sábado, 31 de outubro de 2020
sexta-feira, 30 de outubro de 2020
Comentando o livro de José Ataíde: “Reminiscências de Minha Vida” (2020
Experimento a alegria de revisitar a “Terra dos Carnaubais” com o nóvel
escritor José Ataíde que relembra com simplicidade, realismo, irreverência,
autenticidade e às vezes, com um jeito assim “picante” derramando sentimento e
arte no texto que mais parece de um veterano escritor. Desfilam na memória e
invadem o coração do leitor os atributos literários revelados neste “drama
histórico” de beleza e leveza singular,
de encantamento com vida, com personagens parentais que amam e são
amados, estão vivos, são imortais. E neste passeio textual, ao revisitar Campo
Maior de outrora, voltei a Avenida Zé Paulino, da qual guardo boas recordações.
O leitor vai certamente, se deliciar com o cotidiano plenamente campomaiorense
nas: Reminiscências de uma vida plena de bênçãos e realizações e nela está
escrito: “A vitória de nossa trajetória está alicerçada na família, carinho e
amor de nossos netos: Isaac, Heitor, João, Lorenzo, Isadora, Bento e quem mais
vier”.
Sobre o Prefácio que é o olhar sábio, experiente. A
obra é enriquecida com o notável prefácio do amado escritor campomaiorense
Elmar Carvalho, que entre suas afirmações, está a contribuição de José Ataíde à
historiografia genealógica do Piauí, na referência às famílias Costa e Veloso.
Conclui o prefácio: José Ataíde,
espargiu o bem em sua vida digna e honrada.
Teresina,
29 de outubro de 2020
Sílvia Maria Melo de Sousa
quinta-feira, 29 de outubro de 2020
Live Piaguiense entrevista Elmar Carvalho
TRÊS POEMAS DE WELITON CARVALHO
TRÊS POEMAS DE WELITON CARVALHO
CASO DE INTERNAÇÃO
a Elmar Carvalho
Recebi um vídeo pelo whatsapp segundo o
qual os psiquiatras alemães
esclareciam que estavam sendo inundados
por telefonemas dos clientes
e que neste tempo de pandemia é
perfeitamente normal as pessoas
conversarem com paredes, flores e
tantos outros objetos
e que só deveriam procurar o serviço
psiquiátrico se as paredes, as flores
e os outros objetos
responderem.
Sinto que meu caso já é de
internação, pois há anos
as folhas, as flores, as portas e as
paredes adoram puxar conversa comigo.
INFÂNCIA
a Tereza Bom-fim
Era um tempo que (...)
minha cidade o mundo,
os meninos seres eternos;
os adultos eram tão
altos:
crianças que cresceram.
A lua, a casa de São
Jorge.
Era um tempo (...)
um menino e uma bola;
uma moça e uma flor.
Era um tempo (...)
acreditava no menino,
na bola, na moça e na
flor.
Era um tempo que
(...)
acreditava.
ABSTRATO
Sento na
beira dos sofás dos ricos e nem sei manejar um talher,
acordo antes
do sol, como depois de todos e apenas vou fluindo
sem saber da
crise existencial, sem opinião, mas com direito a voto;
conheço bem
os atos mecânicos e limpo com cuidado a cristaleira:
uma peça dessas ao chão e lá se vai o
salário do mês inteiro.
Moro em uma
invasão nos arrabaldes da cidade sem água nem luz,
divido a
propriedade e a miséria: assim dizem que é no comunismo.
Sei das
longas filas e de todos os serviços precários do governo:
meus filhos
frequentam escolas abjetas onde se esmerila o vazio:
ali fazem a
dura opção: mercado informal ou tráfico de drogas.
(aprendem sobre livre mercado, concorrência e
liberalismo).
Espero o
domingo para dormir e nunca sonho: a vida é urgência.
Ocupo
economistas, filósofos, sociólogos e até alguns poetas:
a todos eles sou um enigma – por vezes me
tangenciam:
uma bruma, uma névoa, outros
sinônimos.
Eu sou aquilo – que por falta de outro nome – se chama povo.
quarta-feira, 28 de outubro de 2020
Três poemas de Daniel Blume
Fonte: Google |
TRÊS POEMAS DE DANIEL BLUME
Refluxo
Paciência cansada
do refluxo engolido,
da resposta omitida
(ou contida).
Mediocridade calada
por um coletivo
acomodado e sedento.
Livros mofados,
ventiladores de
ácaros,
no calor com
goteiras.
No centro do poder,
pó, ferrugem,
fios, rachaduras e
buracos.
Clamor esquecido,
desaforo erguido,
humilhação erigida.
Estratégia que venha,
paciência que vai,
no refluxo da vida.
Náuseas
Enjôo.
Inimigos e amigos
reunidos,
amigos e inimigos
ligados;
amigos-inimigos,
inimigos-amigos.
Verso reverso
de quem é quem,
ou de quem versus
quem?
Entre favores
esquecidos
ou cobrados,
a cinza impera
e se impetra o cinza.
Assim (dizem)
é o efeito
do sim.
Vômito.
Sem asas
Cresceu, cessou,
cedeu e secou,
como árvore seca sem
folhas.
É abacate sem poupa;
ameixa sem doce;
anta sem mato;
abajur sem lâmpada;
arco sem íris;
Aurélio sem letras;
abolição sem
escravos;
abraço sem colo;
aperto sem força.
Adulto é a criança
que nasce, cresce, seca e morre.
Anjo sem asas, como
nós
domingo, 25 de outubro de 2020
Seleta Piauiense - Paulo Machado
Fonte: Pinterest/Google |
O Rio
Paulo Machado (1956)
ao poeta Cineas Santos
preciso urgentemente escrever um
poema!
que os versos sejam vorazes,
lembrando do rio de minha cidade,
comendo as pedras do cais.
mas como escrevê-lo?
como domar o rio de minha cidade
o rio de minha cidade não pede
adjetivos,
principalmente recusa os que o tornam abstrato.
o rio de minha cidade é um rio
migrante,
Por que aprisioná-lo no corpo de um poema?
o rio de minha cidade guarda em
suas entranhas
o orgulho do homem sozinho.
o rio de minha cidade é água viva
na carne,
água pesada na memória.
o rio de minha cidade é torto
como uma cicatriz
fazê-lo reto seria contradilê-lo
vivê-lo, petrificá-lo nas retinas
esquecê-lo, jamais
preciso urgentemente escrever um
poema!
sábado, 24 de outubro de 2020
UMA POÉTICA DE SUTILEZAS
Poeta Daniel Blume |
UMA POÉTICA DE SUTILEZAS
SALGADO MARANHÃO
Poeta
Seguindo sua remota vocação para o exercício da poesia, o Maranhão é hoje um portento de possibilidades literárias em curso. Uma safra de bons poetas se espalha por todo o Estado, beneficiada pelo fácil acesso às obras dos grandes autores, decorrente das bênçãos da comunicação atual.
Da segunda metade do Século XX para cá, numa única geração, quatro dos grandes nomes da moderna poesia nacional surgiram em solo maranhense: Ferreira Gullar, Nauro Machado, Bandeira Tribuzi e José Chagas, que, embora sendo natural da Paraíba, construiu sua obra no Maranhão.
Na esteira desse legado, cresce agora essa leva de novos talentos, entre os quais Daniel Blume, que, em seu livro mais recente — DELAÇÕES —, pratica uma poética de sutilezas, espelhada em múltiplos temas e abordagens sintáticas, que vão das querelas da vida cotidiana ao amor conflitante; do existencial à atmosfera zen do hai kai: "Sob camadas de silêncio/houve um amor/cuja ausência/lhe faz companhia." Ou ainda, no poema "Poliglota", captando o excesso na deficiência de ser, onde o ato de comunicar-se esbarra na mudez: "Escapa dos verbos/na solidão./ Em todas/as línguas/ é fluente em silêncio."
O livro de Daniel Blume se propõe a ser uma coletânea, não um poemário encerrado numa unidade temática. Assim, o leitor encontrará desde os poemas de viagens — motivados por suas andanças em Portugal (‘nas ruelas do Bairro Alto/das noites vivas de Lisboa.’) — aos inspirados na sua própria São Luís.
Noutro viés, o poeta, ancorado em sua vivência no mundo jurídico, infere sobre os interstícios do poder: "Nas conjecturas políticas/tudo pode escorrer/inclusive nada".
Enfim, o que nos arrasta ao vício da poesia, é seu carisma intrínseco de dar ordem ao caos, de nos converter à sinergia dos contrários; porque, “Mesmo na água/tudo é fogo".
quinta-feira, 22 de outubro de 2020
Apresentação de Diário Incontínuo
DIÁRIO
[Apresentação de Diário Incontínuo]
Elmar Carvalho
22/10/2020
Tendo
tomado a decisão de publicar meu Diário Incontínuo, ao menos como “volume”
virtual ou e-book, dediquei os últimos dias a lhe fazer rápida revisão, pelo
corretor ou editor do notebook, e algumas modificações formais, sobretudo
criação de novos parágrafos, para tornar sua leitura menos cansativa e mais
atraente ao meu possível e futuro leitor.
É
possível que lhe faça a edição impressa. Por isso estou adotando as
providências para a sua formatação e programação visual, bem como confecção de
sua capa. Não terá memória fotográfica, pois será um volume um tanto encorpado,
já que abarca cinco anos (2010 – 2014), no qual trato dos mais variados
assuntos, sobretudo literários, artísticos, históricos e culturais.
Também
lhe fiz a apresentação, uma espécie de breve ensaio sobre memórias e diários,
que abaixo transponho para este outro Diário (em tempos de pandemia), que lhe guarda alguma
semelhança:
APRESENTAÇÃO
Em 22 de janeiro de 2010 minha filha Elmara Cristina criou
meu blog http://poetaelmar.blogspot.com, e nesse mesmo dia nele eu publicava
as primeiras matérias. Com a sua criação, me senti estimulado a continuar escrevendo o meu Diário Incontínuo, porque
tinha a perspectiva de publicação virtual imediata.
Assim, no dia seguinte, postei o primeiro registro desta obra
diarística, datado do dia 17, em que me referia a um velho boêmio da
vizinhança, dono de um boteco, que veio a falecer poucos anos depois.
No início, escrevia dois ou mais textos por semana, mas na
sequência diminuí para um, excepcionalmente dois. Às vezes, alguns desses
registros tinham mais de um tema, que eu separava por asteriscos. Também no
princípio fiz essas anotações em um só bloco, isto é, sem dividi-las em
parágrafos.
Há momentos de desânimo, de falta de estímulo e, talvez, de
assunto e da chamada inspiração, em que não se sabe ao certo se a obra valeria
a pena. Sobre esses momentos de marasmo e calmaria, vejamos o que disse Sully
Prudhomme, vencedor do Prêmio Nobel de 1901, em seu Diário Íntimo: “Há dias que
não cuido de meu diário. Falta-me energia ou, melhor, não acho que o resultado
valha dispêndio de energia.”
Mais adiante, resolvi fazer a divisão em parágrafos, para
torná-las uma leitura menos cansativa e mais atraente ao leitor. Já então eu
havia lido várias obras memorialísticas e o Diário Completo de Josué Montello,
em dois volumosos tomos, de mil e tantas páginas cada um. Obra primorosa, feita
por um estilista à Machado de Assis, que tinha o que contar e sabia contar,
ainda mais por ser um grande romancista. Resolvi adotá-la como paradigma,
embora não estando eu à altura, como é óbvio, do notável escritor.
Vi outros Diários, ao menos em simples folhear, mas não me
foram inspiradores. Uns eram refertos, quase sempre, de elucubrações filosóficas, digressões
abstratas, quase apenas tentativas de trazerem para a escrita pensamentos de
alta abstração ou sobre sentimentos, que a meu ver interessariam a pouquíssimos
leitores. Outros, continham notas muito superficiais, beirando a banalidade, o
trivial.
Recentemente, dei uma boa olhada, quando este livro já estava
concluído há alguns anos, em O Diário de Florença, do poeta Rainer Maria Rilke.
Contudo, apesar da beleza de seu estilo, percebi que ele se detinha muito em
comentários sobre obras de arte, de maneira muito profunda e por assim dizer de
forma um tanto abstrata, numa análise que me pareceu um tanto impressionista,
se é que não estou incorrendo em alguma heresia. Seja como for, não me foi
útil, tanto porque o meu Diário já se encontrava encerrado, como também porque
não se coadunava com o que eu projetara.
No início de minha juventude eu havia lido Memórias, de
Humberto de Campos, que considero uma das melhores obras em seu gênero, tanto
pelo estilo do autor, como pelos seus relatos e pela coragem que ele teve de
narrar certos fatos, que outra pessoa, mais tímida ou mais cheia de pudor,
jamais o faria. Também havia lido alguns dos livros memorialísticos de Pedro
Nava, e sobretudo havia lido com verdadeiro encantamento Confesso que vivi, de
Pablo Neruda, que por vezes toma o formato de uma verdadeira prosa poética,
mormente nos derramamentos e arroubos líricos do autor.
O escritor e historiador Fonseca Neto, meu amigo desde o
final da década de 1970 e meu confrade na Academia Piauiense de Letras, em
15/10/2011, conforme o autógrafo, me presenteou com os dois volumes do Diário
Secreto de Humberto de Campos, que li com sofreguidão e vívido interesse.
Consta que ele recomendara que esse livro só fosse publicado alguns anos após
sua morte.
O certo é que ele foi publicado de forma sequenciada pela
revista O Cruzeiro, em 1950. O autor falecera em 5 de dezembro de 1934, aos 48
anos. Leio na orelha do volume I, editado pelo Instituto Geia em 2011, o
seguinte: “Aqui será bastante referir que tal intenção afastava-se do
espalhafato e do escândalo que o Diário provocou, quando começou a ser
publicado, em partes semanais, na revista O Cruzeiro, em 1950”, portanto há
mais de 15 anos após sua morte.
É que muitos acharam que o autor fora indiscreto e mesmo
impiedoso ao relatar certos fatos, e que por isso mesmo fora ingrato com
pessoas que o ajudaram, e de quem ele se dizia amigo. De qualquer forma, em seu
Diário Secreto, Humberto narra fatos interessantes e mesmo escabrosos,
acontecidos com parentes e com pessoas de sua amizade. Alguns eu considero
verdadeiros contos da vida real, permeados, algumas vezes, por belas descrições
e por digressões outras, em que tenta perscrutar intimidades e motivações.
Ao longo de quase toda a minha vida de literato, alimentei o
desejo de escrever uma obra memorialística, mas nunca executei esse desiderato,
embora muito tenha meditado sobre isso, e, de certa forma, me tenha preparado
para essa empreitada, ao ler várias obras autobiográficas e de memórias, muito
além das que citei acima.
Um diário, a rigor e em tese, pelo que sugere a sua própria
classificação, deveria se voltar mais para o presente, ao passo que as
confissões, as memórias e as autobiografias se voltariam mais para a narrativa
de fatos pretéritos.
Mas, lendo os diários mais notáveis, verifiquei que esse
gênero literário, conforme a habilidade e o talento do autor, bem se presta, ao
ensejo de uma recordação, de um sonho, de uma conversa, de um acontecimento, de
uma solenidade cultural e outras, bem se presta, repito, a evocar fatos de
nossa própria vida, da vida de outras pessoas, de episódios pitorescos,
singulares, jocosos, anedóticos, bem como a relatar uma conversa, um fato
histórico, a comentar uma obra de arte, um livro, etc.
Dessa forma, ao longo de cinco anos (2010/2014), transpus
para estas páginas muito da vida cultural, artística, literária e social do
Piauí, motivado, como disse acima, por diferentes fatores. Narrei eventos
artísticos e culturais, mormente os literários, comentei alguns livros lançados
nesse período, me referi a personalidades literárias e históricas, algumas
ainda vivas, outras pertencentes a um passado mais remoto. Sem dúvida, alguns
desses registros são quase resenhas de obras literárias e breves perfis
biográficos, embora recheados de outros ingredientes e condimentos.
O escritor, crítico literário e professor Cunha e Silva
Filho, com a sua reconhecida argúcia e faro quase detetivesco, ainda bem no
início da publicação sequenciada e internética do livro, percebeu e aplaudiu
essa diversidade de interesses, pois postou o seguinte comentário no dia
13/02/2010:
“Por isso, gostei do seu comentário,
revelador de um amplo interesse pelas artes em geral, e, no caso específico,
pela escultura e suas implicações com movimentos de vanguardas que deixaram
marcas indeléveis nas múltiplas formas de criação artística. Sei também quanto
aprecia a pintura, um Dalí, por exemplo. Não é verdade, amigo? Explore bem esse
lado de crítica das artes, lhe cabe bem. Boa surpresa do seu intelecto.”
Devo esclarecer que, em face da possibilidade de publicação
por um desses programas governamentais, não pude me deter numa outra revisão
mais rigorosa, e nem tive tempo de contratar um revisor profissional, que
corrigisse os erros gramaticais, que certamente terei deixado escapar em
revisões anteriores. Peço que o leitor me perdoe esses quase inevitáveis
senões.
Quis que este Diário tivesse algum valor literário, mas não
serei cabotino a ponto de afirmar que o consegui; apenas posso dizer que muito
me esforcei para alcançar esse objetivo. Assim, procurei dar uma certa
dignidade ao meu estilo, à minha linguagem, e procurei me afastar, o quanto
pude, de trivialidades, de banalidades, conquanto tenha procurado registrar
alguns fatos anedóticos, engraçados, como disse.
A propósito de estilo, disse Susan Sontag em seus famosos
Diários (1947 – 1963): “Na verdade, o estilo é que é importante. O estilo
seleciona o enredo.” Não sei se a estilística poderia chegar a tanto. Mas, com
certeza, é o estilo que lhe dá mais elegância, que torna o entrecho mais
atraente e prazeroso.
Como os assuntos são bastante diversificados, e cada texto
forma uma unidade própria, que pode ser lida de forma independente e aleatória
ou salteada, se eu fizesse uma divisão temática, essas crônicas poderiam formar
vários livros, conforme a sua organização e projeto editorial. Mas, aqui, vão
publicadas em volume único, e seguindo a ordem cronológica original, porque
assim as concebi e projetei.
Por outro lado, talvez fosse interessante esse livro tivesse um
índice onomástico, pois são várias centenas as pessoas nele citadas, mas pela
urgência referida no parágrafo anterior, e pelo trabalho que isso demandaria,
tal não foi possível nesta edição. Contudo, ele também será publicado como
e-book, e isso, de certo modo, dispensa esse tipo de índice, pois facilmente o
leitor localiza em seu dispositivo de leitura a pessoa que deseja pesquisar.
Em resumo, embora mantendo, assim espero, o formato de um
diário, na realidade o que fiz mesmo foi uma sequência de crônicas, durante
esses cinco anos, de diferentes tamanho e conteúdo, e se referindo aos tempos
atuais e a tempos remotos, idos e vividos.
Algumas poderiam ser consideradas memorialísticas,
confessionais, narrativas, contos, “causos”, críticas, breves ensaios, comentários,
depoimentos, sonhos, devaneios ou simples relatos de fatos recentes ou antigos,
alguns históricos.
Contudo, nenhuma poderia ser rotulada de ficção.
quarta-feira, 21 de outubro de 2020
Espetáculo serrano
Espetáculo serrano
Carlos Rubem
Articulista e cronista
Parece que foi ontem o falecimento do Joca Oeiras (01.11.1947 - 09.11.2017), vítima de complicações respiratórias.
Nestes 03 anos de encantamento, a lembrança do “Anjo Andarilho” me é recorrente. Interessante é que muita gente ao me ver desperta a lembrança dele.
O nosso relacionamento fraternal durou 15 anos desde o dia 27 de dezembro de 2002 quando nos conhecemos no Café Oeiras, data da sua chegada em nosso meio. Apaixonou-se pela cidade e sua gente.
Deixou sua terra natal, São Paulo, e veio morar no Piauí. Abandonou o emprego, vendeu imóveis, fixou-se em nossa terrinha.
Formamos uma dupla de sonhadores. Encampamos muitas batalhas de interesse coletivo. Promovemos e participamos de muitos eventos culturais. Viajamos muito Piauí afora.
Porém, em julho de 2008, fomos assistir ao Festival de Música, em Viçosa, Ceará, cidade encravada na Serra da Ibiapaba. Naquele ano se celebrava o cinquentenário da Bossa Nova.
Informaram-nos que no interior daquele município havia várias fábricas de cachaça caseira e atrativos naturais, cachoeiras... Deram-nos as coordenadas.
Na minha velha Blazer, fomos conhecer estes pontos turísticos. Joca curtia uma bruta ressaca. Estava com sono. Nem havia tomado café.
Logo que deixamos o perímetro urbano, deparamo-nos com uma indizível paisagem. Ao lado esquerdo da pista de rolamento, grande penhasco donde brotava esguichos d’água.
Estacionei o carro no acostamento. Peguei minha máquina fotográfica para registrar aquele belo cenário serrano. Extasiado com o que descortinava, ouvi estridente buzina de carro.
Quando volvi meu rosto, deparo-me com um fato inusitado. Joca, completamente nu, tomava banho à margem da estrada.
Cidadão espaçoso, espandongado, continuou a banhar indiferente à reação daqueles que por lá trafegavam. Os passageiros de um lotado ônibus que subia vagarosamente ladeira acima fizeram a maior algazarra. Seus celulares foram acionados. Ri muito daquela palhaçada!
Perder um amigo dói muito...
terça-feira, 20 de outubro de 2020
Sobre Poetas
Escultura de Braga Tepi |
Sobre Poetas
Claucio Ciarlini
Imaginação (tão abstrata) que se junta à tinta (altamente concreta)
Casamento perfeito, união reveladora (simbiose)
De talentos, de histórias, de momentos
Percorrem as mais variadas linhas, que antes pareciam
Tão retas, claras, objetivas (razão acima de tudo e com tudo)
E agora… Agora se misturam ao torto, ao obscuro, ao subjetivo (sentimento)
É a criança deixando de ser a mesma, para se perceber: jovem
É o jovem se permitindo ser tudo e tanto mais: até criança
Escrevendo
Em meio a tantos gritos e dizeres, problemas e confusões,
Catástrofes, inundações, reflexões a degustar!
Sobre
Amores: do mais sublime ao mais avassalador
Platonismo exacerbado, enquanto espera à hora certa de falar
Dor, na alma, no coração, muito além do que o corpo poderia suportar
Um fechar de olhos para o novo, sem olhar para trás
Um saltar no escuro da contradição, despejando termos, rimas e confissão
Um reviver de sonho, que espera, a cada novela, o mais doce das ilusões
Um peito traído que faz do mais penoso tormento: criação
Um olhar dirigido (e até crítico) aos problemas do seu lugar (para quem lhe rodeia)
Um ouvido atento, na busca de um sorriso em meio a milhares de lágrimas
De tudo isso, e um tanto, é que humildemente se faz
Aquele que traz na vida, a missão: de provocar os nossos sentidos
Sim, é ele, o poeta, e ninguém mais.
2013
segunda-feira, 19 de outubro de 2020
ORGULHO DE SER PIAUIENSE
ORGULHO DE SER PIAUIENSE
Carlos Henriques de Araújo
Membro da UBE-PI
Não somos melhores nem piores
do que ninguém. Somos nós, simplesmente. À nossa maneira, com nossas
limitações, nossas riquezas, nosso potencial e, principalmente com nossa força
de vontade. Os piauienses resistem a todas as dificuldades que lhes são
peculiares, e a outras, que lhes foram impostas no decorrer de várias décadas
por razões as mais diversas: históricas, políticas, geográficas, sociais e
econômicas.
Hoje, o Piauí assiste ao
crescimento de seu povo, da sua economia e de suas potencialidades turísticas,
agrícolas, econômicas e culturais. O Piauí não é mais o estado mais pobre do
Brasil, embora exista ainda muita pobreza, por falta de políticas econômica e
social mais eficientes, de governos e empresários compromissados com o social e
de uma sociedade civil mais organizada.
O Piauí é um estado rico em
potencialidades e em oportunidades. É o estado que tem a menor faixa litorânea,
mas, assim como nos pequenos frascos estão os melhores perfumes, no seu pequeno
litoral estão as praias mais bonitas do Brasil, de águas claras e mornas, de
areias brancas e sem poluição, recheadas de belezas naturais, com ventos
adequados para prática de esportes náuticos e geração de energia eólica. Nele
desemboca o rio Parnaíba, o maior delta em mar aberto das Américas e o segundo
maior do mundo com 85 ilhas de praias paradisíacas.
No Piauí, o sol do equador
brilha mais forte e seu calor proporciona um clima tropical saudável, propenso
ao cultivo de frutas tropicais para exportação, e à produção de mel de abelha,
com floradas o ano inteiro. Seu solo é ótimo para o plantio de mamona matéria
prima utilizada na produção do biodiesel. Foi o primeiro estado do Brasil a
desenvolver esta tecnologia. Seu subsolo foi aquinhoado com os maiores lençóis
freático do país, quiçá do mundo.
O Piauí tem o maior rio
genuinamente nordestino, inúmeras barragens, lagoas propícias para projetos
agrícolas de irrigação, piscicultura, carcinocultura e lazer. É recordista na
produção de grãos. É o maior produtor de cera de carnaúba do mundo. É o segundo
maior produtor nacional de mel de abelha, e tem um dos maiores e melhores
rebanhos de caprinos do Brasil.
Na medicina, é uma referência
para o Norte e Nordeste. Na cultura, é o berço do homem americano, tem a melhor
escola do ensino médio do país e um pólo de ensino superior com uma excelente
estrutura. Recebe estudantes de todo o Meio Norte, que sobressaem nos concursos
públicos pelo Brasil afora.
O Piauí é uma terra de artistas:
músicos, intelectuais, artesãos, humoristas, escritores, poetas, jornalistas e
pintores de renome nacional e internacional, como Carlos Castelo Branco, mestre
Dezinho, Evandro de Lins e Silva, Da Costa e Silva, H. Dobal, Mario Faustino,
Torquato Neto, Nonato, Gerson Castelo Branco, João Cláudio Moreno, Clodô,
Climério, Luís Paiva, Lina do Carmo e muitos outros.
Se não bastasse este acervo
cultural de outrora, o Piauí foi vencedor do concurso miss Brasil, teve um
colégio eleito como um dos melhores do Brasil, e sua Cajuína como a melhor do
Brasil.
Foi considerado o berço do
homem americano e o maior produtor de Opala no mundo. Teve o maior
Neurocirurgião do Brasil e foi destaque nas olimpíadas de matemática e sua
escola em Cocal dos Alves, foi recordista em medalhas nesta mesma olimpíada.
O Piauí conta hoje com o
maior parque eólico do Brasil, teve a primeira judoca a ganhar medalha de ouro
numa olimpíada e o maior YouTube do Brasil. Tem o juiz federal mais jovem do Brasil
e uma das modelos mais poderosas da atualidade que faz parte da Victoria Secrets.
E uma de suas escolas conseguiu o maior ranking no ENEM - o
Instituto Dom Barreto.
Teresina, sua capital é uma
cidade abraçada por dois rios: o Parnaíba, que nasce na Serra das Mangabeiras,
na fronteira com o Estado de Tocantins é o segundo maior rio do Nordeste,
depois do São Francisco; e o Poti, saído da Serra da Joaninha, no Ceará, como um
pequeno filete d’água que vai tomando corpo, atravessando chapadas e cânions,
até se encontrar com o Parnaíba no bairro Poti Velho, no fenomenal Encontro das
Águas.
Ela nasceu urbanisticamente
moderna. Foi uma das primeiras cidades do Brasil em que o projeto chegou antes
da ocupação do espaço urbano. A Chapada
do Corisco, como ficou conhecida, começou a ser traçada, a partir de 1852.
No extremo norte, repousa
tranquila e mimada pelas águas do rio Igaraçú, a linda cidade de Parnaíba, um
potencial turístico com 24 km de litoral e principal braço do delta, que
aguarda de braços abertos os turistas.
A cidade já teve seus tempos
áureos, foi a fortaleza da economia piauiense. Hoje, seus monumentos históricos
são testemunhos desta época. Seu conjunto arquitetônico é um espaço cultural de
inestimável valor, cuja restauração assegurou ao povo piauiense e aos seus
visitantes a preservação de sua memória e do Estado.
O Piauí não é só Teresina e
Parnaíba, tem outras cidades bonitas e com pessoas maravilhosas, trabalhadoras
e determinadas em pleno desenvolvimento, apesar da “crise econômica” por causa
da pandemia do Coronavirus que o país passa, e também como consequência desses
governos desastrados nos últimos dez anos.
Próximo da capital, as
cidades de Piripiri, Campo Maior, Picos e Floriano tem indústrias, comércio e
prestação de serviço. Na parte sul, várias cidades em pleno desenvolvimento,
atraindo grandes empresários do sul do país para a plantação de soja,
instalação de usinas eólica e exploração de minérios.
Parabéns Piauí por mais um ano participando do crescimento deste Brasil querido e amado por todos nós.
BARRAS DAS SETE BARRAS
Republicado em virtude de haver sido reeditado, com maior resolutividade das imagens.
domingo, 18 de outubro de 2020
Seleta Piauiense - Paulo de Athayde Couto
Fonte: Google |
Estilhaços
Paulo de Athayde Couto (1956)
Sinto a tristeza
Em cada olhar.
Sinto a loucura
Em cada gesto e
O medo de gritar.
Morre o grito
Na garganta
De cada um.
Olhar acrílico,
Olho no olho,
Dente por dente.
Estilhaços de ideias,
Esfacela e mata.
Um ser vagamente
E se perde.
Infinitamente.
No íntimo,
O vazio total.
sábado, 17 de outubro de 2020
Gogó de Sola
Gogó
de Sola
Pádua Marques
Romancista, cronista e contista
Pouco mais uns minutos
das oito da manhã e Raimundo Isidoro Castro, o Gogó de Sola, vindo dos Tucuns,
já estava na porta do Hotel Carneiro esperando que um hóspede que ele sabia ter
vindo do Rio de Janeiro, saísse do quarto pra que naquela conversa demorada e
com a voz grossa que lhe deu o apelido de fama, fosse pedir um obséquio. Que o
ilustre levasse umas cartas suas pra Rádio Nacional e a Mayrink Veiga pedindo
atenção nas letras de suas composições aos cantores de maior sucesso.
Aquilo era coisa que
fazia toda semana, bastando saber que alguém dos lados de lá estava em
Parnaíba. Naquele ano de 1941 existia uma guerra na Europa, Parnaíba ainda
fazia grandes negócios e fortunas com a cera de carnaúba, babaçu e o couro de
boi, mas seus comerciantes e industriais estavam ficando com medo. Os invernos
davam trabalho ao prefeito Mirócles Veras e a Rádio Educadora continuava sendo o
desejo daqueles que procuravam fama. Gogó de Sola continuava tentando a sua.
Era um sujeito de boa
estatura, cara de gavião, escuro, cabelos lisos à custa de brilhantina. Andava
sempre elegante, embora pobre, vestido de camisa de cambraia e calça de linho
branca, cinto passado, sapatos lustrados e um paletó, mas sem a gravata. Vivia
pelo centro, desde o Hotel Carneiro, Hotel Parnaíba, a pensão de Nagib, o Cine
Éden, a Casa Inglesa e o estabelecimento de seu Ranulfo Raposo, na rua Grande.
Toda aquela elegância de
Mundico Gogó de Sola tinha um destino. Ele era seresteiro e junto com outros
colegas desocupados, o Bené Euclides, os irmãos Tião Sidó e Genésio, vindos da
Guarita, eram de varar as noites e as madrugadas de sábado pra domingo tocando
violão de porta em porta. Coisa paga.
Juntava gente e as moças
mandando bilhetes com os nomes daqueles rapazes que elas queriam dedicar as
músicas de Sílvio Caldas, Luís Barbosa, Pixinguinha, Carlos Galhardo, cantores
da Rádio Nacional e da Mayrink Veiga. E a fama de Gogó de Sola e seus
pariceiros alcançou Buriti dos Lopes, Cocal, Bom Princípio, Barra do Longá,
Araioses, João Peres e a Tutóia no Maranhão.
Gogó de Sola e seus
colegas eram chamados pra se apresentar até nas casas de gente rica da Nova
Parnaíba, da rua Grande e nas chácaras mais distantes, em aniversários,
casamentos. Certa vez foram na casa de um industrial e foi tanta comida, tanta
bebida, presentes, uma moeda maior aqui e acolá que até deu pra levar pra casa.
Os outros mais acanhados, que nunca haviam visto fartura na vida, bebidas e
comidas finas, acabaram deixando de mão. Ele não. Pediu um saco na cozinha e
levou o que deu, até peru assado! Passou três dias comendo e dando de comer pra
mulher e o menino pequeno, aquele que comia barro atrás de casa!
Os comerciantes do centro
de Parnaíba não gostavam porque ele, Gogó de Sola, com aquela voz alta e grave
e a mania de ser artista, acabava tirando a atenção dos fregueses e dos
caixeiros. Um dia até que veio propor a seu Miguel Carcamano uma apresentação
no Cine Éden, mas o sírio exigiu um monte de coisas, firmas que fizessem
reclames pra garantir a bilheteria. Mas a história era outra. Sendo artista de
subúrbio, pouco ia levar gente pra comprar ingressos e ele não estava dando
murro em ponta de faca naquele exato momento.
Gogó de Sola bateu perna
em tudo quanto foi firma grande de Parnaíba, mas todas elas bateram a porta na
cara dele. Como vingança ficou dois dias no coreto da praça da Graça cantando
suas composições e com pilhérias, desaforos, xingando todos eles, aqueles
agiotas, unhas de fome, cornos, filhos
dessa e filhos daquela! Um comerciante da rua Grande foi até o chefe de polícia
e pediu providências duras. A ordem foi que o artista maneirasse ou podia se
considerar homem preso por perturbação da ordem pública!
Fazia tempo que o chefe de polícia vivia se incomodando com aqueles sujeitos sem ofício. Sem ofício? Sim, porque aquilo era ocupação de gente? Cantar pelo meio da rua e incomodando as famílias de madrugada, não deixando ninguém dormir, desde a Guarita, Macacal, até a Nova Parnaíba e além do mais o mundo estava dentro de uma guerra na Europa e todo mundo já deveria estar se pelando de medo. Tinha ouvido dizer que quando fosse na hora do pega pra capar, muita gente iria chorar feito menino! Ouviu na Rádio Educadora!
quinta-feira, 15 de outubro de 2020
A primeira professora a gente nunca esquece
Carlos Rubem
No dia em que cheguei à casa do vovô Joel retornando do meu primeiro dia de aula do curso primário, em 1965, a minha tia Rita Campos, educadora que era, fez-me uma festa. Falei das minhas impressões da escola. Ela indagou-me qual era a mais bonita professora do “Costa Alvarenga”. Com toda sinceridade infantil, disse-lhe que não sabia dizer, mas a mais feia era Carolina Raposo! Este fato é sempre lembrado no seio familiar.
A minha primeira professora foi a tia Cocota, Maria Reis Freitas, irmã do meu pai, Ditinho.
Sentava, em dupla, bem na frente numa carteira pesada, larga. Ao meu lado, ficava o Aécio Nordman Lopes Cavalcante, meu compadre, poeta. Nunca me esqueci o significado de “Pindorama” por ela ensinado: “É palavra indígena que quer dizer terra, lugar das palmeiras, nome como era inicialmente conhecido o Brasil”.
Gostava de bater com uma régua de madeira sobre a mesa pedindo silêncio e na minha cabeça, vez por outra, por causa das minhas travessuras. Ai, como ainda dói...
Nas datas cívicas, com o dinheirinho da "caixa escolar", distribuía para os alunos, em fila indiana, um pãozinho com recheio de goiabada. Uma vez, porque sobrou uma única guloseima, quis comê-la. Tia Cocota ralhou-me: “Não, este aqui é de um aluno que está doente, vou mandar levar na casa dele!”.
Foi minha mestra do 1º ano “A” até o 2º, em 1967, época em que se aposentou. No final do ano, a Diretora do educandário público, Dona Sinhá Torres, e demais professoras, chegaram de surpresa no último dia de aula e, numa simples e tocante solenidade, prestaram-lhe uma homenagem. Houve cânticos. Tomei a iniciativa e pronunciei o meu primeiro discurso. E acho que me desincumbi bem desta tarefa, apresentei, em nome dos meus coleguinhas, meus agradecimentos, etc e tal. Fui ovacionado!
A partir do ano seguinte, 1968, quem assumiu a turma foi a professora Rosário Nunes Brandão.
Na conclusão do curso primário, fiz questão de ter como madrinha de formatura a tia Cocota. Ela ficou radiante com meu gesto...
Hoje (15/10), dia consagrado aos Mestres, gostaria de expressar meu regozijo pelo transcurso desta data a todos os professores avocando, como ora avoco, a memória da tia Cocota.
Parabéns, minha primeira professora!
quarta-feira, 14 de outubro de 2020
A BANDA MUNICIPAL DE CAMPO MAIOR NO CONTEXTO DA ERA VARGAS
Banda Municipal de Campo Maior criada na gestão do prefeito Francisco Alves Cavalcante– década de 1930. Chico Alves chegou a requisitar do governo estadual instrumentos usados da Banda da Polícia Militar do Piauí para a da prefeitura. Conforme determinava as normas do governo federal, todos os músicos devidamente uniformizados semelhantes aos fardões militares.
A BANDA MUNICIPAL DE CAMPO MAIOR NO CONTEXTO DA ERA VARGAS
Celson Chaves
Professor e historiador
Durante a Era Vargas (1930-1945),
principalmente na fase do chamado Estado Novo, o presidente Getúlio Vargas fez
uso da propagada para manter-se no poder. Ele não mediu esforço político e nem
recurso público. Criou o Departamento de Imprensa e Propagada (DIP) para cuidar
da imagem e ideologia do seu governo. A educação e a cultura sofreram forte
intervenção política. Rádio, cinema, teatro, jornal, literatura e música
estavam sob forte suspeição e fiscalização do governo federal. O regime usou a
máquina de comunicação, a educação e a cultura para aproximar Vargas das
massas.
Nesse contexto político nacional
de tensão e censura, surge à banda de música da prefeitura de Campo Maior,
criada na gestão do coronel Francisco Alves Cavalcante, com o objetivo de
servir a população e de instrumento ideológico do nacionalismo varguista. A
relação entre música e política é antiga. Em Campo Maior existe desde sempre.
A banda municipal de Campo Maior foi composta de músicos profissionais e amadores. Ela tocava nos grandes eventos e desfiles cívicos da cidade, como o 7 de Setembro, o 1º de Maio, Dia do Índio e de Tiradentes, nos aniversários do município e do presidente Getúlio Vargas. Os desfiles cívicos passavam por uma rigorosa supervisão do governo municipal. O evento solene era executado obedecendo à cartilha elaborada pelo Ministério da Educação e pelo DIP. O coronel Chico Alves, como era conhecido Francisco Alves Cavalcante, seguiu fielmente a política do DIP, fazendo da educação e da cultura campo-maiorense instrumentos de propagada política do governo federal.
A marcha cívica tinha como
objetivo massificar o sentimento nacionalista na população e a banda de música
servia a este propósito. A música encanta, educa e também aliena. Uma arma
poderosa. O governo Vargas tornou o ensino de música obrigatório no Brasil. O
compositor e maestro Heitor Villas Lobos foi o grande responsável pela
instalação do programa nacionalista do governo federal por meio da música.
Villas Lobos implantou o Canto Orfeônico no Brasil e compôs músicas patrióticas
para escolas e eventos civis.
O desfile cívico de 1934 foi
organizado obedecendo aos ditames do governo federal, a ponto da prefeitura
produzir um “relatório” descrevendo os resultados do evento em Campo Maior para
o interventor Federal Dr. Leônidas de Castro Melo: “Acusando a recepção do
telegrama de V. Exª. sob o nº 400, de 6 do corrente mês, em que foi transcrita
a recomendação do Sr. Ministro da Justiça, relativamente às festas
comemorativas do dia 07 de Setembro, venho informar a V.Exª que nesta cidade
foi esta grande data histórica da nossa nacionalidade, solenizada
entusiasticamente, com a participação de todas as autoridades, classes sociais
e do povo em geral” (Memorando de Francisco Alves Cavalcante para o interventor
Federal Dr. Leônidas de Castro Melo, 8-9-1934).
Nessa parada cívico-militar, a
banda municipal utilizava-se de repertório, uniforme e formação instrumental
característicos de corporações militares para reproduzir as cerimônias
nacionais que evocavam uma consciência nacionalista idealizada pelo regime
Vargas. O hasteamento da Bandeira, discursos de exaltação ao nacionalismo e aos
heróis da pátria, a execução do Hino Nacional, tudo era organizado conforme as
orientações ideológicas do governo federal. A banda municipal era um incremento
importante nessa cenografia ideológica.
“Uma conferência alusiva à
comemoração às 7 horas da manhã, à praça Rui Barbosa, presente o prefeito
municipal, o juiz de direito, o delegado de polícia, outras autoridades e
inúmeras pessoas gradas; sob a direção das distintas educadoras do Grupo
Escolar “Valdivino Tito” e da Escola particular “Maria Auxiliadora”, formava em
alas, que estendiam por toda face oriental daquele logradouro público, os
alunos daqueles estabelecimentos de ensino, devidamente fardados. Ao som do
Hino Nacional, tocado pela banda municipal e cantado pelos estudantes, era
içada a Bandeira Brasileira” […](Memorando de Francisco Alves Cavalcante para o
interventor Federal Dr. Leônidas de Castro Melo, 8-9-1934).
Alunos do antigo Instituto, hoje Colégio “Leopoldo Pacheco”, usando fardamentos escolares semelhantes aos uniformes militares. Década de 1940.
Foto: http://bitorocara.blogspot.c/search?updated-max=2012-01-28T14:50:00-08:00&max-results=50 |
Alunos do antigo Instituto, hoje Colégio “Leopoldo Pacheco”, usando fardamentos escolares semelhantes aos uniformes militares. Década de 1940.
Foto: http://bitorocara.blogspot.co/search?updated-max=2012-01-28T14:50:00-08:00&max-results=50 |
A sonoridade e a expressividade
ritmada da banda, o repertório sincronizado conduzia à multidão as homenagens
aos heróis da pátria. Músicos perfilados e uniformizados remetiam as
disciplinas e aos fardões militares. O patriotismo estava em alta em Campo
Maior. O percurso utilizado pelo cortejo cívico era curto. Saia da praça Rui
Barbosa em direção a prefeitura (praça Bona Primo). A história nacional era a
principal fonte de inspiração nacionalista. Era um ato memorável as grandezas
do passado.
[…] “Logo após, ao pé do Pavilhão Nacional, pronunciava
o advogado Antonio da Costa Leitão, emocionante conferência acerca da magna
data, descrevendo-a em todos seus empolgantes detalhes e rememorando os nomes
dos grandes estadistas, promotores da nossa independência. Profunda foi à
sensação deixada no espírito do povo pela linda e patriótica oração proferida
pelo conferencista. […] (Memorando de Francisco Alves Cavalcante para o
interventor Federal Dr. Leônidas de Castro Melo, 8-9-1934).
[…] “Em seguida, debaixo de
respeitoso silêncio, comigo, prestou o povo, ‘juramento à Bandeira’ conforme as
instruções do seu telegrama”[…].
[…] “Ainda a meu convite,
acompanhou o povo a transposição da Bandeira Nacional, conduzida por quatro
alunas do Grupo Escolar e seguida dos demais alunos em forma, para o prédio da
prefeitura municipal, em cujo mastro, ao som do Hino Nacional e de cantos
patrióticos, foi erguido o “auriverde”, sob os vivas aplausos da multidão”. […]
(Memorando de Francisco Alves Cavalcante para o interventor Federal Dr. Leônidas
de Castro Melo, 8-9-1934).
A banda municipal teve papel
crucial em todo o percurso. Levantava a moral e o ânimo da multidão “ao som do
Hino Nacional e de cantos patrióticos”. O Centro Operário Campo-Maiorense,
sindicato ligado à política varguista, realizava o Dia do Trabalho com ajuda da
banda da prefeitura.
O patriotismo era exaltado no
Hino Nacional, no hasteamento da Bandeira, no repertório da banda municipal,
nos uniformes dos músicos e dos estudantes. Uniformes de inspiração militar. O
Ginásio Santo Antônio montou um coral só para cantar o Hino Nacional, criação
da professora Valmira Napoleão.
O prefeito Francisco Alves
Cavalcante, construiu em 1933, a praça Rui Barbosa com coreto, em que a banda
municipal apresentava-se duas vezes por semana. Às quintas e no domingo. A
banda embalava o som da mocidade e dos enamorados da praça. A Rui Barbosa era o
principal point dos jovens.
A banda municipal teve progressos
e retrocessos. Enquanto esteve no poder, Francisco Alves Cavalcante a manteve
no auge. Chico Alves entregou a banda ao comando do maestro-regente José
Cardoso da Silva. Buscou recursos e solicitou instrumentos usados da banda da
Política Militar do Piauí para a da prefeitura.
Na administração seguinte, o prefeito Raimundo Ney Baumann, devido à
pouca habilidade política e a incapacidade de dialogar com os músicos, a banda
foi quase extinta.
Esta foto é da Banda de música da prefeitura de Campo Maior e não a corporação musical Lyra de Santo Antônio como afirmam alguns saudosistas frequentadores do antigo Bar Santo Antônio, onde a mesma encontrava-se exposta numa galeria. As bandas municipais eram as únicas bandas civis permitidas a usarem uniformes semelhantes ao militares.
No Brasil, o Jazz ganhou características
próprias. As bandas brasileiras regionais influenciadas pelo Jazz
norte-americano, tanto na canção como na maneira de tocar formaram suas Jazz
Band. A “Jazz Band de Campo Maior” teve um sucesso meteórico. Tocou em várias
cidades piauienses. Foi chamada para participar do 6º aniversário do Estado
Novo em Teresina. O grupo era composto pelos seguintes músicos: Francisco
Andrade Carneiro (cearense, maestro-regente da banda), José Correia Jardim
(diretor da banda), Luís Correia Jardim e Alfredo Pereira da Silva
(pistonista). O Jazz teve uma boa aceitação entre o público campo-maiorense.
Além da “Jazz Band de Campo
Maior”, músicos independentes realizavam shows de jazz na cidade. O boêmio Raimundo Curripião
Proquet, baterista e músico, sempre que chamado realizava festas dançantes no
cabaré da Izabelona ao som de jazz. O cabaré da Izabelona, localizado no baixo
meretrício da cidade, era um dos locais mais movimentados da noite
campo-maiorense por conta das badaladas festanças sob os mais diversos gêneros
musicais. Muitos sanfoneiros
apresentavam-se também no “palco” do cabaré. Forró, jazz… O bordel da Izabelona
era um espaço democrático e de muita animação. Havia festas praticamente todos
os finais de semana no lupanar da dona Isabel. Durante a semana, as noites
ficavam animadas ao som da radiola.
Na gestão do prefeito Raimundo
Nonato Monteiro de Santana a despesa com a banda municipal não passava de Cr$
6.000,000. O recurso público destinado à banda ficou estagnado durante a década
de 1950. Com recurso reduzido, o conjunto musical foi definhando. Percebendo a
necessidade de criar mais uma banda de música na cidade, Antônio Bona Neto,
popular Antônio Músico, decidi formar de modo espontâneo a corporação musical
Lyra de Santo Antônio. Segundo o cronista Irmão Turuka, a Lyra era composta
inicialmente pelos seguintes membros: Oscar “o nico” (Saxofone), Miguel Rosa e
Luís Lima (Clarinete), Luís Neves da Silva (Trompete), Antônio Moreira
(Bombardino), Gentil “o perneta” (Contrabaixo) Antônio Zumba (Trombone) e
Marcos Oliveira, “ boi laranja” (Compasso).
As informações que temos sobre a corporação musical Lyra de Santo Antônio são de que a mesma fora criada por Antônio Bona Neto, apelidado de Antônio Músico, filho do músico e compositor Honório Bona Neto. Seu pai criou o primeiro coral da Catedral de Santo Antônio. As informações sobre a Lyra são relatos orais. Formada por músicos amadores, o conjunto teve uma experimentação musical de curta duração. Ela acabou sendo incorporada ao patrimônio público da banda municipal. Os custos para mantê-la eram altos. Foi louvável a iniciativa de Antônio Músico em querer manter um grupo musical, mesmo que de modo improvido.
Os dias de apresentações da corporação musical eram as tradicionais quintas e domingos. A Lyra era composta por músicos profissionais e amadores. Passado a fase de improvisação, ingressa no quadro da corporação experientes músicos como o maestro José Cardoso da Silva, os irmãos José e Luiz Correia Jardim, Antônio Catita e Benedito João de Maria.