Comunico
aos parentes e amigos que a missa de 7º dia do falecimento de minha
mãe será na Igreja de Santo Antônio, Praça Bona Primo, em Campo
Maior, às 17:30 horas do dia 2 de maio, quinta-feira.
terça-feira, 30 de abril de 2013
Terras e vidas roubadas
Fonseca Neto
A
invasão tida por triunfal deste lado do Atlântico por negociantes e
feitores portugueses por volta de 1500 é o ato inaugural do mais
horrendo massacre que um povo impôs a outro. A história da
experiência humana narrável, e narrada, não conhece nada de
tamanha extensão.
O
que agora se chama de Brasil é um dos lugares em que esse desastre
se afigurou mais avassalador, com suas feridas abertas sangrando
vidas até hoje. E assim é porque não se alterou o sentido da
devastação, da “limpeza” do terreno, em proveito do
empresariamento mercantil e da realização de negócios capazes da
extração lucrativa máxima. Remanesce esta região como espécie de
neocolônia, cujas linhagens de dependência, reinventadas, parecem
insuperáveis, até porque tecem um enredo semelhante a uma
“colonização voluntária” (se existe). Com efeito, o Brasil é
um campo aberto às mais diversas perversões relacionadas às
práticas de saque, este, a matriz e o móvel de muitas outras formas
de violência.
Tome-se
como referência alguns fatos comuns no cenário brasileiro, os
quais, por alguma razão, foram motivo de lembrança e
deslembrança nos últimos dias. Noticiou-se: “Índios invadem
Congresso”; não se noticiou: índios protestam em luta no
Congresso contra proposta de roubarem-lhes, de vez, seu direito à
terra e à vida.
Noticiou-se:
“Meninos de rua são mortos em Goiânia”; não se noticiou:
crianças abandonadas à rua são eliminadas e a população e
governantes em geral acham tudo muito natural; eram os mortos
afroindiodescendentes. Noticiou-se, com ênfase indignada:
“Universitário é morto por menor em latrocínio e o Brasil chora”
(um eurodescendente, com certeza); noticinha de canto de
página: três adolescentes são executados em SP na frente da PM e
ela nem se move; de tudo, o subtexto – “ah! era gente metida com
droga, assim pardos, melhor morrerem ou irem pras cadeias logo aos
dez anos de idade”.
Noticiou-se
(repórteres tomados de dor, cenhos lacrimosos): “O Brasil em
profundo luto precisa chorar mais ainda pelo ataque em Boston, nos
EUAN...”.
Indígenas
protestando no Brasil é sinal da mais legítima resistência contra
a tirania de caráter colonizador. Aliás, sua rebelião é o timbre
límpido de sua humanidade. E porque resistiram à escravidão, foram
eliminados, fisica e etnicamente. Mas é necessário lembrar,
sobretudo: porque resistiram é que vivem.
Já
o que faz a população de São Paulo (90%) querer a retirada de
circulação de crianças “delinquentes” a partir dos dez anos de
idade é sinal de doença social-mental gravíssima. Deformação
cujas explicações há que se buscar nas taras e ódio instilados na
sobredita colonização, feita a ferro e fogo: corpos sãos
dilacerados por cães e europestes; corpos das áfricas e áfricos
acorrentados e chicoteados. Ferrados e feridos, uns e outros, se não
“bem comportados” no papel de lavradores das terras e minas dos
senhores da arte do Mercado. Afinal, a riqueza extraída e acumulada
na era “colonial-mercantilista” – a força desse saque
monumental –, foi feita à base da escravidão, esta aviltação
extrema da condição humana. E o próprio corpo afro a espoliar, a
mercadoria principal garantidora dos mais vultosos lucros.
Não
há violência nenhuma de hoje que não tenha explicação quando se
lança luzes sobre as raízes do Brasil. A corrupção, tortura, fome
e a elisão de culturas ancestrais, por exemplo. Cabe perguntar: a
cultura da paz teria alguma chance num contexto-país cuja
formação/deformação tem na prática da violência, em todos os
sentidos e formas, o meio principal de sua realização?
A
violência dos que se fazem poderosos nos processos sociais em curso
compromete a sociedade inteiramente. E os que continuam a ter seu
destino violentado são os de sempre. O que sobreviveu da humanidade
que habitou este chão antes da agressão mercantil-colonial de 1500,
por exemplo, continua a ser alvo de eliminação, exemplificada na
atual ofensiva dos “ruralistas” no Congresso.
“Ruralistas”?
Projetam tomar as últimas terras indígenas; cruéis feitores,
chegados à guerra, inimigos eternos da paz em qualquer lugar onde
haja terra e vidas roubadas.
segunda-feira, 29 de abril de 2013
A ausência de Neuza Machado
Cunha
e Silva Filho
Conheci
Neuza Machado quando, de 1999 a 2006, fui lecionar no curso de Letras
da Universidade Castelo Branco, em Realengo, Rio de Janeiro. Não me
lembro bem como foi o meu primeiro contato com ela. Só sei que, de
repente, já éramos bons colegas no ambiente universitário. Ela
lecionava teoria literária; eu, literatura brasileira e, depois,
língua inglesa, cheguei mesmo a lecionar também, e por um semestre,
literatura americana.
Me
lembro bem de que, uma noite, após uma reunião geral com o reitor,
saí do auditório e fui para a cantina, lugar de encontro de
professores e alunos e lá Neusa me perguntou se eu tinha alguma
facilidade de conseguir um editor para um livro dela pronto a ser
publicado. Por um ou outro motivo, ela pensava que eu tivesse assim
bons contatos, o que não era o meu caso. Ficamos amigos e dessa
amizade que cresceu mais com as muitas vezes que, no Centro do Rio,
por mera coincidia, nos encontramos tomando o
mesmo ônibus para Realengo.
Foi
nessas vezes que comecei a conhecê-la melhor. Nessas idas de ônibus,
cujo percurso durava uma hora ou mais, dependendo do trânsito, e em
ônibus lotado, aproveitávamos para falar principalmente de
literatura, de escritores, dos tempos de graduação na Faculdade de
Letras da UFRJ, dos bons professores e das dificuldades inerentes aos
tempos de estudante. Assim, ia formando minha opinião
sobre esta colega que não chegou a ser amiga íntima, mas cujo
convívio profissional no mesmo ambiente de trabalho foi suficiente
para que sentisse admiração pela sua formação intelectual e seus
anseios de estudiosa e pesquisadora sobretudo na sua área de maior
interesse, a teoria literária.
Neuza
era mineira e tinha muito do que se fala de bem dos mineiros. Por
outro lado, a sua personalidade simpática e brincalhona por vezes
escondia algo de um temperamento muito crítico e rigoroso com o que
fazia na sua vida profissional. Sua visão do fenômeno literário
era penetrante, muito seletiva, numa abordagem metodológica que se
orientava pela análise semiológica, por ela declaradamente haurida
da experiência que teve nas aulas de Anazildo Vasconcelos da Silva,
professor da Faculdade de Letras da UFRJ. Na sua dissertação de
Mestrado, O
narrador toma a vez (Rio
de Janeiro: N.
Machado, 2006,
120 p.) em
que discute o conto “A hora e a vez de Augusto Matraga”, de
Guimarães Rosa, depois editada por conta própria, em 2006, Neuza
deixa bem nítida essa inclinação às aproximações semiológicas
(Greimas, Barthes, Anazildo Vasconcelos da Silva e outros) e
sociológicas (Goldaman, Luckács, Weber e outros) do fenômeno
literário. Percebe-se que neste estudo ela mobilizava um
instrumental teórico diversificado, pluralista, no qual não havia
nenhuma prevenção dogmática e radical na interpretação da obra
literária.
Não
li sua tese de doutoramento, a qual da mesma forma, deu continuidade
e aprofundamento à obra de Guimarães Rosa, porém, nesse estudo me
recordo bem de que se serviu largamente do pensamento de Bachelard
que me parece deve ter sido a sua viga-mestra na condução do
desenvolvimento da sua tese. Penso que quem a orientou foi o
professor Rogel Samuel, um escritor de cuja obra Neuza iria se ocupar
com dedicação e competência, tornado-se provavelmente a sua maior
intérprete e divulgadora.
Neuza
foi ficcionista, além de crítica e ensaísta. Na sua
coluna Letras, no Entretextos,
deixou páginas que demonstram sobejamente sua capacidade de análise
e sua maneira original de absorver o que a sua formação lhe
propiciou em anos de estudos, leituras e de experiência
docente. Não podemos negar a sua vocação para o debate teórico no
sentido mais elevado do termo.
Neuza
era uma mulher batalhadora, sobretudo no que pretendia fazer no
domínio intelectual, Percebendo claramente quão é espinhoso se
publicar no país através das grandes editoras, ela não perdeu
tempo, criou a sua própria “editora”, NMachado, cuidou de
todos os trâmites burocráticos e saiu vitoriosa: editou sua
dissertação de mestrado e possivelmente alguns outros trabalhos.
Ela cuidava praticamente de tudo para que seus livros viessem a
público. Era, pois, uma determinada.
Respeitada
por seus pares na Universidade. Castelo Branco, mulher corajosa ao
defender seus pontos de vista, sobretudo no campo teórico, Neuza
Machado antes de ter lecionado naquela universidade, também ensinou
na Universidade Estácio de Sá, na Universidade Sousa Marques e, por
um ano, saindo do Rio de Janeiro, lecionou na Universidade Federal do
Pará ou Amazonas, não sei bem. Anos antes, participou de um
congresso em Paris ao lado de Rogel Samuel, de quem sempre foi uma
admiradora e amiga. Me recordo de que, na Castelo Branco, adotava
livros de Rogel Samuel, que, de resto, foi seu professor na Faculdade
de Letras da UFRJ, no tempo em que funcionou na Avenida Chile antes
de se transferir definitivamente para o campus do Fundão.
Uma
outra lembrança que me ocorre de Neuza, durante nossas conversas
regadas a boas gargalhadas que às vezes surpreendiam os outros
passageiros do ônibus que nos levava para a Universidade Castelo
Branco, era a sua disposição de sugerir boas dicas naquela época
em que eu estava escrevendo minha tese de doutorado. Eram sugestões
inteligentes que me apontavam dimensões novas ao meu estudo do conto
de João Antônio ( 1937-1996).
Tenho,
sim, saudades de nossas conversas, nas quais Neuza me superava nos
inúmeros relatos de fatos passados de sua vida de universitária,de
professora, alguns pitorescos, alguns divertidos, outros de natureza
amorosa, sobre situações que presenciou e vivenciou no mundo
acadêmico que se tornariam mais segredos, casos particulares do
mundo dos vivos e do tumultuado relacionamento entre as pessoas,
confidências não publicáveis do ponto de vista de
guardar segredo. Era uma ótima causeuse
a
querida Neuza Machado.
Ela
sabia de sua importância, de seu valor, de sua capacidade como
profissional aberta e disponível ao universo do saber e da
inteligência. A notícia de seu falecimento prematuro me deixa menos
feliz apesar do meu afastamento há sete anos da Universidade Castelo
Branco e sem ter tido praticamente mais contato com ela. A
distância, nas grandes cidades, muitas vezes nos separam uns dos
outros. Seus alunos sem dúvida hão de sentir muito a sua falta, a
sua palavra alegre, muitas vezes brincalhona e educadamente irônica.
À sua família e amigos envio daqui os meus sentimentos de muito
pesar.
domingo, 28 de abril de 2013
Mensagens dos netos de Rosália no facebook
Rosália, Miguel e Fátima, no aniversário de 55 anos de vida de Elmar |
Mensagens
dos netos de Rosália no facebook (e outros meios) (recolhidas por Elmara Cristina)
Mensagem
do João Miguel:
Hoje o céu
está mais alegre. Os anjos cantam. Chega mais uma estrela para
brilhar no paraíso. Passa agora um filme na minha cabeça dos
momentos que passamos juntos, da alegria que cativava todos, da
cumplicidade com a família, da sinceridade que transparecia em seu
rosto. Infelizmente é o curso natural da vida, onde todos, em um
momento, têm que deixar de fazer parte da vida do outro, de alguém
de que você gosta, ama, e que a princípio acha que não consegue
viver sem essa pessoa. Desejo muita força ao meu Vovô, que vai
passar por esse momento terrível, delicado, de viver sem ela, após
58 anos juntos. Infelizmente não vou poder me despedir da minha vó
pessoalmente, (sigo regras militares), mas com certeza nos
encontraremos em outro plano. Até Vó.
Mensagem da Carla Melo:
É como se
passasse um filme na minha cabeça, são tantas lembranças...
Lembro de cada detalhe, o sorriso, a voz, o cheirinho dela, as cantigas (a gente sempre pedia pra ela cantar).
As vezes não acredito...
Nunca imaginei esse dia, era como se ela fosse eterna...
Só queria ter tido a chance de passar uns dias com ela.
Como a Clara Melo falou um dia a gente vai se reencontrar vó é só questão de tempo!
Lembro de cada detalhe, o sorriso, a voz, o cheirinho dela, as cantigas (a gente sempre pedia pra ela cantar).
As vezes não acredito...
Nunca imaginei esse dia, era como se ela fosse eterna...
Só queria ter tido a chance de passar uns dias com ela.
Como a Clara Melo falou um dia a gente vai se reencontrar vó é só questão de tempo!
Mensagem da Clara Melo:
"Uma questão de tempo...Sim... as pessoas que amamos são insubstituíveis ao nosso coração. Aquele lugarzinho que elas ocupam fica marcado com a presença delas, com o cheiro, com a forma e até o som do riso.
E quando elas partem forma-se o vácuo. Mas se a presença física se foi, ficam ainda as lembranças de tudo aquilo que foi construído juntos: os momentos vividos, as horas compartilhadas, muitas vezes as partidas e reencontros...
A saudade é tão indizível quanto a dor que ela provoca.
Mas ainda existe uma esperança: quem faz o bem aqui, nunca vai completamente: essa pessoa vive através dos ensinamentos que deixou, vive através das marcas que foi colocando em cada passo, cada acontecimento...
E o que reconforta é a esperança de que esse ponto final colocado é apenas passageiro, pois o Senhor nos prometeu que um dia, no céu, nós nos reconheceríamos.
Então... é apenas uma questão de tempo. Um dia a gente se reencontra fatalmente com aqueles que amamos e nos amaram acima de tudo nessa vida terrena. E enquanto estamos aqui, vamos deixando nossas marcas também, por que há os que precisam de nós e os que um dia irão querer viver com a esperança de nos reencontrar.
Assim, um dia, numa promessa feita por Deus, haverá no céu uma grande festa.
Tudo é uma questão de tempo..."
Letícia
Thompson
Um dia eu vou te encontrar vovó e aí eu vou te dar um abraço bem apertado e pedir pra vc cantar uma cantiga pra mim se balançando na rede como a gente fazia....
Te amo!
Mensagem da Elmara Cristina:
Vó,
descanse em paz e tenha certeza do dever cumprido. Que Deus te
abençoe!
“Porque a vida segue. Mas o que foi bonito fica com toda a força...certos momentos nem o tempo apaga. E a gente lembra....dá saudade. Uma saudade que faz os olhos brilharem por alguns segundos.”
Mensagem da Joélia Melo:
Ainda nem
acredito que minha vovó se foi.
Cedo ou tarde a gente se encontra numa vida bem melhor vozinha... tenho certeza!
Cedo ou tarde a gente se encontra numa vida bem melhor vozinha... tenho certeza!
Mensagem
do Dilson Carvalho:
Tenho
certeza vozinha que a senhora está em paz ao lado de Deus!
Mensagem
da Raquel Guedelha:
E
agora, vovó? Como lembrar sem sentir o peito doer da sua típica
casinha de avó? Com toda a decoração aos seus moldes, a varanda
larga cheia de redes, onde nós ouvíamos suas historias, sempre
alegres e com a sua forma única de contá-las, sempre interpretando
o ruído das coisas... As canções de ciranda que ensinou aos
papagaios, que deixava todo mundo emocionado de ver o espetáculo do
trio: vovó Rosália, Rosinha e Louro. Sua bondade e inocência me
ensinaram e continuarão me ensinando ate os últimos dias, assim
como o amor e respeito que nos foi passado através do casamento mais
lindo que já vi na vida: vovó Rosália e vovô Miguel. 58 anos
juntinhos.
Certa vez, vovó comentou com meu irmão, que a imagem da felicidade dela era olhar para o passado e lembrar a época em que o meu avô chegava do trabalho em Campo Maior, e todos os filhos dela que brincavam na frente da casa, saíam correndo de encontro ao pai para trazê-lo para casa. Pensando nisso, elegi também as minhas "imagens da felicidade", e a imagem do seu sorriso tem e sempre terá um espaço enorme na minha lembrança lembrança. Muita saudade.
Certa vez, vovó comentou com meu irmão, que a imagem da felicidade dela era olhar para o passado e lembrar a época em que o meu avô chegava do trabalho em Campo Maior, e todos os filhos dela que brincavam na frente da casa, saíam correndo de encontro ao pai para trazê-lo para casa. Pensando nisso, elegi também as minhas "imagens da felicidade", e a imagem do seu sorriso tem e sempre terá um espaço enorme na minha lembrança lembrança. Muita saudade.
“Ainda
assim acredito
Ser
possível reunirmo-nos
Tempo
tempo tempo tempo
Num
outro nível de vínculo...”
Mensagem do filho João José:
Mensagem do filho João José:
Mamãe, a senhora partiu para um plano eterno, mas
ficou e ficará a sua imagem na minha lembrança e de todos os seus
entes queridos.
Aqui na terra tenho plena certeza de que a senhora
cumpriu a sua missão da melhor maneira possível.
Descanse em paz, ao lado do Pai Celestial.
“Aquele que habita no esconderijo do Altíssimo, à
sombra do Onipotente descansará.
Direi do Senhor: Ele é o meu Deus, o meu refúgio, a
minha fortaleza e Nele confiarei."
Seleta Piauiense - Jamerson Lemos
armadilha
Jamerson
Lemos (1945 - 2008)
a
música escorre pela noite
como
estreito regato
igualmente
minha mente
escorre
pela noite.
isso
ou aquilo, antes, depois,
uma
rua tortuosa,
pequena
cidade a ferver
distante.
Quanto
tempo fui tolo?
A
música escorre pela noite,
pulsa
como um coração.
Caro poeta Chico Miguel,
Ao abrir ontem o seu importante blog cultural e
literário, fui surpreendido com a informação de que o Jamerson
Lemos havia falecido. Era um poeta de muito talento, que trazia a
poesia à flor da pele e da alma.
Durante muito tempo fui seu amigo
assíduo. Sempre nos encontrávamos, ocasião em que conversávamos
longamente sobre a vida e sobre poesia. Em diversas ocasiões fui a
seu sítio do Gameleira, onde tomava banho num riacho, que o cortava,
serpenteando entre palmeiras e árvores frondosas, muitas das quais
se debruçavam sobre o córrego.
Ali havia uma pequenina ilha, que me
lembrava as ilhas do Tesouro, da Fantasia e da Utopia. O poeta
mergulhava nas frias águas, escarafunchava o fundo do riacho, e de
lá voltava com um pequeno búzio, em que talvez ouvisse o murmúrio
e o marulho do mar de sua terra natal.
Muitas vezes, o poeta, com o
seu sotaque pernambucano e o seu gestual de ator e intérprete de
seus poemas, recitava-me seus belos versos, com muita emoção e
encantamento. Às vezes, eu me "vingava", e revidava com um
poema de minha autoria, apenas para variar, porquanto em nada me
diminuía ficar como uma ave muda a ouvir o mestre e encantado
Uirapuru, de mágico gorjeio.
Seus versos eram cantantes,
de-lirantes, musicais, cheios de ricos ritmos e de sólido conteúdo.
Em algumas oportunidades, o vi e ouvi pedir uma caneta e um
guardanapo de papel, e imediatamente escrever um poema, que já
nascia perfeito, sem uma mácula, pronto para ser dado à estampa da
publicidade. Era escrito num verdadeiro “repente” esferográfico,
sem pausas, vacilações ou titubeios. Sua excelente matéria lhe fez
justiça.
Sentirei saudade desse grande bardo piauiense nascido no
Pernambuco de Manuel Bandeira e Carlos Pena Filho. Sentirei saudade,
sim, mas sempre poderei reler os seus versos, e ao relê-los,
lembrar-me-ei de sua pessoa e de sua voz, a cantar lindas melodias e
a recitar os belos poemas que sempre me encantaram.
Elmar Carvalho
sexta-feira, 26 de abril de 2013
Palavras de meu filho João Miguel sobre a morte de sua avó
Hoje
o céu está mais alegre. Os anjos cantam. Chega mais uma estrela
para brilhar no paraíso. Passa agora um filme na minha cabeça dos
momentos que passamos juntos, da alegria que cativava todos, da
cumplicidade com a família, da sinceridade que transparecia em seu rosto. Infelizmente é o curso natural da vida, onde todos, em um
momento, têm que deixar de fazer parte da vida do outro, de alguém de que você gosta, ama, e que a princípio acha que não consegue viver
sem essa pessoa. Desejo muita força ao meu Vovô, que vai passar por
esse momento terrível, delicado, de viver sem ela, após 58 anos
juntos. Infelizmente não vou poder me despedir da minha vó
pessoalmente, (sigo regras militares), mas com certeza nos
encontraremos em outro plano. Até Vó.
João Miguel de Souza Carvalho
Comunico o falecimento de minha mãe
Rosália, Miguel, Elmar e Fátima |
Comunico
aos meus parentes e amigos o falecimento de minha mãe, Rosália
Maria de Mélo Carvalho, ocorrido às 15:45 horas de hoje, em
Teresina. Seu corpo será velado em Campo Maior, em sua casa
residencial. O sepultamento será às 11 horas de amanhã, sábado. Mamãe teve oito filhos com o seu marido e meu pai, Miguel Arcângelo de Deus
Carvalho, que lhe sobrevivem, com exceção da filha Josélia,
falecida em 1978, aos 15 anos de idade. Oportunamente, pretendo
escrever um texto sobre minha mãe, que foi exemplar em cuidar de seu
marido, dos seus filhos e de sua casa. Foi boníssima esposa, mãe, amiga. Sua missão foi ser uma excelente mãe de família e dona de
casa, e nisso foi paradigmática. Assim como ela soube cuidar dos
outros, sei que Deus, da mesma forma, cuidará dela, ao recebê-la numa de suas moradas (Evangelho de João, 14:2).
Elmar
Carvalho
SOLENIDADE ACADÊMICA EM AMARANTE
26
de abril Diário Incontínuo
SOLENIDADE
ACADÊMICA EM AMARANTE
Elmar Carvalho
Neste
domingo, por volta de sete horas da manhã, seguimos eu e o Reginaldo
Miranda, de carona em um automóvel dirigido por Márcio Freitas, com
destino à encantadora Amarante. Nós três somos formados em Direito
e pertencemos à Academia de Letras do Médio Parnaíba, promotora da
solenidade de posse a que iríamos assistir. Fomos tomar o café da
manhã na lanchonete dos irmãos Sales, na cidade de Água Branca, à
margem da BR, cujas paredes internas são cobertas por cartazes
eleitorais de políticos de todas as cores partidárias, sem
discriminação e preconceito por parte dos proprietários.
Logo
na entrada da amarantina cidade encontramos o poeta Neto Sambaíba,
que nos deu a notícia de que o helicóptero, que conduzira o
professor Manoel Paulo Nunes, pilotado por seu filho, o comandante
Raimundo Neiva, já sobrevoava a graciosa urbe. Ainda chegamos a
tempo de fazer uma visita ao Museu do Divino. Olhamos suas principais
peças, distribuídas em diferentes compartimentos do velho solar da
Avenida Desembargador Amaral. Perguntamos pelo seu fundador e
mantenedor, professor Marcelino Leal Barroso de Carvalho.
A
moça que nos atendeu, informou-nos que ele fora à missa. Quando
saímos, para irmos assistir à solenidade de posse do Dr. Olemar de
Castro na Academia de Letras do Médio Parnaíba, que aconteceria no
solar que pertenceu ao notável historiador Odilon Nunes, o
professor Marcelino vinha chegando com o seu irmão Melquíades,
intelectual e musicista de muito mérito, que me afirmou frequentar
meu blog, com certa assiduidade. Por feliz coincidência eu, o
Reginaldo e o Márcio fomos alunos de Marcelino, no curso de Direito
da Universidade Federal do Piauí.
O
mestre, além de haver criado o Museu do Divino – que foi feliz
inspiração para o poeta Olavo Brás Nunes instalar em Oeiras, sua
terra natal, outro Museu do Divino, dentro do qual existe a Galeria
dos Anjos Poetas e dos Poetas Anjos, na qual tenho a elevada honra de
ter o meu poema Noturno de Oeiras estampado em bela placa de vidro –
também reativou a Festa do Divino, com as ricas indumentárias do
imperador e da rainha, as belas flâmulas e estandartes, cujas
procissões percorrem as ruas, os becos e as ladeiras amarantinas.
Além
do aspecto religioso e devocional, Marcelino insere na festa eventos
culturais, mormente serenatas à moda antiga, tendo à frente seu
irmão Melquíades, mestre da música e de uma boa conversa. Meu
livro Lira dos Cinqüentanos foi lançado, alguns anos atrás,
através da programação cultural da Festa do Divino, num dos
históricos casarões da Avenida Des. Amaral. Fui honrado pela
presença de bons amigos, entre os quais os irmãos Cutrim, os
amarantinos Raimundo Luís e Álvaro.
Na
solenidade de posse do Dr. Olemar de Castro, encontramos importantes
figuras do mundo cultural e literário piauiense. Entre outras
personalidades emblemáticas dessa seara, lá encontramos a escritora
e empresária Nileide Soares, o escritor e ex-deputado Homero Castelo
Branco, o menestrel Neto Sambaíba, que na qualidade de presidente da
ALMP dirigiu o evento, o poeta e escritor Herculano Moraes, o poeta e
agitador cultural Virgílio Queiroz, meu amigo de várias décadas, a
professora Clara Leonor, esposa do escritor e conferencista Paulo
Nunes, o médico Francisco Almeida (Dr. Tatá) etc., além do
prefeito Luiz Neto, que garantiu construir o monumento do último
desejo do poeta Da Costa e Silva e um memorial em sua honra, que
certamente será da maior relevância para a cultura piauiense.
Antes
do início da solenidade, a amiga Nileide Soares teve a gentileza de
apor em minhas costas um manto acadêmico, dizendo-me, em amável
brincadeira, que não poderia deixar a descoberto o seu juiz. Pensei
tratar-se de uma veste sobressalente. No final da solenidade, ao
constar que ela me ornara com a sua própria insígnia acadêmica,
disse-lhe, retribuindo-lhe a lhaneza e devolvendo-lhe a capa:
– Se
eu soubesse que o manto era seu, não teria deixado que ele fosse
cobrir um pecador, deixando a descoberto uma santa!
Tive
a satisfação de ouvir duas brilhantes peças de oratória; uma da
lavra do professor Paulo Nunes, e outra, do novel acadêmico Olemar
de Castro. Nelas desfilaram figuras exponenciais da Academia de
Letras do Médio Parnaíba, que também ornaram a política e a
literatura do Piauí. Afrânio Nunes, antecessor de Olemar, foi
deputado estadual por várias legislaturas e dirigiu o Ríver durante
vários anos, além de haver ocupado outros cargos públicos de
relevo.
Luís
Mendes Ribeiro Gonçalves, o patrono da cadeira a ser preenchida na
solenidade, foi, por muitos anos, uma espécie de super secretário,
porquanto a sua pasta tinha atribuições que hoje estão delegadas a
várias secretárias, órgãos estatais e empresas de economia mista.
Na qualidade de engenheiro, projetou estradas importantes e os
magníficos prédios do Liceu Piauiense e da Escola Normal, que é
hoje o Palácio da Cidade de Teresina. Esse impoluto homem público,
conhecido carinhosamente como Dr. Lulu, foi ainda senador da
República e escritor de muito mérito. Exerceu também importantes
cargos da administração pública federal, entre os quais o de
secretário geral do Departamento Nacional de Correios e Telégrafos
– DCT e diretor geral do Departamento Nacional de Obras contra a
Seca – DNOCS.
Escrevia
esse notável membro da Academia Piauiense de Letras de forma
escorreita, clara e elegante, e detinha um alto poder de argumentação
e convencimento, em que a razão dominava. Suas interpretações,
fossem de caráter sociológico, histórico ou técnico, eram sempre
coerentes e pautadas por um raciocínio lógico e diamantino, talvez
adquirido em sua longa experiência de administrador público e de
engenheiro, mas também de intelectual amante das artes e da
literatura.
Os
dois discursos acadêmicos, de Paulo Nunes e de Olemar de Castro,
cujo pai, Olegário de Castro, na época em que foi prefeito de
Amarante, construiu a elegante escadaria do Morro do Pontal, que eu
chamo de Morro da Saudade, foram arrematados por um brilhante
pronunciamento do médico e acadêmico Tatá Almeida, em que foi
enaltecido o nunca assaz celebrado poeta Da Costa e Silva. Um opíparo
almoço, patrocinado pelo prefeito Luiz Neto, em sua residência,
coroou a magnífica festa de cultura e de letras.
quinta-feira, 25 de abril de 2013
O Resto
O
RESTO
Alcenor
Candeira Filho
como
inexiste
mesmo
com sol
sombra
sem corpo
como
impossível
mesmo
com corpo
sombra
sem luz
fácil
conclui-se
que
a vida é vida
enquanto
corpo
à
sombra posto
da
luz visível.
o
resto é so-
mente
o que sobra
à
sombra do
mistério
mor:
para o ateu:
- corpo tombado
no frio deserto
- silêncio inaudível
- noite sem fim
- porto do olvido
e para o crente:
- alma liberta
do corpo inerte
- voz do silêncio
- porto da paz.
terça-feira, 23 de abril de 2013
A ero moça
A
ero moça
Elmar Carvalho
A
aeromoça
abre
os braços
e
mostra as saídas
de
emergência...
E
eu a sonhar
que
ela abrisse
as
pernas e mostrasse
as
entradas de quintessência.
segunda-feira, 22 de abril de 2013
Altos
Fonseca Neto
Da
cidade assim chamada para a capital do Piauí são apenas 40
quilômetros. Entre aquela e esta, uma estrada de rodagem asfaltada e
um verde triunfal de encher olhos: caminho que vai ganhando sentidos
de alameda sinuosa, que ora faz olhar à esquerda, mais à frente, à
direita.
Indo
de uma para a outra, e assim mirando o passeante a paisagem que se
faz fugidia, verá pelos lados, terreiros, mourões e porteiras. Lá
por entre aqueles serrotes, o pórtico colmeico da penitenciária do
César. E lá naquela boca de mata, a estrela chã se levantando aos
céus, capela das devoções, penitência dos sitiantes. Há moradas,
moradias e vida comunitária à beira do caminho.
São
marcas de coisas que ficam em nós quando rumamos de Teresina para
Altos, cidade sertã que sente o “cheiro” da Capital; que, ao
“cismar, sozinha, à noite”, noites claras agostinas, vislumbra o
amarelão das nuvens, do luzeiro poenteiro, da chapada sem corisco.
Altos,
bela Altos, que os de lá dizem de João, de Paiva e de São José.
De lá tiraram as Coivaras, o Pau d’Arco e a Prata, das nascenças
do bom Zé.
Altos
é a cidadela piauiense exemplar, por suas fazenças fundantes, nos
planaltos potienses: porque trocou pequizal por mangueira,
estrangeira, se fez de roça em cidade, o paivanado em paróquia.
Católica essa Altos de João e José, filha das freguesias primevas
e do derredor mariano, dos Humildes, do Desterro, do Amparo e
Livramento.
Assim
também exemplar, por seu arruado original se elaborando pela
irradiação de caminhos que partem da igreja e do adro central. Sim,
pelas histórias de seu povo, operariando coletivamente o devenir,
sabe-se que o lugar acolheu muito agregado, enquanto seus caminhos de
gadaria viravam vias vitais – aquela do rumo de Campo Maior,
aqueloutra pro curato do Longá, outra mais que vai pras bandas do
Estanhado. A criação de Teresina, e já antes o arraial da Barra do
Poti, orientaram a abertura de outra senda rumando à novacap. Ora,
erguida Teresina, na barranca do Parnaíba, essa ligação com a
Altos-embriã, qual cordão umbilical, nutrirá a gravidez da
municipalidade altoana que logo luzirá. E já quando anoitece o
Oitocentos, mas ainda fazendeira a república, já por ali há
escola, padre, reisado e comércio, além da Repartição coletora.
Altos
é cidade pequena. Tão próxima de Teresina e tão –
milagrosamente – protegida da conurbação insinuante. Curtir uma
sacada em suas ruas velhas, o casario baixo, geminado e sem
assobradações horrorosas, assim o tatear sensível que faz
capturá-la em suas rugosidades essenciais, é exercício que
reacende as silhuetas das cidadelas que habitam nossa memória.
Nossa, dos nascidos e vividos em cidadezinhas imorredouras,
edificadas em pedra e cal, viveres e saberes, soantes/consoantes, no
meado do “breve” século XX.
Faço
essa concertação sobre Altos, em que pese não conhecê-la tanto
assim. Dela, tenho sido apenas um desses passantes. Já estive
palestrando, lá, com Kennedy; almoçando com Luís Inácio, Weffort
e Meireles.
Estive,
porém, certa vez, um dia inteiro por lá, ainda eu um jovem
advogado, acompanhando um amigo que se chama Chico Paiva –
Francisco de Paiva Dias. Este andava apreensivo, no antigo Colégio
Agrícola, pela perda suposta de um “tempo de serviço” que
prestara à Prefeitura, como “foguista” numa velha Usina de Luz
da cidade. Fomos e procuramos Felipão, o prefeito, amigo dele de
infância, o qual determinou a abertura dos arquivos empoeirados da
Secretaria para a busca pretendida. E mover aquela papelada
prefeitural altoana, equivalia a buscar agulha em palheiro. E deu
certo. Imagine como é o registro do ponto de quem bota fogo na
Usina. Estava apontado e redigi no gabinete do prefeito a Certidão:
Chico servira a seu município parece que no tempo do prefeito
Anísio.
São
instantes da vida e desse quilate que movem as recordações e
reacendem o estopim memorial em tantas buscas. E nesta, em
particular, guiaram-me também as cuidadosas pesquisas do professor
Carlos Dias.
Do
que de tudo vale aclamar um Viva Altos de Chico Paiva. E bons Dias!
domingo, 21 de abril de 2013
A ideia de um Monumento ao poeta Da Costa e Silva e outra questão
A ideia de um Monumento ao poeta Da Costa e Silva e outra questão
Cunha e Silva Filho
Cunha e Silva Filho
De
dois temas tratarei neste artigo: a construção em Amarante de um
monumento ao mais ilustre poeta piauiense, Antonio Francisco da Costa
e Silva, ou designando-o pelo nome que o consagrou nacionalmente, Da
Costa e Silva (1885-1950). O segundo tema diz respeito à pouca
difusão de autores piauienses em todas as suas modalidades de
escrita literária.
Consideremos
o primeiro. Todo país que se preza procura preservar a memória oral
e escrita de suas figuras mais ilustres. A isso se chama de tradição
dos valores da terra natal, seja de um estado, seja de uma cidade,
seja finalmente de um pais. Portugal, Inglaterra, França, por
exemplo, são países que cultivam e reverenciam seus homens mais
eminentes, notadamente no campo cultural. O Brasil não deveria ficar
à margem dessa demonstração de tributo aos que elevaram o nome de
seus países ao conhecimento do mundo inteiro. É uma forma de
eternizar no imaginário dos povos, através da construção de
monumentos ou mausoléus, artistas, homens da ciência, da História
e das artes.
No
sentido que imprimo a essa posição favorável ao culto da memória
dos grandes homens estou afastando qualquer sinal típico do culto à
personalidade muito ao feitio de países que viveram ou vivem em
regimes autoritários.
O
Rio de Janeiro, por exemplo, é, de alguma maneira, uma cidade que
presta homenagem às imagens, esculpidas em mármore, de grandes
nomes de nossa vida cultural e por esse aspecto a cidade ganha foros
de civilização e se faz modelo por ter erigido monumentos, hermas,
de diversas personalidades da vida cultural brasileira, não
descurando a de celebrados nomes locais nas artes, não só populares
como também do mundo erudito. Esse equilíbrio entre a cultura
popular e a cultura erudita torna a cidade ainda mais encantadora aos
visitantes nacionais ou estrangeiros, além de tornar seus
monumentos, estátuas e mausoléus relevantes dados históricos sobre
a cidade e o país.
Outras
capitais e cidades brasileiras deveriam seguir modelos semelhantes,
sem exageros, é claro. Só a tradição autêntica e imparcial sabe
melhor selecionar quem deva ser digno de figurar como monumentos ou
esculturas de seus grandes homens nos diversos campos do conhecimento
humano.
O
escritor Elmar Carvalho, conhecido poeta piauiense e detentor de
várias honrarias locais e nacionais, cronista, contista, ensaísta e
crítico literário, nascido em Campo Maior, há muito tempo, e por
diversas vezes, manifestou a ideia de, primeiro, conseguir trasladar
os restos mortais do “Poeta da Saudade”, que se encontram em
cemitério do Rio de Janeiro.
Elmar
Carvalho se fundamentava no fato de que, no segundo terceto do soneto
“Amarante,” poema que, na segunda obra do autor, Zodíaco(1917),
compõe o conjunto de 5 sonetos sob o título geral de “Minha
Terra”, alude a aspectos de natureza explicitamente autobiográfica.
Nesse terceto, o vate de Sangue (1908) expressou a vontade de ser
sepultado no seu berço natal, Amarante: “Terra para se amar com o
grande amor que eu tenho!/Terra onde tive o berço e de onde espero
ainda/Sete palmos de gleba e os dois baços de um lenho!”
Ora,
Elmar, como poeta e amante de Amarante, a par de ser admirador e
entusiasta leitor de Da Costa e Silva, razões de sobra tinha para
querer ver realizado o desejo do poeta, desejo este com o qual
igualmente comunga tanto quanto qualquer outro piauiense.
Não
sendo concretizado o desejo do poeta no que tange aos seus restos
mortais, Elmar agora, em novo combate, se empenha em conseguir, com o
apoio irrestrito de outros intelectuais piauienses, como Virgílio
Queiroz, Deusval Lacerda, Evaldo Madeira, assim como já recebeu o
sinal verde do prefeito e do vice-prefeito de Amarante,
respectivamente, Luís Neto e Clemílton Queiroz, para erguer um
Monumento à memória de Da Costa e Silva.
O
autor deste artigo recentemente se pronunciou, em comentário postado
no Blog do Elmar Carvalho, favorável a esse projeto e se alia,
destarte, a todos os leitores do bardo amarantino, cuja obra ainda se
presta, dadas as virtualidades múltiplas de sua linguagem e
temática, a um amplo campo de investigação interpretativo, o que
vem sendo confirmado por trabalhos publicados nos últimos anos
enfocando aspectos diversos da sua poética. São ensaios de autores
mais jovens que, na poética dacostiana, vêem importância e
perenidade, utilizando-se de abordagens atualizadas, sobretudo
advindas do meio universitário piauiense.
O
segundo tema deste artigo tem o objetivo de acentuar a relevância
dos estudos de autores piauienses em todos os gêneros literários e
ao mesmo tempo pretende chamar a atenção dos órgãos públicos do
Piauí responsáveis pelos setores da educação e cultura no sentido
de que façam valer a obrigatoriedade, resultante de lei aprovada e
regulamentada, do ensino de literatura de autores piauienses na grade
curricular do ensino fundamental e médio público e particular,
conforme preceitua a Constituição Estadual de 1989, no seu Art.
226, parágrafo único. Por outro lado, esse limite de nível de
obrigatoriedade bem poderia se estender ao ensino superior do Piauí
se dependesse do interesse e boa vontade dos professores de
literatura brasileira. Serve de exemplo e exemplo a ser imitado o que
se faz no estado do Paraná, no qual se estuda a literatura
paranaense nas universidades. Tudo dependeria da visão mais arejada
e sem preconceitos da parte dos docentes universitários. Bastaria
que eles oferecessem cursos com ementas referentes a estudos e
pesquisas de autores e temas da literatura piauiense. Nada mais do
que vontade própria. Lembre-se de que a literatura brasileira
inclui, no seu sistema literário, para usar um conceito caro a
Antonio Candido, a produção ficcional, poética e de outros
gêneros. Por conseguinte, não há como separar a unidade e
diversidade do pensamento literário nacional.
Quero
ressaltar que tal reivindicação não se pauta por mero bairrismo ou
provincianismo locais, mas sim pela necessidade e conveniência de
que os estudantes piauienses tomem pleno conhecimento do bom e por
vezes excelente nível de qualidade da sua literatura. Para isso,
contamos já com obras de referência de histórias literárias, de
quadros críticos e ensaísticos, tanto na universidade quanto fora
dela, de editoras locais com capacidade técnica de publicar livros
bem impresso, de uma vida literária em efervescência e desejosa de
alcançar voos mais altos. O terreno foi fecundado, a colheita está
sendo feita, resta disseminá-la e fruí-la.
Não
é possível que os professores do Piauí, tanto no ensino médio
quanto no superior ainda hesitem na indicação de autores piauienses
que merecem ser estudados, analisados e oferecendo imensas
possibilidades para constituir ementas nos curso de letras das
universidade piauienses.
Sonegar
a existência desses autores e só dando peso aos chamados autores
que atingiram um nome nacional da tradição e outros, os mais novos,
os novíssimos, que estão se firmando nacionalmente, se me afigura
um erro palmar de visão pedagógica e de ausência de espírito
universal e progressista.
O
que não pode continuar é essa forma de apagamento ou sequestro de
grande parte dos autores piauienses locais, com exceção de um grupo
de happy few, tais como Assis Brasil, Mario Faustino, H. Dobal,
Torquato Neto, O. G. Rego de Carvalho, e muito poucos outros com
alguma visibilidade.
Já
afirmei alhures que a literatura piauiense não termina naquele
pequeno grupo. Cabe aos professores do ensino médio e superior,
esquecer um certo complexo de inferioridade provinciana e abrir as
comportas da riqueza de autores piauienses, do passado e da
contemporaneidade, mostrando aos jovens leitores que esses “ilustres
desconhecidos” têm muito a propiciar aos professores e alunos com
uma produção literária merecedora de ser urgentemente adotada,
estudada, pesquisada tanto quanto os chamados autores “nacionais.”
A
literatura piauiense está aí, viva, atuante, com novos autores
lançando obras, só esperando ser divulgados e prestigiados pelos
próprios piauienses. É tempo de realização de seminários,
debates, congressos, simpósios, mesas-redondas que venham tirar do
exílio uma boa quantidade de autores dignos de serem valorizados e
consagrados pelo público piauiense, jovem, adulto, idoso,
estudantes, professores de todos os níveis de ensino, enfim,
leitores, críticos, ensaístas e cidadãos piauienses amantes da
leitura e da literatura mafrense.
No
dia-a-dia do piauiense esses autores são vistos na rua e em outros
lugares. Merecem a sua atenção e o seu respeito. Merecem,
sobretudo, ser lidos.
Seleta Piauiense - Herculano Moraes
O rio de
minha terra
Herculano
Moraes (1945)
O rio de
minha terra é um deus estranho.
Ele tem braços, dentes, corpo, coração,
muitas vezes homicida,
foi ele quem levou o meu irmão.
Ele tem braços, dentes, corpo, coração,
muitas vezes homicida,
foi ele quem levou o meu irmão.
É muito
calmo o rio de minha terra.
Suas águas
são feitas de argila e de mistérios.
Nas solidões das noites enluaradas
a maldição de Crispim desce
sobre as águas encrespadas.
Nas solidões das noites enluaradas
a maldição de Crispim desce
sobre as águas encrespadas.
O rio de
minha terra é um deus estranho.
Um dia ele
deixou o monótono caminhar de corpo mole
para subir as poucas rampas do seu cais.
Foi conhecendo o movimento da cidade,
a pobreza residente nas taperas marginais.
para subir as poucas rampas do seu cais.
Foi conhecendo o movimento da cidade,
a pobreza residente nas taperas marginais.
Pois tão
irado e tão potente fez-se o rio
que todo um povo se juntou para enfrentá-lo.
Mas ele prosseguiu indiferente,
carregando no seu dorso bois e gente,
até roçados de arroz e de feijão.
que todo um povo se juntou para enfrentá-lo.
Mas ele prosseguiu indiferente,
carregando no seu dorso bois e gente,
até roçados de arroz e de feijão.
Na sua
obstinada e galopante caminhada,
destruiu paredes, casas, barricadas,
deixando no percurso mágoa e dor.
destruiu paredes, casas, barricadas,
deixando no percurso mágoa e dor.
Depois
subiu os degraus da igreja santa
e postou-se horas sob os pés do Criador.
e postou-se horas sob os pés do Criador.
E desceu
devagarinho, até deitar-se
novamente no seu leito.
novamente no seu leito.
Mas toda
noite o seu olhar de rio
fica boiando sob as luzes da cidade.
fica boiando sob as luzes da cidade.
sábado, 20 de abril de 2013
Salipi este ano vai homenagear acadêmico Paulo Nunes
O
homenageado no 11º SALIPI deste ano será o escritor piauiense
Manuel Paulo Nunes, que ainda está em plena atividade e que
engrandece a literatura do estado. Será homenageado, ainda, o
centenário de Permínio Asfora, autor de oito romances dos quais
três foram premiados nacionalmente.
Nascido
em Valença do Piauí, no dia 12 de julho de 1913, dedicou-se à
atividade jornalística e principalmente à literatura. Outro
homenageado será o saudoso professor Marcílio Rangel, ex-diretor do
Instituto Dom Barreto, escola piauiense de renome nacional.
Os
professores Luiz Romero e Jasmine Malta se reuniram nesta quinta, 04,
com o reitor da Ufpi, Arimatéia Lopes, ocasião em que foi acertada
a participação da universidade no evento.
“A
UFPI marcará presença com dois estandes. A nossa instituição está
sempre preocupada em apoiar e contribuir com iniciativas culturais
como essa, que engrandecem o nosso estado”, disse o reitor.
A
reunião também sinalizou para que a UFPI seja a sede do 12º
SALIPI, em 2014. De acordo com o coordenador do SALIPI, professor
Luiz Romero, a ideia de realização do salão na UFPI está
adquirindo grandes dimensões. “A intenção de realizar o SALIPI
no ambiente acadêmico tomou proporções consistentes. A UFPI possui
infraestrutura para realizar um evento desse porte. No final da
década de 70, a ideia formava-se como embrião e, neste momento,
discute-se sua execução”, ressaltou Romero.
Outros
aspectos positivos em relação à universidade foram destacados,
como boa localização e facilidade de acesso. Segundo o prof. Luiz
Romero, será realizada uma carta de intenção da UFPI no sentido de
sediar o evento.
A
Superintendente de Comunicação Social da UFPI, Profª. Drª.
Jacqueline Lima Dourado e o diretor da Editora da UFPI, Ricardo
Alaggio, também participaram da reunião.
Fonte:
Acesse Piauí e Portal da APL
sexta-feira, 19 de abril de 2013
Estão desviando recursos da seca
José
Maria Vasconcelos
Cronista,
josemaria001@hotmail.com
Recebi
de renomado magistrado um texto de causar revolta, garantindo não
lhe citar o nome e endereço profissional. Ele denuncia a
prostituição de garotas adolescentes, em troca de benefícios
oriundos dos recursos federais de combate a seca. O autor descreve,
com perfeição fotográfica, a miséria, resultado da seca que
assola o sertão brabo, e a esperteza de autoridades em apropriar-se
de recursos públicos.
"A
seca chega ao período mais agudo, quando, famintos, andrajosos e
doentes, chegam aqui... Já o Governo tomou providências enérgicas,
a fim de melhorar a situação do povo, mandando víveres para serem
distribuídos entre os indigentes. As comissões encarregadas da
distribuição, entretanto, exploram a situação, tirando lucros
imprevistos da miséria dos retirantes. A farinha, o milho, o arroz
são levados para despensa dos abastados, enquanto os famintos
insignificante ração diária, muita vez insuficiente para a
alimentação da família crescida... Muitos comissários obedecem
aos impulsos de simpatia, ou antipatia, exercendo torpes vinganças,
impondo-se, dominando pela fome a revolta de algum espírito que ouse
fazer censuras às injustiças de todos os momentos. Campeia a
prostituição, e são as próprias mães quem, muitas vezes,
entregam as filhas, comprando, por esse ato, favores que lhes seriam
negados de outra forma. Houve quem enriquecesse comprando joias aos
retirantes por um terço do valor real, pagando-as, ainda, por esse
ato, em alimentos estragados. Mais. Extorquem aos pedintes válidos o
dia de trabalho, quase de sol a sol, por uma minguada quantia em
dinheiro. Manhã cedo, aparecem, nas calçadas, criancinhas envoltas
em sujos farrapos..."
Paro
por aqui, angustiado, só de sentir o desespero e a falta de
vergonha. Não consigo entender atitudes de batizados cristãos
avançarem nas verbas e recursos públicos destinados a crianças,
velhinhos e cidadãos desassistidos. Não entendo, mesmo, abutres
enfiando as garras no alheio, sem lhes bater uma nesga de
consciência. Quando denunciados, utilizam-se de torpes recursos de
defesa jurídica. Arrocham a lei seca ao motorista com mínima
talagada de bebida, impõem-lhe alta multa, prendem-no,
sequestram-lhe a carteira de habilitação e o carro, mas fazem vista
grossa a bandidos engravatados e traficantes, que patrocinam
campanhas eleitorais em troca de tolerância. Ainda saem pelos
sertões fogueteando loas e boas, promessas e ilusões.
Este
país padece da falta de dignidade nacional, educação cívica e
moral. A desgraça vem de longa data. Agora, revelo a fonte da
denúncia: o texto foi extraído do segundo capítulo do romance UM
MANICACA, escrito em 1901, de Abdias Neves, magistrado, jornalista,
professor, político, membro da Academia Piauiense de Letras. Troquei
os verbos, no pretérito, pelo presente, porque a indústria da seca
vem do pretérito e continua no presente. Abdias Neves, nasceu em
1876, teresinense, retrata os primórdios da capital piauiense,
durante a seca de 1877. A cidade não ultrapassava as Igrejas São
Benedito e Das Dores, e Mercado Central. Rapazes e adultos exibiam
bengala, terno, chapéu e ginete. A vida social circulava,
praticamente, nos arredores da Praça da República(Deodoro ou da
Bandeira), sem calçamento e água canalizada, sem energia elétrica,
só lampiões pendurados em postes. Chegavam miseráveis retirantes
da seca, famintos e extorquidos por espertalhões. No Nordeste,
morreram mais de 500 mil cidadãos. Pior que a seca, o deserto moral
de autoridades.
quinta-feira, 18 de abril de 2013
A GÊNESE DE “VIDA IN VITRO”
18
de abril Diário Incontínuo
A
GÊNESE DE “VIDA IN VITRO”
Elmar Carvalho
Uma
de minhas mais antigas lembranças é uma visão noturna de Campo
Maior. Não sei se a conservo fiel, tal qual teria acontecido, ou se
ela foi desfigurada pelo tempo, roída pelo esquecimento ou se
acrescida por outras lembranças posteriores. Não sei o contexto em
que ela aconteceu, e já pouco me recordo de fatos ocorridos um pouco
antes ou um pouco depois.
Vinha
de uma viagem com meu pai, trazendo-me ele em sua bicicleta; não sei
sequer, ao certo, se eu vinha na garupa ou no varão do veículo. Era
já início de noite, quando atingimos as colinas que antecedem o
bairro Flores, percorrendo a estrada, então de piçarra, que liga
Barras a Campo Maior. Sei que vi, ao longe, as luzes do casario.
Perguntei algumas coisas a respeito, tendo meu pai me respondido que
já estávamos chegando, e aquelas eram as luzes das casas. Foi uma
visão surpreendente para mim, e, em minha infância, a achei de uma
beleza ímpar e mágica.
Senti
uma forte emoção ao imaginar que em cada uma daquelas casas,
sinalizadas pelas luzes, morava uma família, moravam meus
semelhantes, pessoas que poderiam ser minhas amigas, com as quais eu
poderia conversar, interagir. Talvez, na soledade noturna das
campinas, apenas eu e meu pai, envolvidos por esmagadora escuridão e
silêncio, eu tenha sentido as luzes da cidade como um alegre sinal
de esperança. Senti de forma intensa, como nunca mais voltei a
sentir, a minha humanidade, a minha comunhão com a raça humana, da
qual faço parte e à qual desejo eternamente pertencer.
Foi
apenas por um curto momento, mas pareceu-me entrar em cada uma
daquelas casas, e reconhecer cada um de seus moradores como um
semelhante, um próximo, um amigo. Foi como se eu os reconhecesse
como um parente ou mesmo um igual a mim. Foi uma espécie de magia,
uma revelação, um insight inexplicável, que talvez tenha durado
apenas um átimo de segundo, mas que, embora de forma esfumaçada,
ainda perdura até hoje, como um resquício de algo que nunca acabou
de todo.
Muitas
décadas depois, voltando de uma viagem a serviço da Sunab, vi, do
alto da rodovia, as luzes das casas do residencial Promorar, em
Teresina. Não sei se me retornou a lembrança do que acabei de
descrever, mas o fato é que me senti irmanar a cada uma das pessoas
que habitavam aquelas pequenas casas, que eu sequer conhecia.
Imaginei que cada uma delas fosse um pequeno mundo, com alegrias,
tristezas e mesmo tragédias.
Imaginei
que naqueles lares poderia haver obscuros heroísmos do cotidiano,
vícios e pecados ocultos, bem como admiráveis e secretas virtudes.
Desejei escrever um longo poema sobre tudo isso, como se a máquina
da existência humana se houvesse escancarado para mim. Numa
madrugada de insônia e ansiedade, fato raro de me acontecer,
rascunhei esse poema. Contudo, o abandonei, porque não lhe encontrei
a qualidade que eu gostaria que tivesse.
Por
longos meses continuei a ruminar esse poema, a desejar escrevê-lo,
com sofreguidão. Mas ele, como uma fêmea manhosa e arredia, se
entremostrava, mas depois se esvanecia, quando já quase se
entregava. Porém, certo dia, quando eu retornava da cidade de São
Pedro do Piauí, no tempo em que eu ainda era juiz substituto,
escrevi, ainda cansado da viagem, de um só fôlego, esse arisco
poema, que hoje pode ser fisgado nos mares internéticos. Dei-lhe o
título de Vida in Vitro. Era como eu via, pelo menos no momento em
que o escrevi, a minha vida e a dos outros. A vida em sua grandeza e
miséria, em suas virtudes e vicissitudes, em seus abismos e
cordilheiras, ostentação e mistério.
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