetusto casarão solarengo da professora Briolanja Oliveira, que abriga a nossa Academia, e que agora há de acolher e agasalhar o acadêmico Gildário Dias Lima, com o aplauso caloroso de todos nós e o afeto amigo de seus pares. 

Seja bem-vindo e adentre o velho e histórico solar, hoje casa de Ciências, Artes e Letras.  

 

(*) Discurso proferido por José Elmar de Mélo Carvalho, em recepção ao acadêmico Gildário Dias Lima, em solenidade da Academia Campomaiorense de Ciências, Artes e Letras – ACALE, ocorrida no dia 28 de outubro de 2023, no plenário da Câmara Municipal de Campo Maior.