quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Síntese de Campo Maior nas décadas de 70/80

Fonte: Blog Super Campo Maior

Síntese de Campo Maior nas décadas de 70/80

Domingos José de Carvalho (*)

            A benevolência, fruto da amizade adquirida ao longo dos anos, aliada aos laços familiares, talvez tenha sido o motivo pelo qual Elmar, desta vez, me convida para tecer comentários sobre nossa Campo Maior dos meados de 70/80, em razão de sua nova produção literária – Histórias de Évora – romance que ficcionalmente nos mostra aspectos urbanísticos, socioeconômicos, culturais, esportivos e políticos vivenciados naquelas épocas.

            Exatamente em 1970 aportei em nossa urbe, bacharelado em Medicina com a firme determinação de através de minha profissão me inserir no contexto social e poder contribuir com o desenvolvimento campomaiorense.

            Com o olhar e a memória retrocedendo a mais de quatro décadas, é possível que caiam na vala do esquecimento fatos de qualquer natureza, componentes da realidade vivida naquelas décadas.

            No tocante a política partidária, o Brasil estava engolfado em severa crise institucional, com a casta militar assumindo o poder, governando através de atos institucionais, cerceando liberdades inseridas no texto constitucional.

            A sociedade campomaiorense, por ser conservadora, na sua imensa maioria apoiava o regime vigente. Poucas pessoas que não concordavam com o modo de governabilidade foram reclusas em quartéis de Teresina. As disputas pelo poder local se restringiam apenas a dois partidos políticos consentidos pelo regime. De modo geral a paz reinava em todos os sentidos.

            Criminalidade baixa, assalto a mão armada era coisa dos grandes centros urbanos. Os veículos eram poucos, apenas os mais potentados possuíam. O transporte urbano se massificava no uso de bicicletas.

            Nesse período as lambretas e vespas começavam a povoar nossas ruas e avenidas. No meio rural as montarias predominavam. A partir dos anos 80, com a indústria automobilística em desenvolvimento e o crédito mais acessível, a população começa a utilizar veículos automotores em grande escala. O transporte coletivo para Teresina era patrocinado por ônibus oriundos de cidades do norte do estado e também pela empresa local “Zezé Paz”.

            A arquitetura da cidade, já naquela década, vinha sendo agredida de forma acentuada, especialmente na praça Bona Primo, onde ficava plantado importante grupo de casarões com estilo influenciado pelo domínio colonial português. A ignorância e a falta de sensibilidade para preservação dessa relíquia arquitetônica acarretavam sua paulatina degradação. O poder público era omisso, não havia uma lei para proteger e preservar o patrimônio arquitetônico.

            A Zona Planetária, de tanto significado histórico e social, foi totalmente destruída. A ganância imobiliária falou mais alto que a preservação do local mais significativo da vida boêmia campomaiorense, muito bem comentada nesta obra.

            O açude grande sofreu muitas intervenções. Os poços que margeavam o esplêndido espelho d’ água foram soterrados, dando início a várias modificações como a construção da atual Alameda Dirceu Arcoverde, churrascarias, bares e lanchonetes.

            O mercado público da praça Luís Miranda foi demolido para construção da atual Prefeitura Municipal. A antiga e bela sede da Prefeitura, localizada na Praça Bona Primo, veio a ruir por desleixo da administração municipal que, posteriormente, transformou o local no Espaço Cultural D. Abel Alonso Nunez, nosso operoso e querido 1º bispo diocesano.

            Durante décadas Campo Maior construiu seu progresso às custas de dois vetores econômicos: o extrativismo da cera de carnaúba e a pecuária extensiva. Razão do topônimo de Campo Maior, como “Terra dos Carnaubais” e “Terra da Carne de Sol”.

            O preço desses produtos despencou no mercado refletindo diretamente na nossa economia. O Fripisa – frigorífico industrial – encerrou suas atividades acarretando desemprego e diminuição de arrecadação de tributos.

            A agricultura era de pouca expressão econômica, apenas de subsistência familiar. O comércio, associado ao setor e serviços, passou a manter o status adquirido no apogeu dos ciclos pastoril e da cera de carnaúba.

            O telefone, instrumento importante do moderno nas comunicações, era privilégio de poucas famílias, utilizado pelas firmas comerciais e órgãos públicos.

            A parte urbanística, composta de ruas avenidas, açude grande e seis praças no centro da cidade, sofreu alterações significativas.

            A praça Bona Primo, defronte à matriz – catedral de Santo Antônio, é a maior, mais bonita e bem cuidada, dividida em vários canteiros de formas geométricas, com bancos onde os namorados pontificavam para seus colóquios amorosos.

            O centro da praça arredondado com grama natural servia para a petizada jogar futebol e nos festejos do padroeiro instalava-se o leilão para arrematação de joias.

            Em seu redor permanece quase incólume o mais belo sítio arquitetônico da cidade, com casarões e sobrados no belo estilo colonial lusitano.

            A praça Rui Barbosa, situada nos fundos da Igreja Matriz, palco de encontro da juventude, dos flertes e futuros namoros. Em seu derredor alguns bares tradicionais como o Bar Santo Antônio de propriedade do Sr. Antônio Bona Neto, conhecido popularmente como Antônio Músico, local de encontro dos senhores agropecuaristas, comerciantes e profissionais liberais a discutir os últimos acontecimentos na política, economia e vida social.

            Os jovens o frequentavam para jogar sinuca e bilhar, atendidos gentilmente pelos funcionários Puaca e Penha.

            A Petisqueira, de propriedade da Sra. Rosita, servia cervejas e destilados, bem como sorvetes, picolés e salgados. Possuía uma amplificadora através da qual os enamorados enviavam mensagens e declarações sentimentais, acompanhadas de músicas românticas. O Bar Eldorado servia sua clientela com picolés, sorvetes, sucos, guaraná, cervejas, destilados e restaurante.

            A praça do Rosário homenageia N. S. do Rosário, cuja Igreja foi erguida em seu nome. Sua atividade religiosa se restringia ao novenário com leilões e alguns atos religiosos esporádicos.

            Nos festejos de Santo Antônio instavam-se barracas vendendo bebidas e comidas regionais.

            De pequeno porte, a Praça José Miranda semiabandonada, iluminação precária, canteiros sem flores ou plantas ornamentais, apenas frondosos oitizeiros. A firma Moraes S/A tinha filial em uma de suas esquinas. A Praça Gentil Alves merece destaque pela edificação do Teatro Municipal Sigefredo Pacheco, com linhas arquitetônicas de inspiração franciscana, desconfortável, de pouca serventia sociocultural.

            A praça Luís Miranda se sobressaía pelo Mercado Municipal, a Torre do Relógio e posto de combustível Esso, cuja construção possuía um lajão onde cantores se exibiam. Merece registro a sede das filiais da Casa Inglesa e Casa Marc Jacob. O prédio da Casa Inglesa foi demolido para construção da sede do Banco do Brasil S/A, bem como a torre do relógio e o mercado, em cujos locais foi construído moderno prédio, sede atual da Prefeitura.

            O novo Mercado Municipal foi construído entre a Av. Demerval Lobão e a rua Senador José Euzébio, com instalações e higiênicas.

            No tocante aos esportes, Campo Maior, Campo Maior despontava como grande polo futebolístico, com duas agremiações que faziam a alegria dos torcedores, Comercial e Caiçara, acirrando o ânimo das torcidas apaixonadas. Comercial recebia a preferência das famílias abastadas, dos comerciantes, enquanto seu rival, Caiçara, alcançava a classe operária e profissionais liberais, a paixão forte pelas suas cores. Futebol de salão bastante praticado pelos jovens.

            Na parte social destacavam-se: o Iate Clube, às margens do Açude Grande, formado pela elite econômica e cultural, patrocinava grandiosas festas com orquestras de nível nacional e internacional, o Campo Maior Clube, localizado na Praça Bona Primo, possuía quadro social mais eclético, quase todas as classes sociais participavam das excelentes festas ao som de conjunto renomados. Era o preferido pelos rapazes e moças nos seus namoricos e amassos.

            A classe operária encontra no Grêmio Recreativo o clube para realizar animadas festas e outras manifestações festivas e culturais.

            Completavam a vida social os trabalhos do Rotary e Lions Clube, o Grupo de Escoteiros, o núcleo das Bandeirantes e o Sol Clube com seu quadro social formado pelas damas mais representativas da sociedade.

            Importante ressaltar os trabalhos da secular, augusta e sábia Ordem Maçônica, que acolhia no interior dos templos seus filiados das lojas Costa Araújo e Araújo Chaves, obediência da Sereníssima Grande Loja do Piauí e da Loja Fraternidade Campomaiorense, sob os auspícios do Grande Oriente do Brasil – PI.

            Os aficionados por cinema encontravam no Cine Nazaré, de propriedade do Sr. Zacarias Gondim, o local para assistir a películas de todos os gêneros.

            Referindo-nos aos restaurantes da cidade, citamos a Churrascaria do João da Cruz e a do Manoelzinho servindo comidas típicas – maria isabel, paçoca e saborosos churrascos.

            Algumas casas de pasto ficavam na Zona Planetária, destacavam-se os restaurantes da Toinha do Peixe, João Maria, Manoel Sabino e a concorrida panelada do Cabula. De propriedade do Sr. Décio Bastos, o Bar Eldorado oferecia a sua fiel freguesia a melhor cozinha da cidade. No povoado Alto do Meio, o restaurante do Chico Nunes nos brindava com deliciosos pratos à base de capote.

            Os leilões de arrecadação eram frequentes, para ajudar pessoas necessitadas, principalmente na área de saúde.

            Outro aspecto predominante nos hábitos da cidade: algumas famílias, após o jantar, formavam “rodas”, quando familiares, amigos e vizinhos se encontravam para “jogar conversa fora”, tomar cafezinho e saborear guloseimas.

            A reviravolta nos hábitos e costumes chegou avassaladoramente com a energia de 24h e a Televisão, que a princípio era privilégio de famílias de maior poder aquisitivo e paulatinamente foi entrando nos lares das camadas mais pobres. No rastro das novelas e noticiários da TV, a informação atingia todas as classes estratificadas da sociedade, mudando hábitos arraigados secularmente. As relações entre os pares das famílias sofreram bruscas modificações.   

            No tocante à sexualidade, as mudanças foram impactantes

            A sociedade aceitava, permitia e até incentivava a prática sexual para rapazes, mas, diferentemente se comportava com relação às mulheres, reprimindo-as com veemência.

            As relações sexuais para as mulheres somente eram consentidas no matrimônio e preferentemente no religioso. Algumas, que não seguiam essa recomendação, ficavam marginalizadas na sociedade e muitas vezes pela própria família.

            A zona do meretrício era fartamente suprida de novas concubinas por essas infelizes moças ao transgredir esses preceitos, frutos de uma orientação religiosa conservadora.

            Raramente encontrávamos mãe solteira nas camadas ditas da alta sociedade, quando ocorriam eram estigmatizadas, deixavam de frequentar os clubes e outros e outros acontecimentos sociais de relevo. Essas mulheres relegadas, muitas vezes expulsas do lar, não tinham outra opção, seus destinos estavam traçados, eram lançadas no infortúnio da prostituição.

            A prática de amancebar-se era comum entre os homens solteiros e casados. A sociedade fazia vista grossa, aceitava esse grave delito com resignação. O patriarcado predominava. As mulheres aos poucos começaram a ascender ao mercado de trabalho e com a chegada da pílula anticoncepcional veio a redenção sexual para as donzelas, o medo de uma gravidez indesejada ficou nas brumas do passado.

            Os homossexuais masculinos eram discriminados, sofriam humilhações, chegando às agressões físicas, motivando o enrustimento de alguns e alguns casamentos fracassados; quanto às mulheres, a sociedade era mais condescendente, mais tolerante.

            Além da Zona Planetária, merece citação o prostíbulo da Zabelona, localizado no Campo do Pacífico; outro lugar badalado, e muito frequentado – a Venezuela, lupanar que funcionava em uma pequena chácara nos arredores da cidade, ambos em franco declínio.

            O caleidoscópio musical da época sofreu importante modificação com a influência dos cabeludos Ingleses Beatles, protagonistas da maior revolução musical do século passado, bem como o som da Tropicália dos baianos Gilberto Gil, Caetano Veloso, Capinam e do piauiense Torquato Neto, que ganhou relevo nas vozes de Gal Costa e Maria Betânia; merece destaque o movimento da Jovem Guarda, capitaneada por Erasmo Carlos e Roberto Carlos e a cantora Vanderleia.

            Da zona sul carioca novo ritmo contagiava o país: era a Bossa Nova do maestro Tom Jobim, João Gilberto, Baden Powel, poeta Vinicius de Moraes. Nessa época fomos contemplados com a belíssima obra musical de Chico Buarque de Holanda.

            Do exterior, oriundo da América do Norte, chegou o Rock in Roll, liderado pela figura carismática de Elvis Presley, com seus requebrados, cabeleira de trunfa exuberante e recheadas costeletas, angariou adeptos e muitos o imitaram.

            Na Zona Planetária e outros cabarés, os cantores preferidos eram Nelson Gonçalves, Waldick Soriano, Roberto Muller, Agnaldo Timóteo, Altemar Dutra e outros, interpretando músicas românticas, sentimentais, adequadas ao público frequentador. As cantoras preferidas eram Ângela Maria, Núbia Lafaiete e Maísa Matarazzo.

            Cantores outros eram ouvidos e possuíam aceitação entre os jovens, como Jerry Adriani, Vanderley Cardoso, Jair Rodrigues, Rita Lee, Elis Regina.

            Esses artistas influenciaram a juventude na maneira de vestir e se comportar; os rapazes usando calças “boca de sino”, cintos com grandes fivelas, cabelos longos, outros, com costeletas. As mulheres usando minissaias. Mudanças no vocabulário com gírias, que caíram no gosto da juventude. Fumar era glamoroso, incentivado por propagandas esmeradas na TV, estimulavam os jovens ao uso do tabaco; ingestão de bebidas alcoólicas tinha o beneplácito da sociedade.

            Os concorridos bailes e tertúlias no Campo Maior Clube eram atrações para as fofoqueiras de plantão nos “serenos”, com suas línguas ferinas, comentavam por muitos dias o comportamento dos casais dançando, principalmente quando as luzes diminuíam de intensidade, ficando o ambiente na penumbra, ao som de músicas românticas, ficavam abraçados, com os corpos mais colados, rostos a se tocarem, beijos furtivos, mordidas na orelha, num enlevo, onde amor, ternura e carinho tornavam aqueles momentos de indizível prazer para os enamorados.

            O Iate Clube patrocinava as famosas quadrilhas juninas e estupendos bailes com orquestras famosas de nível internacional e nacional, seu corpo social era composto pela elite, com severas restrições para ingresso de novos membros.

            O Grêmio Recreativo era o clube da classe operário, patrocinava animados e concorridos bailes e tertúlias, com o passar do tempo foi aos poucos sendo frequentado por toda a sociedade.

            Os Universitários, na década de 70, fundaram a AUCAM – Associação dos Universitários de Campo Maior, entidade de cunho cultural, lazer e esportes, realizando anualmente a Semana Universitária, promovendo palestras, torneios esportivos, diversos shows, encerrando com grande festa.

            A religiosidade do povo campomaiorense tem na figura de seu padroeiro Santo Antônio, a viga mestra para o predomínio da Igreja Católica Romana no seio da sociedade urbana e rural. No trezenário em sua homenagem, de 01 a 13 de junho, as novenas lotavam a Matriz; a parte social ficava por conta dos leilões, barracas com bebidas variadas, comidas típicas, jogos de azar, ambulantes e parque de diversões para o congraçamento das famílias. Nesse período centenas de campomaiorenses retornavam à terra natal para rever parentes e amigos, como também render graças e pedir proteção ao santo de sua devoção. Conhecido como santo casamenteiro, venerado pelas jovens e balzaquianas, apelando com orações os pedidos de casamentos.

            Dois sacerdotes de ilibada compostura moral, retidão de caráter, sólida formação teológica e humanística dirigiram a paróquia de Santo Antônio.     

            Padre Mateus Cortez Rufino chegou a Campo Maior nos anos 40, foi recebido com hospitalidade pela população, mas aos poucos angariou a confiança e simpatia dos paroquianos, mercê de suas virtudes de bom administrador, orador sacro contagiante, dominava o vernáculo como poucos, professor de Latim e Português. Na minha modesta ótica, o considero a maior liderança transformadora da sociedade campomaiorense, quando teve a visão de implantar mecanismos preparatórios para o desenvolvimento socioeconômico e religioso desta terra, destacando a fundação do Ginásio Santos Antônio, da Escola Normal e Escola Técnica de Comércio, formando e preparando gerações de jovens para um futuro promissor; na saúde fundou o Hospital São Vicente de Paula; no campo social fundou o Prato dos Pobres, distribuindo sopa aos mais necessitados; na seara religiosa, teve a coragem de demolir a antiga Igreja, liderando campanha para edificação de um dos mais bonitos e imponentes templos católicos do nosso estado, atual Catedral de Santo Antônio. Criou várias associações religiosas; peregrinou pelo interior levando os ensinamentos do Evangelho e da fé Cristã.

            Sucedeu-lhe o Pe. Isaac Vilarinho, grande esteio de fé apostólica, culto, orador de largos recursos, professor, conduta ética irrepreensível. Iniciou sua vida sacerdotal como auxiliar de Mons. Mateus e anos depois assumiu em definitivo a Paróquia de Santo Antônio.

            As Igrejas Evangélicas, de escassa penetração nas famílias, poucos adeptos frequentavam os templos das Igrejas Batista e Assembleia de Deus.

           Na área da saúde a população era assistida pelo SAMDU e Posto de Saúde do Sesp, ambos federais; a maternidade Sigefredo Pacheco e Hospital São Vicente de Paula, que encerrou suas atividades em dezembro de 1971. O Estado do Piauí inaugurou em 02 de janeiro de 1972 os trabalhos do Hospital Regional de Campo Maior.

           Educação era servida por várias unidades escolares de responsabilidade do Estado e Município, bem como a iniciativa privada principiava timidamente sua participação neste setor.

            A Universidade Estadual implantava um Campus Universitário, oferecendo alguns cursos de bacharelado.

            A história nos ensina que as mudanças ocorridas em todas as civilizações são um processo natural, evolutivo, no ramo das ciências, das artes e cultura dos povos.

            Campo Maior também nesses últimos 27 anos seguiu alguns preceitos evolutivos, não estagnou, progrediu em muitos aspectos, permaneceu porém estratificada no caráter de seu povo a religiosidade cristã, princípios de honestidade e simplicidade, de ser ordeiro, hospitaleiro e trabalhador, orgulhoso do feito de seus antepassados, que com elevado espírito de civismo derramaram seu sangue em prol da independência do Brasil, das amarras do colonialismo português.

            O livro Histórias de Évora é um relicário ficcional de Campo Maior nos anos 70/80, alguns personagens do livro são facilmente reconhecidos, assim como logradouros, clubes e cabarés.

            O leitor campomaiorense que viveu naquele período por certo notará a retratação de nossa cidade nas páginas deste belo romance.    

(*) Domingos José de Carvalho é médico, escritor e membro das Academias: de Letras do Vale do Longá, Maçônica de Letras do Estado do Piauí e Campomaiorense de Artes e Letras.

O vertente discurso foi pronunciado no dia 07/07/2017 no Auditório do SESC/Campo Maior, por ocasião do lançamento do romance Histórias de Évora.

terça-feira, 28 de novembro de 2017

Bernardo de Carvalho

Fonte: Blog Freguesia de São Bernardo do Parnaíba

DISCURSO DE RECEPÇÃO

Fonte: Portal do Bikanca

DISCURSO DE RECEPÇÃO

                (Discurso proferido por Alcenor Candeira Filho , no auditório
                do CMRV/UFPI, em 25.10.2017, na solenidade de posse do acadêmico
                Manuel Domingos Neto).      
               

     Idealizada por José Pinheiro de Carvalho e fundada em 23.07.1983 por um grupo de seis pessoas, a Academia Parnaibana de Letras foi instalada solenemente em 19.10.1983 – Dia do Piauí -,  com a posse conjunta de dezoito acadêmicos fundadores. Recentemente realizou-se outra inesquecível solenidade de posse de quatro novos confrades: Antônio de Pádua Marques Silva, Antônio Gallas Pimentel, Breno Ponte de Brito e  Roberto Cajubá da Costa Brito.
         A Academia Parnaibana de Letras ampliou, em 2017, de 35 para 40 membros efetivos e elegeu por aclamação os seguintes acadêmicos: Paulo de Tarso Mendes de Sousa (Patrono: Antônio José de Sousa), Manuel Domingos Neto (Patrono: José Rodrigues de Melo e Silva), José Hamilton Furtado Castelo Branco (Patrono: Epaminondas Castelo Branco), Francisco Valdeci de Sousa Cavalcante (Patrono: Gerardo Ponte Cavalcante) e Marco Antônio Siqueira (Patrono: Evandro Lins e Silva).
      Foi com alegria  que recebi  do acadêmico Manuel Domingos Neto a incumbência de fazer o discurso de recepção.  Cabe a cada empossado reportar-se aos respectivos patronos. Aproveito o ensejo para dizer que conheci a todos eles e por todos  sempre tive grande admiração e respeito.
     São também de amizade, admiração e respeito os laços que me unem aos cinco novos acadêmicos, particularmente os três que hoje tomam posse como membros da APAL.
     Trata-se  de   velhos e queridos amigos, ao lado dos quais já participei de vários projetos culturais e educacionais executados na cidade. Há pouco tempo publiquei em portais e blogues piauienses um depoimento sobre Manuel Domingos,  de modo que não há como não conservar neste discurso a essência do que disse anteriormente.
     Ao longo de décadas tive conhecimento de importantes episódios  de que ele participou como intelectual e idealista.
    Manuel Domingos Neto é  uma pessoa que a vida inteira vem praticando as virtudes de vida exemplar – decência, bondade, estudo e trabalho -, aliadas a forte inclinação para o combate corajoso em defesa das classes marginalizadas.
     Dois anos mais novo do que eu, não me lembro de ter conhecido Manuel Domingos na infância e adolescência, apesar de eu ter nascido e crescido em casa bem próxima do estabelecimento comercial de seu avô, Ranulpho Torres Raposo, na avenida Presidente Vargas.
     O primeiro contato com ele ocorreu em fins de 1983 e logo depois ele me enviou o livro que escreveu em parceria com o professor Geraldo Almeida Borges – SECA SECULORUM, FLAGELO E MITO NA ECONOMIA RURAL PIAUIENSE, editado pela Fundação CEPRO, com a seguinte dedicatória:

      Alcenor,
      Foi uma alegria ter te conhecido. 
      Tenho certeza de que temos muita coisa para fazer nesta terra. 
      É preciso, sobretudo, não perder tempo!
      Aguardo notícias.
      Um grande abraço.
      Manuel Domingos.
      The, 19.01.84.

          No ano seguinte Manuel Domingos me pediu uma colaboração para a 60ª edição do ALMANAQUE DA PARNAÍBA, fundado em 1924 por Benedicto dos Santos Lima, o Bembem, que o manteve até 1941, com 18 edições, e que a partir de 1942 passou a ser dirigido por seu avô Ranulpho Torres Raposo, responsável por, 41 edições ininterruptas (1942/1982).
     No  auge da mocidade, estudante do curso de história da Universidade Federal do Ceará, concluído em 1971, Manuel Domingos engajou-se com muito entusiasmo na ação política estudantil como membro da AÇÃO POPULAR-AP, organização política clandestina de esquerda extraparlamentar, influenciada pelo socialismo de fundo católico e que, segundo a Wikipédia, buscava “inspiração ideológica em Emmanuel Mounier, nos jesuítas Teilhard de  Chardin e Henrique Cláudio de Lima Vaz, Jacques Maritain e no dominicano Louis-Joseph Lebret”.
     A AÇÃO POPULAR foi constituída por líderes estudantis, destacando-se Herbert de Sousa (Betinho), Aldo Arantes, Vinícius Caldeira Brant. Alguns de seus membros chegaram a exercer, com a redemocratização do país, relevantes cargos públicos, como José Serra, Cristóvem Buarque, Plínio                                       de Arruda Sampaio  e Manuel Domingos Neto, que foi deputado federal,  e vice-presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico-CNPq.
     Por conta de sua militância contra a ditadura militar de 1964, Manuel Domingos foi preso, torturado e expulso do país. Morou na Inglaterra e na França, onde fez doutorado em História na Universidade de Paris.
     Retornando ao Brasil foi professor da Universidade Federal do Ceará e da Universidade Federal Fluminense, além de pesquisador da Fundação Getúlio Vargas, Ministério da Agricultura e Fundação CEPRO.
     Nessa brilhante carreira acadêmica de Manuel Domingos Neto, destaca-se a sua permanente colaboração científica em TENSÕES MUNDIAIS  -  Revista do Observatório das Nacionalidades – a partir da primeira edição, que publicou um dos mais importantes artigos do novel acadêmico: “O Militar e a Civilização”, trabalho que foi traduzido para o inglês.
     Manuel Domingos Neto foi um dos fundadores da ABED  -  Associação Brasileira de Estudo de Defesa  -, sediada no Rio de Janeiro e de que foi presidente.
      Publicou vários livros, destacando-se O QUE OS NETOS DOS VAQUEIROS ME CONTARAM, “que destaca a criação extensiva de gado bovino na construção do Brasil, os problemas do desenvolvimento socioeconômico regional e a reprodução do  poder político no meio rural nordestino”.
     Sobre esse livro esclarece o autor: “Eu busquei fazer uma reprodução do poder da época. Desde as figuras mais importantes da história do Piauí no século XX, até os seus grandes inimigos. Isso tudo partindo dos depoimentos colhidos em 1984, quando eu tinha aberto um laboratório oral em Teresina”.
     Outra obra importante de sua lavra, em parceria com Geraldo Almeida Borges, é SECA SECULORUM, FLAGELO E MITO NA ECONOMIA RURAL PIAUIENSE, “resultado de mais de dois  anos de pesquisas em fontes primárias e secundárias, com o objetivo de desvendar as características básicas do complexo fenômeno da ‘seca’ no Estado do Piauí”, como disse Antônio Adala Carnib, superintendente da Fundação CEPRO.
     Natural de Fortaleza-CE (1949), Manuel Domingos Neto é filho de Pedro de Castro Pereira e Florice Raposo Pereira. Tem três filhas e é casado com a arquiteta e professora Diva Maria Freire Figueiredo.
     Atualmente reside em Parnaíba, onde como professor visitante da Universidade  Estadual do Piauí-UESPI trabalha nas áreas de pesquisa, ensino e extensão e vem se dedicando à recuperação do prédio da avenida presidente Vargas em que seu avô manteve atividade empresarial, com o propósito de nele instalar o Gabinete de Leitura Ranulpho Torres Raposo.
     Apesar de ser uma das cidades do Nordeste brasileiro de grande tradição cultural, tendo hoje diversas faculdades públicas e privadas (inclusive duas de medicina), com cerca de treze mil universitários, - Parnaíba é dotada de poucas bibliotecas, destacando-se pelo acervo de livros e revistas, organização, direção e atendimento ao público a do SESC/CAIXEIRAL e a do Campus Ministro Reis Velloso/Universidade Federal do Piauí.
     Na administração de Mirocles de Campos Veras, foi inaugurada em 1942 a Biblioteca Pública Municipal, que leva o nome desse grande médico e administrador, estruturada e organizada de conformidade com as instruções do Instituto Nacional do Livro.
     Ao longo de 75 anos de existência a biblioteca pública de Parnaíba mereceu pouca atenção dos gestores municipais, encontrando-se atualmente em precárias condições de instalação e funcionamento e com acervo completamente desatualizado e desorganizado, além de pouco frequentada pela população.
     Em qualquer cidade, especialmente nas que possuem poucos espaços culturais, como ocorre em Parnaíba, a biblioteca pública deveria ser a instituição cultural mais importante no município.
     Pelo acesso fácil e direto, as bibliotecas concorrem para a formação de leitores e promoção do hábito de  leitura, indispensáveis à informação e à transmissão de conhecimentos.
     A missão essencial de centro de difusão cultural de uma cidade só pode ser cumprida se suas bibliotecas dispuserem de acervo constantemente renovado com publicações de diversos gêneros artísticos, científicos e filosóficos, bem como com equipamentos e funcionários suficientes para mantê-las em funcionamento.
     A biblioteca moderna necessita não apenas de bom acervo de livros e revistas, mas também precisa ser informatizada de modo a propiciar aos frequentadores pesquisas na internet e acesso a CDs e DVDs.
     O Gabinete de Leitura vai dispor de um acervo de cerca de sete mil livros, fazendo parte desse acervo a coleção completa do ALMANAQUE DA PARNAÍBA, com 70 edições.
     Até hoje, já perto dos 70 anos de idade, Manuel Domingos Neto vem se comportando e agindo  publicamente com a mesma força do ideal que conduziu seus passos na mocidade. Recentemente o vi no meio do povo, na praça da Graça, em Parnaíba, ouvindo atentamente os oradores que se pronunciavam na concentração cívica de apoio à Greve Geral do dia 28 de abril de 2017 realizada em todo o país. A cada grito de  -  Fora Temer!  -  erguia o braço direito, punho cerrado, com o mesmo entusiasmo de outrora e de sempre. E eu cá comigo: Puxa, por que não chamam o Manuel Domingos para falar? Eis que ao  final da concentração, lá estava o grande professor com o microfone na mão. Compreendi então que o deixaram para o final para que a festa popular, de que jamais  me esquecerei, fosse encerrada com chave de ouro.

     Senhoras e Senhores,
             
     Senhores e Senhoras,
     A nossa academia tem sido comandada em todos os períodos de existência por diretorias responsáveis e competentes, como a atual, presidida por José Luís de Carvalho.
     Apesar das dificuldades materiais, a academia vem acumulando boas conquistas no plano imaterial através, por exemplo, da publicação de dez edições do ALMANAQUE  DA PARNAÍBA, de lançamentos de livros, de promoção de concursos literários e do ingresso de sete acadêmicos empossados em 2017 e de dois outros que tomarão posse brevemente.

     Acadêmico Manuel Domingos Neto, a Academia Parnaibana de Letras o recebe com muita alegria.                    

segunda-feira, 27 de novembro de 2017

O contraste de um cartão postal


O contraste de um cartão postal

Chico Acoram Araújo *

                Final da tarde de domingo de um dos meses “B-R-O BRÓ”, resolvi visitar novamente um dos pontos turísticos de Teresina – O Parque Municipal do Encontro dos Rios, situado no bairro Poti Velho, zona Norte da cidade. Nesse horário, o clima beirava quarenta graus centígrados. “Vou respirar um pouco o ar do encontro das águas”, pensei. Chegando lá, o infalível e belo pôr do sol começava a reluzir no longínquo horizonte a Oeste. Era uma paisagem crepuscular de tirar o fôlego, fenomenal. Permaneci na beira do rio por algum tempo, admirando aquele poente dourado, um colírio para o final de mais um dia de trabalho.

                Depois de contemplar extasiado aquele esplêndido quadro da natureza, baixei os olhos para a barra onde os rios Poti e Parnaíba se encontram. Confesso que fiquei desapontado com o que vi ali. A minha felicidade foi quase ao chão. Enormes bancos de areia cobertos de pequenos arbustos e outras plantas típicas de vazantes entravavam a correnteza do canal do velho monge. Era o assoreamento, implacável, que sufocava o rio. E o rio Grande dos Tapuias, outrora tão caudaloso, estava ali a definhar-se lentamente.

Do lado do tributário Poti, a poluição e os aguapés tomavam conta da sua desembocadura, dificultando a respiração do rio, asfixiando-o. Era um mar de águas túrbidas, e não um espelho d’água que pudesse refletir a beleza do céu, a lua cheia que começava a brilhar no céu, a dança das árvores das ribanceiras, ou mesmo as acrobacias e piruetas das aves que sobrevoavam o local. A escassez de peixes de ambos os rios são reclamos recorrentes dos pescadores do antigo Arraial da Barra do Poti, posto que sumiram do antigo paraíso.

                Apenas para ilustrar o presente texto, recorro ao imortal poeta piauiense Da Costa e Silva em seu poema “Rio das Garças”:

                “(...)
                É o Parnaíba, assim carpindo as suas mágoas,
                -  Rio da minha terra, ungido de tristeza,
                Refletindo o meu ser à flor móvel das águas.”

                Ergui as vistas novamente para o ocaso – e vi descortinado um céu ruivo fenomenal; baixei-as novamente para o encontro dos rios – e mirei uma desolação total. Aquele estranho quadro surreal fora pintado por um artista louco varrido? Ou seria um cartão postal sobreposto por um anti cartão postal produzido por um fotógrafo vesgo e míope? Mas as pessoas que por ali perambulavam não olhavam para o pôr do sol, e tampouco para as águas da barra do Poti. E se olharam, nada viram. Mas, todos observaram, admirados, a grande estátua do “Cabeça de Cuia” (o jovem Crispim) que, penando por século, ainda vaga errante nas águas dos rios Poti e Parnaíba.

                Depois disso, entediado, retornei para casa carregando na minha memória aquele triste cartão postal do Encontro dos Rios.

(*)Chico Acoram é contador (inclusive de histórias, de Trancoso ou não), funcionário público federal e cronista. 

Mandu Ladino

Foto meramente ilustrativa. Fonte: Google

Mandu Ladino

Reginaldo Miranda *
  
Foi um indígena muito inteligente e resoluto, com perspicácia e senso de liderança, que opôs-se ao duro sistema colonial unindo as nações nativas do Meio-Norte brasileiro em pertinaz resistência contra a invasão de suas terras pelo colonizador estrangeiro.

No entanto, pouco se sabe sobre sua origem e formação, vez que seu nome só entra nos anais da história a partir de 1712, quando tem início o Levante Geral dos Índios ou a Revolta de Mandu Ladino. Foi este o mais notável movimento de resistência nativa contra a colonização portuguesa que se deu nesta parte da América. E se diferencia de outros pela consciência de seu líder e pela recepção de suas ideias pelas mais diversas nações, até então separadas e divergindo entre si. Essas divisões e antagonismos davam brechas à invasão pelo inimigo comum, que jogava umas tribos contra as outras, aproveitando-se das disputas entre elas. Então, o mérito de Mandu Ladino foi perceber essa política colonial, desenvolver a consciência de um senso comum, de um pertencimento dos indígenas à mesma causa e, assim, elaborar um discurso que penetrou fundo na alma indígena. Uniu em torno de si os irmãos de infortúnio, os perdedores do sistema colonial e juntos ousaram sonhar com a expulsão do elemento estrangeiro, com o restabelecimento de suas terras e com a recuperação de sua liberdade. Lutaram e morreram na defesa desse ideal. Lutaram, pois, por um belo sonho e tiveram uma morte digna. Mandu Ladino, o indômito líder indígena era do pensamento de que seria melhor morrer de pé, na luta, do que acovardar-se e viver de joelhos, recebendo migalhas do invasor lusitano.

Mas voltemos um pouco no tempo para tentar recompor a trajetória desse líder indígena. Os poucos traços de sua biografia escondem-se nas entrelinhas da correspondência oficial. Teria ele nascido por volta de 1686 no sopé da serra de Ibiapaba, na fronteira do Piauí com o Ceará. Embora existam dúvidas sobre sua etnia, pode-se dizer que era da nação Aranhi, uma das que foram dizimadas no violento processo de colonização, no primeiro quartel do século XVIII. Perdeu os pais aos seis anos de idade, quando da entrada do capitão Bernardo de Carvalho e Aguiar, em 1692, aniquilando sua nação e família na conquista do sertão das Cajazeiras, em que se incluía as ribeiras da Cabeça do Tapuio, Sambito e Poti. Temos certa convicção de que seu pai era um cacique da nação Aranhi, razão pela qual mais tarde seria fácil o reconhecimento de sua liderança entre os demais nativos. Perdendo todos os entes queridos conseguiu fugir da sanha inimiga com um punhado de sobreviventes para a serra de Ibiapaba, onde recebeu abrigo entre os missionários jesuítas. Por aqueles dias estavam em franco desenvolvimento as Missões de Ibiapaba, que deram origem à cidade de Viçosa, no Ceará. Ali o nosso biografado foi batizado com o nome cristão de Manoel e viveu o restante de sua infância e adolescência, sendo educado de conformidade com os ensinamentos dos padres jesuítas. Perspicaz e inteligente o pequeno Manoel sobressaia-se nas lições e leituras na língua geral e no idioma lusitano, daí sendo considerado um garoto ladino. Criado pelos padres fácil foi apreender as lições e delas tirar o máximo proveito. Tornara-se um jovem alfabetizado no sistema colonial, porém, sem esquecer suas origens nativas.

Com a mocidade deixa as Missões e busca trabalho nas fazendas, vivendo estre essas e as aldeias de seus antepassados, na bacia do Poti, em contato direto com seus parentes colaterais: Aranhis, Crateús, Alongases e outros.

Aliás, em 1710 descem os Crateús para o arraial Nossa Senhora da Conceição, na bacia do Longá, de Antônio da Cunha Souto Maior. Foram levados por Bernardo de Carvalho e Aguiar, em execução a ordens de Souto Maior, descendo ao todo 145 indígenas dessa nação. Mais tarde, seria esse um contato de Mandu Ladino no lugar, vez que convivera com eles nas cabeceiras do Poti, com quem tinha parentesco distante. Portanto, fácil foi ao líder nativo buscar esse apoio na hora necessária (PT/TT/RGM/C/0008/380651. Registo Geral de Mercês, Mercês de D. João V, liv. 8, f.524v).

Em dezembro de 1711, estava o cristão  Manoel muito bem e de paz entre os índios Aranhis, quando foram violentamente atacados, juntamente com os Anapuru-Assu, pela tropa capitaneado pelo mestre-de-campo Antônio da Cunha Souto Maior, sofrendo perdas irreparáveis. Em carta datada de 5 de janeiro de 1712, comunica aquele chefe militar ao governador do Maranhão, que “tinha morto e aprisionado a todos os índios de corso das nações Aranhi e Anapuru-assu, e já por aquela parte do Iguará, e Parnaíba não havia mais gentio que alguns Caicaíses, a que vinha dar guerra para no São João que vem se passar com a tropa ao rio Mearim, aonde habitava a poderosa nação dos Barbados, que são os que fazem todo o dano aos moradores daquele rio” (AHU_ACL_CU_013, Cx. 6, D. 482).

Para a continuidade da guerra, entre o preparo de armas e munições, pede aquele militar que o capitão-mor do Ceará lhe mandasse reforço das nações Araricós e Anacés, estes últimos da Serra de Ibiapaba, onde vivera Mandu Ladino.

Também Mandu Ladino, com esse revés assume a liderança de seu povo, unifica o comando de algumas nações, desdobrando-se, assim, em articulações e preparo para reagir contra esse massacre de sua gente. O ponto inicial dessa reação foi o massacre de uma divisão militar que retornara às referidas matas do Iguará e Parnaíba, matando a todos, inclusive ao seu cabo Tomás do Vale. O assunto é assim tratado pelo rei em ordem de 19 de dezembro de 1712, autorizando a remessa de quatrocentos indígenas da capitania do Ceará:

“O governador do Maranhão, em carta de 12 de agosto deste ano, me deu conta da rebelião que houve com os índios que tinham ido com o cabo Antônio da Cunha Souto Maior à matas do Iguará e Parnaíba, que depois da nossa tropa ter destruído a maior parte daquele gentio, se levantaram contra os soldados, e os mataram todos, e ao seu cabo Tomás do Vale, escapando um só soldado, que fora dá conta ao dito Antônio da Cunha, que tinha ficado no arraial”( ACL_CU_015, Cx. 25, D. 2308).

No entanto, sem perda de tempo marcham os indígenas sobre o arraial matando também ao referido mestre-de-campo Antônio da Cunha Souto Maior e a seus comandados, fato que chocou a todos e espalhou terror entre os colonizadores lusitanos. Foi quando despertaram e passaram a respeitar o nome de Mandu Ladino, agora armado com bacamartes e munições apreendidas no arraial, de que aprendera a usar com os brancos.

Para reconstituir minimamente os traços biográficos e os passos desse bravo líder indígena, muito significativo é o depoimento do cronista Bernardo Pereira de Berredo, que governou o Maranhão (1718 – 1722) ao final do conflito quando foi morto Mandu Ladino. Então, a sua crônica é um testemunho do governante que liderou a morte do indígena. Anotou ele em seus Annaes Históricos do Estado do Maranhão(1749):

“Tinha sido cabeça de uns, e outros insultos um índio chamado Manoel com a antonomásia de Ladino, que nascido no grêmio Católico, e devendo a sua educação aos Missionários da Companhia de Jesus, era o que fazia entre todos eles ostentações mais bárbaras da sua primeira natureza” (BERREDO, Bernardo Pereira de. Annaes históricos do Estado do Maranhão, em que se dá notícia do seu descobrimento, e tudo o mais que nelle tem succedido desde o anno em que foy descuberto até o de 1718, offerecidos ao Augustissimo Monarca D. João V, Nosso Senhor. São Luís: Typographia Maranhense, 1849).

Em outro trecho anotara o mesmo cronista sobre o assunto:

“Seguia-se a sucessão de 1713, e a ela também a fatalidade da lastimosa morte de Antônio da Cunha Souto Maior, que, servindo o emprego de mestre-de-campo da conquista do Piauí, os mesmos tapuias de sua obediência, com quem fazia a guerra a todos os de corso daquele vastíssimo país, aleivosamente lhe tiraram a vida, que tinha feito merecedora de larga duração, assinalada honra do seu procedimento” (op. cit.).

O padre Manuel Aires do Casal(1754 – 1821), sacerdote, geógrafo e historiador português, em seu livro Corografia Brasílica, o primeiro a ser editado no Brasil, em 1817, acrescentou:

“Os [indígenas] que mais deram de fazer, foram os da vizinhança do Rio Poti, comandados por um índio doméstico, que fugira duma aldeia de Pernambuco, e os atiçava a uma teimosa resistência, enquanto não pereceu violentamente, a tempo que nadava para a outra banda do Parnaíba. Mandu Ladino era o seu nome vulgar” (CASAL, Manuel Aires de. Corografia brasílica ou Relação histórico-geográfica do Reino do Brazil composta e dedicada a sua Magestade Fidelissima por hum presbítero secular do Gram Priorado do Crato. Tom. I. Rio de Janeiro: Na Impressão Régia, MDCCCXVII).

 Pensamos que há equívoco nessa informação de que o jovem Mandu Ladino fugira duma aldeia de Pernambuco, pois as aldeias aqui vizinhas, em que os índios tinham contato com os do Piauí, inclusive muitos eram daqui originários, eram as de Ibiapaba. Ao contrário de Berredo, cujo depoimento é contemporâneo aos fatos, o de Aires do Casal é de cem anos depois, sendo, assim, como memória mais passível de equívoco.

Depois desse massacre que escandalizara a capitania, contra eles foi mandado o comandante Francisco Cavalcante de Albuquerque, que saiu de São Luís em campanha pelo vale do rio Itapecuru. Entretanto, em pouco tempo recebeu ordens para retroceder até a casa forte do Iguará, que ficava na boca da capitania do Piauí, na expressão de Berredo. E que se juntasse ao comando do novo mestre-de-campo Bernardo de Carvalho e Aguiar, que fora eleito pelos fazendeiros e nomeado pelo mesmo governador para substituir o inditoso Souto Maior. Então, continuam o combate aos nativos de Mandu Ladino, com ordem expressa de matá-lo, ocasião em que o perderam, massacrando, porém, os Aranhi de sua companhia.

O cronista e governador contemporâneo Pereira de Berredo, assim narrou esse preocupante momento, referindo-se ao governador que lhe antecedeu:

“... e desejando o governador o seu justo castigo, o dispôs bem com a expedição destas novas ordens, que executou Francisco Cavalcante com a devida pontualidade; porém parecendo ao mesmo general, que ele havia faltado maliciosamente na parte mais essencial à verdadeira inteligência delas, lhe despachou segunda, pra que tanto que chegasse ao Iguará, obedecesse ao novo mestre-de-campo da capitania do Piauí, Bernardo de Carvalho e Aguiar, que então se achava naquele mesmo sítio; e unido com ele Francisco Cavalcante, se não logrou o principal projeto do senhor de pancas no merecido estrago do índio Manuel, cabeça dos insultos, por fugir a seus golpes, os descarregou na nação Aranhi da mesma fereza dos Barbados, que deixou destruída, satisfazendo bem, com os acertos desta segunda ação, os presumidos erros da primeira” (op. cit.).

Pelo dito governador são mandadas repetidas ordens para o Ceará, primeiro para enviar em socorro quatrocentos indígenas aliados, depois mais cem.

No entanto, também no Ceará chegara a ação bem coordenada do chefe Mandu Ladino. Notícia de 17 de julho de 1714, deu conta de que os indígenas de Ibiapaba não poderiam ser enviados naquele momento porque havia um levante indígena na região, onde foram por eles mortos cento e sessenta colonos, havendo ameaça de também serem atacadas as missões de Ibiapaba, cujos indígenas aliados eram necessários para a própria defesa. Nesse tempo o caudilho Mandu Ladino, à frente de seus comandados, parte em direção à Vila Nova da Parnaíba, no Igarassu, montando-lhe cerco e atacando-a em todas as direções, no afã de destruí-la. Resistindo a esse cerco, sustentava suas posições a duras penas o capitão-mor João Gomes do Rego Barra, sem forças suficientes para rompê-lo. É quando corre em sua defesa, com numerosa tropa, o mestre-de-campo Bernardo de Carvalho e Aguiar, levantando o cerco depois de ligeiro combate, de que morreram muitos indígenas. Em seguida, perseguindo um contingente indígena ou maloca, os empurra para uma ilha de difícil acesso e combate. Receoso do enfrentamento em terreno perigoso, prefere Aguiar negociar termos de paz, aceitando os indígenas a pacificação e presença de um missionário entre eles. Ladino escapa ileso e alcançando outras posições sustenta sua luta com maior vigor e ousadia. As rebeliões e estragos são por toda parte, nenhum contingente indígena sendo confiável pelos brancos. As ações são coordenadas entre os Crateús, Aranhis, Anapurus, Anacés, Barbados, Caicaíses e tantos outros indígenas confederados do Piauí, Ceará e Maranhão. Foi o maior levante indígena de que se teve notícia nesse território, escandalizando e apavorando o colonizador lusitano. Esse momento de nossa história, que teve princípio em 1712, ainda pouco estudado é conhecido como Levante Geral dos Índios ou Revolta de Mandu Ladino.

Infelizmente, com inferioridade de armas foram sucumbindo à espada e ao bacamarte inimigo as diversas nações indígenas rebeladas. O líder Mandu Ladino foi alvejado pelo tiro certeiro de Manuel Peres Ribeiro, sargento-mor da Parnaíba, em 1719, quando retrocedia de um combate, atravessando a nado o rio Parnaíba. Com o tiro nas costas ainda se debate em desesperado movimento de pernas e braços, porém, aos poucos vai paralisando os membros até afundar nas águas plácidas do rio Parnaíba. Morria um sonho, nascia uma lenda!

No entanto, a reação indígena ainda perdurou por dois anos, até 1721, quando foram definitivamente aniquiladas as principais nações indígenas da bacia parnaibana pelas tropas de Bernardo de Carvalho e Aguiar. Foi um genocídio, cujo silêncio cúmplice perdura até os dias de hoje. Ao fim desses combates, Bernardo de Carvalho muda-se para o Maranhão, ocupando novas terras incorporadas ao domínio português e, no Piauí, tem início nova fase da conquista. Foi, enfim, instalada sua primeira Vila, denominada Mocha, cujo levante impediu a instalação por sete anos. No entanto, permanece para sempre em nossa história o nome de Mandu Ladino, o líder indígena que ousou desafiar o jugo português, razão de figurar nessa galeria de figuras notáveis de nossa terra.

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* REGINALDO MIRANDA, é membro efetivo da Academia Piauiense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico Piauiense e do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-PI.

domingo, 26 de novembro de 2017

Seleta Piauiense - Zito Batista


Obsessão

Zito Batista (1887 – 1926)

Em vão, no encalço da felicidade,
Que a todo instante, em sonhos, antevia,
Sacrifiquei os restos da energia
De minha acidentada mocidade.

Só eu sei o furor com que investia,
Num largo gesto de temeridade,
Para alcançar tudo que nessa idade
Julguei que ao meu egoísmo bastaria.

E, ao fim de tanto esforço despendido,
Sem a compensação que ambicionara,
Nem de leve me sinto arrependido.

Antes, fora-me o sonho mais propício,
Se outro sopro de vida me animaria,
Persistir nesse inútil sacrifício.


Fonte: Antologia dos Poetas Piauienses, de Wilson Carvalho Gonçalves

sábado, 25 de novembro de 2017

Zé Hamilton, Manuel Domingos e Paulo de Tarso tomam posse na APAL no próximo domingo



O presidente da Academia Parnaibana de Letras, José Luiz de Carvalho, depois de entendimentos com os três futuros acadêmicos, Paulo de Tarso Mendes de Sousa, Manoel Domingos Neto e Zé Hamilton Furtado Castelo Branco, resolveu manter a solenidade de posse para o próximo domingo, dia 26, às 19h no auditório da Universidade Federal do Piauí, campus Ministro Reis Veloso em Parnaíba.

A academia havia adiado a data de posse dos novos membros devido ao falecimento na terça-feira dia 21, do médico e escritor Carlos Araken Correia Rodrigues, segundo ocupante da cadeira 23 e que tem como patrono o bispo dom Felipe Conduru Pacheco. Na ocasião o presidente José Luiz de Carvalho instituiu luto oficial por sete dias e suspendeu a programação marcada para o domingo.

Zé Luiz de Carvalho designou o secretário-geral da academia, professor e escritor Antonio Gallas Pimentel para fazer in memoriam a homenagem ao acadêmico falecido. As demais solenidades festivas estão suspensas até a passagem do sétimo dia.

O advogado e escritor Paulo de Tarso Mendes de Sousa tem como patrono seu pai, Antonio José de Sousa. O professor Manoel Domingos Neto tem como patrono o professor José Rodrigues e Silva e o ex-prefeito de Parnaíba e atual deputado estadual Zé Hamilton Furtado Castelo Branco tem como patrono, seu pai, Epaminondas Castelo Branco. Dois acadêmicos tomam posse no início do ano de 2018, o empresário e advogado Valdeci Cavalcante e o advogado Marcos Siqueira.

Fonte: APAL. Fotos: web. Edição: APM Notícias.