sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Comentando o livro de José Ataíde: “Reminiscências de Minha Vida” (2020


 

Experimento a alegria de revisitar a “Terra dos Carnaubais” com o nóvel escritor José Ataíde que relembra com simplicidade, realismo, irreverência, autenticidade e às vezes, com um jeito assim “picante” derramando sentimento e arte no texto que mais parece de um veterano escritor. Desfilam na memória e invadem o coração do leitor os atributos literários revelados neste “drama histórico” de beleza e leveza singular,  de encantamento com vida, com personagens parentais que amam e são amados, estão vivos, são imortais. E neste passeio textual, ao revisitar Campo Maior de outrora, voltei a Avenida Zé Paulino, da qual guardo boas recordações. O leitor vai certamente, se deliciar com o cotidiano plenamente campomaiorense nas: Reminiscências de uma vida plena de bênçãos e realizações e nela está escrito: “A vitória de nossa trajetória está alicerçada na família, carinho e amor de nossos netos: Isaac, Heitor, João, Lorenzo, Isadora, Bento e quem mais vier”.

 

Sobre o Prefácio que é o olhar sábio, experiente. A obra é enriquecida com o notável prefácio do amado escritor campomaiorense Elmar Carvalho, que entre suas afirmações, está a contribuição de José Ataíde à historiografia genealógica do Piauí, na referência às famílias Costa e Veloso. Conclui o prefácio: José Ataíde,  espargiu o bem em sua vida digna e honrada.

  

                                                         Teresina, 29 de outubro de 2020

 

                                                            Sílvia Maria Melo de Sousa

quinta-feira, 29 de outubro de 2020

Live Piaguiense entrevista Elmar Carvalho

 



Para o quinto episódio da série Live Piaguiense, O Piaguí traz para um descontraído bate-papo o escritor Elmar Carvalho, que fará um traçado sobre sua vida e obra. A live será nessa sexta-feira, 30 de outubro, a partir das 19 horas, através do perfil @o_piagui no Instagram. Não percam! 


#opiagui #live #livepiaguiense #batepapo #elmarcarvalho       

TRÊS POEMAS DE WELITON CARVALHO

Fonte: Pixabay/Google


TRÊS POEMAS DE WELITON CARVALHO

 

CASO DE INTERNAÇÃO

 

                                          a Elmar Carvalho

 

Recebi um vídeo pelo whatsapp segundo o qual os psiquiatras alemães

esclareciam que estavam sendo inundados por telefonemas dos clientes

e que neste tempo de pandemia é perfeitamente normal as pessoas

             conversarem com paredes, flores e tantos outros objetos

e que só deveriam procurar o serviço psiquiátrico se as paredes, as flores

                           e os outros objetos responderem.

               Sinto que meu caso já é de internação, pois há anos

as folhas, as flores, as portas e as paredes adoram puxar conversa comigo.


          INFÂNCIA

 

                a Tereza Bom-fim

 

Era um tempo que (...)

minha cidade o mundo,

os meninos seres eternos;

os adultos eram tão altos:

crianças que cresceram.

 

A lua, a casa de São Jorge.

 

Era um tempo (...)

um menino e uma bola;

uma moça e uma flor.

 

Era um tempo (...)

acreditava no menino,

na bola, na moça e na flor.

 

Era um tempo que

           (...)

     acreditava.


                                ABSTRATO

 

Sento na beira dos sofás dos ricos e nem sei manejar um talher,

acordo antes do sol, como depois de todos e apenas vou fluindo

sem saber da crise existencial, sem opinião, mas com direito a voto;

conheço bem os atos mecânicos e limpo com cuidado a cristaleira:

       uma peça dessas ao chão e lá se vai o salário do mês inteiro.

 

Moro em uma invasão nos arrabaldes da cidade sem água nem luz,

divido a propriedade e a miséria: assim dizem que é no comunismo.

Sei das longas filas e de todos os serviços precários do governo:

meus filhos frequentam escolas abjetas onde se esmerila o vazio:

ali fazem a dura opção: mercado informal ou tráfico de drogas.

  (aprendem sobre livre mercado, concorrência e liberalismo).

 

Espero o domingo para dormir e nunca sonho: a vida é urgência.

Ocupo economistas, filósofos, sociólogos e até alguns poetas:

      a todos eles sou um enigma – por vezes me tangenciam:

             uma bruma, uma névoa, outros sinônimos.

 

Eu sou aquilo – que por falta de outro nome – se chama povo.    

quarta-feira, 28 de outubro de 2020

Três poemas de Daniel Blume

 

Fonte: Google

TRÊS POEMAS DE DANIEL BLUME


Refluxo

  

Paciência cansada

do refluxo engolido,

da resposta omitida (ou contida).


Mediocridade calada

por um coletivo

acomodado e sedento.


Livros mofados,

ventiladores de ácaros,

no calor com goteiras.


No centro do poder,

pó, ferrugem,

fios, rachaduras e buracos.


Clamor esquecido,

desaforo erguido,

humilhação erigida.


Estratégia que venha,

paciência que vai,

no refluxo da vida.

 

Náuseas

 

Enjôo.


Inimigos e amigos reunidos,

amigos e inimigos ligados;

amigos-inimigos,

inimigos-amigos.


Verso reverso

de quem é quem,

ou de quem versus quem?


Entre favores esquecidos

ou cobrados,

a cinza impera

e se impetra o cinza.


Assim (dizem)

é o efeito

do sim.


Vômito.

 

Sem asas


Cresceu, cessou, cedeu e secou,

como árvore seca sem folhas.


É abacate sem poupa;

ameixa sem doce;

anta sem mato;

abajur sem lâmpada;

arco sem íris;

Aurélio sem letras;

abolição sem escravos;

abraço sem colo;

aperto sem força.


Adulto é a criança que nasce, cresce, seca e morre.

Anjo sem asas, como nós

domingo, 25 de outubro de 2020

Seleta Piauiense - Paulo Machado

 

Fonte: Pinterest/Google


O Rio


Paulo Machado (1956)

 

                   ao poeta Cineas Santos

 

preciso urgentemente escrever um poema!

   

que os versos sejam vorazes,

lembrando do rio de minha cidade,

comendo as pedras do cais.

 

 mas como escrevê-lo?

 

 como domar o rio de minha cidade

 à condição de poema?

  

o rio de minha cidade não pede adjetivos,

principalmente recusa os que o tornam abstrato.

 

o rio de minha cidade é um rio migrante,

Por que aprisioná-lo no corpo de um poema?

 

o rio de minha cidade guarda em suas entranhas

o orgulho do homem sozinho.

 

o rio de minha cidade é água viva na carne,

água pesada na memória.

 

o rio de minha cidade é torto

como uma cicatriz

fazê-lo reto seria contradilê-lo

 

vivê-lo, petrificá-lo nas retinas

esquecê-lo, jamais

 

preciso urgentemente escrever um poema!   

sábado, 24 de outubro de 2020

UMA POÉTICA DE SUTILEZAS

Poeta Daniel Blume




UMA POÉTICA DE SUTILEZAS


SALGADO MARANHÃO

Poeta


Seguindo sua remota vocação para o exercício da poesia, o Maranhão é hoje um portento de possibilidades literárias em curso. Uma safra de bons poetas se espalha por todo o Estado, beneficiada pelo fácil acesso às obras dos grandes autores, decorrente das bênçãos da comunicação atual.


Da segunda metade do Século XX para cá, numa única geração, quatro dos grandes nomes da moderna poesia nacional surgiram em solo maranhense: Ferreira Gullar, Nauro Machado, Bandeira Tribuzi e José Chagas, que, embora sendo natural da Paraíba, construiu sua obra no Maranhão. 


Na esteira desse legado, cresce agora essa leva de novos talentos, entre os quais Daniel Blume, que, em seu livro mais recente — DELAÇÕES —,  pratica uma poética de sutilezas, espelhada em múltiplos temas e abordagens sintáticas, que vão das querelas da vida cotidiana ao amor conflitante; do existencial  à atmosfera zen do hai kai: "Sob camadas de silêncio/houve um amor/cuja ausência/lhe faz companhia." Ou ainda, no poema "Poliglota", captando o excesso na deficiência de ser, onde o ato de comunicar-se esbarra na mudez: "Escapa dos verbos/na solidão./ Em todas/as línguas/ é fluente em silêncio."


O livro de Daniel Blume se propõe a ser uma coletânea, não um poemário encerrado numa unidade temática. Assim, o leitor encontrará desde os poemas de viagens — motivados por suas andanças em Portugal (‘nas ruelas do Bairro Alto/das noites vivas de Lisboa.’) — aos inspirados na sua própria São Luís.


Noutro viés, o poeta, ancorado em sua vivência no mundo jurídico, infere sobre os interstícios do poder: "Nas conjecturas políticas/tudo pode escorrer/inclusive nada".


Enfim, o que nos arrasta ao vício da poesia, é seu carisma intrínseco de dar ordem ao caos, de nos converter à sinergia dos contrários; porque, “Mesmo na água/tudo é fogo".   

quinta-feira, 22 de outubro de 2020

Apresentação de Diário Incontínuo



DIÁRIO

[Apresentação de Diário Incontínuo]

Elmar Carvalho

22/10/2020 

Tendo tomado a decisão de publicar meu Diário Incontínuo, ao menos como “volume” virtual ou e-book, dediquei os últimos dias a lhe fazer rápida revisão, pelo corretor ou editor do notebook, e algumas modificações formais, sobretudo criação de novos parágrafos, para tornar sua leitura menos cansativa e mais atraente ao meu possível e futuro leitor.

É possível que lhe faça a edição impressa. Por isso estou adotando as providências para a sua formatação e programação visual, bem como confecção de sua capa. Não terá memória fotográfica, pois será um volume um tanto encorpado, já que abarca cinco anos (2010 – 2014), no qual trato dos mais variados assuntos, sobretudo literários, artísticos, históricos e culturais.

Também lhe fiz a apresentação, uma espécie de breve ensaio sobre memórias e diários, que abaixo transponho para este outro Diário (em tempos de pandemia), que lhe guarda alguma semelhança:

 

APRESENTAÇÃO

Em 22 de janeiro de 2010 minha filha Elmara Cristina criou meu blog http://poetaelmar.blogspot.com, e nesse mesmo dia nele eu publicava as primeiras matérias. Com a sua criação, me senti estimulado a continuar  escrevendo o meu Diário Incontínuo, porque tinha a perspectiva de publicação virtual imediata.

Assim, no dia seguinte, postei o primeiro registro desta obra diarística, datado do dia 17, em que me referia a um velho boêmio da vizinhança, dono de um boteco, que veio a falecer poucos anos depois.

No início, escrevia dois ou mais textos por semana, mas na sequência diminuí para um, excepcionalmente dois. Às vezes, alguns desses registros tinham mais de um tema, que eu separava por asteriscos. Também no princípio fiz essas anotações em um só bloco, isto é, sem dividi-las em parágrafos.

Há momentos de desânimo, de falta de estímulo e, talvez, de assunto e da chamada inspiração, em que não se sabe ao certo se a obra valeria a pena. Sobre esses momentos de marasmo e calmaria, vejamos o que disse Sully Prudhomme, vencedor do Prêmio Nobel de 1901, em seu Diário Íntimo: “Há dias que não cuido de meu diário. Falta-me energia ou, melhor, não acho que o resultado valha dispêndio de energia.”  

Mais adiante, resolvi fazer a divisão em parágrafos, para torná-las uma leitura menos cansativa e mais atraente ao leitor. Já então eu havia lido várias obras memorialísticas e o Diário Completo de Josué Montello, em dois volumosos tomos, de mil e tantas páginas cada um. Obra primorosa, feita por um estilista à Machado de Assis, que tinha o que contar e sabia contar, ainda mais por ser um grande romancista. Resolvi adotá-la como paradigma, embora não estando eu à altura, como é óbvio, do notável escritor.

Vi outros Diários, ao menos em simples folhear, mas não me foram inspiradores. Uns eram refertos, quase sempre, de elucubrações filosóficas, digressões abstratas, quase apenas tentativas de trazerem para a escrita pensamentos de alta abstração ou sobre sentimentos, que a meu ver interessariam a pouquíssimos leitores. Outros, continham notas muito superficiais, beirando a banalidade, o trivial.

Recentemente, dei uma boa olhada, quando este livro já estava concluído há alguns anos, em O Diário de Florença, do poeta Rainer Maria Rilke. Contudo, apesar da beleza de seu estilo, percebi que ele se detinha muito em comentários sobre obras de arte, de maneira muito profunda e por assim dizer de forma um tanto abstrata, numa análise que me pareceu um tanto impressionista, se é que não estou incorrendo em alguma heresia. Seja como for, não me foi útil, tanto porque o meu Diário já se encontrava encerrado, como também porque não se coadunava com o que eu projetara.

No início de minha juventude eu havia lido Memórias, de Humberto de Campos, que considero uma das melhores obras em seu gênero, tanto pelo estilo do autor, como pelos seus relatos e pela coragem que ele teve de narrar certos fatos, que outra pessoa, mais tímida ou mais cheia de pudor, jamais o faria. Também havia lido alguns dos livros memorialísticos de Pedro Nava, e sobretudo havia lido com verdadeiro encantamento Confesso que vivi, de Pablo Neruda, que por vezes toma o formato de uma verdadeira prosa poética, mormente nos derramamentos e arroubos líricos do autor.

O escritor e historiador Fonseca Neto, meu amigo desde o final da década de 1970 e meu confrade na Academia Piauiense de Letras, em 15/10/2011, conforme o autógrafo, me presenteou com os dois volumes do Diário Secreto de Humberto de Campos, que li com sofreguidão e vívido interesse. Consta que ele recomendara que esse livro só fosse publicado alguns anos após sua morte.

O certo é que ele foi publicado de forma sequenciada pela revista O Cruzeiro, em 1950. O autor falecera em 5 de dezembro de 1934, aos 48 anos. Leio na orelha do volume I, editado pelo Instituto Geia em 2011, o seguinte: “Aqui será bastante referir que tal intenção afastava-se do espalhafato e do escândalo que o Diário provocou, quando começou a ser publicado, em partes semanais, na revista O Cruzeiro, em 1950”, portanto há mais de 15 anos após sua morte.

É que muitos acharam que o autor fora indiscreto e mesmo impiedoso ao relatar certos fatos, e que por isso mesmo fora ingrato com pessoas que o ajudaram, e de quem ele se dizia amigo. De qualquer forma, em seu Diário Secreto, Humberto narra fatos interessantes e mesmo escabrosos, acontecidos com parentes e com pessoas de sua amizade. Alguns eu considero verdadeiros contos da vida real, permeados, algumas vezes, por belas descrições e por digressões outras, em que tenta perscrutar intimidades e motivações.

Ao longo de quase toda a minha vida de literato, alimentei o desejo de escrever uma obra memorialística, mas nunca executei esse desiderato, embora muito tenha meditado sobre isso, e, de certa forma, me tenha preparado para essa empreitada, ao ler várias obras autobiográficas e de memórias, muito além das que citei acima.

Um diário, a rigor e em tese, pelo que sugere a sua própria classificação, deveria se voltar mais para o presente, ao passo que as confissões, as memórias e as autobiografias se voltariam mais para a narrativa de fatos pretéritos.

Mas, lendo os diários mais notáveis, verifiquei que esse gênero literário, conforme a habilidade e o talento do autor, bem se presta, ao ensejo de uma recordação, de um sonho, de uma conversa, de um acontecimento, de uma solenidade cultural e outras, bem se presta, repito, a evocar fatos de nossa própria vida, da vida de outras pessoas, de episódios pitorescos, singulares, jocosos, anedóticos, bem como a relatar uma conversa, um fato histórico, a comentar uma obra de arte, um livro, etc.

Dessa forma, ao longo de cinco anos (2010/2014), transpus para estas páginas muito da vida cultural, artística, literária e social do Piauí, motivado, como disse acima, por diferentes fatores. Narrei eventos artísticos e culturais, mormente os literários, comentei alguns livros lançados nesse período, me referi a personalidades literárias e históricas, algumas ainda vivas, outras pertencentes a um passado mais remoto. Sem dúvida, alguns desses registros são quase resenhas de obras literárias e breves perfis biográficos, embora recheados de outros ingredientes e condimentos.

O escritor, crítico literário e professor Cunha e Silva Filho, com a sua reconhecida argúcia e faro quase detetivesco, ainda bem no início da publicação sequenciada e internética do livro, percebeu e aplaudiu essa diversidade de interesses, pois postou o seguinte comentário no dia 13/02/2010:

“Por isso, gostei do seu comentário, revelador de um amplo interesse pelas artes em geral, e, no caso específico, pela escultura e suas implicações com movimentos de vanguardas que deixaram marcas indeléveis nas múltiplas formas de criação artística. Sei também quanto aprecia a pintura, um Dalí, por exemplo. Não é verdade, amigo? Explore bem esse lado de crítica das artes, lhe cabe bem. Boa surpresa do seu intelecto.”

Devo esclarecer que, em face da possibilidade de publicação por um desses programas governamentais, não pude me deter numa outra revisão mais rigorosa, e nem tive tempo de contratar um revisor profissional, que corrigisse os erros gramaticais, que certamente terei deixado escapar em revisões anteriores. Peço que o leitor me perdoe esses quase inevitáveis senões.

Quis que este Diário tivesse algum valor literário, mas não serei cabotino a ponto de afirmar que o consegui; apenas posso dizer que muito me esforcei para alcançar esse objetivo. Assim, procurei dar uma certa dignidade ao meu estilo, à minha linguagem, e procurei me afastar, o quanto pude, de trivialidades, de banalidades, conquanto tenha procurado registrar alguns fatos anedóticos, engraçados, como disse.

A propósito de estilo, disse Susan Sontag em seus famosos Diários (1947 – 1963): “Na verdade, o estilo é que é importante. O estilo seleciona o enredo.” Não sei se a estilística poderia chegar a tanto. Mas, com certeza, é o estilo que lhe dá mais elegância, que torna o entrecho mais atraente e prazeroso.

Como os assuntos são bastante diversificados, e cada texto forma uma unidade própria, que pode ser lida de forma independente e aleatória ou salteada, se eu fizesse uma divisão temática, essas crônicas poderiam formar vários livros, conforme a sua organização e projeto editorial. Mas, aqui, vão publicadas em volume único, e seguindo a ordem cronológica original, porque assim as concebi e projetei.

Por outro lado, talvez fosse interessante esse livro tivesse um índice onomástico, pois são várias centenas as pessoas nele citadas, mas pela urgência referida no parágrafo anterior, e pelo trabalho que isso demandaria, tal não foi possível nesta edição. Contudo, ele também será publicado como e-book, e isso, de certo modo, dispensa esse tipo de índice, pois facilmente o leitor localiza em seu dispositivo de leitura a pessoa que deseja pesquisar.

Em resumo, embora mantendo, assim espero, o formato de um diário, na realidade o que fiz mesmo foi uma sequência de crônicas, durante esses cinco anos, de diferentes tamanho e conteúdo, e se referindo aos tempos atuais e a tempos remotos, idos e vividos.

Algumas poderiam ser consideradas memorialísticas, confessionais, narrativas, contos, “causos”, críticas, breves ensaios, comentários, depoimentos, sonhos, devaneios ou simples relatos de fatos recentes ou antigos, alguns históricos.

Contudo, nenhuma poderia ser rotulada de ficção.   

quarta-feira, 21 de outubro de 2020

Espetáculo serrano




Espetáculo serrano 


Carlos Rubem

Articulista e cronista 


Parece que foi ontem o falecimento do Joca Oeiras (01.11.1947 - 09.11.2017), vítima de complicações respiratórias.


Nestes 03 anos de encantamento, a lembrança do “Anjo Andarilho” me é recorrente. Interessante é que muita gente ao me ver desperta a lembrança dele.


O nosso relacionamento fraternal durou 15 anos desde o dia 27 de dezembro de 2002 quando nos conhecemos no Café Oeiras, data  da sua chegada em nosso meio. Apaixonou-se pela cidade e sua gente. 


Deixou sua terra natal, São Paulo, e veio morar no Piauí. Abandonou o emprego, vendeu imóveis, fixou-se em nossa terrinha.


Formamos uma dupla de sonhadores. Encampamos muitas batalhas de interesse coletivo. Promovemos e participamos de muitos eventos culturais. Viajamos muito Piauí afora.


Porém, em julho de 2008, fomos assistir ao Festival de Música, em Viçosa, Ceará, cidade encravada na Serra da Ibiapaba. Naquele ano se celebrava o cinquentenário da Bossa Nova.


Informaram-nos que no interior daquele município havia várias fábricas de cachaça caseira e atrativos naturais, cachoeiras... Deram-nos as coordenadas.


Na minha velha Blazer, fomos conhecer estes pontos turísticos. Joca curtia uma bruta ressaca. Estava com sono. Nem havia tomado café. 


Logo que deixamos o perímetro urbano, deparamo-nos com uma indizível paisagem. Ao lado esquerdo da pista de rolamento, grande penhasco donde brotava esguichos d’água.


Estacionei o carro no acostamento. Peguei minha máquina fotográfica para registrar aquele belo cenário serrano. Extasiado com o que descortinava, ouvi estridente buzina de carro.


Quando volvi meu rosto, deparo-me com um fato inusitado. Joca, completamente nu, tomava banho à margem da estrada.


Cidadão espaçoso, espandongado, continuou a banhar indiferente à reação daqueles que por lá trafegavam. Os passageiros de um lotado ônibus que subia vagarosamente ladeira acima fizeram a maior algazarra. Seus celulares foram acionados. Ri muito daquela palhaçada!


Perder um amigo dói muito...

terça-feira, 20 de outubro de 2020

Sobre Poetas

Escultura de Braga Tepi

Sobre Poetas


Claucio Ciarlini


Imaginação (tão abstrata) que se junta à tinta (altamente concreta)

Casamento perfeito, união reveladora (simbiose)

De talentos, de histórias, de momentos


Percorrem as mais variadas linhas, que antes pareciam

Tão retas, claras, objetivas (razão acima de tudo e com tudo)

E agora… Agora se misturam ao torto, ao obscuro, ao subjetivo (sentimento)


É a criança deixando de ser a mesma, para se perceber: jovem

É o jovem se permitindo ser tudo e tanto mais: até criança


Escrevendo


Em meio a tantos gritos e dizeres, problemas e confusões,

Catástrofes, inundações, reflexões a degustar!


Sobre


Amores: do mais sublime ao mais avassalador

Platonismo exacerbado, enquanto espera à hora certa de falar

Dor, na alma, no coração, muito além do que o corpo poderia suportar


Um fechar de olhos para o novo, sem olhar para trás

Um saltar no escuro da contradição, despejando termos, rimas e confissão

Um reviver de sonho, que espera, a cada novela, o mais doce das ilusões


Um peito traído que faz do mais penoso tormento: criação

Um olhar dirigido (e até crítico) aos problemas do seu lugar (para quem lhe rodeia)

Um ouvido atento, na busca de um sorriso em meio a milhares de lágrimas


De tudo isso, e um tanto, é que humildemente se faz

Aquele que traz na vida, a missão: de provocar os nossos sentidos


Sim, é ele, o poeta, e ninguém mais.


                   2013

segunda-feira, 19 de outubro de 2020

ORGULHO DE SER PIAUIENSE

Fonte: Google/Wikipédia


ORGULHO DE SER PIAUIENSE


Carlos Henriques de Araújo

Membro da UBE-PI

 

Não somos melhores nem piores do que ninguém. Somos nós, simplesmente. À nossa maneira, com nossas limitações, nossas riquezas, nosso potencial e, principalmente com nossa força de vontade. Os piauienses resistem a todas as dificuldades que lhes são peculiares, e a outras, que lhes foram impostas no decorrer de várias décadas por razões as mais diversas: históricas, políticas, geográficas, sociais e econômicas.

 

Hoje, o Piauí assiste ao crescimento de seu povo, da sua economia e de suas potencialidades turísticas, agrícolas, econômicas e culturais. O Piauí não é mais o estado mais pobre do Brasil, embora exista ainda muita pobreza, por falta de políticas econômica e social mais eficientes, de governos e empresários compromissados com o social e de uma sociedade civil mais organizada.

 

O Piauí é um estado rico em potencialidades e em oportunidades. É o estado que tem a menor faixa litorânea, mas, assim como nos pequenos frascos estão os melhores perfumes, no seu pequeno litoral estão as praias mais bonitas do Brasil, de águas claras e mornas, de areias brancas e sem poluição, recheadas de belezas naturais, com ventos adequados para prática de esportes náuticos e geração de energia eólica. Nele desemboca o rio Parnaíba, o maior delta em mar aberto das Américas e o segundo maior do mundo com 85 ilhas de praias paradisíacas.

 

No Piauí, o sol do equador brilha mais forte e seu calor proporciona um clima tropical saudável, propenso ao cultivo de frutas tropicais para exportação, e à produção de mel de abelha, com floradas o ano inteiro. Seu solo é ótimo para o plantio de mamona matéria prima utilizada na produção do biodiesel. Foi o primeiro estado do Brasil a desenvolver esta tecnologia. Seu subsolo foi aquinhoado com os maiores lençóis freático do país, quiçá do mundo.

 

O Piauí tem o maior rio genuinamente nordestino, inúmeras barragens, lagoas propícias para projetos agrícolas de irrigação, piscicultura, carcinocultura e lazer. É recordista na produção de grãos. É o maior produtor de cera de carnaúba do mundo. É o segundo maior produtor nacional de mel de abelha, e tem um dos maiores e melhores rebanhos de caprinos do Brasil.

 

Na medicina, é uma referência para o Norte e Nordeste. Na cultura, é o berço do homem americano, tem a melhor escola do ensino médio do país e um pólo de ensino superior com uma excelente estrutura. Recebe estudantes de todo o Meio Norte, que sobressaem nos concursos públicos pelo Brasil afora.

 

O Piauí é uma terra de artistas: músicos, intelectuais, artesãos, humoristas, escritores, poetas, jornalistas e pintores de renome nacional e internacional, como Carlos Castelo Branco, mestre Dezinho, Evandro de Lins e Silva, Da Costa e Silva, H. Dobal, Mario Faustino, Torquato Neto, Nonato, Gerson Castelo Branco, João Cláudio Moreno, Clodô, Climério, Luís Paiva, Lina do Carmo e muitos outros.

 

Se não bastasse este acervo cultural de outrora, o Piauí foi vencedor do concurso miss Brasil, teve um colégio eleito como um dos melhores do Brasil, e sua Cajuína como a melhor do Brasil.

 

Foi considerado o berço do homem americano e o maior produtor de Opala no mundo. Teve o maior Neurocirurgião do Brasil e foi destaque nas olimpíadas de matemática e sua escola em Cocal dos Alves, foi recordista em medalhas nesta mesma olimpíada.

 

O Piauí conta hoje com o maior parque eólico do Brasil, teve a primeira judoca a ganhar medalha de ouro numa olimpíada e o maior YouTube do Brasil. Tem o juiz federal mais jovem do Brasil e uma das modelos mais poderosas da atualidade que faz parte da Victoria Secrets. E uma de suas escolas conseguiu o maior ranking no ENEM  -  o Instituto Dom Barreto.

 

Teresina, sua capital é uma cidade abraçada por dois rios: o Parnaíba, que nasce na Serra das Mangabeiras, na fronteira com o Estado de Tocantins é o segundo maior rio do Nordeste, depois do São Francisco; e o Poti, saído da Serra da Joaninha, no Ceará, como um pequeno filete d’água que vai tomando corpo, atravessando chapadas e cânions, até se encontrar com o Parnaíba no bairro Poti Velho, no fenomenal Encontro das Águas.

 

Ela nasceu urbanisticamente moderna. Foi uma das primeiras cidades do Brasil em que o projeto chegou antes da ocupação do espaço urbano.  A Chapada do Corisco, como ficou conhecida, começou a ser traçada, a partir de 1852.

 

No extremo norte, repousa tranquila e mimada pelas águas do rio Igaraçú, a linda cidade de Parnaíba, um potencial turístico com 24 km de litoral e principal braço do delta, que aguarda de braços abertos os turistas.

 

A cidade já teve seus tempos áureos, foi a fortaleza da economia piauiense. Hoje, seus monumentos históricos são testemunhos desta época. Seu conjunto arquitetônico é um espaço cultural de inestimável valor, cuja restauração assegurou ao povo piauiense e aos seus visitantes a preservação de sua memória e do Estado.

 

O Piauí não é só Teresina e Parnaíba, tem outras cidades bonitas e com pessoas maravilhosas, trabalhadoras e determinadas em pleno desenvolvimento, apesar da “crise econômica” por causa da pandemia do Coronavirus que o país passa, e também como consequência desses governos desastrados nos últimos dez anos.

 

Próximo da capital, as cidades de Piripiri, Campo Maior, Picos e Floriano tem indústrias, comércio e prestação de serviço. Na parte sul, várias cidades em pleno desenvolvimento, atraindo grandes empresários do sul do país para a plantação de soja, instalação de usinas eólica e exploração de minérios. 

 

Parabéns Piauí por mais um ano participando do crescimento deste Brasil querido e amado por todos nós.

Leituras compartilhadas: Mário Faustino


 

BARRAS DAS SETE BARRAS


 Republicado em virtude de haver sido reeditado, com maior resolutividade das imagens.

domingo, 18 de outubro de 2020

Seleta Piauiense - Paulo de Athayde Couto

 

Fonte: Google

Estilhaços


Paulo de Athayde Couto (1956)


Sinto a tristeza

Em cada olhar.

Sinto a loucura 

Em cada gesto e

O medo de gritar.


Morre o grito

Na garganta

De cada um.


Olhar acrílico,

Olho no olho,

Dente por dente.

Estilhaços de ideias,

Esfacela e mata.


Um ser vagamente

E se perde.

Infinitamente.

No íntimo, 

O vazio total.

sábado, 17 de outubro de 2020

Gogó de Sola

 


Gogó de Sola


Pádua Marques

Romancista, cronista e contista

 

Pouco mais uns minutos das oito da manhã e Raimundo Isidoro Castro, o Gogó de Sola, vindo dos Tucuns, já estava na porta do Hotel Carneiro esperando que um hóspede que ele sabia ter vindo do Rio de Janeiro, saísse do quarto pra que naquela conversa demorada e com a voz grossa que lhe deu o apelido de fama, fosse pedir um obséquio. Que o ilustre levasse umas cartas suas pra Rádio Nacional e a Mayrink Veiga pedindo atenção nas letras de suas composições aos cantores de maior sucesso.

Aquilo era coisa que fazia toda semana, bastando saber que alguém dos lados de lá estava em Parnaíba. Naquele ano de 1941 existia uma guerra na Europa, Parnaíba ainda fazia grandes negócios e fortunas com a cera de carnaúba, babaçu e o couro de boi, mas seus comerciantes e industriais estavam ficando com medo. Os invernos davam trabalho ao prefeito Mirócles Veras e a Rádio Educadora continuava sendo o desejo daqueles que procuravam fama.  Gogó de Sola continuava tentando a sua.

Era um sujeito de boa estatura, cara de gavião, escuro, cabelos lisos à custa de brilhantina. Andava sempre elegante, embora pobre, vestido de camisa de cambraia e calça de linho branca, cinto passado, sapatos lustrados e um paletó, mas sem a gravata. Vivia pelo centro, desde o Hotel Carneiro, Hotel Parnaíba, a pensão de Nagib, o Cine Éden, a Casa Inglesa e o estabelecimento de seu Ranulfo Raposo, na rua Grande.

Toda aquela elegância de Mundico Gogó de Sola tinha um destino. Ele era seresteiro e junto com outros colegas desocupados, o Bené Euclides, os irmãos Tião Sidó e Genésio, vindos da Guarita, eram de varar as noites e as madrugadas de sábado pra domingo tocando violão de porta em porta. Coisa paga.

Juntava gente e as moças mandando bilhetes com os nomes daqueles rapazes que elas queriam dedicar as músicas de Sílvio Caldas, Luís Barbosa, Pixinguinha, Carlos Galhardo, cantores da Rádio Nacional e da Mayrink Veiga. E a fama de Gogó de Sola e seus pariceiros alcançou Buriti dos Lopes, Cocal, Bom Princípio, Barra do Longá, Araioses, João Peres e a Tutóia no Maranhão.

Gogó de Sola e seus colegas eram chamados pra se apresentar até nas casas de gente rica da Nova Parnaíba, da rua Grande e nas chácaras mais distantes, em aniversários, casamentos. Certa vez foram na casa de um industrial e foi tanta comida, tanta bebida, presentes, uma moeda maior aqui e acolá que até deu pra levar pra casa. Os outros mais acanhados, que nunca haviam visto fartura na vida, bebidas e comidas finas, acabaram deixando de mão. Ele não. Pediu um saco na cozinha e levou o que deu, até peru assado! Passou três dias comendo e dando de comer pra mulher e o menino pequeno, aquele que comia barro atrás de casa!

Os comerciantes do centro de Parnaíba não gostavam porque ele, Gogó de Sola, com aquela voz alta e grave e a mania de ser artista, acabava tirando a atenção dos fregueses e dos caixeiros. Um dia até que veio propor a seu Miguel Carcamano uma apresentação no Cine Éden, mas o sírio exigiu um monte de coisas, firmas que fizessem reclames pra garantir a bilheteria. Mas a história era outra. Sendo artista de subúrbio, pouco ia levar gente pra comprar ingressos e ele não estava dando murro em ponta de faca naquele exato momento.

Gogó de Sola bateu perna em tudo quanto foi firma grande de Parnaíba, mas todas elas bateram a porta na cara dele. Como vingança ficou dois dias no coreto da praça da Graça cantando suas composições e com pilhérias, desaforos, xingando todos eles, aqueles agiotas, unhas de fome,  cornos, filhos dessa e filhos daquela! Um comerciante da rua Grande foi até o chefe de polícia e pediu providências duras. A ordem foi que o artista maneirasse ou podia se considerar homem preso por perturbação da ordem pública!

Fazia tempo que o chefe de polícia vivia se incomodando com aqueles sujeitos sem ofício. Sem ofício? Sim, porque aquilo era ocupação de gente? Cantar pelo meio da rua e incomodando as famílias de madrugada, não deixando ninguém dormir, desde a Guarita, Macacal, até a Nova Parnaíba e além do mais o mundo estava dentro de uma guerra na Europa e todo mundo já deveria estar se pelando de medo. Tinha ouvido dizer que quando fosse na hora do pega pra capar, muita gente iria chorar feito menino! Ouviu na Rádio Educadora!

quinta-feira, 15 de outubro de 2020

A primeira professora a gente nunca esquece




A primeira professora a gente nunca esquece 

Carlos Rubem 

No dia em que cheguei à casa do vovô Joel retornando do meu primeiro dia de aula do curso primário, em 1965, a minha tia Rita Campos, educadora que era, fez-me uma festa. Falei das minhas impressões da escola. Ela indagou-me qual era a mais bonita professora do “Costa Alvarenga”. Com toda sinceridade infantil, disse-lhe que não sabia dizer, mas a mais feia era Carolina Raposo!  Este fato é sempre lembrado no seio familiar.

A minha primeira professora foi a tia Cocota, Maria Reis Freitas, irmã do meu pai, Ditinho. 

Sentava, em dupla, bem na frente numa carteira pesada, larga. Ao meu lado, ficava o Aécio Nordman Lopes Cavalcante, meu compadre, poeta. Nunca me esqueci  o significado de “Pindorama” por ela ensinado: “É palavra indígena que quer dizer terra, lugar das palmeiras, nome como era inicialmente conhecido o Brasil”. 

Gostava de bater com uma régua de madeira sobre a mesa pedindo silêncio e na minha cabeça, vez por outra, por causa das minhas travessuras. Ai, como ainda dói... 

Nas datas cívicas, com o dinheirinho da "caixa escolar", distribuía para os alunos, em fila indiana, um pãozinho com recheio de goiabada. Uma vez, porque sobrou uma única guloseima, quis comê-la. Tia Cocota ralhou-me: “Não, este aqui é de um aluno que está doente, vou mandar levar na casa dele!”. 

Foi minha mestra do 1º ano “A” até o 2º, em 1967, época em que se aposentou. No final do ano, a Diretora do educandário público, Dona Sinhá Torres, e demais professoras, chegaram de surpresa no último dia de aula e, numa simples e tocante solenidade, prestaram-lhe uma homenagem. Houve cânticos. Tomei a iniciativa e pronunciei o meu primeiro discurso. E acho que me desincumbi bem desta tarefa, apresentei, em nome dos meus coleguinhas, meus agradecimentos, etc e tal. Fui ovacionado!

A partir do ano seguinte, 1968, quem assumiu a turma foi a professora Rosário Nunes Brandão.  

Na conclusão do curso primário, fiz questão de ter como madrinha de formatura a tia Cocota. Ela ficou radiante com meu gesto...

Hoje (15/10), dia consagrado aos Mestres, gostaria de expressar meu regozijo pelo transcurso desta data a todos os professores  avocando, como ora avoco, a memória da tia Cocota. 

Parabéns, minha primeira professora!  

quarta-feira, 14 de outubro de 2020

A BANDA MUNICIPAL DE CAMPO MAIOR NO CONTEXTO DA ERA VARGAS


Banda Municipal de Campo Maior criada na gestão do prefeito Francisco Alves Cavalcante– década de 1930. Chico Alves chegou a requisitar do governo estadual instrumentos usados da Banda da Polícia Militar do Piauí para a da prefeitura. Conforme determinava as normas do governo federal, todos os músicos devidamente uniformizados semelhantes aos fardões militares.


A BANDA MUNICIPAL DE CAMPO MAIOR NO CONTEXTO DA ERA VARGAS

 

Celson Chaves

Professor e historiador

  

Durante a Era Vargas (1930-1945), principalmente na fase do chamado Estado Novo, o presidente Getúlio Vargas fez uso da propagada para manter-se no poder. Ele não mediu esforço político e nem recurso público. Criou o Departamento de Imprensa e Propagada (DIP) para cuidar da imagem e ideologia do seu governo. A educação e a cultura sofreram forte intervenção política. Rádio, cinema, teatro, jornal, literatura e música estavam sob forte suspeição e fiscalização do governo federal. O regime usou a máquina de comunicação, a educação e a cultura para aproximar Vargas das massas.

 

Nesse contexto político nacional de tensão e censura, surge à banda de música da prefeitura de Campo Maior, criada na gestão do coronel Francisco Alves Cavalcante, com o objetivo de servir a população e de instrumento ideológico do nacionalismo varguista. A relação entre música e política é antiga. Em Campo Maior existe desde sempre.

 

A banda municipal de Campo Maior foi composta de músicos profissionais e amadores. Ela tocava nos grandes eventos e desfiles cívicos da cidade, como o 7 de Setembro, o 1º de Maio, Dia do Índio e de Tiradentes, nos aniversários do município e do presidente Getúlio Vargas. Os desfiles cívicos passavam por uma rigorosa supervisão do governo municipal. O evento solene era executado obedecendo à cartilha elaborada pelo Ministério da Educação e pelo DIP. O coronel Chico Alves, como era conhecido Francisco Alves Cavalcante, seguiu fielmente a política do DIP, fazendo da educação e da cultura campo-maiorense instrumentos de propagada política do governo federal.

 

A marcha cívica tinha como objetivo massificar o sentimento nacionalista na população e a banda de música servia a este propósito. A música encanta, educa e também aliena. Uma arma poderosa. O governo Vargas tornou o ensino de música obrigatório no Brasil. O compositor e maestro Heitor Villas Lobos foi o grande responsável pela instalação do programa nacionalista do governo federal por meio da música. Villas Lobos implantou o Canto Orfeônico no Brasil e compôs músicas patrióticas para escolas e eventos civis.

 

O desfile cívico de 1934 foi organizado obedecendo aos ditames do governo federal, a ponto da prefeitura produzir um “relatório” descrevendo os resultados do evento em Campo Maior para o interventor Federal Dr. Leônidas de Castro Melo: “Acusando a recepção do telegrama de V. Exª. sob o nº 400, de 6 do corrente mês, em que foi transcrita a recomendação do Sr. Ministro da Justiça, relativamente às festas comemorativas do dia 07 de Setembro, venho informar a V.Exª que nesta cidade foi esta grande data histórica da nossa nacionalidade, solenizada entusiasticamente, com a participação de todas as autoridades, classes sociais e do povo em geral” (Memorando de Francisco Alves Cavalcante para o interventor Federal Dr. Leônidas de Castro Melo, 8-9-1934).

 

Nessa parada cívico-militar, a banda municipal utilizava-se de repertório, uniforme e formação instrumental característicos de corporações militares para reproduzir as cerimônias nacionais que evocavam uma consciência nacionalista idealizada pelo regime Vargas. O hasteamento da Bandeira, discursos de exaltação ao nacionalismo e aos heróis da pátria, a execução do Hino Nacional, tudo era organizado conforme as orientações ideológicas do governo federal. A banda municipal era um incremento importante nessa cenografia ideológica.

 

“Uma conferência alusiva à comemoração às 7 horas da manhã, à praça Rui Barbosa, presente o prefeito municipal, o juiz de direito, o delegado de polícia, outras autoridades e inúmeras pessoas gradas; sob a direção das distintas educadoras do Grupo Escolar “Valdivino Tito” e da Escola particular “Maria Auxiliadora”, formava em alas, que estendiam por toda face oriental daquele logradouro público, os alunos daqueles estabelecimentos de ensino, devidamente fardados. Ao som do Hino Nacional, tocado pela banda municipal e cantado pelos estudantes, era içada a Bandeira Brasileira” […](Memorando de Francisco Alves Cavalcante para o interventor Federal Dr. Leônidas de Castro Melo, 8-9-1934).

 

Alunos do antigo Instituto, hoje Colégio “Leopoldo Pacheco”, usando fardamentos escolares semelhantes aos uniformes militares. Década de 1940.

Foto: http://bitorocara.blogspot.c/search?updated-max=2012-01-28T14:50:00-08:00&max-results=50

 

Alunos do antigo Instituto, hoje Colégio “Leopoldo Pacheco”, usando fardamentos escolares semelhantes aos uniformes militares. Década de 1940.

Foto: http://bitorocara.blogspot.co/search?updated-max=2012-01-28T14:50:00-08:00&max-results=50



A sonoridade e a expressividade ritmada da banda, o repertório sincronizado conduzia à multidão as homenagens aos heróis da pátria. Músicos perfilados e uniformizados remetiam as disciplinas e aos fardões militares. O patriotismo estava em alta em Campo Maior. O percurso utilizado pelo cortejo cívico era curto. Saia da praça Rui Barbosa em direção a prefeitura (praça Bona Primo). A história nacional era a principal fonte de inspiração nacionalista. Era um ato memorável as grandezas do passado.

 

 […] “Logo após, ao pé do Pavilhão Nacional, pronunciava o advogado Antonio da Costa Leitão, emocionante conferência acerca da magna data, descrevendo-a em todos seus empolgantes detalhes e rememorando os nomes dos grandes estadistas, promotores da nossa independência. Profunda foi à sensação deixada no espírito do povo pela linda e patriótica oração proferida pelo conferencista. […] (Memorando de Francisco Alves Cavalcante para o interventor Federal Dr. Leônidas de Castro Melo, 8-9-1934).

 

[…] “Em seguida, debaixo de respeitoso silêncio, comigo, prestou o povo, ‘juramento à Bandeira’ conforme as instruções do seu telegrama”[…].

   

[…] “Ainda a meu convite, acompanhou o povo a transposição da Bandeira Nacional, conduzida por quatro alunas do Grupo Escolar e seguida dos demais alunos em forma, para o prédio da prefeitura municipal, em cujo mastro, ao som do Hino Nacional e de cantos patrióticos, foi erguido o “auriverde”, sob os vivas aplausos da multidão”. […] (Memorando de Francisco Alves Cavalcante para o interventor Federal Dr. Leônidas de Castro Melo, 8-9-1934).

 

A banda municipal teve papel crucial em todo o percurso. Levantava a moral e o ânimo da multidão “ao som do Hino Nacional e de cantos patrióticos”. O Centro Operário Campo-Maiorense, sindicato ligado à política varguista, realizava o Dia do Trabalho com ajuda da banda da prefeitura.

 

O patriotismo era exaltado no Hino Nacional, no hasteamento da Bandeira, no repertório da banda municipal, nos uniformes dos músicos e dos estudantes. Uniformes de inspiração militar. O Ginásio Santo Antônio montou um coral só para cantar o Hino Nacional, criação da professora Valmira Napoleão.

 

O prefeito Francisco Alves Cavalcante, construiu em 1933, a praça Rui Barbosa com coreto, em que a banda municipal apresentava-se duas vezes por semana. Às quintas e no domingo. A banda embalava o som da mocidade e dos enamorados da praça. A Rui Barbosa era o principal point dos jovens.

 

A banda municipal teve progressos e retrocessos. Enquanto esteve no poder, Francisco Alves Cavalcante a manteve no auge. Chico Alves entregou a banda ao comando do maestro-regente José Cardoso da Silva. Buscou recursos e solicitou instrumentos usados da banda da Política Militar do Piauí para a da prefeitura.  Na administração seguinte, o prefeito Raimundo Ney Baumann, devido à pouca habilidade política e a incapacidade de dialogar com os músicos, a banda foi quase extinta.

 

Esta foto é da Banda de música da prefeitura de Campo Maior e não a corporação musical Lyra de Santo Antônio como afirmam alguns saudosistas frequentadores do antigo Bar Santo Antônio, onde a mesma encontrava-se exposta numa galeria. As bandas municipais eram as únicas bandas civis permitidas a usarem uniformes semelhantes ao militares.


O prefeito Ascendino Pinto de Aragão, durante sua gestão (1943-1945) reestrutura a banda municipal com o nome de “Jazz-Band”. Na década de 1940, o Jazz norte-americano tornou-se um fenômeno no Brasil, apresentando-se como gênero musical moderno no mercado nacional. A música estrangeira não era bem vista dentro do projeto nacionalista dos anos de 1930 e 1940. Para alguns estudiosos, o Estado Novo incentivou a música erudita brasileira formatada por Heitor Villas Lobo e não impediu a inserção da MPB nas rádios e a troca cultural com as musicalidades estrangeiras.

 

No Brasil, o Jazz ganhou características próprias. As bandas brasileiras regionais influenciadas pelo Jazz norte-americano, tanto na canção como na maneira de tocar formaram suas Jazz Band. A “Jazz Band de Campo Maior” teve um sucesso meteórico. Tocou em várias cidades piauienses. Foi chamada para participar do 6º aniversário do Estado Novo em Teresina. O grupo era composto pelos seguintes músicos: Francisco Andrade Carneiro (cearense, maestro-regente da banda), José Correia Jardim (diretor da banda), Luís Correia Jardim e Alfredo Pereira da Silva (pistonista). O Jazz teve uma boa aceitação entre o público campo-maiorense.

 

Além da “Jazz Band de Campo Maior”, músicos independentes realizavam shows de jazz  na cidade. O boêmio Raimundo Curripião Proquet, baterista e músico, sempre que chamado realizava festas dançantes no cabaré da Izabelona ao som de jazz. O cabaré da Izabelona, localizado no baixo meretrício da cidade, era um dos locais mais movimentados da noite campo-maiorense por conta das badaladas festanças sob os mais diversos gêneros musicais.  Muitos sanfoneiros apresentavam-se também no “palco” do cabaré. Forró, jazz… O bordel da Izabelona era um espaço democrático e de muita animação. Havia festas praticamente todos os finais de semana no lupanar da dona Isabel. Durante a semana, as noites ficavam animadas ao som da radiola.

 

Na gestão do prefeito Raimundo Nonato Monteiro de Santana a despesa com a banda municipal não passava de Cr$ 6.000,000. O recurso público destinado à banda ficou estagnado durante a década de 1950. Com recurso reduzido, o conjunto musical foi definhando. Percebendo a necessidade de criar mais uma banda de música na cidade, Antônio Bona Neto, popular Antônio Músico, decidi formar de modo espontâneo a corporação musical Lyra de Santo Antônio. Segundo o cronista Irmão Turuka, a Lyra era composta inicialmente pelos seguintes membros: Oscar “o nico” (Saxofone), Miguel Rosa e Luís Lima (Clarinete), Luís Neves da Silva (Trompete), Antônio Moreira (Bombardino), Gentil “o perneta” (Contrabaixo) Antônio Zumba (Trombone) e Marcos Oliveira, “ boi laranja” (Compasso).

 

As informações que temos sobre a corporação musical Lyra de Santo Antônio são de que a mesma fora criada por Antônio Bona Neto, apelidado de Antônio Músico, filho do músico e compositor Honório Bona Neto. Seu pai criou o primeiro coral da Catedral de Santo Antônio. As informações sobre a Lyra são relatos orais. Formada por músicos amadores, o conjunto teve uma experimentação musical de curta duração. Ela acabou sendo incorporada ao patrimônio público da banda municipal. Os custos para mantê-la eram altos. Foi louvável a iniciativa de Antônio Músico em querer manter um grupo musical, mesmo que de modo improvido.


A Lyra de Santo Antônio se apresentava no coreto da Praça Rui Barbosa, logo após a missa da matriz. O local era o encontro da juventude campo-maiorense. Irmão Turuka descreve essa cena cultural com vivacidade em suas famosas crônicas publicadas no jornal A Luta. Turuka foi o primeiro cronista musical de Campo Maior. Ele escreveu três textos ontológicos (“Lyra de Santo Antônio”, “Serestas e Seresteiros” e “Eu Vi a Banda Passar”) sobre as bandas e os músicos que marcaram a memória e a história cultural de Campo Maior, na segunda metade do século XX.

 

Os dias de apresentações da corporação musical eram as tradicionais quintas e domingos. A Lyra era composta por músicos profissionais e amadores. Passado a fase de improvisação, ingressa no quadro da corporação experientes músicos como o maestro José Cardoso da Silva, os irmãos José e Luiz Correia Jardim, Antônio Catita e Benedito João de Maria.