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Na 1ª foto do painel, a enfermeira Iracema e Jailton; na 2ª, Jailton e sua mãe Altair, ladeados pelos médicos João de Deus Torres e Sigefredo Pacheco; na 3ª, Altair e Jailton |
13 de fevereiro Diário Incontínuo
JAMES TORRES, A MATERNIDADE E OS VELHOS MÉDICOS
Elmar Carvalho
Neste domingo, em Campo Maior, fui à maternidade
Sigefredo Pacheco, para entregar ao médico e diretor daquela casa de
saúde os meus livros Noturno de Oeiras e outras evocações, A casa
no tempo e PoeMitos da Parnaíba. Fui acompanhado do professor Zé
Francisco Marques e de meu irmão Antônio José. James estava, na
área de recepção, a conversar alegremente com várias pessoas.
Dessa atitude, em pleno domingo de carnaval, bem se pode inferir que
ele tem paixão pelo que faz, que é um médico efetivamente
vocacionado, uma vez que não apresentava o menor sintoma de
mau-humor ou estresse.
Ele me apresentou às pessoas com quem conversava, e me
traçou uma breve biografia, sobretudo enfatizando que eu era um
poeta e que fora um bom goleiro, a desferir voos nos campinhos de
várzea de Campo Maior, como está posto na parte final do livro
Bernardo de Carvalho, o Fundador de Bitorocara, que eu lhe dera dias
atrás, quando o encontrei, em feliz coincidência, no shopping
Riverside. Naquela oportunidade, ele comprou um note book, e eu
adquiri um pendrive para armazenar com segurança este Diário
Incontínuo, que venho escrevendo há mais de três anos, e que
desejo publicar em livro de papel, quando completar sessenta anos de
idade.
Eu o conhecia há algumas décadas, principalmente do
tempo em que eu trabalhava como fiscal da extinta Sunab, que
funcionou no prédio da Delegacia do Ministério da Fazenda, onde o
doutor James exercia o cargo de médico, como ainda exerce. Na
conversa no shopping, ele me revelou que gostava de ler. Enalteceu as
minhas atividades de magistrado e de poeta. Como é raro, hoje em
dia, a gente encontrar um leitor de literatura, achei por bem lhe
ofertar o meu livro sobre Bernardo de Carvalho, explicando-lhe que eu
fora motivado pelo desejo de resgatar a memória dessa grande figura
histórica do Piauí, que injustamente estava relegada ao
esquecimento.
Quando lhe entreguei esse livro, disse-lhe, brincando,
que ele não precisava lê-lo na íntegra, mas apenas a crônica que
o encerra, escrita pelo Zé Francisco Marques, titulada “Quem te
ensinou a voar?”, sobre as minhas atuações goleirísticas. Mas
James Torres, com o seu notável senso de humor, retrucou-me:
- Por favor, não me faça um pedido desse; eu gosto de
ler, e quero ler o seu livro todo...
Fiquei feliz. Afinal, os leitores compulsivos são “avis
rara” cada vez mais raras, ralas e rarefeitas, nesses tempos
apressados de internet e de audiovisuais.
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Hellena (filha de Jailton), sua mãe e o médico James Torres |
Na maternidade, ele me mostrou um modesto painel, onde
estavam afixadas, sem nenhuma ostentação, quatro a cinco
fotografias, sendo duas bem antigas. Numa delas, apareciam o Dr. João
de Deus Torres, seu pai, e o então senador Sigefredo Pacheco, seu
tio afim, também médico e ex-deputado federal. João de Deus
Torres, já falecido, foi prefeito de Campo Maior, no período de
1963 a 1967. Em outra foto, via-se a saudosa enfermeira Iracema Lima
da Costa Santos, antiga parteira campomaiorense. Vim ao mundo com a
ajuda de suas mãos, e durante muitos anos a chamei de mãe Irá, em
homenagem a esse fato.
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Dr. João de Deus Torres |
No painel, também estava a imagem de Jailton L. e
Silva, filho da senhora Altair Lima de Deus, que inaugurou essa
maternidade ao nascer em 05/12/1967, ainda nos bons tempos de Irá e
do doutor João de Deus Torres. Nas fotos mais recentes, aparecem o
médico James, uma jovem mulher e uma criança; esta infante, de nome
Hellena do Vale Lima, nascida em 22/03/2004, é filha de Jailton.
Portanto, vê-se nas imagens fotográficas a sucessividade das
gerações de médicos e de pais e filhos, na eterna perpetuação da
espécie bípede, mamífera e humana, ou homo sapiens, nem sempre tão
sábio assim.
Durante um curto período, no início de minha
adolescência, residi perto dessa maternidade. Nessa época, com
certa frequência, tomava banho no Surubim e em sua velha barragem.
Uma ou duas vezes, quando a alta caixa d' água, que lhe fica
próximo, derramava água pelo “ladrão”, como se fosse uma bica,
tive o prazer de banhar na verdadeira cascata que se formava. Na sua
frente, namorei algumas vezes, à noite, uma garota da vizinhança,
que nunca mais revi, e cujo nome já não recordo.
A pouca distância, ficava o extinto hospital São
Vicente de Paula. Certa feita, quando eu me encontrava nessa entidade
hospitalar, ouvi o forte clamor angustiado de uma mãe, que
acompanhava o cadáver do filho. Durante alguns meses, a lamentação
desesperada não me saía da memória, deixando-me o espírito
impregnado de profunda tristeza pelo que a morte contém de
irremediável e inelutável.
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Senador Sigefredo Pacheco |
Como uma homenagem, recordo o nome dos velhos médicos
da época, alguns já falecidos: José Francisco Bona, José
Laurindo, Antônio de Araújo Chaves, João de Deus Torres, que
relevantes serviços prestaram aos campomaiorenses, na área de
saúde. O primeiro foi colaborador do jornal A Luta, em que publicou
interessantes crônicas e artigos, que bem merecem ser coligidos em
livros; doutor Chaves foi grão-mestre da Grande Loja Maçônica do
Piauí. José Francisco e José Laurindo foram os responsáveis pela
cirurgia cesariana, através da qual nasceu o meu irmão caçula,
César Carvalho (Neném).
O Zé Francisco fez questão de proclamar, alto e bom
som, e no melhor tom tonitruante, que James, além de médico
dedicado e competente, é um exímio violonista, do nível de Turíbio
Santos e Dilermando Reis. Devo dizer que o autor dos elogios não lhe
deve ficar atrás, além de dedilhar, com rara maestria, um teclado.
Dessa forma, marcamos um encontro para um dueto e um duelo entre esses dois mestres
das cordas pulsantes e sonoras de violão, que acontecerá no
primeiro ou no segundo domingo de março.
Após James Torres afirmar que eu fora um grande
goleiro, a empreender minhas voadas nos campos pebolísticos de Campo
Maior, tive vontade de lhe dizer que talvez tenha havido certo
exagero por parte do Zé Francisco; que as “asas” com que eu
voava eram pregadas com cera, como as de Ícaro, e que, como um anjo
decaído, eu me estatelava no chão; que apenas fui um admirador dos
guarda-metas conterrâneos Beroso, Icade e Zé Olímpio da Paz Filho,
este para mim o melhor golquíper na modalidade futebol de salão.
Meu ícone, que procurava imitar, foi o imortal
caiçarino Coló, um dos maiores goleiros do Piauí de todos os
tempos. Coló colava com cola, como dizia a modinha, cantada no auge
de sua glória. E eu, se muito colasse, colava com grude ou goma
arábica.
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Caiçara, vendo-se à direita, em pé, o goleiro Coló |
QUEM TE ENSINOU A VOAR?
José Francisco Marques
Professor, compositor e instrumentista
Remonto ao início dos anos 70, mais precisamente após
o nosso escrete canarinho haver conquistado a tão cobiçada taça
Jules Rimet. A nossa seleção (considerada ainda hoje por experts
como a melhor de todas as seleções), despertou de maneira ainda
mais efusiva e visível a simpatia por esse esporte. Assim, o
futebol de várzea efervescia certamente por conta de tal feito.
Eu, não contrariando a toda uma geração, me deixei
levar por essa “onda” futebolística. O meu primo/irmão João
Bartolomeu Filho fundou na época um time de futebol amador, o qual
denominou de Palmeiras. Era de fato um time bem organizado, com
reuniões semanais, englobando todos os que faziam parte daquela
equipe.
Organizou-se então um Campeonato, que tinha como
coordenador mor um jovem ao qual chamavam de Pedro Rocha, apelido
que acredito ser uma alusão ao famoso craque do São Paulo naquela
época, cujo nome verdadeiro era Antônio Francisco Souza. A citada
competição acontecia aos domingos, no Estádio Deusdedit Melo .
Eu era uma espécie de faz tudo. O office boy da
equipe, por assim dizer. Lembro que, dentre as tarefas a mim
delegadas, a que mais me deixava prazeroso era a de literalmente
acordar o nosso atleta maior. Refiro-me ao mestre amigo, poeta,
cronista, blogueiro dos mais famosos e imortal de várias academias,
dentre elas a Piauiense de Letras, Elmar Carvalho, que representava,
sem dúvida alguma, a peça que transmitia a toda equipe a segurança
necessária. Assim o digo porque, enquanto eu não conseguisse
completar a minha tarefa, o meu primo, lá no Estádio, usava de
todas as artimanhas possíveis para protelar o início do jogo, para
iniciá-lo apenas quando o nosso guarda-metas chegasse.
Elmar era de fato um goleiro diferenciado. Elegante em
suas defesas e de uma agilidade impressionante, pois muitas vezes
arrancava aplausos (fato raríssimo entre expectadores desse nível
futebolístico), da plateia que o assistia. Eu, entre orgulhoso e com
um nítido sentimento de dever cumprido, sentia-me, dentro do
contexto, feliz por ser parte, ainda que ínfima, desse espetáculo
que dominicalmente o nosso atleta oferecia.
Lembro-me, dentre outros feitos, de uma defesa
antológica que Elmar praticou. Repassei, durante muito tempo, aos
amigos que militavam na área esportiva, tal feito. Era uma espécie
de semifinal ou algo parecido. O jogo estava duríssimo e o Palmeiras
vencia por 1X0. O jogo já estava quase finalizando, quando o
centroavante adversário acertou uma cabeçada no canto esquerdo,
tendo o nosso goleiro, em um reflexo incrível, efetuado a defesa. A
bola resvalou na trave. A pelota sobrou para outro atacante, que de
primeira soltou um “torpedo”; o nosso arqueiro, usando de uma
agilidade felina, conseguiu, no canto contrário, fazer uma defesa
fenomenal. Mais tarde, ao ver uma defesa de Rojas, atuando no Santos
(os mais afeitos ao futebol certamente lembrarão), é que pude
estabelecer um comparativo com essa verdadeira façanha
malabarística.
Elmar tornou-se um grande goleiro precocemente. Certa
feita, ainda criança, jogava com alguns amigos em um campinho de
futebol. A sua atuação despertou a atenção de um agricultor que
por ali passava. Depois de seguidas defesas e voos, a espalmar a
bola, o agricultor, não contendo a sua admiração e espanto,
expressou em voz alta: “Meu Deus, parece um passarinzim”.
O lado intelectual falou mais alto, e assim o futebol
perdeu um grande goleiro. A magistratura, por sua vez, ganhou um
reforço substancial.
Mas, voltando às minhas memórias, jogo terminado,
Elmar seguia, agora com alguns amigos, de volta ao seu lar (ou algum
boteco), não sei ao certo, entre elogios e expressões de puro
contentamento.
Hoje, depois de muitos anos, o mesmo jogador brilhante,
que antes imitava com perfeição o voo dos pássaros em suas defesas
acrobáticas, transporta-me em suas asas poéticas a voos ainda mais
densos e infindos.
Mestre, humildemente vos pergunto: Quem vos ensinou a
voar?