Barras do Marataoan: O Retorno
Chico Acoram Araújo
Alguns dias atrás
fui a minha cidade natal, Barras do Marataoan. Há muito tempo por lá não ia. A
cidade cresceu, inchou; não se desenvolveu.
O comportamento das pessoas mudou. As crianças e jovens não diferem nem
pouco dos que moram nas grandes cidades. Perderam a simplicidade interiorana; a
violência é marcante. Tudo mudado. Aliás, ultimamente, perdi o encanto em
visitar meu torrão. Há quase dois anos não andava por minha saudosa Barras. A
última vez estive lá por conta do velório e sepultamento de uma estimada
parente. Cabe aqui salientar que o objetivo dessa viagem de agora era apenas
para conduzir minha tia de volta à Teresina, conforme tínhamos acertado semana
antecedente a sua ida àquela cidade. A viagem fora marcada para o domingo
seguinte.
Acordei
cedo no domingo, sem muita vontade; comumente, nesse sagrado dia, levanto-me um
pouco mais tarde. Uma preguiça perpétua me abate. Nada, porém, que um bom banho não possa dissipar.
O dia amanheceu ensolarado; o céu com um azul brilhante,
brisa calma e aconchegante. Dia bom para uma viagem, pensei. Despedi-me da
esposa, e parti.
Em
pouco tempo já estava na BR-343 rumo à Barras – terra dos governadores, dos
poetas e dos escritores; e paraíso das águas. Alguns minutos depois, tomei a
PI-113, conhecida como Rodovia do Babaçu, acesso da rota turística chamada de
Caminho das Águas. Sozinho no meu carro, absorto em um torvelinho de
pensamentos passados, lembrei–me de um certo
janeiro, lá pelo ano de 1961.
Tinha apenas oito anos de idade quando meu pai decidiu morar em Teresina
em busca de melhores condições de vida para sua família. Fiquei maravilhado com
minha primeira viagem, sobretudo pelo fato de ir em cima de um caminhão, embora
apertado entre as velhas tralhas que estavam em cima da carroceria. Naquela
época, o percurso entre as duas cidades durava cerca de quatro ou cinco horas.
O chão da estrada era de piçarra, o que levantava uma grande poeira avermelhada
com o atrito dos pneus do veículo. Hoje,
com a estrada asfaltada, o tempo de viagem é de apenas hora e meia,
aproximadamente. Mas, essa história já contei aqui mesmo nesse espaço, em
crônica anterior.
Como
todo mundo gosta de contar a história da sua terra querida, peço licença para
falar sobre a minha também. A história registra que Barras surgiu a partir de
uma fazenda de gado conhecida como Buritizinho, que se tornou povoado alguns
anos depois. Nessa localidade construiu-se, em meados do século XVIII, uma
capela dedicada a Nossa Senhora da Conceição, atualmente padroeira da
cidade. Barras do Marataoan, como era
antes conhecida (em alusão ao rio que serpenteia e banha a cidade), foi elevada
à categoria de cidade pelo Decreto nº 1, de 28/12/1889. A cidade está localizada
no centro de seis barras de rios e riachos, daí o nome adotado, Barras.
Localiza-se na microrregião do Baixo Parnaíba Piauiense, com uma área de
1.719,798 km², e possui densa vegetação entremeada por babaçu, mas também
extensos campos cobertos por gramíneas. Sua população atual beira os 44.850
habitantes; e barrense é o nome
gentílico do habitante do município.
Barras
é conhecida como terra dos governadores e dos poetas. Segundo Elmar Carvalho,
notório magistrado e escritor piauiense, o primeiro aposto se devia não só ao
fato de Barras ter tido vários de seus filhos na governança do Estado do Piauí,
mas também na chefia do Executivo de Pernambuco e amazonas. Ele cita como
governadores do Piauí: Gregório Taumaturgo de Azevedo (26/12/1889 a
04/06/1890), primeiro governador republicano do Piauí; Coriolano de Carvalho e
Silva (11/12/1892 a 04/07/1896); Raimundo Artur de Vasconcelos (01/07/1896 a
1900); Matias Olímpio de Melo (1924 a 1928); e Leônidas de Castro Melo
(03/05/1935 a 09/11/1945), que governou o Estado por mais de dez anos. O
emérito Escritor elenca ainda os barrenses Gregório Taumaturgo de Azevedo e
Fileto Pires Ferreira como governantes do Estado do Amazonas, enquanto
Segismundo Antônio Gonçalves governou o Estado de Pernambuco. O poeta declara
ainda que Barras poderia ser chamada, igualmente, de terra dos intelectuais,
uma vez que forneceu ao Estado nomeados escritores e poetas.
Quanto
ao epíteto de terras dos poetas, o ilustre Elmar Carvalho destaca entre os
intelectuais, poetas e escritores às margens do Marataoan, os seguintes
barrenses: David Moreira Caldas, o “Profeta da República”, por ter previsto, em
1873, a Proclamação da República do Brasil no ano de 1989 (ele faleceu 10 anos
antes da Proclamação, e em condições precárias, pois a igreja católica lhe
negou o sepultamento de cristão, por suas convicções políticas e religiosas.
Foi enterrado fora do cemitério, nas cercanias da cidade de Teresina); Celso
Pinheiro, o mais importante poeta simbolista do Piauí; José de Arimathéa Tito
Filho, que presidiu a Academia Piauiense de Letras durante 23 anos; João
Pinheiro, autor da mais notável obra sobre a história literária do Piauí;
Matias Olímpio de Melo, Presidente da Academia Piauiense de Letras por dois
mandatos. Elmar cita ainda os escritores, Fenelon Castelo Branco, José Pires
Lima Rebelo e Wilson Carvalho Gonçalves, sendo este último o autor de uma das
mais notáveis obras de divulgação da História do Piauí. Afirma ainda que são
considerados barrenses os poetas Leonardo de Carvalho Castelo Branco, Hermínio
de Carvalho Castelo Branco e Teodoro de Carvalho Castelo Branco, haja vista que
as localidades onde nasceram pertenceram ao município de Barras. Seria injusto
não mencionar o barrense Lucílio de Albuquerque, que foi pintor, desenhista e
professor brasileiro, de notoriedade internacional. Em 1906, esse ilustre
piauiense recebeu o Prêmio de Viagem da ENBA, com a tela Anchieta escrevendo o
poema à Virgem.
Elmar
Carvalho, em sua pesquisa, afirma categoricamente que Barras, além de ser a
Terra dos Governadores, é também celeiro de marechais e senadores. Entre os
primeiros, enumera: Firmino Pires Ferreira, que lutou na Guerra do Paraguai, e
Gregório Taumaturgo de Azevedo, que chefiou a comissão de limites entre o
Brasil e Bolívia, e fundou a cidade de Cruzeiro do Sul, no Acre, e a Cruz
Vermelha Brasileira. Quanto aos senadores, Elmar Carvalho aponta os barrenses
Firmino Pires Ferreira, Raimundo Artur de Vasconcelos, Joaquim Pires Ferreira,
Matias Olímpio de Melo e Leônidas de Castro Melo, salientando que todos estes
foram também deputados federais.
Aqui
cabe um adendo. O emérito magistrado e escritor Elmar Carvalho é barrense de
sangue, pois como ele próprio declarou, assim como seu pai, vários dos seus
ancestrais paternos são filhos de Barras. Portanto, esse preclaro poeta e
escritor é, também, um ilustre barrense, embora tenha nascido na vizinha cidade
de Campo Maior.
Feito a
publicidade da minha terra natal, volto novamente meus pensamentos para a
Rodovia do Babaçu. Depois que passei por José de Freitas e Cabeceiras,
recordo-me de ter visto, durante aquela viagem da mudança de minha família para
a Capital, uma revoada de periquitos que sobrevoavam as matas, um nambu
correndo no mato, um carcará pousado em uma árvore, um preá atravessando a
estrada, uma palmeira lascada por um raio. Lembro-me também, nas margens da
rodovia, bois pé duro pastando, algumas casas cobertas de palhas de palmeira,
bem como algumas roças cheias de legumes. Esse fantástico cenário bucólico
agora não o estou vendo. Tudo mudou; é passado. Meus pensamentos divagavam
errantes, em lembranças atuais e remotas. Parece que a solidão provoca no ser
humano a capacidade de lembrar fatos e coisas que ocorreram no passado
distante, e que, às vezes, a gente nem imaginava a existência deles. Lembre-se
que eu estava sozinho e Deus no meu automóvel.
Chegando à cidade de Barras, um pouco antes, vi a casa grande da antiga
fazenda conhecida como “Cantinho”. Nessa localidade, quando criança, tomava de
vez por outra uma garapa extraída da cana-de-açúcar, e comia também rapadura
quentinha. Observei que aquela vivenda agora estava reformada, mas guardava as
características antigas; e que não existe mais a casa de moagem.
Do
“Cantinho” para cidade é pulo; apenas cinco minutos. Enfim, cheguei à Terra dos
Governadores e dos Poetas. Porém, antes de entrar na cidade, existe à esquerda
da rodovia, em uma curva e um pouco antes da ponte que atravessa o rio
Marataoan, um morro que impede a visão panorâmica da cidade. Esse pequeno
acidente geográfico está no lugar errado, ou foi a estrada que foi construída
no lugar indevido?
Chegando ao meu destino, fui direto para casa da minha tia que morava do
outro lado da cidade, no Bairro Boa Vista. Antes de entrar na rua que dar
acesso à residência da referida tia, observei, à direita, algumas pequenas
casas e bares que ficavam ao lado de uma grota que escoa água e esgoto. Nesse
local, quando o bairro não era ainda muito povoado, existia um perene riacho
conhecido como “Riachinho”. Hoje, não existe mais esse córrego em que tantas
vezes, quando criança, banhei em suas águas cristalinas. Por conta desse fato, transcrevo, a seguir,
um trecho de poema que escrevi muito tempo atrás:
Onde está meu córrego de nome Riachinho?
Meu pequeno rio de saudades – água preciosa servida em um
dourado pucarinho!
Riacho já não mais existe. E a minha Boa Vista
Há muito deixou de ser uma bela vista.
No final do mesmo poema, eu faço um protesto ecológico que
diz assim:
Lá se vão mais de meio século de rota,
Época que não volta mais; e eu longe do canto dos pássaros,
pela manhã.
Hoje, meu Riachinho é apenas uma grande grota,
Que desemboca no meu rio de saudades, o Marataoan.
Sigo na
minha viagem sentimental e, momento depois, eu chegava em casa da minha tia,
que acima já me referi. Esta e a outra tia, que viera do Rio Janeiro visitar
parentes, já me esperavam, conforme o combinado na semana anterior, em
Teresina. Desde a minha chegada até a hora do almoço houve uma longa e demorada
conversa entre os parentes que se encontravam na casa. Lembrávamos
acontecimentos do arco da velha; assuntos de toda natureza. Vez por outra,
ouviam-se belas gargalhadas. Uma confraternização familiar, enfim. Isso durou
até a hora do almoço. O cardápio era costela frita de leitão novo, baião de
dois, com o feijão colhido na roça no dia anterior, acompanhado de uma galinha
caipira ao molho. Iguarias como estas não existem melhor. Após a ceia, fui
cochilar um pouco em uma macia rede branca feita de tecido “sol-a-sol”. Afinal, ninguém é de ferro!
Quando
o sol baixou, e o calor deu uma trégua, partirmos de volta para Teresina, eu e
minha tia; felizes.
Fonte: blog Folhas Avulsas