Quem
não escorrega no português?
José
Maria Vasconcelos
Cronista, josemaria001@hotmail.com
Neste
feriado de carnaval, debrucei-me sobre artigos da coleção,
ESCORREGÕES NO PORTUGUÊS, para edição, em breve, de um livro.
Perversa tarefa corrigir deslizes de português alheios e publicá-los
em coluna de jornal. Descobre-se “argueiro no olho dos outros, e
uma trave nos próprios olhos” – adverte Cristo.
Uma
tortura falar e, especialmente, produzir um texto correto, sem
deslizes de concordância, regência, colocação pronominal,
conjugação verbal, pontuação e precisão, eis a tortura, não só
dos estudantes, mas de profissionais de imprensa, de escritores
imortalizados, de quem se aventura ao simples ato de escrever. É
necessário, portanto, vigilância, a crítica construtiva.
Explicam-se certos temores na hora de produzir um texto. Uma das
causas, remota à história da formação do idioma português.
O
império romano conseguiu impor o latim em algumas colônias da
Europa, inclusive na Península Ibérica, formada pela atual Espanha
e Portugal, no início do primeiro milênio. Não se tratava de um
latim castiço, cultivado por filósofos e elite da capital do
império, Roma, ou dos cultos gregos, mas de idioma rasteiro, vulgar,
vocabulário paupérrimo, falado por soldados e plebeus. Pouca gente
tinha acesso à escrita e leitura de pergaminhos: caros e
artisticamente elaborados em couros de animais. Uma obra custava o
preço de uma fazenda. Escribas eram privilegiados pela nobreza.
A
falta de contato com a língua escrita tornou-a vulnerável a
corruptelas de palavras, com trocas e fusões de fonemas e letras,
enxertos, entre outros motivos. Aos poucos, o latim vulgar ia se
transformando em um novo idioma, neolatino: francês, italiano,
espanhol e português. No início do segundo milênio, o português
já exercitava os primeiros passos; com as características atuais,
somente a partir do século XV.
A
invenção da imprensa contribuiu para a popularização do livro, e,
consequentemente, a expansão da cultura herdada dos antigos
filósofos e escritores greco-latinos. Tradutores se deparavam com a
pobreza vocabular da língua neolatina. A solução era reproduzir
palavras e construções sintáticas do latim clássico ou grego
erudito para o idioma de origem vulgar. Latim e grego da Antiguidade
clássica voltaram aos bancos escolares, antes, cultivado só por
monges e clero. As línguas neolatinas enriqueceram-se com a
popularização, pela imprensa, de autores famosos, como Cícero,
Virgílio, Aristóteles, Sócrates. Acesso fácil à cultura
greco-latina, considerada de excelência e fonte de pesquisas
jurídicas, científicas e humanistas. Daí a denominação de
renascimento ou classicismo ao período pós-invenção da imprensa.
O mundo evoluiu, culturalmente. A cultura antiga permaneceu intocável
até o século XVIII. Continua viçosa em nossos dias
O
português não é tão difícil. Complicado é as pessoas entenderem
que a prática da linguagem culta só se desenvolve com a leitura de
textos cultos.
Ligeiros
escorregões, provocados pela pressa do que pela falta de aprendizado
da gramática, fazem parte da produção de texto. Revisá-lo é
reaprender. Exercício agradável, que esquece outros prazeres, como
o saracoteio carnavalesco. Foi assim que me saí bem, dançando com a
boneca do meu próximo livro.
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