terça-feira, 30 de janeiro de 2024
De (pé) perto, ninguém é normal
*Fabrício Carvalho Amorim Leite
Encontrei um velho amigo no shopping. Há anos, a vida nos jogou para lados diferentes. Eu me tornei um convencional gravatadinho, enquanto ele, o Heli, para minha surpresa, havia se transformado em influencer descolado, com um ótimo gogó e persuasivo, daqueles com milhares de seguidores.
Ao ver Heli, de imediato me lembrei do lance no parque. Heliogábalo, cujo nome por si só evoca muitos brios, era o mais franzino de nossa escola.
Por isso, como uma cadeia alimentar, atraía a atenção de um valentão que o perseguia sem trégua. Num dia (quase) trivial, o bambambã, cujo nome omitirei para não lhe dar cartaz, gritou:
- “Fale em voz alta, Heliogábalo, paralelepípedo! ”.
Pobre Heli, que, por medo, correu como uma gazela fugindo de um predador, perdendo seus óculos novinhos e encontrando abrigo no escuro túnel do escorrega-bunda, onde chorou até o final das aulas.
O cerco revelou a todos sua hipopotomonstrosesquipedaliofobia de Heli – o irônico termo médico para o medo de palavras longas e difíceis. Esse foi o motivo do meu espanto com a radical transformação do amigo.
A cena confirmou a minha suspeita de que todos nós temos pequenas “anormalidades”, obsessões ou medos. Por exemplo, até o meu gato Tigrão mostra sua birutice em nunca se alimentar na tigela, preferindo espalhar ração na terra antes de comê-la.
“Quem te ensinou esses modos, Tigrão? ”. Sempre pergunto, ousando decifrar os enigmas do subconsciente felino, apesar de sua pose de esfinge.
Não são apenas os humanos e gatos que têm suas esquisitices. Um pombo achou legal escolher que meu carro seria seu alvo, bombardeando-o todo o dia com a precisão de um caça F-35.
Outro amigo, talvez um CEO sobrecarregado, limita sua presença em qualquer atividade a exatos trinta minutos - como se um segundo a mais significasse um assalto a seu precioso tempo. E, talvez, até busque um dia a onipresença divina.
E há aqueles que, com a pandemia, foram contaminados por um medo quase cômico de maçanetas de banheiros, tornando engraçada a situação de entrarem nos banheiros, trancarem a porta, mas não conseguirem sair...
Neste momento, eu mesmo, curtindo os efeitos de uma psicose crônica, rabisco com rapidez uma lista megalomaníaca de manias e fobias de todos os que cruzam o meu caminho, imaginando-me um cronista das doidices dos humanos ou não humanos.
Assim, aqui estou eu, de pé em frente do espelho: “Caramba, vou adiar novamente a lista completa das manias e fobias”, - uma loucura (de escrever em pé) à Ernest Hemingway.
Melhor deixar para lá.
Afinal, de (pé) perto, ninguém é normal.
(*) cronista e contista
domingo, 28 de janeiro de 2024
7 DE SETEMBRO
Foto meramente ilustrativa Fonte: Google |
7 DE SETEMBRO (*)
I ATO
Na parada de 7 de setembro
de 1981
os patriopanças
ladrões da finança pública
com suas estufadas panças
discursam sobre heroísmo,
patriotismo e civismo.
Na parada de 7 de setembro
de 1981
criancinhas pobres
cheias de vermes
e vazias de esperanças
desfilam famintas
sob a ironia de um
Sol escaldante e
indiferente
de- cam-
sem- ba-
fi- le-
lam
an-
tes
de cansaço
de sede
e de fome.
O sorriso
é lindo
mas o olhar é triste.
E os pequenos infantes
sem reinado
sem rei nada
nada sabem
do heroísmo
do patriotismo
do civismo
dos patriopanças
de panças cheias
de tripas corruptas.
E a criança
sob o sol causticante
de nossa pátria tropical,
com os dentes cariados
e a barriga faminta
cheia de vermes,
carregando faixas sobre
SAÚDE –
EDUCAÇÃO – ALIMENTAÇÃO
fica triste e chora
e não sabe o que
faz ali.
II
ATO
Mas na parada de 7 de setembro
de 1981
trabalhadores não convidados
pelos donos do poder
desfilaram armados
de picaretas, foices,
machados, enxadas e
reticências.
Era um mar
era um Marte
era um martelo
os trabalhadores
conscientes
da força de seu trabalho
da força de seu cutelo.
Não precisavam
de cartazes:
os instrumentos falavam
que eles construíam
no dia a dia
a Independência do Brasil!
Mas os carrascos
os
ascos
da repressão
dispersaram os
manifestantes
alegando subversão.
Ai! Guernica. Ai! Picasso
Ai! Grito explodindo
em forma de cogumelo
de uma grande dor
atômica
atônita
agônica
e sem
sentido.
(*) Este poema foi publicado no jornal Inovação, em solidariedade ao padre Ladislau João da Silva, que havia sofrido, se não estou enganado, um espancamento por parte de um latifundiário, por causa de uma manifestação que ele havia organizado, com a participação de trabalhadores rurais de Esperantina.
terça-feira, 23 de janeiro de 2024
CINEAS SANTOS E SEUS CAPIVARÕES
CINEAS SANTOS E SEUS CAPIVARÕES
Elmar Carvalho
Na reunião deste sábado, na APL, vi o mestre Felipe Mendes,
que estava a meu lado, com alguns livros. Não me contive e dei uma boa espiada,
logo percebendo um que me chamou a atenção: Figuras na Paisagem Árida, da
autoria de Cineas Santos, com excelentes ilustrações de Jota A, que também é o
autor da capa e do projeto gráfico. Estava devidamente autografado pelo autor,
que havia deixado na secretaria alguns exemplares para alguns acadêmicos.
Folheei-o com sofreguidão e me determinei a adquirir um volume, na primeira
oportunidade, de preferência logo na segunda-feira.
Ao sair, perguntei à Vera e ao Zilmar, servidores de nossa
Academia, se não havia um livro destinado a mim. O Zilmar me desenganou, mas
disse que sobrara um exemplar sem autógrafo, que iria me repassar. Foi
procurá-lo e me entregou. Quando cheguei a minha residência, li imediatamente a
contracapa e a orelha, por sinal de agradável e esclarecedora leitura. Para
minha surpresa, vislumbrei uma dedicatória, que, confesso, muito me desagradou,
porque eu teria que fazer o livro chegar ao seu destinatário, o que me
impediria de tê-lo em minha companhia e biblioteca. Contudo, para meu
contentamento, quando li a dedicatória, com a devida atenção, vi que se
destinava a mim, e continha estas palavras: “Ao Elmar com a estima do Cineas.
Te – 22 – 12 – 23.”
Imediatamente iniciei a leitura do pequeno grande livro, de
apenas 133 páginas, em formato 12 x 19 cm. Como o próprio autor esclareceu, a obra
não contém biografias de pessoas afamadas e do “alto clero”, mas apenas breves
perfis de catingueiros simples, humildes, porém, que foram importantes na
paisagem árida de parte da região de Serra da Capivara e, talvez, de Serra das
Confusões, acrescento, para dar um toque de poesia, com esse nome tão
interessante quanto sugestivo e misterioso, que por sinal se tornou o título de
um livro de H. Dobal. Entre suas “figuras”, figuram jogadores do futebol
amador, sanfoneiros e outros instrumentistas, boêmios, ébrios, loucos de todos
os gêneros, sapateiros, professores, feirantes, mecânicos, biscateiros,
pequenos comerciantes, comerciários etc.
Devo dizer que o livro me “agarrou”, e o li de um gole, de
uma talagada só. Cineas, sem nenhum favor, é um dos melhores cronistas do
Brasil. É um estilista esmerado, com as suas frases curtas, de pouca ou nenhuma
adjetivação. Contudo, quando faz uso de adjetivos, o faz de forma parcimoniosa
e contida, sem transbordamentos. Devo acrescentar que as suas frases “telegráficas”
são fluentes, elegantes, bem construídas, de quem tem domínio de sua linguagem;
e não as de quem não as saberia fazer longas, se o desejasse.
Cineas foi um pebolista ou peladeiro; quiçá, nessa atividade,
possa ter feito firulas, senão mesmo malabarismos, ou possa ter cometido
acrobáticos dribles desconcertantes. Todavia, em sua prosa, prima por um estilo
enxuto, sem adiposidades, buscando sempre a concisão e a sobriedade, avesso que
o é a firulas e pirotecnias estilísticas. No entanto, vez ou outra, não
dispensa uma fina ironia, uma refinada pitada de humor. A despeito disso, não
fere a suscetibilidade dos personagens que lhes povoam as crônicas de caráter
memorialístico.
É um mestre da crônica, que chamo de memorialística, com
algo, talvez, de autoficção, que deriva, como foi o caso do livro em comento,
para a lavratura de perfis. Guardou na memória muitos casos engraçados,
jocosos, mas, às vezes, pungentes, que nos emocionam bastante. Observador e
perspicaz, colocou nesses textos o condimento de um humor algo sofisticado,
pela sutileza ou por expressar a característica marcante ou emblemática desses
“capivarões de Guidon”, para me apropriar de uma expressão cunhada pelo historiador
Fonseca Neto.
Acaso fosse um pintor ou desenhista, diria que ele, em poucas
pinceladas ou escassas linhas, traça o retrato dessas figuras, que, de algum
modo, foram importantes na paisagem árida das caatingas, desses sertões
ressequidos, mas que, como por milagre, reverdecem às primeiras chuvas, borrifando
de beleza verde a paisagem cinza ou marrom. Com duas ou três frases certeiras,
cirúrgicas, estampa um instantâneo da alma ou mesmo de uma característica
física de seus personagens reais, em que lhes delineia os hábitos, cacoetes,
idiossincrasias e singularidades.
De modo minimalista relata fatos dessas vidas simples ou
humildes, que valem por uma anedota hilariante ou por um conto pungente, que
nos comovem e que nos dão uma nítida ideia de como eram essas figuras em seu
cotidiano e no dia a dia da comunidade. Em vários momentos me senti como se as
conhecesse e tivesse convivido com muitas delas, e até mesmo me senti partícipe
do episódio narrado. Às vezes uma frase ou um dito dessas pessoas, na maneira
como o autor as colocou no texto, nos parecem revelar o essencial de sua
personalidade.
Vários trechos de suas crônicas valem por um legitimo poema
em prosa. Muitos períodos parecem ter sido elaborados como um slogan ou como
uma frase de efeito, extraídos de uma antologia ou de um dicionário de
citações. É que todas as frases foram bem urdidas e bem alinhavadas na
composição geral do texto.
O final de quase todas as crônicas, caso fosse de um soneto, seria uma legítima “chave de ouro”. Chave de ouro cravejada com brilhante.
domingo, 21 de janeiro de 2024
ROMANTISMO REVOLUCIONÁRIO
Fonte: Google |
ROMANTISMO REVOLUCIONÁRIO (*)
Elmar Carvalho
Estou aqui,
querida,
feito um
pateta, contemplando em
alienação
voluntária
e otária
um crepúsculo como nos
meus bons
tempos de
adolescente.
Somente
eu mudei: os crepúsculos
continuam
iguais =
= iguais.
Mas faz bem a um homem
ser
romântico:
por momentos
ele esquece a sua e a
fome de
seu povo.
(*) Texto escrito e publicado na segunda metade dos anos 1970, em pleno regime militar, no tempo em que os poetas acreditavam que poderiam contribuir para derrubá-lo com um simples poema.
sexta-feira, 19 de janeiro de 2024
A FELICIDADE
Fonte: Google |
A FELICIDADE
Alcione Pessoa Lima
Por que você vive, na sala de espera buscando sempre a felicidade?
Talvez não perceba que em muitos momentos, alí, do seu lado, ela já estava.
Quando você sonhava era só a escada pra ela subir...
E, se realizava, ela, então, o abraçava pra você sorrir.
Então, viva seus momentos e tenha o sorriso como porta de entrada
E não os desperdice, pois a felicidade é uma linda estrada!
Se você não sabe, entre a felicidade e o sofrimento existe um abismo
Que leva da vida a maior parte do tempo.
A cada amor, a cada desejo, recebe um beijo no coração...
Mas, a felicidade não dura pra sempre. É só um presente de ocasião.
quarta-feira, 17 de janeiro de 2024
CAMPO MAIOR – TEMPO E SAUDADE
Charge da autoria de Gervásio Castro, que se tornou a capa da 2ª edição de meu livro Bernardo de Carvalho, o fundador de Bitorocara |
CAMPO MAIOR – TEMPO E SAUDADE
Elmar Carvalho
Quando literalmente tombaram
a Fazenda Tombador,
nenhuma voz se levantou,
nem mesmo a voz de alguém,
que clamasse no deserto, clamou.
E a Fazenda Tombador
literalmente tombou.
EC
Por esses dias estive lendo Tempo e Saudade – nos caminhos da
cidade, do professor, advogado e escritor Francisco de Assis de Lima. Segundo
consta na orelha ele foi liderança estudantil, tendo idealizado e realizado,
durante 14 anos, a Festa Coração de Estudante, tendo sido também presidente da
AUCAM. Foi presidente do SINTE – Sindicato dos Trabalhadores em Educação Básica
do Piauí – Regional de Campo Maior. Fundou a Academia de Letras do Território
dos Carnaubais. É o idealizador do Museu Popular. Exerceu vários cargos, entre
públicos e privados. É servidor público estadual e municipal.
O seu livro trata de importantes assuntos da história de
Campo Maior, entre os quais a fazenda Bitorocara, a primeira igreja de Santo
Antônio, a criação da Vila de Campo Maior, o pelourinho, a criação de gado
bovino, as lutas pela Independência do Brasil em terras piauienses, com ênfase
para a Batalha do Jenipapo e as campanhas pelo reconhecimento de sua
importância, cronologia dos fatos notáveis da localidade.
Aborda ainda a Intendência e a Câmara Municipal, citando
vários de seus presidentes. Apresenta a síntese biográfica de vários
campomaiorenses ilustres. Relata aspectos importantes do futebol e da cultura
do município. Disserta sobre a saga do jornal A Luta, do qual eu e meu pai
fomos colaboradores, nos idos de 1970. Como não poderia deixar de ser, sendo
ele professor, discorre sobre a Educação do município, seus professores mais
notáveis e seus principais educandários. Em suma, é um belo livro, pelo
conteúdo, pela boa impressão, em papel de boa qualidade e com muitas
fotografias de alta resolução, que merece estar na biblioteca de qualquer campomaiorense,
amante da história de seu torrão.
O livro foi prefaciado pelo médico e escritor José Itamar
Abreu Costa, e apresentado pela historiadora Pauliana Maria de Jesus, de cuja
apresentação recolho o seguinte: “Adotando uma escrita simples e conservadora o
autor narra a história de Campo Maior, desde a sua origem até os tempos atuais.
Traz uma variedade de fontes como: imagens, leis e textos do jornal A Luta,
enfatizando a importância desse periódico que funcionou como um veículo de
notícias e informações sobre a cidade, um espaço de denúncias e críticas a
determinadas ações do poder público ou cobranças por melhorias no município. O
periódico A Luta foi criado em 1967 e funcionou até o final da década de 1970.
Desse modo, o autor expõe diferentes textos do periódico A Luta deixando que o
documento ‘fale por si só’ até mesmo como uma forma de não tirar o mérito
daqueles que escreveram muitos desses textos.”
Como disse, meu pai e eu fomos colabores desse jornal. Minha
primeira colaboração data de 1972, quando eu tinha 16 anos de idade. Nele
publiquei contos e crônicas. Uma dessas crônicas discorre sobre a vez em que
encontrei, no velho cemitério da Irmandade de Santo Antônio, o túmulo do poeta
Moisés Eulálio. O jornal, portanto, além de noticioso e opinativo, e de fazer
denúncias e críticas, também possuía um viés literário. Tinha ainda uma coluna
social. Eu gostava de ler as matérias escritas pelo Irmão Turuka e pelo Dr.
José Francisco Bona. Creio que as matérias escritas por eles dariam um belo
livro.
Em sua parte final, a obra apresenta textos e/ou a síntese
biográfica de autores campomaiorenses, entre os quais cito: José Miranda Filho,
Ernani Napoleão Lima, José Elmar de Mélo Carvalho, José Omar Araújo Brasil,
José Wagner Brazil Araújo, José Ataide Tôrres Costa Filho e um poema de cordel
em homenagem a João Alves, da autoria de Antônia Pessoa. Eu tive a honra (e,
por isso, sou grato ao Assis Lima), de ter o meu “épico moderno” A Zona
Planetária transcrito na íntegra. Esse poema foi inspirado nessa zona
meretrícia, que ostentava na parede da frente de cada um dos cabarés o nome e a
imagem do respectivo planeta, que por sua vez tinha o nome de deuses
greco-romanos. Assim, mesclei em meus versos a sociologia dos lupanares, a
astronomia do sistema solar e a mitologia grega e latina.
Em sua apresentação, a historiadora Pauliana Maria de Jesus
observa que o autor, “apesar de concordar e reafirmar sobre a teoria de Cláudio
Melo, que defendeu o papel do Mestre-de-Campo Bernardo de Carvalho e Aguiar
como precursor no desbravamento da região dos carnaubais, sendo responsável
pelo povoamento de Campo Maior; tendo contribuído com a instalação da fazenda
Bitorocara e construção da Igreja de Santo Antônio, célula de nascimento da
cidade, Francisco de Assis problematiza sobre a ausência de vestígios que
comprovem a localização da referida fazenda Bitorocara, haja vista que existem
fazendas mais antigas que, apesar do tempo, ainda permanecem vestígios e até
mesmo a estrutura bem conservada, como exemplo, da fazenda Abelheiras que é do
mesmo período, assim, o autor abre espaço e diálogo para novas pesquisas acerca
desse tema”.
É exatamente sobre esse questionamento ou problematização,
que desejo tratar a partir deste ponto. Não falarei sobre a localização de
Bitorocara, porque já o fiz através de meu artigo A localização da fazenda
Bitorocara, que se encontra disponível na internet, no seguinte endereço: https://poetaelmar.blogspot.com/search?q=A+localiza%C3%A7%C3%A3o+de+bitorocara
O historiador Reginaldo Miranda, membro da Academia Piauiense
de Letras, também já elucidou esse assunto, com texto publicado na internet.
Antes, porém, de enfrentar a problematização acima exposta,
quero abordar e elucidar um outro questionamento que me diz respeito,
diretamente.
Na página 21 do livro em comento, o autor afirma que não sou
parente de Bernardo de Carvalho, e se o fosse, seria distante. Sinto-me
compelido a esclarecer esse ponto. Nunca disse ser ou não ser parente dessa
ilustre figura histórica. Por parte de meu pai, pertenço à família Carvalho de
Almeida, de Barras. Sou descendente direto de Antônio Carvalho de Almeida (o 1º
deste nome), sobrinho do padre Tomé de Carvalho. Foi este sacerdote que pediu a
seu parente Bernardo de Carvalho, que construísse a primeira igreja de Santo
Antônio do Surubim, tendo sido prontamente atendido, conforme está amplamente
comprovado, através de certidão do ilustre vigário, que também foi o
responsável pela construção da vetusta igreja de Nossa Senhora da Vitória, em
Oeiras, que hoje é catedral. Nada mais desejo acrescentar sobre este assunto; e
só fiz este breve comentário para esclarecer a dúvida exposta no livro.
Com todo o respeito ao historiador Francisco de Assis de
Lima, penso que a comparação da fazenda Bitorocara de Bernardo de Carvalho com
a fazenda Abelheiras não foi pertinente, no modo como foi feita, pelos motivos
que direi. Vejamos o que diz o seu proprietário, o médico e escritor Anfrísio
Neto Lobão Castelo Branco, em seu livro Abelheiras (p. 73/74): “Em 1839 Jacob
[de Almendra] foi à Bahia, a cavalo, distante mais de duzentas léguas do seu
local de moradia e ali entabulou negócio com o visconde de Pirajá [Joaquim
Pires de Carvalho e Albuquerque], de quem adquiriu, por dois contos de réis, as
fazendas Abelheiras e Foge-Homem, no Piauí. A escritura pública foi lavrada em
cartório, na cidade de Salvador, em 08 de agosto de 1839. Em Abelheiras tem-se
como certo que o novo proprietário construiu o casarão de alvenaria, sede da
fazenda, porque na escritura de transferência constam apenas casas de taipa, e
porque na década de 1950, ao se fazer uma reforma, encontrou-se uma telha onde
estava gravado, à mão, a data de 1842 – três anos após a compra. É muito
provável que seja este o ano da construção da casa de Abelheiras, que ainda
hoje encontra-se de pé. Quanto aos paredões de pedra dos currais de gado, tudo
leva a crer que são mais antigos, da época da Casa da Torre.”
Portanto, dessa forma, Jacob de Almendra fez uma nova casa,
de alvenaria, já que a antiga era de taipa, como consta no traslado de
escritura (p. 63/66): “(...) Abelheiras e Foge Homem sitas na Vila do Campo
Maior da Cidade de Oeiras Província do Piauhy e constam de terras casas de
taipa currais e utencis”. Ou seja, as edificações eram de taipa, e não de
alvenaria. Portanto, a atual sede de Abelheiras, que é de alvenaria, não
poderia nunca ser as referidas no documento acima citado. Por via de
consequência, embora a fazenda seja da mesma época da de Bernardo de Carvalho,
a atual sede de Abelheiras é mais de 140 anos mais nova que a sede da fazenda
Bitorocara.
Ora, se as sedes dessas duas fazendas acima referidas,
pertencentes à poderosa Casa da Torre dos Garcia d’ Ávila, eram de taipa, tenho
a convicção de que a sede da de Bernardo de Carvalho também o era. Não havia
nenhum motivo para não o ser, ainda mais porque se destinava a ser sede de
fazenda para criação de gado bovino. Assim, deveria ser uma construção rústica,
de barro, palha e carnaúba, o que já acarretava a sua fragilidade, mormente
quando não mais usada pelo proprietário. A incidência de temporais, intempéries
e goteiras vai dissolvendo o barro da taipa, mormente nas invernadas rigorosas.
Bernardo de Carvalho deixou o Piauí em 1721, quando foi morar
em sua fazenda São Bernardo, no Maranhão, onde construiu uma igreja sob a
invocação desse santo. Por isso, é considerado o fundador dessa cidade. O
escritor Anfrísio Neto Lobão Castelo Branco, membro da Academia Piauiense de
Letras, em seu festejado romance Mandu Ladino, considera que a sede da fazenda Bitorocara
ficaria a seis quilômetros do local onde Bernardo construiu a igreja de Santo
Antônio do Surubim, na confluência dos rios Surubim e Longá, em local talvez
alagadiço, na época das grandes chuvas. Se isso for verdade (e não apenas
ficção), com o afastamento de Bernardo e o consequente abandono da casa,
certamente em pouco tempo essa frágil construção se tornou ruína; e já mais de
3 séculos se passaram.
Contudo, se ela ficava perto da igreja, como também é
possível, foi sendo incorporada à pequena urbe que se foi formando, em torno
dela e da igreja, de modo que é possível que tenha sido demolida, para a
construção de outra, em alvenaria, e em formato arquitetônico mais apropriado
para o uso urbano, e não mais, claro, como sede de fazenda. Portanto, pode
simplesmente, pelo abandono, ter-se tornado ruína, ou ter sido demolida, para
dar lugar a uma nova construção ou mesmo a uma reforma que a tenha descaracterizado.
Em trezentos anos, muitas coisas podem acontecer.
Em sua monumental e primorosa obra Carnaúba, Pedra e Barro na
Capitania de São José do Piauhy, em elegante prosa, quase diria poética, Olavo
Pereira da Silva f., nos fala de quão frágeis são as construções feitas com
esses materiais: “Carnaúba, pedra, barro, casas de boiadeiros, currais e cercas
de pedra seca cravados no pasto orvalhado de Campo Maior (...) nos invernos de
águas mansas, de várzeas recobertas de salsa roxa, em dias ventosos de
batizados, quando o pau-d’arco e o flamboiã floravam labaredas (...) Miragens
dos currais decadentes, o pequeno sítio se desfez e por falta de uso a casa
desvaneceu.”
Não me causa nenhuma espécie ou estranheza a casa-grande de
Bernardo de Carvalho haver desaparecido sem deixar vestígio. Em Teresina e em
outras cidades grandes várias casas sólidas, de alvenaria, se “desvaneceram”,
sem deixar o menor indício de sua existência, para simplesmente o imóvel ser
transformado em estacionamento ou altos edifícios residenciais ou comerciais.
Em Campo Maior mesmo, nas últimas oito décadas, várias e
importantes e históricas edificações desapareceram sem deixar o menor rastro,
entre as quais cito as seguintes: a própria igreja colonial, cuja origem
remontava a Bernardo de Carvalho, a casa da Fazenda Tombador, que já existia no
tempo da Batalha do Jenipapo, alguns casarões da Praça Bona Primo, um dos quais
fora sede da prefeitura, e um solar imponente, que ficava na frente dos
Correios, e que desapareceu, para ser construída a sede de um supermercado.
Devo dizer que, em minha meninice e adolescência, conheci muitas dessas
edificações, inclusive a velha Fazenda Tombador, cuja demolição lamentei num de
meus poemas. Dessa forma, posso dizer que, mesmo em nossa cidade e em tempos
mais recentes, são inúmeras as casas que desaparecem sem deixar vestígio.
Quando tomei posse de minha cadeira na Academia de Letras do
Vale do Longá, no ano de 1997, asseverei em meu discurso que se providências
não fossem tomadas as velhas casas, que formavam o conjunto de cabarés da velha
Zona Planetária, iriam se transformar em escombros. Infelizmente, para minha consternação,
fui um bom profeta. No rigoroso “inverno” de 2006 ou 2007, creio, tombou o
quarteirão em que ficavam os velhos lupanares. Parecia haver sido arrasado
pelas bombas ou mísseis de uma guerra.
Isso me faz recordar a beleza dos títulos dos livros “A
insustentável leveza do ser” e “Tudo que é sólido desmancha no ar”. Tudo é
frágil, tudo passa. Como são efêmeras a adolescência e a juventude. O mundo é
composto de mudança, já nos dizia Camões. Só Deus é eterno, e pura e permanente
a sua existência. A casa avoenga do poeta Manuel Bandeira, que lhe parecia tão
sólida, não o era, como ele próprio disse, em seu poema Evocação do Recife:
A casa de meu avô…
Nunca pensei que ela acabasse!
Tudo lá parecia impregnado de
eternidade
Mas o mesmo vate, em outro poema, nos falou da importância da
memória, ante a fragilidade das coisas, mesmo a das que nos parecem
“impregnadas de eternidade”:
Vão demolir esta casa.
Mas meu quarto vai ficar,
Não como forma imperfeita
Neste mundo de aparências:
Vai ficar na eternidade,
Com seus livros, com seus quadros,
Intacto, suspenso no ar!
Assim, repito, não me causa a menor estranheza, que a sede da fazenda de Bernardo de Carvalho, que teria mais de 3 séculos, tenha desaparecido sem deixar vestígio, como desapareceram vários solares e mesmo uma igreja, sem que deles nada mais reste, sequer o menor rastro. E de vários desses desaparecimentos muitos campomaiorenses, maiores de 50 anos, são testemunhas oculares.
domingo, 14 de janeiro de 2024
ELEMENTOS ELEMENTARES
Fonte: Google |
ELEMENTOS ELEMENTARES
Elmar Carvalho
Tanta água
e o meu povo
com sede.
Tanta terra
e o meu povo
com fome.
Tanto céu
e o meu povo
sem liberdade.
Tanto fogo
e o meu povo
comendo cru.
A revolução dos elementos
apenas piorou o que já
estava ruim.
E o meu povo continua
como a cantiga da perua:
pior, pior, pior ...
Pba., 20.10.78
sexta-feira, 12 de janeiro de 2024
Eu e a magia dos circos
Eu e a magia dos circos
Elmar Carvalho
Ontem, quinta-feira, dia 11/01/2024, fui assistir à noite a
um espetáculo do Circo Kroner, cuja grande tenda se encontra armada nas
proximidades do Teresina Shopping.
Pretendia recordar os tempos de minha meninice, em que fui
levado por meu pai e minha mãe a assistir a espetáculos de circos mambembes,
que aportavam em Campo Maior. Além dos circos encantados de minha infância, meu
pai me levou a ver, em meus verdes anos, a exibições de filmes no reino
encantado do Cine Nazareth, há muito extinto, mas que, em minha memória, ainda
remanesce, como disse num de meus poemas, e a partidas de futebol no Estádio
Deusdete Melo, onde se feriam acirradas pelejas, sobretudo entre o Caiçara e o
Comercial, nos anos sessenta, áureo tempo do futebol campomaiorense, em que
grandes craques do futebol atuaram nesses dois times.
Ao ver os artistas do Circo Kroner, em suas exímias atuações,
nos limites de sua destreza, força, concentração mental e perícia, dando o melhor
de si, às vezes em situação de perigo, me emocionei à beça, e não posso negar
que, em alguns momentos, fiquei com os olhos marejados, porque a magia circense
me fez recordar minha infância e os meus saudosos pais.
Por tudo isso, bati palmas a valer e “de com força”, mas com
discrição, com as mãos um tanto baixas. Como eu estivesse numa das cadeiras da
frente, na área frontal, o palhaço achou de interagir comigo, e “reclamou”,
alegando que eu estava batendo sem força e de forma acanhada. Diante disso,
para que ele não “pegasse mais no meu pé”, passei a aplaudir com mais
entusiasmo, mas não tanto, para ele não voltar a “inticar” comigo.
Assim, julgo oportuno transcrever abaixo um poema e uma
crônica, ambos de minha autoria, do tempo em que meus pais ainda eram vivos, sobre os encantos e magia de um circo:
EMOÇÃO NO CIRCO
Para João Miguel e Elmara Cristina
Pelas mãos tenras
de meus filhos
a magia do circo me chegou.
Atropelado por emoção e saudade
meu coração foi atirado de
lado
a lado
pelas piruetas de
capetas e
palhaços
infiltrou-se nos malabares
e me trouxe meu pai e o circo
encantado de minha infância.
As lágrimas escorriam
e eram estrelas e vaga-lumes
que pingavam da cartola
ensopada de um mago...
A lembrança de meu pai
assomou da sombra do passado
suavemente sentou-se ao meu lado
tomou-me as mãos
as mãos de uma criança.
CIRCO DE SOLEIL E OS CIRCOS ENCANTADOS DE MINHA INFÂNCIA
Neste domingo, à tarde, no programa televisivo da Regina
Cazé, o Djavan, um tipo mulato, um dos maiores artistas da música popular
brasileira, disse ser filho de uma lavadeira e de um representante comercial
holandês, louro dos olhos azuis. Falou que no seu registro de nascimento não
consta o nome de seu pai. No programa, houve depoimento de várias outras
pessoas, filhas de pais ignorados. Algumas disseram que conseguiram descobrir
quem era seu pai, e que conseguiram localizar seu paradeiro. Entretanto, outras
não tiveram êxito nessa busca, ou, pelo menos, não tiveram um final feliz, pela
não aceitação ou má vontade do pai ou suposto pai.
Embora não estivesse melancólico nem entediado, resolvi
assistir a um filme no Teresina Shopping. Não pude consultar no site apropriado
que filme gostaria de ver, em virtude de que a provedora da internet estava sem
funcionar, desde o dia anterior, o que é um abuso contra o quase indefeso
consumidor. Na fila para compra do bilhete, decidi, em razão do horário e das
opções, assistir à película João e Maria: Caçadores de Bruxa. No guichê,
declinei o nome do filme, paguei e recebi um bilhete, que não conferi.
O porteiro indicou-me o número da sala. Apesar de estar um
pouco antes do horário do início, verifiquei que já estava havendo exibição,
com as luzes devidamente apagadas. Pensei que meu relógio poderia estar
atrasado, ou que se tratasse de um trailer. Logo constatei que a moça me dera
um bilhete para o filme Cirque du Soleil – outros mundos. Procurei aceitar o
equívoco “numa boa”, sem queixas e sem resmungos. Talvez eu não tivesse falado
suficientemente alto, ou a vendedora tivesse alguma deficiência auditiva.
Terminei gostando do espetáculo, exibido na telona, em 3
dimensões. De fato é um grande circo, e faz jus à fama que conquistou. Seu
plantel de grandes artistas é fabuloso. É claro que eu conhecia quase todos os
números. Porém, todos tinham alguma novidade,
seja no equipamento, na encenação, no vestuário, no cenário, ou nos
efeitos especiais, que davam um toque de magia, como se fosse um filme de um
outro filme ou o sonho de um outro sonho.
Uma singela história romântica permeava a fita, como se
alinhavasse os diferentes quadros, na qual uma moça procurava, com um cartaz,
um acrobata, que encerrou o filme com ela, numa performance coreográfica, ambos
dependurados numa tira de pano, a oscilar de um lado para outro, quase como se
tivessem asas. Na saída, ouvi uma jovem comentar para a amiga que esperara mais
do enredo, como se não tivesse atentado para o fato de que o importante fora a
exibição de números circenses, realmente de alta qualidade.
Alguns trapézios eram muito grandes, tinham movimento
próprio, mecânico, aparência inusitada, e comportavam vários artistas, que
executavam verdadeiras coreografias aéreas. O jogo de luz transformou uma
banheira semiesférica, vertiginosamente alta, numa lua. Uma linda moça executou
caprichosos e ousados movimentos dentro e fora da água, equilibrando-se
perigosamente na borda da banheira, sem medo da queda no abismo. Quando a jovem
mergulhou na espumante água, como se fosse um golfinho, ou melhor, uma sereia,
um jogo de luz, quase como se fora um feitiço, fez o cenário tomar o aspecto de
transparente fundo de mar.
Logo vários acrobatas, dependurados em fios, vestindo roupas
que simulavam animais marinhos, como águas-vivas, medusas, polvos, camarões ou
similares, passaram a se movimentar nesse cenário encantador e encantado. Em
outro momento, foram apresentadas belas acrobacias e coreografias, com os
artistas se movimentando, para um lado e para outro ou para cima e para baixo,
dependurados em tiras de tecido, em notável bailado aéreo, em que interagiam
entre si.
Seria uma tarefa quase impossível e inglória tentar descrever
todos os números do Cirque du Soleil. Só fiz as referências acima, para que o
leitor tenha uma pequena ideia do espetáculo. É importante dizer que a
companhia tem engenhosas engenhocas, como o velho velocípede, que se movia
sozinho; picadeiros altíssimos, que se assemelhavam a despenhadeiros;
plataformas para trapezistas e acrobatas, que simulavam montanhas e abismos. A
rede de proteção era uma enorme piscina, para a qual os artistas pulavam, muitas
vezes fazendo pulutricas. Os cenários e as luzes executavam efeitos especiais,
em que o cenário parecia obra de um poderoso feiticeiro.
Ao ver os prodigiosos números do Cirque du Soleil, recordei
os pequeninos circos encantados de minha infância, que aportavam na pequenina
Campo Maior dos anos 60. Lembrei-me dos palhaços, dos trapezistas, dos
malabaristas, dos contorcionistas, dos acrobatas, dos mágicos, que povoaram a
minha meninice de magia e encantos. Lembrei-me dos palhaços, encarapitados em
magras e altíssimas pernas de pau, a puxar um magote de moleques, que lhes
respondiam a cantilena, como se fora um responso algo sacrílego, por vezes
fescenino. Alguns desses circos mambembes tinham a lona cheia de buracos e
remendos, e outros sequer tinham cobertura, de tão pobres que eram. Mas todos
tinham o sortilégio e a riqueza de uma arte soberba, que magnetizava adultos e
crianças.
Já adulto, ao levar meus filhos a um espetáculo circense,
chorei de emoção e saudade. Emocionava-me ver os artistas, na quase exaustão de
sua força, focados, se esmerarem em suas apresentações, tão belas e tão
efêmeras. Emoção porque no passado eu tinha meus pais para cuidarem de mim, e
agora era eu que cuidava de meus filhos. A saudade, como disse o poeta,
jorrou-me em ondas... A saudade do tempo em que meu pai me levava para o circo
e para o estádio, para o ludismo do trapézio e dos malabares e do encanto do
futebol. Devo confessar que chorei. Minha mulher notou, e comentou esse fato.
Tomado ainda de viva emoção, escrevi o poema Emoção no Circo.
Ao assistir ao filme do solar Circo de Soleil, tive rápido
momento de nostalgia pela minha infância irremediavelmente perdida. Mas me
alegrei, logo em seguida, porque tive pais bons e presentes, que me deram pão e
circo, advertências e conselhos, liberdade e limites. E me disciplinaram com
amor e com afeto. Lembrei-me do programa da Regina Cazé, e senti tristeza por
aqueles que nunca conheceram a figura de um pai, de um pai realmente pai.
Não pude deixar de me lembrar do seguinte texto
memorialístico do velho bardo Manuel Bandeira: “Quando meu pai era vivo, a
morte ou o que quer que me pudesse acontecer não me preocupava, porque sabia
que pondo minha mão na sua, nada haveria que eu não tivesse coragem de
enfrentar”. É assim que eu me sentia, quando meus pais me levavam aos circos
encantados de minha infância. Eu me sentia alegre, confiante, seguro e nada me
parecia faltar. Agradeço a Deus por ainda tê-los vivos e lúcidos, ao alcance de
meu querer e bem-querer.
domingo, 7 de janeiro de 2024
GUARITA
GUARITA
Elmar Carvalho
No bairro
da Guarita
sem guarita
sem guarida
e sem nada
fiquei sentindo
o cheiro de podre
de seu mercado
marcado
de bancas
e pessoas
no trabalho
na luta/labuta
como formigas
em formigueiro.
Vi peixes
minguados
rodeados de
pessoas pobres
que esperavam
uma nova
multiplicação
de peixes
oh! como tardas,
ó revolução.
Vi tomates
vermelhos
brilhando
ao sol
refletidos
nos olhos
das pessoas
que espiavam com fome
que espiavam sem dinheiro.
Vi expostas
postas de
carne
sangradas sangrando
borrifando vermelho
em estranha
pintura
surrealista.
No bairro
da Guarita
na zona do meretrício
vi profissionais
como mendigas
porque a necessidade
é bem maior
que o ganho.
Na praça
da Guarita
num comício do povão
vi que o povo tem fome
mas o povo quer comer
vi que o povo
tem sede
mas o povo quer beber.
Na praça da
Guarita
sem guarita e sem guarida
a guarita
é o povo
na guarita do poder.
Pba. 19.01.81