quarta-feira, 31 de março de 2021

A título de posfácio

 


DIÁRIO

[A título de posfácio]

Elmar Carvalho

31/03/2021

Quando a pandemia foi dada como já estabelecida no Brasil, tomei a decisão de tentar manter a deliberação que havia tomado quando me aposentei na magistratura estadual, em 20 de dezembro de 2014, com mais de 39 anos de serviço público e 17 de atividade judicante, qual seja, diminuir meu horário diante da televisão, diversificar meus interesses e atividades culturais e outras, dar continuidade às postagens em meu blog, e prosseguir em minhas caminhadas na Avenida Raul Lopes.

Portanto, com o advento da pandemia mantive essa situação, menos a parte da caminhada, até porque ficou proibida no local em que eu a praticava. Posteriormente, passei a fazê-la na quadra de nosso condomínio. A outra coisa com que me preocupei, e para isso fazia as minhas orações e leituras de edificação espiritual, foi trabalhar a minha mente, no sentido de não me contaminar por tristeza e depressão, inclusive com o objetivo de não transmitir a familiares e outras pessoas eventuais negativismos.

Por conseguinte, continuei a ler, a escrever, sobretudo crônicas, a ver meus filmes pela Netflix e pela Prime/MGM. Como disse, reduzi o período em que assistia aos noticiários televisivos, para que me sobrasse mais tempo para as minhas atividades intelectuais e literárias. Ainda no início da pandemia, mais precisamente no dia 20/03/2020, resolvi iniciar o meu “Diário em tempos de pandemia”, que por conseguinte completou mais de ano. Vem sendo publicado como uma espécie de folhetim internético, mas pretendo publicá-lo no formato impresso, quando cessar estes dias sombrios.

Devo dizer que este meu Diário, a exemplo do “Diário Incontínuo”, que mantive por mais de seis anos, não se destinava a registros de “abobrinhas”, de fatos vulgares do cotidiano ou quaisquer outras banalidades. Na verdade, o meu objetivo era nele publicar textos, mormente crônicas, que pudessem ter algum valor literário. Essas matérias deveriam ser suscitadas por leituras, conversas, lembranças ou mesmo algum fato que eu julgasse interessante, seja pela jocosidade, pela estranheza ou pela importância cultural ou histórica, que pudesse ter. Algumas notas foram originadas de mensagens de WhatsApp, que recebi ou enviei. Em duas ou três oportunidades fiz uma montagem delas. Procurei escrever um, dois ou três textos a cada sete dias; no mínimo um foi a minha meta, que eventualmente pode ter sido quebrada por algum motivo alheio à minha vontade.  

Assim, esse livro diarístico contém crônicas puras e as crônicas que denomino de memorialísticas e/ou ensaísticas, além das que abrigam críticas ou comentários literários. Em muitos desses textos comentei livros, assuntos culturais e até mesmo fatos históricos. Como não quis elaborar um simples diário, devo dizer que em algumas destas páginas publiquei contos, microcontos e poema, feitos nestes tempos pandêmicos. Alguns foram suscitados por sonhos. De forma que, bem ou mal comparando, este volume é um bazar de variedades ou um baú de guardados, e de espantos e surpresas.

Ao longo desse mais de ano de distanciamento social, participei de várias reuniões e palestras virtuais. Quase todas foram publicadas no You Tube. Muitos desses eventos virtuais considero tenham sido importantes, tanto que os reduzi a textos, e os publiquei nestas páginas diarísticas. Entre eles cito apenas estes: as reuniões da APL em que discutimos o ensino de literatura piauiense nas escolas, importante conquista da gestão do presidente Zózimo Tavares; a que teve como tema a cidade de Teresina, em comemoração a seu aniversário; a em que discutimos a conservação do pouco que ainda resta do Meduna; Chá das 5 (TV Nestante/APL), em que palestrei sobre a Oficina Literária da APL; e as várias lives promovidas pelo confrade Dílson Lages Monteiro, através de seu site Entretextos, referentes às comemorações dos 179/180 anos em que Barras passou à categoria de vila; Leituras Compartilhadas de Rosa dos Ventos Gerais, livro de minha autoria; a que tematizava a Esperança e uma que abordava as gerações literárias contemporâneas de Parnaíba (em que houve a participação dos poetas e escritores Claucio Ciarlini e Jailson Júnior).

Posso dizer, e este Diário é um retrato e uma prova disso, de que estive bastante ativo até este momento, em que as vacinas já começam a ser aplicadas, embora de uma forma muito lenta. Essa lentidão concorre para que o cenário atual seja o de aumento elevado no número de mortes e de infecções; estas, muitas vezes, deixam sequelas graves, que perduram por muito tempo.

Creio que a pandemia não foi uma praga lançada por Deus, por causa dos abusos cometidos pela humanidade nos dias de hoje, como excessos no consumismo, na busca desvairada por riquezas, prazeres, sejam sexuais, gastronômicos, etílicos ou proporcionados por substâncias químicas, etc., fora os grandes crimes e pecados que se cometem a todo momento, inclusive contra o meio-ambiente. Dessa forma, entendo que o homem apenas está tendo o retorno de tudo quanto vem praticando de errado, ao infringir as leis naturais e as de Deus, inclusive com certos experimentos e indústrias, nem sempre éticos, como fabricação de armas químicas e biológicas. Cabe a cada um de nós refletirmos e nos corrigirmos. Não precisa de nenhum sacrifício, basta que sigamos a Lei de Ouro, deixada há dois mil anos por Jesus Cristo.

Contudo, mantive a Fé e a Esperança. Tenho Fé e Esperança em Deus de que a covid-19 será vencida, com o surgimento de outras vacinas e medicamentos mais eficazes. Reconstituindo o que disse na live sobre a Esperança, lembro que no portão de entrada do inferno dantesco se vê o terrível e acabrunhante letreiro: “Lasciata ogni speranza, voi ch’ entrate”. Deixai toda a esperança, ó vós que entrais.

Mas com toda Fé e Esperança que mantenho e tento manter todo dia, através de livros de edificação moral e espiritual e mormente através de orações, eu ouso afirmar que não perdemos a Esperança ao entrar no inferno, mas que o inferno é a própria perda da Esperança. Assim, exorto, persistamos, e mantenhamos a Fé e a Esperança.    

terça-feira, 30 de março de 2021

Minha conversão a Jesus Cristo

Fonte: Google/Rádio Coração




DIÁRIO

[Minha conversão a Jesus Cristo] 

Elmar Carvalho

29/03/2021 

No princípio, era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por intermédio dele, e sem ele nada do que foi feito se fez.

Início do Evangelho de São João    

Dias atrás, ao participar de uma sessão virtual da Academia Piauiense de Letras, eu disse que considerava meus confrades como uma extensão de minha família, e que, portanto, eu deseja compartilhar um acontecimento importante de minha vida. Tentarei reconstituir o que lhes disse então. Outrora, na empolgação de minha ardente juventude, disse, no impulso de um poema, que gostaria de ser um simples lavrador.

O saudoso José Parentes de Sampaio, alto funcionário do Ministério da Fazenda, entre divertido e irônico, falou, mal terminara a minha declamação: “Poeta, ainda está em tempo de você realizar o seu sonho; você ainda é muito jovem”. Os circunstantes sorriram, alguns até talvez tenham gargalhado, mas não me deixei abater.

Caindo em mim, e me lembrando de quão sofrida é a vida de um rurícola, respondi que, na verdade, já era tarde, que já estava acostumado com o conforto da cidade, e que por isso minhas mãos se tornaram muito finas, acostumadas apenas ao manejo de uma caneta ou às teclas de uma máquina de escrever. E que a minha pele já não se acostumaria ao sol causticante que castiga o nosso Nordeste, sobretudo nas caatingas, no semiárido e nos sertões adustos.  

Por essa época e mesmo até muitos anos depois, eu achava que para mim talvez fosse melhor se eu tivesse uma vida frugal e uma Fé simples. Meus pais, que sempre foram muito unidos, gostavam muito de uma canção, que por vezes cantarolavam, cuja estrofe inicial [da letra] era esta:

Fiz uma casinha branca lá no pé da serra

Pra nós dois morar

Fica perto da barranca do rio Paraná

O lugar é uma beleza

Eu tenho certeza, você vai gostar

Fiz uma capela, bem do lado da janela

Pra nós dois rezar

Hoje sei, com base no aforismo, que é sempre mais bonita ou mais verdejante a outra margem do rio. Muitas vezes não damos valor ao que temos, para gostar muito mais do que não temos. Uma pessoa só inveja no outro (ou do outro) aquilo que não tem. Por isso mesmo, Fernando Pessoa escreveu estes versos, sobre as coisas que não se tem, integrantes do poema Ao volante do Chevrolet pela Estrada de Sintra:

“(...)

Vou passar a noite a Sintra por não poder passá-la em Lisboa,

Mas, quando chegar a Sintra, terei pena de não ter ficado em Lisboa.

(...)

À esquerda lá para trás o casebre modesto, mais que modesto.

A vida ali deve ser feliz, só porque não é a minha.

Se alguém me viu da janela do casebre, sonhará: Aquele é que é feliz.”  

Esses versos bem se harmonizam com aqueles da poeta Cecília Meireles, constantes do poema “Ou isto ou aquilo”. Seja como for, o certo é que não quis ou não pude ter a vida e a Fé singelas que por alguns anos almejei. Por muitos anos, embora cristão e católico não-praticante, fiquei na dúvida sobre a divindade de Jesus, sobre se ele seria filho direto de Deus, integrante da Santíssima Trindade. Queria crer, me esforçava para crer, mas a dúvida pertinaz se apossava de mim.

Contudo, a Fé em um Deus único e onipotente era inabalável. Na verdade, a minha inteligência não concebe a inexistência de Deus. Não consigo imaginar que o existente possa ter vindo do não-existente, que o tudo possa ter surgido do nada. Li as mais esdrúxulas hipóteses e teorias, com que os cientistas tentam escamotear a existência de Deus, pelas quais o universo poderia ter sido criado ou ter surgido sem a interferência de Deus. No meu poema “Deus, deuses e o nada”, ao pensar na hipótese de o tudo ter surgido do nada, disse:

E a esse deus-nada

eu tiraria meu chapéu

que sequer tenho mas tiraria.

 

II – Mas o nada não cria nada

porque o nada é nada e nada

somado com nada é nada

e multiplicado por nada é nada.     

Por causa dessa dúvida, que me incomodava há alguns anos, passei a ler obras de teologia, e sobretudo li e reli várias biografias de Jesus, entre as quais cito as seguintes (com o nome do autor entre parênteses): Jesus existiu ou não (Bart D. Ehrman), Jesus, o homem mais amado da História (Rodrigo Alvarez), Jesus, uma biografia de Jesus Cristo para o Século XXI (Paul Johnson), O que Jesus disse? O que Jesus não disse? (Bart D. Ehrman), Quem é Jesus (R. C. Sproul), Os últimos passos de Jesus (Bill O’ Reilly e Martin Dugard), Jesus de Nazaré (Bento XVI) e Vida de Cristo (Fulton J. Sheen).

Essas obras, em termos de fatos, pouco ou nada poderiam acrescentar ao que consta na Bíblia, sobretudo nos quatro Evangelhos. Diferem apenas eventualmente em interpretações ou ilações, ou na ênfase que possam dar a estas e a certas passagens das Sagradas Escrituras.

Os que mais defendem a divindade de Jesus, se apegam aos milagres, como sinais e provas de sua natureza divina, e a várias profecias referidas no Velho Testamento, sejam fáticas, simbólicas ou prefigurações da vinda do Messias ou Cristo. E citam várias passagens em que o nascimento, vida e morte de Jesus Cristo foram anunciados por esses escritores bíblicos e profetas. Alguns citaram pitonisas, oráculos e eventos do paganismo que parecem ser augúrios da vinda do Messias.  

O arcebispo católico Fulton J. Sheen foi inexcedível no esforço de demonstrar a divindade de Jesus. Além de citar essas várias passagens do Velho Testamento como prova de que Jesus era filho direto e unigênito de Deus, e, portanto, era o Messias ou Cristo anunciado, também se referiu a eventos e sinais ocorridos em países do paganismo, que apontam para a vinda de um homem-Deus. Sobre isso, leiamos o que disse o arcebispo Sheen, em seu referido livro, após afirmar que figuras históricas como Sócrates, Buda, Confúcio e Maomé jamais tiveram sua vinda preanunciada:

"Entretanto, com Cristo foi diferente. Por conta das profecias do Antigo Testamento, Sua vinda era esperada. Não existiam profecias a respeito de Buda, Confúcio, Lao-Tsé, Maomé ou qualquer outro; mas existiam profecias a respeito de Cristo."

"Só Cristo cruzou essa linha, ao dizer: ‘Buscai os escritos do povo judeu e a história narrada pelos babilônios, persas, gregos e romanos’.”

"Voltemos ao testemunho pagão. Tácito, ao falar para os antigos romanos, disse: ‘As pessoas, em geral, são convencidas pela fé nas antigas profecias de que o Oriente deve triunfar e que da Judeia há de vir o Mestre e o Senhor do mundo’.”

  

Sheen, em seu desiderato de demonstrar que Jesus era mesmo divino, chega mesmo a dizer que se ele não o fosse, sequer poderia ser considerado um homem bom. Porque nesse caso muitas de suas pregações e afirmativas cairiam por terra, uma vez que não passariam de mentira, inclusive a finalidade de sua morte não passaria de uma fraude ou logro. A Nova Aliança do corpo e do sangue de Cristo não faria nenhum sentido. A salvação através de Cristo seria apenas um embuste.

Sim, porque se ele não era divino todas as suas promessas seriam vãs, seriam mentirosas, e nesse caso ele jamais poderia ser considerado um homem bom, uma vez que não passaria de um impostor, de um deslavado mentiroso, ao proclamar que morreria em favor de todos os homens, ao afirmar que era filho de Deus. Portanto, para o arcebispo Sheen, se Jesus não era “Filho do Deus vivo”, também jamais poderia ser um homem bom:

"Um quarto fato distintivo é que Ele não se adequa, como outros mestres mundiais, à categoria estabelecida de homem bom. Homens bons não mentem. Mas, se Cristo não era de maneira alguma quem disse que era, isto é, o Filho do Deus vivo, o Verbo de Deus encarnado, então não podia ser “só um homem bom”; era um patife, um mentiroso, um charlatão e o maior enganador que já viveu. Se não era quem disse que era, o Cristo, o Filho de Deus, então era o anticristo! Se era apenas um homem, então não era um homem ‘bom’."

Paul Johnson afirma, de forma contundente, que foi moda, no final do século XIX, início do século XX, alguns eruditos e historiadores negarem a existência de Jesus, mas que nenhum estudioso sério sustenta hoje essa visão; que não sabe como esse modismo possa ter se alastrado, pois há evidências abundantes de sua existência. Afirma que escritores romanos próximos à época de Cristo, como Plínio, Tácito e Suetônio, “consideravam isso certo, assim como o preciso e consciente historiador judeu Josefo”, que escreveu uma geração após sua morte.

Acrescenta que muitos personagens famosos da antiguidade nunca tiveram sua existência questionada, ao contrário de Jesus, que não obstante foi tema de quatro biografias, uma das quais da lavra de uma testemunha ocular, e as outras transcrições de relatos orais de testemunhas; que todas foram levadas a público entre trinta e quarenta anos após sua morte, e todas concordavam nos pontos fundamentais. Todas foram confirmadas em muitos detalhes por cartas contemporâneas de seguidores de Cristo. No final da introdução, o autor afirma que seus objetivos foram clareza e concisão, e que seu desejo é transmitir a alegria e a força que recebera “ao seguir os passos de Jesus e refletir sobre suas palavras”. Sobre a robustez e idoneidade dessas provas documentais, ele afirma:

"(...) meio século após sua morte, quatro biografias escritas em grego foram divulgadas, e todas chegaram até nós. No final do século haviam surgido 45 documentos autênticos sobre ele, e que também sobreviveram. Desde então, primeiramente documentos e depois livros inteiros foram publicados em número crescente, em todos os idiomas." 

Recentemente, lendo o e-book A Bíblia no meu dia-a-dia, verifiquei que o seu autor, o Mons. Jonas Abib, fundador da comunidade católica Canção Nova, recomendava um método de leitura dos livros componentes da Bíblia, numa ordem diferente da do cânone editorial. Assim, na sequência por ele recomendada, em primeiro lugar vinha a Primeira Carta de São João. Em sua justificativa, ele diz: “... ninguém “é digno”! Ninguém nunca será digno. A salvação é totalmente gratuita. Não é por mérito, mas por amor. Por misericórdia. (...) Somos eleitos! Somos escolhidos! Caminhamos na alegria da salvação; no entusiasmo de saber que fomos os escolhidos. (...) Na conclusão de sua carta, São João diz: “Isto vos escrevi para que saibais que tendes a vida eterna, vós que credes no nome do Filho de Deus” (1Jo 5,13).” A seguir, ele recomendava a leitura do Evangelho de São João.

Portanto, fiz a releitura desses dois livros da Bíblia, na ordem recomendada pelo Mons. Jonas. Li com a convicção de que estava lendo um texto que, além de inspirado pelo Espírito Santo, fora escrito por um apóstolo de Jesus, por um homem que lhe ouvira as pregações e as parábolas, que lhe presenciara os feitos, especialmente os seus vários milagres, que são sinais de sua divindade, assim como fora testemunha de sua dignidade, de sua autoridade e convicção quando disse ser filho de Deus, por quem fora enviado.

Com a leitura dessas obras, mormente com a releitura da Primeira Carta de São João e de seu Evangelho, de forma concentrada, refletida, grifando certas passagens, adquiri a certeza de que Jesus é o Cristo, de que realmente ele é o filho de Deus, e de que ele, o Verbo, estava com o Pai antes de o tempo e o espaço existirem.   

domingo, 28 de março de 2021

Uma carta virtual e virtuosa de Moisés Reis (*)

Fonte: Google/Wikipédia


Uma carta virtual e virtuosa de Moisés Reis (*)

Prezado confrade, 

Li sua crônica sobre a obra de Henrique Pérez Escrich, “O Mártir do Gólgota” história muito parecida com a minha, porquanto lá pela idade de dez anos, a minha mãe, católica de ardentíssima fé, amante dos livros, incentivou- me a ler a citada obra. 

Confesso que a história do Homem de Nazaré produziu em mim indelével sentimento de fé e admiração, eis que nunca mais esqueci a via dolorosa por que caminhou Jesus, por amor à humanidade. 

A obra é, realmente, de grande valor, seja por contextualizar o fato de maior relevância para o mundo ocidental, seja pelo primor poético de como a história é contada. 

Passaram- se os tempos, longos anos, entretanto ficou guardada, inapagável nos esconsos da memória, a minha convicção de que Jesus era e é, sim, o filho de Deus. 

Como você, sem esquecer o livro que marcou minha infância, após 50 anos,  em 2011, deitei os olhos, emocionado, na obra sobre mesa tosca de singela mercearia, localizada no bairro “Pedra Mole”. Capa verde, esmaecida pelo tempo, quase não acreditava no que via! Deus meu,! disse para os meus botões, queria tanto reler a obra, para reviver tempos idos e vividos em paz remansosa na vetusta oeiras; desejava muito prestar uma homenagem póstuma à minha querida mãe, pelo bem que me fez, consolidando minha fé cristã, e agora sentia poder transformar meu sonho em realidade. 

Não obstante a obra do “seu Pedro” contivesse somente o volume II, para mim já era sonho realizado. 

O dono do livro era homem simples, de muita fé e de poucas letras. O livro era seu companheiro de dezenas de anos, também presente da mãe. Emprestou- mo para extrair cópia. 

Caríssimo Elmar! Afirmei que a obra é, toda ela, um cântico poético. Concluo transcrevendo, literalmente, pequeno trecho do Livro Quinto, capítulo VII, verbis:

“ o sol começa a esconder os seus moribundos raios atraz das azuladas montanhas que servem de pedestal ao templo de Júpiter. O bosque do divino Júlio, agitado pelas brizas da tarde, sacode os empoados loureiros, que perfumam o ambiente com o seu aroma. A violeta abre o seu cálix erguendo-se para o céo e o magnólio das índias inclina o seu copo de marfim para a terra. As palmeiras e os espinheiros estendem as suas sombras para o Oriente em busca da noite. Os rouxinoes occultos nos frondosos espinheiros, batem alegres as azinhas e as intranquilas caudas , esperando que o zephyro nocturno lhes roce as pennas para enviar ao Creador o cantos das trevas” 

Grande abraço ao distinguido Vate da nossa APL

sábado, 27 de março de 2021

O Mártir do Gólgota e eu

Edição antiga de O Mártir do Gólgota



DIÁRIO

[O Mártir do Gólgota e eu] 

Elmar Carvalho

26/03/2021

Dos nove para os dez anos de idade fui inoculado pelo vício da leitura. Como já relatei alhures, nessa idade fui morar na zona rural de Campo Maior. À falta da movimentação, dos barulhos, das luzes elétricas e das brincadeiras da cidade, me voltei para os livros da pequena biblioteca de meu pai. Logo, os li todos. De forma que, a cada sete ou quinze dias, quando meu pai ia à cidade, de lá voltava me trazendo vários volumes, tomados por empréstimo das bibliotecas de minha madrinha Mirozinha, prima de minha mãe, e da do Grupo Escolar Valdivino Tito, onde ela lecionava.

Entre os poucos livros de meu pai, havia algumas antologias didáticas e um livro sobre a história da Literatura Brasileira, este contendo comentários críticos, pequenos trechos literários exemplificativos do comentário e a síntese biográfica dos autores. Foram escritos ou organizados por, entre outros, Aída Costa e José de Sá Nunes. Eu os li e reli várias vezes, e procurei lhes assimilar as lições, os exemplos e o que eu achava mais bonito e emocionante. Daí me veio a vontade de ser escritor. Assim, li os principais livros da literatura infanto-juvenil, e mais tarde vários clássicos da literatura brasileira e mundial, sobretudo romances e livros de contos e poemas.

Do acervo de meu pai, li partes do romance O Mártir do Gólgota, de Henrique Pérez Escrich. Li apenas partes, porque a obra se encontrava dilacerada e esquartejada. Muitos anos depois, ao indagar sobre a causa de sua mutilação, meu pai me revelou que eu próprio o dilacerara, quando ainda infante. Contou-me que sua mãe, Joana Lina, ao brincar comigo, e, não desejando me contrariar, deixava que eu rasgasse muitas páginas literárias.

Quem diria que, alguns anos depois, em lugar de verdugo, eu fosse me tornar um amante inveterado de obras literárias. Tendo minha avó falecido em 30/03/1963, eu forçosamente teria que ter menos de sete anos. Em virtude de não ter nenhuma lembrança desse meu vandalismo literário, creio devesse ter 3 ou 4 anos. Como me causava desgosto eu não poder acompanhar a sequência de todas os relatos desfiados ao longo do volumoso livro, em que era romanceada a vida de Jesus Cristo.

Em Parnaíba, no início de minha juventude, me veio uma enorme vontade de ler e/ou reler esse romance, que pelos motivos ditos acima não o lera de forma completa. Além do mais, já lá se iam mais de década em que eu lera várias de suas páginas. Porém, não o encontrei à venda através do sistema de reembolso postal, muito menos em livraria. Também não o encontrei em biblioteca pública ou particular a que tivesse acesso. Meu pai ainda consultou alguns amigos que poderiam tê-lo, mas não teve sucesso nessa busca. Nem mesmo o Monsenhor Antônio Monteiro de Sampaio, que fora meu professor no curso de Administração de Empresas na UFPI, o tinha. Fiquei frustrado com essa leitura incompleta.

Contudo, certo dia, mais ou menos em 1988, já morando em Teresina, conversei com um poeta sobre essa minha busca inglória. O vate vendia livros de sua propriedade e autoria, e alguns de outros autores, e, quiçá, de propriedade, digamos, indefinida. Conhecendo o meu forte desejo de reler O Mártir do Gólgota, me disse que o conseguiria para mim. De fato, poucos dias depois ele me retornou à SUNAB, que então já funcionava no prédio da Delegacia do Ministério da Fazenda no Piauí.

O poeta notando nos meus olhos e na minha fala certa ânsia e sofreguidão, foi implacável; me cobrou um bom preço, e ainda alguns livros “de volta”, ou seja, como parte do pagamento. Mesmo assim não me chateei e fiz o negócio de bom-grado. Entre os livros que me exigiu, me lembro bem que um era Os Sertões, de Euclides da Cunha, em bonita edição do Círculo do Livro, que eu adquirira pelo serviço de reembolso postal, hoje em desuso.

Achei que não lhe fosse degustar a leitura com o mesmo prazer que sentira, quando, garoto de dez ou onze anos, o fiz pela primeira vez. Mas o fiz com a mesma volúpia intelectual de outrora, quando tudo me era novidade e motivo de encantamento. O volume, de aspecto bem antigo, no formato 18cm por 14cm, com 757 páginas, não tem apresentação nem prefácio, e sequer o nome da editora e data da publicação.

Nesta terça-feira, dia 23, recebi, pelos Correios, uma nova edição desse romance, que comprei através da Amazon. Tem o subtítulo, que não aparece em meu volume antigo, de “tradições do oriente”. Foi publicado pela Sirius Editorial em abril de 2019. Nas informações técnicas consta que a capa é do pintor holandês Pieter Lastman (séc. XVII), que reproduz sua tela A Crucificação. Traz várias gravuras de Gustave Doré e ilustrações desentranhadas da 2ª edição espanhola (1866), realizada por L. Lopez Y A. Gulon, Editores.

Tem ainda orelha, apresentação, nota biográfica e uma introdução, esta do próprio autor, contida em meu velho alfarrábio. Pinço da orelha o seguinte trecho: “Combinando História e ficção, Pérez Escrich consegue em O Mártir do Gólgota respeitar a veracidade substancial da figura de Cristo sem sacrificar sua imaginação de romancista. // O cenário político da Judeia na época do nascimento de Cristo, o mundo decadente da Roma imperial, a sequência histórica da vida de Cristo à luz do Evangelho, a perseguição dos cristãos pelo paganismo romano são mostrados nesta obra com fidelidade à essência da sua doutrina.”

Na Nota Biográfica nos é dada a informação de que o romancista nasceu em Valência em 1829. E que, aos 19 anos, ante a morte repentina dos pais de sua jovem namorada, se sentiu compelido a se casar com ela e a assumir a criação de seus quatro irmãos. Em determinada etapa de sua vida, chegou a ser um homem rico, graças à popularidade de suas obras. Houve época em que faturava cerca de 50.000 pesetas por ano.

Ajudou amigos e escritores iniciantes. Para melhor recebê-los, passou a viver como um príncipe, em hotel de luxo. Contudo, sempre se manteve como um perfeito cavalheiro, homem cristão e bom que era. No melancólico crepúsculo de sua vida, velho e esquecido, passadas as pompas de seu tempo de glória, precisou ocupar cargo de pequena remuneração. Diz a nota biográfica: “Homem muito gentil, cavalheiro exemplar de excepcional simpatia, morreu aos 68 anos em 1897.”

O romance, em estilo folhetinesco, como era moda na Europa, na época, foi publicado pela primeira vez em 1863 e 1864, em cinco volumes. Misturando história e ficção, o autor colheu os elementos do conteúdo de sua obra magna em livros de História e na Bíblia, e sem dúvida na tradição oriental, como sugere o subtítulo e, talvez, em Evangelhos apócrifos, a que possa ter tido acesso.

Bira Câmara, autor da apresentação e do projeto gráfico, entende que nele predomina a fantasia, e afirma que “se o romance histórico já representa um problema, o romance histórico-religioso levanta muito mais”. Acrescenta que “ao contrário do juízo do público leitor que consagrou esta obra através do tempo, os críticos em geral fazem restrições a ela, que está longe de ser uma obra-prima”; todavia considera que ela teria passado pelo teste do tempo e caído no gosto popular, conforme o comprova “o grande número de edições e de leitores”, que a teriam elegido como “um dos mais belos romances do gênero folhetinesco”.

Entretanto, não informa que restrições os críticos lhe teriam feito ao longo de mais de século e meio de sua primeira edição. Tampouco esclarece porque não poderia ser uma obra-prima. Talvez lhe falte a esmerada técnica da romancística de um Flaubert, sobretudo em Madame Bovary. Pode ser que haja algum derramamento emocional, um ou outro exagero descritivo, e talvez um grande número de relatos permeando o que deveria ser a história principal. Todavia, no relato de muitas aventuras e na dissertação sobre alguns fatos fica claro que ele soube pintar o cenário de forma atraente e soube dar vida a seus personagens, quase nos causando a sensação de estarmos assistindo a um filme.

Não se pode negar, Pérez Escrich era um grande contador de histórias. Sabia emocionar e mesmo comover o leitor. As várias histórias que se sucedem ao longo dos sucessivos livros, enfeixados nas duas partes do volumoso romance, nos atraem e nos atiçam o imaginário, e os trechos verídicos, elaborados à luz da História e dos Evangelhos, servem para aprimorar e reavivar os nossos conhecimentos sobre Jesus Cristo e sobre outras figuras bíblicas. É um livro que, pela terceira vez, estou lendo com prazer.

“Sem faltar ao dogma, muitas vezes havemos adotado o estilo poético, que não fica mal a um livro desta índole”, disse o autor em sua introdução. De fato, em certos momentos, o ritmo de sua prosa se reveste de bela e comovente poesia. E então não nos podemos esquecer da poesia que flui em muitas passagens do Velho e do Novo Testamento, como nos Salmos, nos Cantares de Salomão e nas parábolas e discursos de Jesus.

Suas descrições, em alguns trechos, sobretudo quando exaltam o céu da Galileia e as cambiantes cores do crepúsculo, quando parecem aspirar o aroma balsâmico das faldas do Carmelo, quando evocam os imponentes e  odoríferos cedros das cordilheiras do Líbano, adquirem o ritmo e a fluência de exuberante prosa poética.       

quinta-feira, 25 de março de 2021

Carta-louvação a Noturno de Oeiras e outras evocações

Fonte: Google/G1-Globo


DIÁRIO

[Carta-louvação a Noturno de Oeiras e outras evocações]

Elmar Carvalho

25/03/2021

Nesta terça-feira, dia 23, recebi por WhatsApp, enviado por Carlos Rubem, a Carta-louvação a Noturno de Oeiras e outras evocações, escrita pelo Dr. Elisabeto Ribeiro Gonçalves, radicado em Belo Horizonte, um dos mais respeitados oftalmologistas do Brasil. Mais tarde, para minha grande satisfação, vi que o confrade e amigo Des. Sebastião Martins, ex-presidente do Tribunal de Justiça do Piauí, a havia postado no grupo de WhatsApp da AMALPI – Academia Maçônica de Letras do Piauí.

Preciso contar um pouquinho a história dessa exemplar e irretocável missiva. No dia 11/12/2014, participei da solenidade de lançamento do monumental livro Enlaces de Famílias – uma genealogia em construção, da autoria do escritor, historiador, biógrafo e genealogista Valdemir Miranda de Castro. No final do evento, a professora e historiadora Teresinha Queiroz me apresentou à senhora Anatália Gonçalves de Sampaio Pereira, e lhe falou do meu livro Noturno de Oeiras e outras Evocações, e sobretudo do poema Noturno de Oeiras. Ela ficou muito interessada e me perguntou onde poderia adquiri-lo. Eu lhe disse que em breve lhe levaria um exemplar.

Quando fui ao seu Cartório lhe entregar o livro, ela falou que gostaria de enviar um exemplar ao seu irmão Elisabeto, que era um leitor voraz. Fiz chegar a suas mãos um outro volume, que ela lhe enviou. Poucos dias depois, recebi um amável e-mail, que trazia essa carta, digna dos maiores missivistas, que tem todos os ingredientes e condimentos de uma crônica de perfeito lavor literário.

No grupo da Amalpi postei o seguinte comentário, abaixo da carta: “Acho que o médico Elisabeto talvez seja o último grande missivista, no verdadeiro sentido da palavra. Estilo, conteúdo e correção gramatical, com frases bem construídas e bem ritmadas. Creio que o Dr. Elisabeto derramou nessa carta não apenas tinta, mas principalmente muita emoção e talvez até lágrimas, ainda que furtivas”. Sem necessidade de mais explicações, suponho, segue a carta na íntegra:

 

CARTA-LOUVAÇÃO A NOTURNO DE OEIRAS E OUTRAS EVOCAÇÕES (*)

Elisabeto Ribeiro Gonçalves


Prezado poeta ELMAR CARVALHO,

 

Acabei de ler o seu livro, “Noturno de Oeiras e outras evocações”, que você, a pedido de minha querida irmã Anatália, gentilmente me enviou.

Li-o de uma tacada, como se diz, pois não faz mais de uma semana que o recebi.

Li mais rápido que de costume, não para me desincumbir do compromisso de dar alguma satisfação ao autor, mas o li assim, vorazmente, porque o livro, por seus vários méritos, me aguçou o interesse.

Logo no início da leitura, lembrei-me do ensinamento da escritora americana, Susan Sontag, em seu Questão de Ênfase. Ensaios: não há livro digno de ser lido se não for digno de ser lido várias vezes.  Não tive nenhuma dúvida de que ”Noturno...” devia ser lido, merecia ser lido, não uma, mas várias vezes. E é o que está sendo feito, poeta.

Além das virtudes próprias do livro, que são tantas, ele me dá, de lambujem, mais uma satisfação e um encantamento: rememorar Oeiras, retornar a Oeiras, reviver Oeiras.

O livro é Oeiras encadernada, viva, palpitante. Ele me levou a Oeiras, de onde saí ainda bem jovem em busca do conhecimento que ela não poderia mais me dar. Mas não sei, não sei...

Fico pensando, poeta, se Oeiras, hoje uma insofrida saudade, não teria me ensinado o pouco que hoje sei (ou penso saber) da vida e do mundo.  Oeiras teria sido a minha universidade não oficial, pois ela, abrigando tantos professores titulares de vida, de experiência e plenos de generosidade, poderia, sem dúvida, ter ensinado muito e muito mais ao menino que fui e ao homem que seria.

Se, como dizem, o menino é o pai do homem, este menino de Oeiras, se por lá tivesse ficado, hoje teria muito mais para dar e transmitir a este  adulto que agora lhe escreve. Mas, infelizmente, vi-me obrigado a cabular as aulas oficiadas pela mestra Oeiras, mas a ela sempre volto, pouco fisicamente, mas a todo tempo em que o tempo da memória e do afeto me permite.

Seu livro trouxe Oeiras a Belo Horizonte, trouxe-a a mim, com sua rotina modorrenta, suas tradições, seus odores, os meus amigos de infância, a escola e seus Mestres, suas lendas e ajudou-me a me recompor, a fazer uma remontagem emocional da nossa Oeiras.  E logo me vejo em Oeiras, menino, quem sabe de calças curtas, na Vila do Mocha, assustado com os fantasmas que perambulavam ( e ainda perambulam) pelo Sobrado Velho (sobrado dos Ferraz?), pelos becos  e  pelos Cemitérios, velhos os dois.

Você, poeta, com sua arte e inteligência, recriou-me Oeiras, inteirinha.  Tão animado fiquei que, por conta própria, tomei a liberdade de inserir, na sua moldura oeirense, os doidos de minha infância, os doidos de Oeiras: Antônio Bocão (seu Tonho), Ana Ruça, Dorête, Zé Doidim, Claro, e Sabino. Os alfenins de que você fala, levou-me a Sancha, vizinha nossa, que sabia fazê-los como ninguém, brancos, gostosos, macios, exatamente como você aponta no Noturno de Oeiras.

 “Noturno de Oeiras”... Como comentá-lo? Tudo já foi dito sobre o poema e eu estaria tão só chovendo no molhado. Mas não resisto em comentar o verso “onde músicos falecidos acordam sons delicados”. Acordar (tecer acordes) e acordar (sair do sono). Magistral essa ambiguidade poética. Porque os músicos de Oeiras eram famosos por sua sensibilidade e destreza em compor e tecer pautas de rara beleza.

Mas esses músicos também, com o pretexto de seus versos, acordaram em minha memória e lá estou eu assistindo-os, embevecido, no coreto da antiga Praça da Bandeira, a praça mais bonita de quantas pude ver. Lá estão eles: Osíris (no trombone de vara), Levi (no pistom), seu Lico (no tambor), Tabaqueiro (nos pratos), Doca (na tuba). Esses e tantos outros, afora a atividade individual, reuniam-se na noite de toda quinta-feira para um espetáculo de musicalidade e talento com uma das bandas (eram duas) de que Oeiras dispunha.      

Possidônio Queiroz é um capítulo à parte.  Dono de raro talento para a música (tocava flauta) e as letras, possuía um conhecimento enciclopédico e uma capacidade invulgar de ser gentil e obsequioso. De todos os oeirenses, do mais letrado ao mais simples, exalava admiração e respeito pelo homem e pelo artista Possidônio.

Pois bem, o seu “Noturno...” é arte de fina e rebuscada engenharia literária e poética, é um régio presente às letras piauienses e à história e à memória de Oeiras.  O progresso, poeta, tem o defeito de compartimentar a história, confinando-a nos limites de uma nesga de tempo vivida por determinada geração. Digo de outra forma: em termos de memória, as gerações só têm compromissos com o seu tempo.  É necessário, de uma forma ou de outra, resgatar o tempo passado, tecer um liame vivo entre o ontem e o hoje, ensinar aos homens de agora a importância do exemplo e dos valores das gerações passadas.      

Seu livro, poeta, é essa linha luminosa trafegando entre Oeiras atual, moderna (ou modernizada) e Oeiras dos sobradões, dos seixos nas ruas, dos Passos, da Casa da Pólvora, da Cadeia Velha, da Casa do Visconde, do Pé de Deus e do Diabo, das Igrejas, do relógio da Matriz (“com o mostrador roído pela pátina”), do Grupo Escolar Costa Alvarenga e do Ginásio Municipal Oeirense (nos quais estudei), das quintas (ainda se dizia “quintas”!) do Cel. Orlando (meu avô), de “seu” Tibério Siqueira e Morena (grandes amigos), do meu tio João Ribeiro (Santa Rita), dos umbus do Condado e de dona Clarice, do Poço dos Cavalos (onde quase me afoguei), do Morro do Leme, dos Urubus, da Sociedade...

Tempo em que os comerciantes fechavam suas lojas às 11h e só retornavam ao trabalho às 14, depois de uma tranquila e reconfortante sesta. Naquele tempo todos sesteavam, só o velho relógio da Matriz insistia em manter-se acordado, repetindo suas “badaladas punhaladas” de susto e compromisso.

Tempo de homens e mulheres imperecíveis, cartilhas vivas nas quais, menino, aprendi um pouco (ou muito) do bê-a-bá da vida. É preciso, poeta, que as gerações atuais não se esqueçam das que se foram e o seu livro é um chamado a esse não-esquecimento, a essa reverência ao passado tão rico de homens e mulheres e das lições escritas e repetidas por eles.

É preciso que não nos esqueçamos de Joel Campos, Bembém, Xé, Edul, João Burane, Zé Sá, Raimundinho Sá, Pedro Ferrer, Pedro Sá, Luiz Rego e Odete, Gerson Campos e sua saudável irreverência, Orlando Carvalho e Anatália (meus avós maternos), Yaiá (minha avó paterna), Paulo de Tarso e Iolanda (meus pais), Mário Freitas e dona Conceição, Mãe Tonha, dona Sinhá e Iara (dos queimados), Antônio Gentil (da “casa das doze janelas doze donzelas”), de Galeno e Julieta, dos Tabaqueiros, de “seu” Natu e dona Darinha, de Zé Lopes, do Cônego Cardoso, do Mons. Leopoldo, de Tiborão e dona Cocota, minha mestra, vivíssima, graças a Deus.

Pedro Ferrer Mendes de Freitas, Pedro Ferrer do seu livro, jornalista e escritor dos bons, Ferrezinho para a família, Farroz para a molecada da nossa infância e meninice. Neto de um outro Pedro Ferrer, um dos homens mais elegantes, finos e gentis de minha época, um dos grandes amigos de minha família e, em especial,  do meu pai.

Mas já escrevi muito, poeta, muito além do que devia. É que seu livro e seu acendrado amor por Oeiras transformaram você num amigo de longa data, aquele que nos dá total liberdade pra conversar, sem limites de tempo.

Muito obrigado pelo livro, vou relê-lo várias vezes, sempre em busca do prazer, do enriquecimento e conforto que sua leitura me dá.

 

            Abraços afetuosos do amigo e admirador,

 

            Elisabeto Ribeiro Gonçalves

 (*) Tomei a liberdade de acrescentar esse título ao texto da magnífica carta que o Dr. Elisabeto Ribeiro Gonçalves me enviou, através de e-mail, que muito me desvaneceu e honrou.     

JM, eu te amo!



JM, eu te amo!

Carlos Rubem

Hoje (24.03.2021), foi comemorado o primeiro aniversário de vida do meu netinho Joaquim Miguel, no Hotel do SESC, em Oeiras, numa festinha restrita a poucos familiares, tendo em vista os efeitos deletérios da pandemia da COVID19 que persiste em contaminar as pessoas de todos os quadrantes do universo.

O aniversariante estava eufórico, muito alegre, sabia que estava sendo homenageado, de certo. 

Em determinado instante em que fazia registros fotográficos, pedi ao petiz que se volvesse para a câmara. Ante a algazarra dos circunstantes, ele virava a cabeça de um lado para o outro. Então, apelei: — JM,  olha o vovô Ditinho! 

Ditinho, ou melhor, Benedito de Macedo Reis (1928 - 2009), era o meu pai. Esta atrapalhada causou gargalhada geral.

Mas Freud explica. No fundo da minha alma, acho que o meu primeiro neto varão é meu filho.

Simples, aconchegante confraternização. Todos nos divertimos!

Uma criança é capaz de revolver quaisquer maus presságios, momentos incertos.

JM, parabéns!   

quarta-feira, 24 de março de 2021

Minha cronologia pessoal de Teresina

Fonte: Google

Fonte: Google/Docomomo Brasil


DIÁRIO

[Minha cronologia pessoal de Teresina]

Elmar Carvalho

24/03/2021 

Motivado por uma reunião virtual da Academia Piauiense de Letras, dedicada ao aniversário de Teresina, relativa ao corrente ano, optei por discorrer sobre minhas lembranças mais fortes e mais emotivas de minha vivência em nossa mesopotâmica e outrora verde capital. Tentarei reconstituir o que disse, sem recorrer a anotações e documentos, ou pesquisas em livros.

Menino, de 7/8 anos, vim com meus pais a Teresina, em 3 ou 4 oportunidades. O terminal rodoviário era a Praça Saraiva. Ali ficava a famosa Agência Cruz, que vendia passagens. Dessa praça me ficou muito nítida a lembrança de um carro-guincho, geringonça que jamais havia visto. Lembro vagamente de suas praças, igrejas e estátuas. Décadas depois, pus essas estátuas num de meus poemas; nele estão o bigode de bronze do barão, no esplendor de sua exuberância frondosa e a postura hierática e estática de Saraiva, a contemplar com seus olhos cegos o progresso da cidade por ele construída. E me ficaram na retentiva os pássaros e os bichos da Praça Marechal Deodoro, de forma um tanto enevoada e talvez um tanto mi(s)tificada. 

Em 1973, na virada de meus 16 para os 17 anos de idade, morei em Teresina, na Casa do Estudante, durante apenas 4 meses, porquanto resolvi retornar para minha terra natal, onde dei prosseguimento ao primeiro ano do Curso Científico. Fiz o primeiro semestre desse ano letivo no Liceu Piauiense. Me deslumbravam a linda praça, que lhe ficava em frente, com as suas escadarias, e a beleza imponente do velho colégio. Adolescente, interiorano e um tanto bisonho, ficava encantado com o auditório, cujas esculturas, que pareciam lhe sustentar o teto, se me afiguravam enormes. Eram cariátides, décadas depois fiquei sabendo.

Sonhava, então, recitar os meus poemas nesse auditório, como, mais de século antes, também muito moço, o fizera Castro Alves no Teatro de Santa Isabel, no Recife. Ainda vi balsas e chalanas a navegarem o Parnaíba, o Velho Monge de Da Costa e Silva. E vi também, em pleno funcionamento, o cine Rex e o Royal. Algumas vezes fui à Praça Pedro II, para contemplar embevecido os volteios das moças em flor, a exibirem o esplendor de sua beleza juvenil, ainda a desabrochar.  

Em 15 de setembro de 1975, após curso no Recife, tomei posse de meu cargo na Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. No ano seguinte, no Cursão, fiz o chamado pré-vestibular e o terceiro ano do Científico. Um dia, num evento da empresa, recitei um poema sobre cartas e suas expectativas. Enquanto esperava receber o meu primeiro salário, fiquei dois meses morando com uns parentes, cuja casa ficava na Avenida Frei Serafim, perto do Cruzeiro, no ponto em que começava a descida da ladeira para o rio Poti.

Nesse início laboral, um dos meus turnos era à noite. Eu vinha a pé por essa avenida, na época uma verdadeira alameda, de belos lustres, com as suas lindas e refrescantes fontes luminosas em perfeito funcionamento. Nunca fui abordado por nenhum meliante, de modo que nunca sofri nenhum sobressalto, muito menos assalto. Um dia, perto da casa de meus anfitriões, quase às 10 horas da noite, me deparei com uma magnífica e escultural morena, alta e esbelta, de corpo sinuoso, capaz de causar inveja a uma legítima mulata do Sargentelli.

Já não me recordo bem. Mas o certo é que, embora um tanto tímido, me dirigi a ela, talvez encorajado por sorrisos e aliciantes olhares. Um pouco depois descíamos a ladeira, em direção aos terrenos baldios da margem do Poti, onde hoje se ergue, creio, o prédio da Unimed. Pude, então, à luz das estrelas e da lua, contemplar o seu lindo corpo desnudo. Tive mais um ou dois encontros com ela. Numa das vezes, ela me disse que não saía à noite por dinheiro, mas porque gostava. Nada lhe perguntei sobre sua vida, e nem ela sobre a minha. Logo depois, deixei a casa de meus parentes, e nunca mais a revi. Tive outros casos, claro, mas que não vêm ao caso.

Por um curto período, fui trabalhar na Seção de Encomendas Internacionais da ECT, que funcionava no Prédio do Ministério da Fazenda, salvo engano no sexto andar. Foi designado para ser o fiscal dessa seção, pela parte da Receita Federal, o controlador de arrecadação federal (CAF), hoje auditor-fiscal,  o saudoso José Parentes de Sampaio. Era culto, apreciador de belas músicas, sobretudo as das grandes orquestras americanas. Gostava de conversar comigo e demonstrava admirar os poemas que eu então escrevia.

Entre outros fazendários, vinham conversar com ele o Alberone Lemos, jornalista e correspondente de um grande jornal do Sul do país, que ostentava belas gravatas, acho que de seda, e o professor Barreto, o Barretão de guerra, de voz poderosa, quase estentórica, um tanto excêntrico e sempre de bom-humor. Contavam-se deste inúmeros casos jocosos, anedóticos.

Um dia, em sua presença, recitei um poema, feito há pouco tempo, em que eu falava que gostaria de ter a humildade de um leproso. Mal terminei a declamação, o Barretão caiu por terra; digo, prostrou-se no carpete, como se fora um árabe em oração, e exclamou, a plenos pulmões: “Caramba! Grande, grande humildade, grande poema!” E beijava o chão, em sinal de sua humildade, incorporando o espírito de um muçulmano, como se fora um novo Malba Tahan teresinense. Ainda nessa época, vinha retirar suas encomendas uma jovem canadense, de celestiais e grandes olhos azuis, alva, muito loura e muito linda. Um dia ela me deu um broche, que durante algum tempo usei, em sinal de minha admiração afônica e platônica. Em março de 1977, voltei para Parnaíba, a fim de cursar Administração de Empresas, e perdi o contato com essas pessoas.   

Em agosto de 1982, voltei a morar em Teresina, em virtude de aprovação em concurso do DASP para o cargo de fiscal da SUNAB, extinta na segunda metade dos anos 1990. Teresina já não era a mesma. Já começava a tomar ares de cidade grande. Verticalizava-se vertiginosamente. Os espigões pareciam querer tocar as nuvens. Surgiram três grandes shoppings, enquanto o centro da cidade foi modificado por estacionamentos, em que foram destruídos vários sobrados e  vetustos casarões, e por um processo de decadência e abandono de imóveis. A frota de veículos aumentava assustadoramente.

Morei em república e depois em casa própria. Aqui fiz várias conquistas em minha vida profissional e privada. Em apertadíssima síntese: casei com a Fátima em 1985. Em 1986 e 1988 nasceram nossos filhos João Miguel e Elmara. Em 1988 concluí o curso de Direito. De 1982 a esta parte, ingressei em várias Academias de Letras, inclusive na Parnaibana, na do Vale do Longá, na Campomaiorense e na Piauiense. Publiquei vários livros e participei de várias coletâneas e antologias. Presidi a União Brasileira de Escritores do Piauí – UBE-PI e o Conselho Editorial da Fundação Cultural Monsenhor Chaves.

Em Teresina, passei a maior parte de minha juventude e toda a minha maturidade. Em 19 de dezembro de 1997, aos 41 anos de idade, ingressei na magistratura piauiense, em que laborei até 20 de dezembro de 2014, quando tinha mais de 39 anos de serviço público. Aqui comecei a minha vida de idoso. Agora, com todo respeito que se deve ter à morte, tento me preparar para ela.

Minha querida e saudosa mãe, que não a temia, conquanto não falasse dela com leviandade ou chiste, dizia que nunca saberíamos como seria nossa morte. E nem quando acontecerá, acrescento. Portanto, oremos e vigiemos. E tentemos estar preparados, com cada coisa em seu lugar, como Manuel Bandeira em “Consoada”. Sobretudo, nestes sombrios tempos de pandemia.      

terça-feira, 23 de março de 2021

ESTADO DE SÍTIO E O COVID-19

 

Fonte: Google

ESTADO DE SÍTIO E O COVID-19


Valério Chaves

Des. Inativo do TJPI, escritor e memorialista

 

Ao longo da existência do homem sobre a face da terra e desde que ele saiu das cavernas e passou a viver em sociedade, a noção de direito, de ideais de liberdade, de justiça e de dignidade das pessoas, sempre estiveram presentes, em maior ou menor escala.

                Segundo os historiadores, no correr da história dos grupos humanos, os bens de valores adquiridos por cada indivíduo, pertenciam a todos formando uma verdadeira comunhão democrática de interesse, sem haver qualquer espécie de subordinação de caráter social ou político.

Na sequência dessa evolução histórica, a restrição ao direito de ir e vir era adotada não como medida visando tolher a liberdade do homem, mas para pôr fim à vida de quem ousasse conspirar contra a autoridade do regime político dominante. Gradativamente, porém, o espetáculo das punições públicas foi se extinguindo, deixando pouco a pouco de ser uma cena que fazia o “carrasco se parecer com criminoso, os juízes aos assassinos e o suplicado um objeto de piedade” (Michel Foucault – Vigiar e Punir, pp. 14-69).

O contrário sensu, o que se vê nestes tempos difíceis pelos quais passa o mundo marcado pela epidemia da covid-19, são alguns governantes usarem o poder que o povo lhe outorgou pelo voto, adotarem medidas restritivas da liberdade (lockdown, toque de recolher, limitações de horários etc.), em total violação ao direito fundamental à liberdade e à vida das pessoas (art. 5º, caput, CF).

Nesse contexto, não se desconhece que, embora seja o Brasil uma República Federativa configurada em Estado Democrático de Direito, pode, em caso de risco para a saúde da população (como a atual pandemia do coronavirus), ser submetido a situações excepcionais previstas em nosso ordenamento jurídico, especialmente na Constituição Federal.

 Em tais hipóteses, visando combater os imprevistos, comoção grave de repercussão nacional e, sobretudo, restabelecer a ordem pública ou a paz social ameaçadas, o Presidente da República, após ouvir o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, e solicitar autorização ao Congresso Nacional, pode decretar medidas excepcionais com abrangência em todo o território nacional, tais como: intervenção Federal; Estado de Sítio e Estado de Defesa previstas nos artigos 136 e 137, caput, CF.

Importa lembrar por outro lado, que não obstante o Supremo Tribunal Federal já tenha reconhecido a competência concorrente dos Estados, Distrito Federal e Municípios no combate à covid-19, na prática, nem sempre os decretos respectivos contêm as mesmas regras, alguns chegam a impor suspensão de direitos individuais sob a alegação de garantir o direito à vida e controlar a pandemia da covid-19.

E é justamente nesse aspecto onde reside a semelhança entre o Estado de Sítio e as medidas restritivas de direitos fundamentais (lockdown), porquanto em alguns municípios brasileiros, não somente as pessoas estão sendo proibidas de sair de casa em determinados horários, como também às empresas são estabelecidos horários de funcionamento, o que resulta em sérias consequências para a sociedade, levando de roldão o direito-dever do Estado de restabelecer a ordem pública e a paz social.

Em que pese serem medidas revestidas de excepcionalidades, não deixam de implicar restrições às liberdades individuais – e só por isso, devem adotadas com o máximo de cautela.

É como penso.    

segunda-feira, 22 de março de 2021

Tuco, mimado e bem-amado




DIÁRIO

[Tuco, mimado e bem-amado]

Elmar Carvalho

22/03/2021

Tuco é o seu nome, escolhido por Elmara, sua “mãe” e dona. Portanto, sou seu “avô”. É um verdadeiro bicho de pelúcia, porém muito vivo. Fofo, literalmente fofo. Fofo pela beleza e pela maciez do pelo. Sua plumagem é, na maior parte, de uma brancura imaculada, mas apresenta dois graciosos sobretons nas orelhas e na parte posterior, que variam de um claro marrom a um mitigado grafite.  

Tão belo que as crianças do condomínio ficavam encantadas ao vê-lo. No início de sua vinda para nossa casa, os meninos, principalmente as meninas vinham pedir para passar um tempo com ele. Por causa da pandemia e talvez um pouco por ciúme e zelo, indeferíamos esses pedidos. Tem até madrinha;  aliás, não só uma, como duas, a Paula Emília e  a Williane, que inclusive já se ofereceram para ficar com ele, quando a Elmara fizer alguma viagem.

Esse pacote vivo de pura fofura e beleza, nasceu em 20/08/2020, e veio para nossa casa em 3 de outubro. Portanto, era um tenro menino canino. Por ser muito novo, aparentava ser medroso, mas eu prefiro dizer que era cauteloso. Sequer se arriscava a subir as escadas que levavam ao quarto de sua dona, onde ficava a maior parte do tempo. Depois, foi perdendo o temor e se tornou meio audacioso, à procura de novos e mais amplos espaços.

Gosta de nos arranhar os pés e várias coisas, com seus brancos dentes lindos, finos, bem alinhados, afiados, quase agulhas. Mordisca muito de leve, mas faz com que puxemos os pés, o que lhe parece provocar certo prazer lúdico. Para compensar, em raros momentos, nos afaga a pele com a sua bela língua de veludo, em inefável carícia, quase mais espiritual que física, tal a sutileza e delicadeza do toque.

Sempre achei que certos animais são inteligentes, embora sua inteligência possa ser algo diferente da humana. Tuco, às vezes, demonstra ter dúvida sobre se quer entrar neste ou naquele quarto, como se estivesse avaliando qual deles seria melhor para aquele seu momento. Após a dubitação e análise, toma a sua decisão.

Seus olhos são de um preto retinto, luminoso, profundo. Algumas vezes olha diretamente para a nossa face e olhos, como se estivesse perscrutando o nosso estado de espírito, como se quisesse desvendar se estamos de mau ou de bom-humor, para então se decidir pelo modo de nos abordar ou de se aproximar de nós.

Muito educado, passava vários dias sem latir. E quando o fazia era de forma baixa e por muito pouco tempo. Apenas um ou  dois latidos, lhe eram o bastante para mostrar a sua natureza de cão. No momento, late um pouco mais, mas ainda sem incomodar, por fazê-lo em pouco volume e com moderação. Aprendeu também a rosnar, mas o faz raramente, e sempre de forma simpática, apenas por brincadeira, sem indício de agressividade.

Quando caminhamos, vai rente aos nossos pés, quase como uma bola “colada” aos pés do mestre Messi. Ficamos com receio de machucá-lo, e por isso nos chateamos um tantinho. Contudo, já entendi que ele é um pouco carente, e essa é a sua forma canina de declarar o seu amor, a sua proximidade e necessidade de nós. Certa vez em que a Fátima “brigou” com ele, em alta voz, por causa de ato dele, passou um ou dois dias afastado dela, como a demonstrar que ficara magoado ou ressentido. Mas logo fizeram as pazes, e ficaram melhores do que antes.

Quando era novinho e frágil, ficava ao pé da porta de nosso quarto, esperando com toda a paciência que a abríssemos. Depois, passou a sinalizar que desejava entrar, com leves fungados e arranhando de leve a madeira. Porém agora, já adolescente, se tornou forte e impaciente. Bate suas patas com força. Temos que abrir. Senão, apesar de tão pequeno, poderia arrombar a porta, tal a sua ansiedade em entrar.

Alguns anos atrás criamos duas mimosas cadelinhas poodle, inteligentes, amáveis, graciosas, e que nos amavam. Morreram na velhice, de forma natural. Com muito sofrimento enterramos a Anita e a Belinha (*), e combinamos que não mais criaríamos cães, tanto para nos evitar novo sofrimento, como problemas no condomínio.

Por conseguinte, a Elmara teve que insistir muito, com fortes e reiterados argumentos, e certa chantagem emocional, para que aceitássemos, eu e a Fátima, a aquisição e vinda do Tuco. Nos mostrava fotos e vídeos do belo e carismático cachorrinho, e isso foi matando nossa força e oposição.

Contudo, agora que veio, não imaginamos mais o nosso lar sem ele. Tornou-se membro da família. Nos encantou e nos conquistou. Tuco veio. Veio para ficar.

(*) Escrevi várias crônicas sobre Belinha e Anita, todas publicadas na internet, inclusive uma espécie de elegia em prosa sobre a morte delas. Também escrevi sobre a morte das cadelinhas Mel e Kety, de propriedade de amigos meus. Em resumo, escrevi sobre jumento, urubu, bem-te-vi, preguiça, elefante, etc. Se fossem coligidas, dariam um livro de crônicas. Podem ser pescadas nos mares internéticos.  

domingo, 21 de março de 2021

As “Reminiscências” de Antônio Gallas

 


As “Reminiscências” de Antônio Gallas


Elmar Carvalho

 

Poucos dias atrás, recebi pelos Correios o livro “Reminiscências” do professor, escritor e jornalista Antônio Gallas. Sobre ele, ao longo de quatro décadas, já escrevi vários textos; muitos dos quais podem ser encontrados na Internet. O volume, por sinal bem impresso, foi publicado pela SIEART. Como a sua capa já nos informa, é composto de contos, causos, crônicas e poesias. Pode ser adquirido com o autor, através do telefone/WhatsApp 041 – 86 – 98861 – 2126. Transcrevo abaixo o comentário que já tive o ensejo de fazer sobre essa obra literária:

 

“Mais ou menos parafraseando o escritor e jornalista Gabriel Garcia Márquez, diria que um ficcionista, se tiver talento, poderá transformar um fato verdadeiro ou real em um bom conto ou romance, modificando-o, exagerando-o, enfeitando-o, enquanto um jornalista, se deturpar a verdade, poderá para sempre perder a sua reputação e credibilidade.

 

Antonio Gallas Pimentel é jornalista e contista. Como jornalista nunca falseou a verdade, relatando-a em sua inteireza; por isso, manteve sua reputação, a sua autoridade e credibilidade. Como escritor, tem contado estórias interessantes, atraentes, inusitadas, e muitas vezes jocosas, engraçadas, que nos fazem soltar boas gargalhadas.

 

O protagonista, em muitas delas, é o seu “seu sobrinho Prodamor”; mas acredito que, em várias, é o próprio autor travestido de Prodamor. Alguns desses relatos, em menor ocorrência, são contos dramáticos, e outros chegam a nos revelar verdadeiras tragédias, em que a miséria humana reponta em toda a sua crueza. Contudo, em sua maioria, essas narrativas são “causos”, que nos encantam em sua singeleza e peculiaridade, pelo seu humor singular e inesperado.

 

Seja como escritor ou como jornalista, o professor Gallas primou sempre por uma linguagem objetiva, concisa, escorreita, como, aliás, preconizam os melhores manuais de redação. Nunca gostou de frases quilométricas, cheias de atavios e de “cipós retorcidos e floreados”, como pretensos estilistas gostam e propalam.

 

Preferiu seguir a praxe do bom jornalismo, com o uso de frases curtas, diretas e claras. Em determinada época, quando a Rádio Educadora era a única emissora de comunicação no norte do Piauí, suas crônicas eram lidas pelas belas e vibrantes vozes de Gilvan Barbosa e Reginaldo Mendes, que marcaram época na radiodifusão parnaibana. Essa praxe, ainda mais aprimorada, ele levou para a sua ficção. E fez muito bem.”   

sábado, 20 de março de 2021

Abraão Gama, um homem bom

Fonte: Internet (redes sociais)
Carlean, Abraão e José Augusto de Aquino


Abraão Gama, um homem bom


Camilo Martins

Escritor e poeta


Quando eu nasci, já estava lá seu Abraão Gama!!

Eu atravessa os trilhos que beiravam o cemitério São José, atravessa a avenida Miguel Rosa e seguia na rua Ruy Barbosa e...Já chegava na lanchonete do tio Abraão, como eu o chamava, já que era muito amigo da minha vó Egídia e dos meus pais também! 

Eu dava a bênção a ele, e já esperava, porque em seguida ele mandava me servir um gostoso suco, com pão massa fina!!

Fui crescendo assim, vendo tio Abraão usar de sua bondade e generosidade para com o próximo, não só em pequenas coisas, mas, em grandes causas!

Um dia desses estive com ele e me disse que um amigo precisava de uma cirurgia do coração a qual custaria 35 mil reais e que certamente morreria, pois não possuia tal quantia, ao que o tio Abraão, bondosamente, para salvar-lhe a vida, pagou todas as despesas médicas!

De igual forma um outro que necessitava de uma cirurgia no ombro que custaria 11 mil reais, tio Abraão também pagou tudo e por aí vai!!

Adotou muitas crianças carentes, inclusive meu, já saudoso, primo Ariosvaldo, que teve sua formação acadêmica e um comércio, sob os auspícios do mestre Abraão!

Filósofo, tinha uma capacidade mental extraordinária e era sábio no aconselhamento pessoal, sempre mostrando a direção certa que a pessoa tinha que seguir para alcançar a vitória e ser feliz na vida!!

Amava jogar dama, assim poderia, entre uma jogada e outra, meditar nas melhores jogadas para o enfrentamento das crises em todos os seus aspectos e fazer a jogada certa pra vencer nesse jogo misterioso que é a vida!

Hoje meu coração está triste com a morte desse herói da história de superação, luta e vivência, mas, é assim a vida, você escreve o seu capítulo e se vai, fica a sua história como exemplo e legado para a próxima geração e pra humanidade!

Pra mim, boas lembranças e a saudade do tio Abraão Gama!