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O PAÍS DAS DISPARIDADES
Cunha e Silva Filho
Não pense o leitor que eu tenha
alguma pretensão ou veleidade de ser um analista da realidade brasileira como se fora um
cientista político, um sociólogo, um
historiador ou um pensador. Ao meu texto simplesmente aplicaria a classificação
de gênero crônica, ou artigo de opinião.
Nada mais do que isso. Meu texto não
está repleto de quadros estatísticos,
de porcentagens, de
gráficos, de pesquisa de campo,
de embasamento teórico com a sua terminologia própria e o seu jargão técnico girando em torno de uma
hipótese de trabalho. Seria, antes uma conversa (escrita) com um leitor indeterminado, um leitor geral, em
bate-papo descontraído e salutar, quiçá se aproximando (me perdoe a
indevida comparação) de um “resmungo” à Ferreira Gullar (1930-2016) ou à Carlos Drummond de
Andrade (1902-1987).
Se falar do título até diria que me
inspirei numa nota aposta a uma
reportagem de um jornal
de ampla circulação. Meu texto
apenas quer se comunicar claramente com
alguém, ou algum leitor que, por
acaso, me venha a ler e que, talvez, nem
me conheça bem. A minha intenção, contudo, é boa e não fará mal a ninguém, a menos que
seja uma pessoa extremista ou radical em
questões da realidade social do país.
Imitando uma ficha de dados sobre um autor analisado, apresentada por um eminente crítico literário brasileiro, que, agora, anda um pouco afastado dos arraiais literários ou acadêmicos, veja o
que mostro na ficha abaixo:
Brasil: pais de dimensões
continentais;
População: muito populoso, com um crescente contingente de idosos;
Língua oficial: língua
portuguesa;
Classes sociais: miseráveis,
pobres, classe média baixa
(difusa, a bem dizer, de difícil classificação), média, média alta, elite
econômica (alta burguesia), bilionários;
Níveis de escolaridade:
analfabetos, analfabetos funcionais,
semiletrados, letrados, altamente
letrados (um parêntese: no ensino da
matemática, o rendimento nacional se
mostra pleno de “disparidades”: escolas com baixo rendimento em matemática,
em contraste flagrante com escolas públicas (poucas) e privadas com alto
rendimento nessa disciplina. Se, porém,
olhar-se para o grupo de elite (no
sentido cultural) no desempenho da
matemática, vê-se que o Brasil, contraditoriamente, se alça, dentro dos parâmetros da OCDE
(Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), a uma posição
que já ombreia com os países com
o altíssimo nível da União
Matemática Internacional. Quer dizer, o
país revela ser um mosaico que vai
dos baixos níveis da educação mundial ao mais alto nível dos países de economia
avançada.
Maiores problemas: corrupção
política, violência crescente, tráfico
de drogas e de armas pesadas, facções
criminosas, dentro dos presídios e fora deles, sobretudo nas capitais do país.
Ora,
tal estratificação sóciocultural, agravada pelas suas mazelas, dá o que pensar e ainda torna mais contraditória e complexa a situação anômala do Estado Brasileiro. Diante dessa complexidade
de modos de ser de uma nação, é fácil de entender por que o pais não
cresce harmoniosamente nos setores mais
vitais a fim de que se alcance
um melhoria significativa que nos
conduza a um bem-estar mais igualitário, mais humano, mais justo.
Está aos olhos de quem tem experiência
que o Brasil é vítima de uma
perniciosa concentração de renda,
onde uns poucos vivem como qualquer rico de um pais adiantado ou
não. E tal concentração tende a aumentar
à medida em que os ventos do capitalismo global soprem com a rapidez e fúria devastadora.
A avidez do lucro e da mais valia, da
reserva de mercado pandêmica nada deixam
de pé na sua passagem em busca do lucro
e da acumulação de riqueza
unilateralmente. Da pobreza alheia dos anônimos, sempre desavisados e inconscientes, nasce a opulência dos tycoons.
A riqueza não é subjetiva, mas é dura
qual uma pedra. A objetividade é
a sua falta de limite mais perseguido.
Neste contexto social
é que o país se situa
e define o que seja melhor
aos plantonistas dos poderes político e
econômico. Neste mesmo contexto é que os destinos da nação são traçados
a peso de ouro (ou de propina deslavada e cínica).
Ao mesmo tempo em que o país está bem adiantado na burocracia federal,
estadual ou municipal altamente
informatizada e, por
conseguinte, controlando todo os passos, por exemplo, dos
servidores públicos, em outros setores também públicos
tudo está mal administrado, mal gerido
e suscetível de desvios de verbas, peculatos e corrupção ativa ou
passiva crônicas, a despeito de algumas vitórias do Ministério Público e da Polícia Federal,
os setores como educação, segurança, saúde e transporte estão, no
geral, deixando ainda
muito a desejar no que concerne a benefícios sociais prestados
ao contribuinte pelo
país afora.
Afirmar-se, pelas mensagens de
governantes, que o país está saindo do
sufoco da recessão, que o consumidor
está comprando mais e que a economia está retomando seu rumo certo é uma meia-verdade, porquanto ainda há muito que caminhar na direção das correções cabíveis, a
começar das ações do próprio governo federal que, à outrance, teimam em
modificar a Previdência Social
sem consultar a população brasileira e sem um amplo debate
entre ela e o governo.
Quando
um autoritário e soberbo
relator do projeto de reforma
previdenciária admite em público
que o país tem uma contingente
significativo de idosos e
nestes em parte põe a culpa
pelos desatinos do perdulário
governo federal, ele está desrespeitando essa faixa
de aposentados que não tem
nenhuma responsabilidade
pelos desastres da administração Temer e dos governos que o antecederam. Ao contrário, os aposentados do governo federal foram penalizados com uma espécie de
confisco obrigatório, que foi o
desconto, na folha de pagamento dos servidores, do que chamam de “contribuição para seguridade social de aposentadoria,” ou seja,
os servidores, que já descontaram
tanto no período ativo, quando aposentados, sofreram essa redução compulsória nos seus
vencimentos. Lembro, a propósito,
que esse desconto para a
seguridade social, foi efetivado no
bondoso governo Lula.
Enquanto o pais de contrastes e, por tabela, de desigualdades e injustiças, vai tecendo sua
teia mefistofélica e draculiana de arbitrariedades e desídias administrativas, a sociedade, cindida em
vários sentidos, vai vivendo sua dolce vita felliniana dentro das divisões firmemente
impostas pelos donos do poder
continuamente realimentador do status quo desigual e
autoritário e com aparência de fazer
os tolos pensarem que tudo se está
mudando para o bem geral da nação
e do seu povo “cordial” e
pândego.
Em outras palavras, excetuando os miseráveis que nada podem, os ricos continuarão ainda mais ricos e a
classe média lato sensu se endividando
pelo canto de sereia do
consumismo, vão, como podem, aguentando
o tranco e eu a me lembrar dos versos do poeta da saudade: A vida é uma girândola na alvorada/ao retinir dos guizos de vidro da Folia/Evoé
Evoé!