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FALANDO DE KAFKA, HITLER,
MAQUIAVEL E DO ASSÉDIO MORAL NO AMBIENTE DE TRABALHO: DAS CONSEQUÊNCIAS DAS
CONDUTAS, PREVENÇÃO E REPRIMENDAS LEGAIS
Quando numa madrugada, Peter
Spencer acordou inesperadamente, à noite, com intranquilos sonhos e sensações
corpóreas. Estava deitado sobre suas costas uma couraça vermelha e, ao se vê no
espelho do teto de seu quarto, viu seu corpo tomado por uma cabeça curta,
subtriangular, apresentado olhos compostos grandes e geralmente dois ocelos.
Suas pernas tremulavam e, por isso, sentiu-se como não estivesse no chão (ou
não tivesse chão).
- O que aconteceu comigo? -
Pensou.
Nesta narrativa alusiva ao
magistral livro do autor Tcheco Franz Kafka, A metamorfose, ele se través na
terceira pessoa. Todavia, na verdade, o grande autor se refere ao seu próprio
sentimento de angústia, humilhação e inferioridade que sofria na relação com
seu pai, um opressor, segundo os críticos, que o fez pensar que era um inseto,
de tão - insignificante.
De tal modo, como o que o
passou, com o autor judeu e Tcheco, desde à infância, se não tivermos os devidos
valores morais repassados por nossos pais e/ou no círculo familiar -tratamos
aqui, de valores humanos mínimos, de repulsa a atos de discriminação ou
opressão e de empatia para com o próximo, por exemplo -, perpetuaremos cenários
descritos, como este.
E, se não o
desenvolvermos adequadamente este mínimo sentimento de ojeriza a estas atitudes
(consciência ou despertar desta), mesmo logo após duras lições ou reprimendas
infligidas à humanidade (lembrem-se que nós, ou aprendemos com a dor ou com o
amor, diz o ditado popular), é muito provável que, na mesma razão, que um Adolf
Hitler, um ex-militar de baixa patente, frustrado pintor e cheio de recalques,
ressurja outra vez.
Bem que a psique do
notório opressor foi oportunamente estudada pelo psicanalista Walter C. Langer,
em 1943, o que se tornou no célebre livro A mente de Adolf Hitler: O relatório
secreto que investigou a psique do líder da Alemanha nazista.
Este, em pleno auge da
Segunda Guerra Mundial, foi contratado não para exaltá-lo, porém, para entender
os padrões de comportamento deste e, com isso, trazer detalhes de que “ (...) A
perspectiva que emerge da obra é a de duas personalidades distintas que habitam
o mesmo corpo e se alternam. A primeira é de uma pessoa muito frágil,
sentimental e indecisa, que tem pouquíssima energia e só quer ser entretida,
amada e cuidada. A outra é exatamente o contrário, uma pessoa dura, cruel e
decidida, com considerável energia – alguém que parece saber o que quer e está
pronto para correr atrás e conseguir o que deseja, independentemente do custo
[1]. (...)”
Neste aspecto, como na
extrema e repugnante figura acima, e em qualquer desvio de personalidade
doentia e patológica, é muito provável que, em situações de gestão ou mando (ou
de hierarquia), percamos o mais comezinho de nossa natureza humana, qual seja:
- a empatia para com os outros, à sensibilidade com os subordinados,
familiares, o respeito com o garçom quem nos serve quando precisamos e tem
família, estando ali para nos servir, porque traz a alimentação de sua prole,
através de seu árduo salário.
Pensamos, também,
se tratar de um dever de combate ou prevenção.
Caso contrário, imperará à
consciência de que esta “autoridade” sobre os outros se fez de uma
pseudo-hierarquia movida pelo medo e, não pelo respeito e liderança. Porém, por
sorte, a história da humanidade nos mostrou que esta fantasia da mente é
transitória, frágil, temporal e, por mais das vezes, trágica, para os
governantes que agem (giram) assim.
No entanto, no âmbito
do poder e sua mantença (ou a tentativa de mantê-lo a todo custo e sem freios),
fazemos um pequeno aparte no aspecto das ideias de Maquiavel, na obra “O
Príncipe”, como que “os fins justificam os meios” e “que o (governante) deve
ser de acordo com a situação”.
Tudo isto, leia-se,
foi baseado nas suas impressões históricas e abstratas da época em que viveu,
e, que, segundo alguns, é um dos percussores da divisão entre os preceitos
morais e a vida política/relações de poder.
Porém, no final, são
estruturas de manipulação poderosas, pois a consciência humana, na maioria da
humanidade, se move por medo ou desejo (móbiles externos) e, com isso, é
facilmente manipulável.
Todavia,
pergunta-se: - para que viemos neste mundo? - A linha vertical da consciência
do ser humano espera que se cumpra o desejo consigo mesmo, como um dever, ou
satisfação por agir com valores e corresponder com a natureza humana. Ou, como
multiplicador da vida, agregue valores para deixar sua (boa) pegada na
existência. Eis a questão.
2- DO ASSÉDIO MORAL NO AMBIENTE
DO TRABALHO, SUAS CARACTÉRICAS E CONSEQUÊNCIAS.
Por vez, agora,
abordaremos um tema, que reside num âmbito menor na relação de poder, que é O
Assédio Moral no Meio Ambiente de Trabalho, marcado, sobretudo, pela
"(...) a exposição dos trabalhadores e das trabalhadoras a situações
humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho
e no exercício de suas funções; sendo mais comum em relações desumanas e não
éticas de longa duração, de um ou mais chefes, e dirigida a um subordinado,
desestabilizando a relação da vítima com o ambiente de trabalho e a
organização.(...)" (Cataldi, 2021).
A violência é
sutil, às escondidas, todavia, não menos nefasta, perpetrada, no ambiente de
trabalho, mas com poderosos efeitos negativos para com à vítima e a sua
família, a equipe de trabalho, organização pública ou privada e a sociedade.
E, como um inseto
kafkiano, derrepente, o assediado “(...) "O trabalhador humilhado ou
constrangido passa a vivenciar depressão, angústia, distúrbios do sono,
conflitos internos e sentimentos confusos que reafirmam o sentimento de
fracasso e inutilidade." (...) (Cataldi, 2021).
Como todo opressor
clássico, no mais das vezes, possui padrões comuns, para suprir seu superego,
ou sua condição frágil, sentimental e indecisa (ou cardápio):
"• escolher a vítima e
isolá-la do grupo; • impedir de se expressar e não explicar a razão; •
fragilizar, ridicularizar, inferiorizar, menosprezar em frente aos pares; •
culpabilizar/responsabilizar publicamente, podendo os comentários de sua incapacidade
invadir, inclusive, o espaço familiar; • desestabilizar emocional e
profissionalmente. A vítima gradativamente vai perdendo, simultaneamente, sua
autoconfiança e o interesse pelo trabalho; • destruir a vítima (desencadeamento
ou agravamento de doenças preexistentes). A destruição da vítima engloba
vigilância acentuada e constante. A vítima se isola da família e dos amigos,
passando, muitas vezes, a usar drogas, principalmente o álcool; • livrar-se da
vítima, que é forçada a pedir demissão ou é demitida, frequentemente, por
insubordinação; • impor ao coletivo sua autoridade para aumentar a
produtividade." (Cataldi, 2021).
Diante das
condutas, há semelhanças com os preceitos ou padrões descobertos por Maquiavel,
que é um dos percussores da divisão entre os preceitos morais e a vida
política/relações de poder.
3 - DA PREVENÇÃO ÀS CONDUTAS E ASPECTOS
JURÍDICOS E CONSEQUÊNCIAS. BREVES APONTAMENTOS.
Felizmente,
há medidas de prevenção que podem e, estão sendo implantadas nas instituições
para tentar manter a sua imagem, prevenir riscos de pretensões judiciais e
condenações, queda de produtividade do valoroso capital humano, tenha-se um
ambiente de trabalho minimamente saudável e traga um alento às vítimas.
E, longe de
ser uma tentativa camuflada para mascarar o sentimento de asco das pessoas, ou
do necessário combate a estes sérios desvios de conduta, trata-se de um
enfrentamento necessariamente sério (ou o despertar da consciência).
Dentre estes
mecanismos, temos a figura do compliance, que é, basicamente, "(...)
Compliance vem do verbo inglês to comply e significa agir de acordo com uma
regra ou um comando, ou seja, estar em “compliance” é estar de acordo com as
leis, sejam elas federais, sejam estaduais, sejam municipais, bem como em conformidade
com os regulamentos internos das próprias organizações, de acordo com condutas
éticas e códigos respeitados." (Lambert, 2020).
Nisto, há
questões que devem ser enfrentadas dentro do compliance trabalhista:
"(...). Inúmeras são as questões que podem ser enfrentadas dentro do
compliance trabalhista: igualdade de gênero; assédio moral e sexual; saúde e
segurança do trabalho; corrupção; políticas remuneratórias; aplicações de
sanções disciplinares e todas aquelas questões que se apresentarem necessárias
à manutenção da credibilidade da empresa. (...)" (Lambert, 2020). Ou seja,
é um importante instrumento de prevenção.
Claro que,
a distinção do assédio moral encontra-se no art. 483, da CLT, e é
tranquilamente aceita na jurisprudência:
"Rescisão indireta e assédio
moral: A rescisão indireta do contrato laboral constitui falta máxima cometida
pelo patrão, de modo a tornar insustentável a manutenção do contrato de
trabalho. No caso em apreço, o assédio moral evidenciado constitui motivo para
a configuração da rescisão indireta do contrato de trabalho na forma tipificada
no septuagenário artigo 483 consolidado de 1943. Recurso ordinário não
provido." (Nelson, 31/07/2018)
"De outra sorte, quando do
assédio moral horizontal, pode acarretar a demissão por justa causa do
empregado assediante visto que o assédio moral poderia ser enquadrado como
incontinência de conduta ou mau procedimento; ato de indisciplina; ato lesivo
da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas
físicas, nas mesmas condições." (Nelson, 31/07/2018)
Na esfera
da reprimenda mais drástica (Direito Penal), ainda está em discussão a
aprovação, por exemplo, do projeto de lei 5.971/01, não menos bem-vinda e
esperada, como em situações nas quais o Direito Penal deverá agir:
Art. 203-A. Coagir moralmente
empregado no ambiente de trabalho, através de atos ou expressões que tenham por
objetivo atingir a dignidade ou criar condições de trabalho humilhantes ou
degradantes, abusando da autoridade conferida pela posição hierárquica. Pena –
detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos e multa.
Além
disso, a Lei de Improbidade Administrativa é vista como possível de ser
aplicada, nestes casos:
"Destaca-se, ainda, que a
depender do caso concreto, o assédio moral pode-se configurar hipótese de
improbidade administrativa (art. 11 da Lei 8.429/92), o qual já fora
reconhecido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ):
Administrativo. Ação civil
pública. Improbidade administrativa. Assédio moral. Violação dos princípios da
Administração Pública. Art. 11 da Lei 8.429/1992. Enquadramento. Conduta que
extrapola mera irregularidade. Elemento subjetivo. Dolo genérico. 1. O ilícito
previsto no art. 11 da Lei 8.249/1992 dispensa a prova de dano, segundo a
jurisprudência do STJ. 2. Não se enquadra como ofensa aos princípios da
Administração Pública (art. 11 da LIA) a mera irregularidade, não revestida do
elemento subjetivo convincente (dolo genérico). 3. O assédio moral, mais do que
provocações no local de trabalho – sarcasmo, crítica, zombaria e trote –, é
campanha de terror psicológico pela rejeição. 4. A prática de assédio moral
enquadra-se na conduta prevista no art. 11, caput, da Lei de Improbidade
Administrativa, em razão do evidente abuso de poder, desvio de finalidade e
malferimento à impessoalidade, ao agir deliberadamente em prejuízo de alguém.
5. A Lei 8.429/1992 objetiva coibir, punir e/ou afastar da atividade pública os
agentes que demonstrem caráter incompatível com a natureza da atividade
desenvolvida. 6. Esse tipo de ato, para configurar-se como ato de improbidade
exige a demonstração do elemento subjetivo, a título de dolo lato sensu ou
genérico, presente na hipótese. 7. Recurso especial provido. (Grifos
nossos)." (Nelson, 31/07/2018).
4- DA CONCLUSÃO:
Por derradeiro,
feitas às explicações, acredita-se num futuro no qual a individualidade e
autonomia humana não poderão ser tolhidas por mini tiranos de plantão.
Até mesmo
porque, para evitar e cortar, antecipadamente, “às raízes do mal” criadas antes
da implicação do Holocausto, por exemplo, que, em sufrágio às vítimas, teve seu
dia de lembrança no último 27 de janeiro, apesar da desinformação e
negacionismo a respeito do importante acontecimento [2]).
Por fim, fica como fecho final para os que
sofrem (ou sofreram) opressões ou discriminações em diversas situações:
“O sucesso chega aos humildes e
aos de pouco talento, mas a característica especial de uma grande pessoa é
superar os desastres e pânicos da vida humana. – Sêneca, Sobre a Providência
4.1”.
[1] (In
https://www.amazon.com.br/Hitler-Relat%C3%B3rio-Secreto-Investigou-Alemanha/dp/8544107354,
acesso em 28/01/2022).
[2] ( https://noticias.r7.com/internacional/holocaustodesinformacao-marca-data-em-memoria-das-vitimas-27012022?amp, acesso em 29/01/2022.