quinta-feira, 31 de maio de 2012

AINDA MEU “TESTAMENTO” LITERÁRIO


Concurso de poemas
Alunos, ladeados pela profa. Régia e pelo prof. Clementino Siqueira


31 de maio   Diário Incontínuo

AINDA MEU “TESTAMENTO” LITERÁRIO

Elmar Carvalho

Em meu depoimento no Pro Campus, recordando as minhas antigas leituras de menino, falei que alguns dos livros da biblioteca de meu pai estavam incompletos. É que, quando eu tinha de dois para três anos de vida, ao brincar com esses livros, talvez folheando aleatoriamente suas folhas, sem saber decifrar ainda o código da escrita, e sem imaginar o prazer que mais adiante elas me dariam, no meu início de leitor inveterado, rasguei algumas dessas belas páginas, sob o olhar indulgente e divertido de minha avó paterna.

No afã e no prazer da leitura, ficava triste e frustado, quando perdia parte do desenrolar da narrativa, por causa das folhas perdidas, que eu mesmo rasgara nos meus tempos de infante. Um desses romances foi o Mártir do Gólgota, sobre o qual já me referi neste Diário, e um compêndio sobre a Literatura Brasileira, que continha história e crítica literária, com a transcrição exemplificativa de trechos dos poemas. Esta última obra foi decisiva para que eu, desde bem jovem, passasse a distinguir a boa da má literatura, a separar o joio do trigo, como nos adverte a parábola evangélica.

Nessa época eu lia de tudo, mormente poemas e ficção. Lia e relia as antologias contidas nos compêndios de gramática e literatura. Li muitas revistas, inclusive gibis e fotonovelas, e até mesmo romances condensados ou transformados em histórias em quadrinhos, à falta momentânea de obras literárias. Encantava-me a beleza de Michela Roc e Paola Pitti, atrizes italianas, que interpretavam as heroínas dos lacrimejantes folhetins fotográficos. Ao ler a biografia dos grandes poetas e escritores, e ao lhes ver o retrato estampado nas seletas, almejei me tornar um poeta de valor, e não simplesmente um poeta qualquer. Se consegui ou não o meu objetivo é uma outra questão, que não me cabe responder.

Foi nessa época que li todo o Novo Testamento, numa edição que tinha notas históricas e de exegese, que me adestraram a interpretar sobretudo as parábolas de Jesus. Certa vez, já estudando na cidade, fui à pregação de um sacerdote católico, numa casa próxima. O padre perguntou aos assistentes a interpretação de certa parábola. Adestrado pelas notas a que me referi, dissequei a alegoria exemplar sem titubeios e vacilos, o que causou enorme admiração pela minha pouca idade.

Vendo meu pai o meu grande interesse pelos livros, e já começando a esboçar alguns textos, trouxe-me ele de presente, certo dia, um dicionário de bolso, das Edições de Ouro. Foi grande o meu deslumbramento. Em meu incontido entusiasmo, comecei a ler o dicionário, página por página, verbete após verbete. Meu pai, vendo essa minha dedicação, explicou-me que dicionário não era para ser lido dessa maneira, mas apenas para ser consultado, quando eu tivesse dúvida sobre o significado de um determinado vocábulo. Cedo percebi, que, pelo contexto da leitura, muitas palavras desconhecidas poderiam ter o seu significado extraído da própria interpretação do texto.

Não pude deixar de explicar aos acadêmicos da AJULE que a literatura era a mais inglória das artes; que o renome através dela só vem tardiamente, quando vem, após muito esforço e dedicação; que se desejassem dinheiro e Glória, deveriam buscar a música (ainda que fosse a música medíocre da geração Teló) ou o futebol, ou mesmo a política, mesmo a de Demóstenes e outros demos demoníacos. Também lhes adverti que usassem com afinco a caneta vermelha, a borracha, a cesta de lixo e a tecla delete, conforme seu instrumento de escrever, porquanto muito do que escrevemos são gorduras e celulites, que apenas engordam o texto, sem lhes dar a contrapartida da beleza.

Aproveitei para fazer, como venho fazendo há muitos anos, um alerta sobre as ciladas das drogas. E disse que os colégios, públicos e privados, muito poderiam fazer, preventivamente, para evitar que o jovem caia no mundo dos entorpecentes, através de palestras e aulas a respeito desse mal que assola as famílias e a sociedade, bem como promovendo o esporte, a arte e a cultura, através de campeonatos intercolegiais ou interclasses, gincanas culturais, certames de declamação, concursos literários e musicais.

Expliquei-lhes que outrora havia jornais manuscritos, murais e impressos em mimeógrafos, ou nas trabalhosas e antiquadas imprensas tipográficas, em que os textos eram compostos tipo a tipo no componer, pelo “compositor” nada musical. Eu mesmo fui colaborador de alguns desses jornais, entre os quais referi o A Luta, o Folha do Litoral, o Norte do Piauí, o Inovação, que a Régia, coordenadora da Academia Juvenil, bem conhecera em Parnaíba.

Defendi a ideia de que os colégios poderiam criar blogs e sites culturais, para explorar a criatividade artística dos jovens estudantes, que neles poderiam publicar seus poemas, crônicas, contos e ilustrações, desenhos ou pinturas, e até mesmo pequenos filmes e videoclipes. Poderiam promover a encenação de pequenas peças teatrais ou produzir performances com a utilização de poemas e exposição de artes plásticas de seus alunos.

Enfim, mediante essas atividades esportivas, artísticas e culturais, a que fiz referência, os educandários poderiam contribuir para afastar a juventude dos narcóticos, dando aos jovens um maior e melhor sentido da vida, desenvolvendo ou aumentando a autoestima deles, e, quem sabe, possibilitando o surgimento de novos e grandes artistas. As quadras já existem, os auditórios já existem, os professores já existem. O que falta, pois?

quarta-feira, 30 de maio de 2012

DEPOIMENTO LITERÁRIO NO PRO CAMPUS


Pedro Costa, Elmar Carvalho e Zózimo Tavares
Flagrante do Auditório Prof. Clementino Siqueira
Os jovens acadêmicos na sala recém inaugurada


30 de maio   Diário Incontínuo

DEPOIMENTO LITERÁRIO NO PRO CAMPUS

Elmar Carvalho

Fui, no sábado, dar um depoimento sobre o início de minha vida literária, conforme me havia sugerido a Régia, professora de literatura do Colégio Pro Campus e coordenadora da Academia Juvenil de Letras desse educandário. Quando cheguei, já havia acontecido a solenidade de inauguração da sala que o professor Clementino Siqueira, diretor e proprietário da unidade escolar, havia destinado a essa agremiação literária, que segue o modelo das Academias Brasileira e Piauiense de Letras, exceto quanto à vitaliciedade e ao número de cadeiras.

Por motivos óbvios, os membros da AJULE não podem ser vitalícios, porquanto a posse da vaga só dura o tempo em que forem alunos do colégio, acompanhando a transitoriedade própria da vida de estudante. E o número de cadeiras é trinta, e não quarenta, como nos sodalícios que lhe servem de inspiração. Cada uma delas tem como patrono uma figura ilustre do magistério piauiense. Conheci quase todos. De alguns fui amigo e/ou aluno. Muitos são filhos de Oeiras, terra natal do professor Clementino Siqueira, educador que conheço faz mais de duas décadas.

Além deste cronista, fizeram parte da mesa de honra os escritores e jornalistas Zózimo Tavares e Gregório de Moraes, os poetas repentistas Pedro Costa e Antônio Raimundo, além da representante da Fundação Quixote. Ao lado, em destaque, ficaram os juvenis acadêmicos, garotos e garotas, envergando a farda e o manto de sua Academia. Na oportunidade, foi apresentado por Rogério Bezerra o site da AJULE, que evidentemente será noticioso e literário.

Procurei ser breve em minha fala, porquanto haveria um concurso literário, do qual fui um dos jurados. Disse que madruguei em minha atividade e vocação literária. Falei que, quando eu tinha de nove para dez anos, minha família foi morar na zona rural de Campo Maior, por uma curta temporada. Expliquei que isso me causou enorme tristeza, pois eu era acostumado com a movimentação, as luzes, os carros, os divertimentos e a algazarra da cidade.

À falta de diversão e de outros afazeres próprios de um garoto citadino, comecei a ler com sofreguidão, primeiro os livros da pequena biblioteca de meu pai, depois os da biblioteca infanto-juvenil do Grupo Escolar Valdivino Tito, que a professora Mirozinha me enviava, quando meu pai ia à cidade. Ela era prima legítima de minha mãe e minha madrinha. Devo-lhe muito. Devo-lhe, em grande parte, a alegria de meus dias de criança e o meu interesse precoce pelas letras.

Data dessa época, um livro manuscrito que escrevi sobre a educação em Campo Maior, que Mirozinha chegou a mostrar ao professor Raimundinho Andrade, que se mostrou entusiasmado com essa afoiteza juvenil. Nesse período, influenciado pelos contos que eu lia, cheguei a escrever algumas pequenas narrativas, que se perderam nas sucessivas mudanças de minha família, do interior para a sede do município, desta para a cidade de José de Freitas, e desta, o retorno.

Quando concluí a leitura da biblioteca do Grupo Escolar Valdivino Tito, minha madrinha passou a me enviar os livros e revistas de sua própria biblioteca. Meu pai, conforme suas condições financeiras permitiam, comprava alguns livros e revistas, entre as quais alguns exemplares de Conhecer, verdadeira enciclopédia fasciculada, que me atiçava a imaginação, mormente quando estampava ilustrações das grandes aves jurássicas e das galáxias e estrelas.

Contei aos acadêmicos e demais ouvintes, que meu primeiro texto publicado foi uma crônica, quando eu tinha dezesseis anos. Foi agasalhada, a pedido de meu pai, no jornal A Luta de Campo Maior, que está a merecer que alguém lhe escreva uma monografia ou mesmo uma tese de doutorado, pois eminentes conterrâneos foram seus colaboradores, com a publicação de textos notáveis. Entre esses luminares, destacaria, sem desdouro dos demais, o irmão Turuka e o médico José Francisco Bona, cujas crônicas e “causos” ainda hoje admiro, quando os vejo transcritos em alguma publicação. Meu pai publicou alguns textos de sua autoria nesse valoroso periódico.

Fiz questão de salientar que minha, digamos, carreira literária foi feita, sobretudo, através de colaborações em jornais, revistas e obras coletivas, sem pressa em lançar um livro individual, até porque eu não tinha dinheiro para tal. Confessei que foi melhor assim, pois fui sentindo, aos poucos, a receptividade que meus textos iam tendo. Fiz questão de enfatizar, que tenho lido muito mais do que publicado, pois entendo que um homem de letras, além de saber dizer, em linguagem adequada, tem que ter o que dizer, e é através da leitura dos grandes mestres que ele se aprimora para esse mister.

Quando eu tinha por volta de 28 anos de idade, alguns amigos e leitores começaram a me “cobrar” a publicação de um livro individual. Foi então que o professor A. Tito Filho, presidente da Academia Piauiense de Letras, espontaneamente, sem a menor insinuação de minha parte, pediu-me organizasse os meus poemas, pois desejava enfeixá-los em livro. Não preciso dizer o quanto fiquei contente e orgulhoso de ter recebido esse convite/incentivo. Infelizmente, um pouco depois de eu lhe haver entregue o volume com meus poemas, o mestre veio a falecer.

Após o professor Manoel Paulo Nunes assumir a presidência da APL, contei-lhe esse caso. Ele, de forma firme e educada, disse que manteria o convite de seu antecessor, desde que meu livro passasse pelo crivo do Conselho Editorial da Academia. Respondi-lhe que nada objetava quanto a isso. Para gáudio meu, o conselheiro e acadêmico Wilson Andrade Brandão, homem rigoroso, porém justo, na qualidade de relator manifestou-se pela publicação da obra, cujo voto foi encampado pelos demais membros do Conselho Editorial.

O fato é que a 1ª edição de A Rosa dos Ventos Gerais veio a lume através de convênio entre a APL e a Universidade Federal do Piauí. Portanto, quando meu primeiro livro foi publicado já não era eu mais um bisonho neófito, pois percorrera lentamente, sem ânsias, uma longa estrada, a publicar meus poemas e minhas crônicas em jornais, revistas, páginas literárias, cartazes, obras coletivas e antologias, auscultando a aprovação dos mestres e leitores. Essa publicação me valeu muito mais do que uma coroa de louros, cujas folhas murcham e morrem. Mesmo porque não tenho a pretensão de ser algum poeta laureatus nem príncipe da versificação.

terça-feira, 29 de maio de 2012

Desista, Professor!



José Maria Vasconcelos
Cronista, josemaria001@hotmail.com

Produto raro, produto caro. O princípio vale para compra de banana, maçã, ouro, barro. Também para contratação de profissionais. Em toda esquina, encontra-se professor, quase sempre despreparado, desmotivado, biqueiro. Está provado porque ganha mal. Pior, sob o jugo perverso de gestores mais interessados nos salários obesos da parentela ociosa ou na defesa das empresas do ramo.
Criou-se a cultura de se elegerem diretores das escolas públicas pela votação democrática da comunidade, porém, na ponta da hierarquia, prevalecem caprichos pessoais e partidários. É como convidar enfermeira para contabilizar despesas públicas. Faltam especialistas e inundam a administração de peixes políticos.
Acompanho, desencantado, há décadas, a luta inglória do magistério por salários condizentes à nobre profissão. A sina dos profissionais da Educação é aguentar o inferno da ingratidão e desvalorização. Alimentam sonhos sublimes e heroicos, erguendo bandeiras do idealismo, sob a vergasta de merrecas até para o básico da sobrevivência.
Proporia uma atitude covarde, mas realista, ao desestimulado professor: desista da profissão, especialmente da rede pública. Nem sempre heroi é quem se manda por último. Desista, professor. Quanto antes. Estudantes não merecem permanecer sem aulas ou assistir a náuseas, barricadas e muxoxos de infeliz profissional.
Gestores dão bananas ao idealismo patriótico de construir uma sociedade pela educação de vergonha. Investem mais na pança das ambições pessoais, roubam. Fazem que fazem, banqueteando-se com a volúpia de construtoras e afilhados. No frigir dos ovos, escondem a omelete, dão cascas a otários barnabés e à opinião pública.
No início da minha profissão de professor, na rede estadual, amarguei a experiência de navegar em barca furada aguardando socorro de navio. Apaixonava-me a tarefa de convivência com os jovens. Ex-alunos são-me testemunhas do enorme interesse de lhes abrir as mentes. Quando regressava para casa, 11 da noite, esgotado, sentia-me um bolor. O contracheque magro não me amenizava o esforço. À hora do recreio, ouvia dos companheiros rosário de lamúrias, salários atrasados e mixurucas promessas. Tomei uma decisão: buscar novos horizontes, onde me satisfizesse, pelo menos, ganho mais razoável no magistério, ministrando cursos, lecionando em cursinhos e escolas privadas, apesar das fragilidades encontradas. Ainda há uma guerra de concorrência saudável, em vez da autoestima mofada na escola pública.
Quando surgem heroicos professores para classificar seus alunos, em nível nacional, políticos soltam rojões, até no Congresso, como autores dos méritos. Como se inaugurassem obras inacabadas para engabelar a própria consciência.
Só aumento salarial não qualifica competência profissional. Há que se selecionarem gestores especializados na área que administra (repito: enfermeira não pode exercer contabilidade pública). Cobrança de qualidade e dedicação.
Infelizmente, professor e médico plantonista do setor público, se não se habilitarem para voos mais altos em atividades competitivas, sempre amargarão raquíticos salários no faz de conta dos gestores públicos. Porque, neste país, só servem os que não servem. Só servem os malabaristas da malandragem estatal. Se eles quiserem, até motorista do palácio pode eleger-se prefeito de interior. Aí, meu irmão, minha irmã, o barato é que sai caro.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Voando com o velho Braga



M. Paulo Nunes

Foi com muita tranquilidade, que realizamos recentemente um voo direto de S. Paulo a Teresina, após mais uma visita das que periodicamente fazemos àquela cidade para realizar exames de saúde, com a mais absoluta segurança. Faltou-nos, entretanto, uma coisa importante para manter o bom humor e o equilíbrio na viagem, ou seja, comida a bordo. Não, é claro, com a fartura de antigamente, quando viajar de avião era uma festa ou uma farra, e hoje constitui “o mais triste dos prazeres”, como diria a fabulosa Madame de Stäel, quando viajava para o exílio, para cumprir um edito de Napoleão Bonaparte, de quem era desafeta.

Mas, embora faminto, tive, no meu caso, outra compensação, a companhia do velho Braga, na certidão de nascimento, Rubem Braga, a que os seus leitores poderiam acrescentar o cognome de nosso cronista-mor. Alguns o consideram do mesmo nível de Machado de Assis, o que constitui um exagero, dada a universalidade do “bruxo do Cosme Velho.” Mas esta é outra história.

O que posso acrescentar é que os dois diferem fundamentalmente na temática. Ambos cronistas da cidade e, no caso, da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, o autor de Dom Casmurro é o cronista, e também contista e romancista, da classe média urbana, enquanto que o velho Braga, seguindo a lição do Modernismo, que ora completa 90 anos, introduziu o povo na criação literária, como ocorreria com os demais representantes dessa corrente em nossas letras, a exemplo do romance de 30 ou de documentação sociológica da vida brasileira, de que destacaríamos, “a vol d’oiseau”, José Américo de Almeida, Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Jorge Amado e Rachel de Queiroz.

O livro de que me utilizei para este passeio ou por esta volta ao passado, em companhia do velho Braga, foi 200 Crônicas Escolhidas (Seleção Saraiva – Edição Best – Rio de Janeiro, 2011). Aí são recolhidas as melhores crônicas de todos os seus livros, em ordem cronológica de publicação, quais sejam: O Conde e o Passarinho, Morro do Isolamento, Com a FEB na Itália, Um Pé de Milho, O Homem Rouco, A Borboleta Amarela, A Cidade e a Roça, Ai de Ti, Copacabana!, A Traição das Elegantes.

Não pratiquemos uma desatenção com os demais oficiantes do mesmo credo, como Joel Silveira, Fernando Sabino, Otto Lara Rezende e outros monstros sagrados. Mas, depois de João do Rio, pseudônimo literário de Paulo Barreto, o cronista-mor da “belle époque”, autor daquela admirável farsa vicentina O Homem da Cabeça de Papelão, ninguém, como o velho Braga, marcou tão fundamente a sua época. Façamos assim o mesmo voo. 

Fonte: site da APL

domingo, 27 de maio de 2012



GRAN FINALE

Elmar Carvalho

Desmanchei
com minhas mãos
que os criara
os deuses em que cria.
Desfiz
a imagem que fizera
da mulher amada.
Perdi a fé em tudo
como quem nada perde.
Depois
gritei, berrei,
chorei gargalhando
e resolvi ficar louco.
Depois de doido,
resolvi tentar a sorte
          sal -
                  tan-
                         do de cabeça
do alto do arranha-céu.

Parnaíba, 15.06.78

sábado, 26 de maio de 2012

FLAGRANTE DO GERVÁSIO CASTRO

FLU - DOIS ANOS SEM VENCER O FLA

O LUXO ONEROSO E A LIÇÃO DE LANDRI SALES



Jesualdo Cavalcanti Barros*


Na mesma data em que assumiu o governo do Piauí (21.05.1931), na qualidade de Interventor Federal, o tenente Landri Sales Gonçalves tomou uma medida verdadeiramente revolucionária: baixou decreto suprimindo as Secretarias de Estado. Ao mesmo tempo, criou a Secretaria Geral, para superintender “todos os ramos da administração”, a ela diretamente subordinando Diretorias encarregadas das atividades-fim (Fazenda, Interior e Justiça, Agricultura, Viação e Obras Públicas, Instrução Pública, Saúde Pública e Chefatura de Polícia).
Para usar uma expressão tão em voga nos dias atuais, Landri enxugou a máquina administrativa, tornando-a leve, ágil e funcional. Por quê? Ele mesmo justificou a drástica medida perante o chefe Getúlio Vargas, em relatório de 1932, entregue por intermédio de Juarez Távora: “as condições financeiras do Piauí não comportavam o luxo de Secretarias de Estado.”
Bons tempos aqueles em que, em nome da racionalidade e do combate ao desperdício, se considerava um “luxo” o uso da estrutura de secretaria, sempre pesada e onerosa, sobretudo para setores ou atividades que mal cabem nos limites de um simples projeto ou programa. Ou mesmo de uma seção. Pois secretaria significa, a grosso modo, toda uma parafernália de departamentos, divisões, assessorias, gerências, coordenadorias e quejandos, com seus chefões e chefetes  não raro arrotando pose e mordomias (gabinetes, secretárias, carros e telefones), tudo por conta do contribuinte. E assim o dinheiro some. Em suma:  para organizar a atividade-meio, gasta-se o dinheiro que deveria ser investido na atividade-fim.
O Piauí de hoje, seguindo o mau exemplo do Planalto, abusou desse “luxo”. Daí o gigantismo do aparelho estatal, com  suas consequências desastrosas: o paralelismo de ações, a superposição de órgãos, o inchaço da folha, a evaporação das receitas. Enfim, o desperdício de tempo e de dinheiro. Face à ineficiência administrativa resultante desse verdadeiro “samba do crioulo doido”, pipocam as brigas por espaço, os confrontos de vaidades, as ciumeiras, as rivalidades. E as consequências todos sofremos.
Economizando para poder investir, Landri tornou-se um dos melhores administradores que o Piauí teve até os dias de hoje, inclusive pelo combate sistemático a mordomias. Sem comentários, reproduzo nota contida na resenha dos ofícios expedidos pelo Secretário Geral, publicada no Diário Oficial de 2 de setembro de 1931, sobre  uso de carros oficiais pelos altos dignitários do Estado:
Ao Sr. Diretor da Fazenda, mandando providenciar para que sejam devidamente descontadas em folha, pela Tesouraria daquela repartição, as importâncias abaixo discriminadas, provenientes de corridas feitas em carro do Estado pelas autoridades que se seguem:
         Ten. Landri Sales Gonçalves................19$600
         Ten. Antonio Martins de Almeida          12$600
         Sr. Heráclito Souza                             3$500
         Prof. Felismino Freitas Weser .              2$800
         Cap. Torquato Pereira de Araújo           2$100
         Ten. Bruno Jansen Meireles                 4$900
         Prof. Martins Napoleão                       4$200
         Cel. João Bastos                               7$700
         Dr. Luiz Mendes Ribeiro Gonçalves      49$700
                               Total .....................107$100.”
E assim ocorria todo mês, com esses e outros nomes. Na publicação do mês seguinte (4 de outubro), por exemplo, o valor descontado subiu para 153$600.
Assim, a contar do todo poderoso chefão Landri, pagavam do próprio bolso pelo uso de carros oficiais as mais altas autoridades do Estado, como as citadas acima: Antonio Martins de Almeida, Secretário Geral; Martins Napoleão, Diretor Geral da Instrução Pública; João Bastos, Diretor da Fazenda; e Luiz Mendes Ribeiro Gonçalves, Diretor da Agricultura, Viação e Obras Públicas. Sem nenhum desdoiro.
Por isso é que o dinheiro dava.

*Ex-presidente da Assembléia Legislativa e do Tribunal de Contas do Estado

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Uma luta de Sísifo


Cunha e Silva Filho

Durante boa parte do meu tempo de magistério lecionando no ensino fundamental e médio particular e no nestes mesmos níveis por concurso de provas e títulos no ensino público municipal e estadual, quase estou firmando a convicção de que os professores brasileiros lutam em vão. Uma vez, uma diretora de uma escola municipal, no meu início de carreira, me alertou para que não continuasse no magistério, uma vez que ele só me traria dissabores, o que se traduzia em baixos salários, falta de perspectivas e promessas por parte dos governantes de que as coisas melhorariam.

E assim foi. Entravam governos e saíam governos, e a situação angustiante continuava. Parecia um castigo dos deuses profanos ou das mensagens dos oráculos. contra a nobre carreira do professor. Os salários eram tão baixos que um professor nem mesmo poderia financiar uma casa própria, alugar um modesto  apartamento,   sobretudo se o professor tinha família e todos dependiam de seus minguados salários. Longos anos se passaram, e nada melhorou substancialmente. E sabem por quê? Porque os governantes não respeitam a classe dos professores, com exceção do nível superior e mesmo assim apenas nas universidades púbicas (e algumas particulares) que, da mesma forma, já passaram por péssimos períodos nos quais os professores tinham vencimentos incompatíveis com a relevância da cátedra superior e a manutenção dos trabalhos de pesquisas. Programas humoristas, novelas de televisão, passaram a caricaturar a situação dos professores. A escola do professor Raimundo do Chico Anísio (1931-2012) foi um deles..

.Ora, essa dessacralização dos docentes, na consciência de uma sociedade que valoriza o fetiche do status econômico, sofre a influência negativa da caricatura e,  por sua vez, passa a desvalorizar a vítima carnavalizada.  Na época, escrevi artigo criticando o citado programa de humor. Ou seja, o humor ali teve efeito negativo e não de castigar os responsáveis pelas péssimas condições sociais do docente.

Não sou prosélito do governo do Presidente Lula, mas estou convencido de que, no seu segundo mandato, ele foi o único mandatário que valorizou os professores universitários e os professores federais dos níveis fundamental e médio. Daí o respeito que as universidades têm tido por ele, daí os títulos de Doutor Honoris Causa que lhe têm sido outorgados.

Ao contrário, governadores e prefeitos, e vejo pela perspectiva de minha experiência como cidadão que mora no Rio, tanto no tempo da ditadura, quanto na fase democrática, pouca atenção deram aos professores públicos. Os movimentos de  grades e demoradas  greves deflagradas contra o governo do estado do Rio de Janeiro e a prefeitura do município do Rio se tornaram homéricas até que houve um período de exaustão por parte dos professores. Lideranças de professores se reuniam com representantes dos governos, às vezes chegavam a um acordo razoável de reajustes e de planos de carreira que prometiam seriam implementados. Algum tempo passava.  A inflação ia corroendo o que se conquistou e, dentro em pouco tempo, a situação angustiosa do arrocho salarial voltava ao despenhadeiro de Sísifo. Este teria que rolar novamente a pedra para cima do rochedo.

Foram inúmeras essas experiências malogradas. Governadores(inclusive Brizola),   cariocas e prefeitos cariocas  não cuidaram bem do ensino. Um prefeito do Rio, o Saturnino Braga chegou mesmo a falir as finanças da prefeitura, levando os professores municipais a um estado de penúria, falência administrativa - diga-se a bem da verdade – só sanada pelo prefeito Marcelo Alencar. Nos meus longos anos de magistério, rigorosamente nunca houve um bom governante que privilegiasse a educação. A expressão plano de carreira se esvaziou do seu sentido concreto, virou retórica vazia de promessas mentirosas de candidatos a governos estaduais e a prefeituras. Lembrava uma afirmação triste e desanimadora de um ex-governador de São Paulo, Orestes   Quércia,  segundo a qual professores nunca teriam bons vencimentos. Era o castigo de Sísifo que parece permanecer até os dias atuais.

Agora mesmo, os professores municipais do Rio de Janeiro estão se mobilizando para uma assembleia a ser realizada na UERJ e ao mesmo tempo levando proposta salariais que seja mais digna do exercício do magistério. A atual  situação  dos professores é vergonhosa  para o  povo carioca, ao passo que as reivindicações justas da parte dos  docentes, se atendidas, melhorariam as aflições do professorado. Desanimados, tendo perdido o prestígio da sociedade que os vê como pobres citados, sem status social e sem dignidade e respeito da população, os professores cariocas estão empunhando uma bandeira que há tantas décadas tem enlameado os valores da saber, do estudo tão essenciais ao desenvolvimento de um nação que se quer enfileirar-se entre as sociedades desenvolvidas tecnológica e cientificamente,como a China, o Japão, os Estados Unidos, a França, a Alemanha, a Suécia,, entre outros.

O Brasil não vingará em sua expansão  industrial e tecnológica se não preparar seus filhos das camadas mais pobres ou paupérrimas em escolas com professores bem formados, atualizados, bem remunerados, com um sistema de educação sintonizado com o mundo moderno. Não é somente distribuindo aparelhos da área da informática, através de processos de inclusão digital, que as nossas criança e jovens sairão do buraco da ignorância e e de uma educação deformada. Não adiantam prédios bem equipados se lá dentro não existem professores bem pagos e desejosos de levar a educação brasileira a uma patamar de níveis das melhores escolas públicas do mundo.

Investir em verbas para a educação que não sejam desviadas para outros objetivos desconhecidos e inconfessáveis é imperativo de um governador ou de um prefeito bem intencionado e que respeita a formação cultural dos alunos. Reciclar professores é importante, mais importante ainda  é dotar os mestres de uma vida condigna para desenvolver suas aulas, estudar, aperfeiçoar-se e, assim, devolver aos alunos toda a sua experiência e resultados de estudos.

Na luta entre campanha salarial e melhoria do nível de ensino de nossas escolas municipais e estaduais devem estar envolvidos constantemente, além dos professores, mães e pais dos educandos, sempre juntos, de mãos dadas, cobrando eficazmente das autoridades educacionais medidas concretas e não paliativos ou promessas que, até hoje, não têm sido cumpridas. Nomear também para secretários de educação professore, pedagogos ou educadores de reconhecido valor moral e intelectual e não apaniguados políticos é outra  exigência imediata e fecunda. Eliminando esses obstáculos altamente nocivos à educação seria um grande passo de um governante que respeita seus eleitores e o dinheiro do contribuinte. Do contrário, a luta dos docentes será um trabalho de Sísifo..

quinta-feira, 24 de maio de 2012

FLAGRANTE FUTEBOLÍSTICO DO GERVÁSIO CASTRO


O VIDENTE, O SABIÁ E ZÉ LIMEIRA



24 de maio   Diário Incontínuo

O VIDENTE, O SABIÁ E ZÉ LIMEIRA

Elmar Carvalho

Dias atrás, fui fazer o interrogatório de um interditando em sua própria residência, a pedido da interditante, que disse ele estaria com a sua suposta doença mental em crise, e que se recusava a deixar sua residência. Juntamente com a representante do Ministério Público e um servidor, fui fazer essa diligência, logo que tive uma folga nos serviços mais urgentes.

Quando chegamos à humilde habitação, o rapaz estava numa palhoça, no fundo do quintal, de onde se recusava a sair. Quando cheguei a esse local, já o Luiz Moreira, que o conhecia, assim como aos seus parentes, conversava com ele, e lhe recomendava responder as perguntas que o juiz lhe formulasse. Ele respondeu que não sairia do seu compartimento, e que não desejava conversar com ninguém. Ao chegar o cumprimentei, de forma descontraída, tentando lhe angariar a simpatia.

Perguntei-lhe o nome, tendo ele dito chamar-se Raimundo. Perguntado sobre a data de nascimento, disse haver nascido em 3 de agosto de 1958, mas que tinha menos de 7 anos de idade. Ante tão evidente erro aritmético, explicou, em sua lógica ilógica, que até os sete anos a pessoa era um “defensor”, e que após essa idade era um pecador. Por conseguinte não era ele contaminado pelo pecado, conforme acabou de explicar a seguir, quando disse ser filho direto de Deus e irmão legítimo de Jesus Cristo. Aduziu que não era filho de um homem e de uma mulher; que fora criado diretamente pelo Senhor, e que por isso mesmo não tinha pecado original.

Disse escutar vozes, especialmente as de Deus e de Jesus, com os quais disse conversar. Perguntei-lhe se os via. Respondeu positivamente, acrescentando que Deus tinha um grande dente na parte frontal da boca, e fez um gesto com um dedos, simulando ser um dentuço. Disse-lhe que o que ele via mais se assemelhava ao vampiro Conde Drácula. Não deu mostra de haver compreendido a minha observação. Perguntado a respeito, disse não precisar rezar, pois conversava e se entendia diretamente com Deus. Por mero formalismo, intimei-o a impugnar a causa, no prazo de cinco dias.

No retorno, o Luiz Moreira contou-me o caso de um demente conhecido como Sabiá. Explanou que quando ele pede determinada coisa, só aceita o que pediu, e não outra, ainda que mais valiosa. Certo dia, ao encontrar-se com Sabiá, este lhe pediu um pedaço de fumo. Como Luiz respondesse que não o tinha, o louco saiu-se com essa tirada, depois de olhar fixamente para o pneu de uma bicicleta:
- Tem gente que diz que é uma “cama”, outro diz diz que basta revisar.
Piqui com farinha tem um feitiço danado...

Seja lá o que tenha sido esse rompante verbal, um tanto incongruente e despropositado, é algo semelhante a certas passagens poéticas de Zé Limeira, dito o Poeta do Absurdo, sobre o qual Orlando Tejo escreveu um excelente livro, crítico e biográfico, que li com muito gosto e atenção. Zé Limeira, como se sabe, era um repentista de versos desconcertantes, e por vezes totalmente imprevistos e imprevisíveis, sobretudo pelo seu adversário, nas pelejas do improviso de cantadores/violeiros. Algumas vezes, chegavam a ser estapafúrdios, embora metrificados e rimados; por isso era considerado um surrealista da lírica popular.

Muitas vezes, ele mudava as datas e o contexto histórico para inserir o personagem, com o qual desejava ilustrar o conteúdo de sua versificação, no cenário que lhe convinha na contenda do desafio. Outras vezes, modificava a prosódia, transformando proparoxítonas em oxítonas (e vice-versa), mas não perdia a rima nem o ritmo, como certos zagueiros, que, ao não conseguirem alcançar a bola, derrubam o atacante, para não perderem a viagem. Da mesma forma Sabiá, embora não tenha plumagem nem voo, como a ave canora que lhe cedeu o apelido, tem canto, e no seu lirismo, singular e bizarro, se me afigurou um verdadeiro Zé Limeira, em seus melhores momentos.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

O MARIDO VOYEUR


Foto meramente ilustrativa

23 de maio   Diário Incontínuo

O MARIDO VOYEUR

Elmar Carvalho

Narrei a um tenente, amigo meu, um caso que foi contado, muitos anos atrás, a um outro amigo, por um velho marinheiro aposentado. O caso era um tanto escabroso, inusitado e tinha algo de tara bizarra. Mal terminei de contar essa história, algo chocante, o tenente disse:
- Tenho algo muito mais interessante para contar, e que aconteceu comigo mesmo.
Como eu tenha duvidado, o tenente reafirmou que o seu caso era mais inacreditável, e contou-me o que passarei a relatar. Talvez algum dia eu crie coragem para escrever sobre o caso acontecido com o velho marinheiro e sua mulher.

Quando o tenente, então sargento, servia em outro estado, antes de regressar definitivamente ao Piauí, sua terra natal, foi a uma festa na capital dessa unidade federada. Para seu contentamento, uma mulher, muito bonita e muito bem trajada, com roupas que lhe assentavam divinamente, começou a olhar para ele com certa insistência. O tenente é do tipo paquerador, e tratou de corresponder ao flerte da madame. Ela veio até ele e o convidou para dançarem. O meu amigo, lógico, não se fez de rogado. Não demorou e já estavam aos beijos, abraços e amassos.

A mulher convidou o bravo militar para que fossem até sua casa, a pretexto de que lá estariam em segurança, e teriam conforto e um bom uísque. O tenente desta feita ficou muito desconfiado, temendo algum tipo de cilada. Fez algumas perguntas, entre as quais se ela era casada. A mulher disse que ele não se preocupasse, pois o maridão viajara para o exterior, a serviço, e só voltaria dali a alguns dias. O meu amigo continuou arisco, afinal era, como dizem, “muita areia para o seu caminhãozinho, e muita carne para o seu açougue”. Por outro lado, matutou o militar, quando a esmola é grande, o cego desconfia. Mas a mulher o tranquilizou, e ele seguiu no carro dela.

Foram logo, como dizem os escritores castiços e antiquados, para o tálamo conjugal, ou, como falam os irreverentes e debochados, para o abatedouro. O tenente se esbaldou. A mulher fez de tudo para agradá-lo, inclusive deu-lhe um completo banho de gato, que culminou em um felatio, feito com esmero e muito tempero, minúcia e rara competência, como se fora praticado por uma profissional do sexo ou uma sacerdotisa do amor. A mulher parecia estar a exibir-se, para invisível plateia ou para oculto olho eletrônico, tanto nas poses como nos urros e sussurros. Duas ou três horas e várias inusitadas posições depois, quase diria performances artísticas de dois acrobatas circenses, e já encerrado o terceiro round, o nosso heroi partiu para o justo e merecido repouso do guerreiro.

Eis que senão quando, de forma inesperada, mas de maneira suave, a porta se abriu, deixando surgir a figura de um homem forte, alto, bem apessoado, e de aparência máscula, viril. O tenente temeu o pior, talvez um duplo homicídio, dele e da parceira, quem sabe seguido de um suicídio, ou, na melhor ou pior hipótese, ser ele sacrificado com uma curra, sob a nada convincente, mas coercitiva ameaça de uma pistola. Procurou erguer-se do leito, para tentar ao menos esboçar alguma forma de defesa, mas foi impedido pela mulher, que calma e delicadamente disse para ele não se preocupar, que a chegada do seu marido já estava combinada com ela. A seguir, sussurrou em sua orelha que o seu marido só fazia sexo com ela, após vê-la transar com outro homem.

Passado o descomunal susto, o nosso heroico tenente notou que o homem esboçava um leve sorriso, quando lhe disse da maneira mais gentil:
- Espere-me na sala, que depois lhe deixarei em sua casa. Pode tomar a bebida que você quiser. Não se acanhe, o bar é todo seu...
Quarenta minutos depois, o homem deixou o quarto e veio até a sala. Parecia muito feliz e relaxado. Perguntou se o meu amigo desejaria ir logo, ao que ele assentiu. No carro, o marido da bela matrona ainda lhe deu uma polpuda gratificação. Apenas, em troca, pediu que ele não contasse o caso para ninguém, pois era executivo de uma poderosa empresa, e não queria saber de escândalo. Como o tenente não tem o hábito de contar potocas, dou o caso como verdadeiro, e aqui encerro este conto da vida dita real.

terça-feira, 22 de maio de 2012


Já está sendo anunciado o lançamento da 2ª edição do livro Amarante - Personalidades e fatos marcantes. É uma das mais importantes obras sobre a história, as pessoas e as coisas dessa bela cidades.

Eu quero Tchu... Eu quero Tcha... Eu quero chutchatcha…


Aracy e Guimarães Rosa

José Maria Vasconcelos, cronista
josemaria001@hotmail.com

Como tantos outros rebolados, rebolations, "eu tô maluco", eletrizantes e sensuais, tão fugazes e meteóricos, logo desaparecem. "Eu Quero Tchu, Eu Quero Tcha..." é da hora, invade o planeta, jogadores famosos festejam o gol, em requebros para a plateia. Restará aos autores da espasmódica canção e mixuruco texto e gingado apelativo, uma montanha de dinheiro e fama transitória.
Condenam-se tais rebolados. Piores do que os pinotes e malabarismos escandalosos de gestores? Sacaneiam a opinião pública, até o nome Deus. Dançam, gingam, tripudiam, sem tapa-sexo, sem dignidade: "Eu quero mais...muito mais...e tcham, tcham, tcham para otários éticos." Parlamentar sacoleja a pança, rebola-se como secretário, esfregando a vergonha, há décadas, com obesos contracheques, sem nunca ter pisado no emprego de banco estatal. A mulher se esbalda em luxuriantes 20 mil paus, como procuradora do Estado, nunca piscou o olho para o trabalho. Na dança irreverente de contracheques, filhos e irmãos se derretem e compõem o ritmo da malandragem. Bananas e maior-de-todos para a moral cristã, para a infância e velhice abandonadas nos hospitais, para as obras inacabadas.
Francisco Cambraia, irmão de ex-prefeito de Fortaleza, acaba de me enviar documentário sobre a bela Aracy Guimarães Rosa. Separada do marido, foi morar com a tia na Alemanha, nos anos 30. Dominando alemão, Aracy conseguiu emprego no consulado brasileiro de Hamburgo. João Guimarães Rosa, também separado da esposa, antes de sair do Brasil, foi servir no consulado de Hamburgo. Conheceu Aracy, casaram-se. Uma circular do Itamaraty proibia vistos de saída a judeus para o Brasil. Aracy driblava as autoridades, permitindo vistos àquele povo perseguido pelo nazismo. Guimarães Rosa sabia do ato humanitário e arriscado da esposa, permitindo os vistos. Aracy salvou centenas de judeus do holocausto. O governo de Israel, mais tarde, homenagearia a benfeitora, em memorial de Jerusalém, onde constam nomes de 18 diplomatas que salvaram judeus da carnificina nazista.
Guimarães Rosa morreu em 1967. Aracy nunca mais se casou, nem se assoberbou de viúva do imortal escritor. Acolheu perseguidos políticos do governo militar, acolhendo-os na Alemanha, entre os quais cantor Geraldo Vandré.
Em 1985, a heroína dirigiu-se a Israel para condecoração, bem como a Washington, pelo governo americano. Faleceu em 2011, aos 103 anos. Nenhuma homenagem do governo brasileiro. Aqui se homenageiam esposas, filhos, parentes, distribuem-se, servilmente, títulos de cidadania. Essa gente segue códigos egoístas de "Mateus, primeiro os meus." E ainda tripudia a opinião pública, dançando, nus de vergonha na cara, o rebolation, a ginga do Tcham na boquinha da garrafa. Quantas boquinhas imorais!

segunda-feira, 21 de maio de 2012



Olavo Pereira da Silva Filho

O Decreto Municipal nº 12.048/14/04/2012 que tomba o edifício sede do Jockey Club do Piauí, chega ao noticiário como uma efusiva manifestação de que os gestores públicos têm consciência da memória da cidade. Será?!
Para entendermos o significado desse ato no contexto da paisagem cultural da cidade precisamos projetar um sentimento de estima pelas referências que consubstanciam identidade social. Não raro, esse sentimento encontra-se incubado em mentes presas a um passado condenado à extinção. Isso nos mais idosos, porque as novas gerações pouco ou nada sabem do passado dessa cidade. Nessa Chapada do Corisco, a alienação e a falta de estima pelos bens culturais é um estigma de um modo de ver e de sentir, que interage no meio ambiente, delimitando fronteiras do desenvolvimento social.
Nisso, há muito desconhecimento que, aliado à informações desvirtuadas, não raro praticadas por agentes públicos, caracterizam um preconceito à preservação do patrimônio cultural. Contudo, frente ao ato em tela, não se pode dizer de desconhecimento. Além do que, esse complexo não está na lista de “monumentos” objeto de “proteção” da Lei nº 3.563, out/2006, nem tampouco no IPAC-TE (Inventário de proteção do Acervo Cultural de Teresina, realizado pela própria Prefeitura). No que então, esse prédio consubstancia identidade à cidade, para merecer a aplicação desse suporte legal?
O Jockey, embora na origem vinculado a criadores de cavalos, foi nos anos sessenta, enquanto clube de lazer, que talvez mais tenha se projetado na vida social da cidade, inclusive agregando toponímia ao bairro. Essa atividade seria o principal argumento para a proteção oficial desse complexo. Ou seja: mais pelo uso que marcou aqueles anos dourados, que pela arquitetura propriamente dita, já tão reformulada ao longo do tempo.
De suas edificações de origem nada restou. De sua arquitetura atual, não se pode dizer de expressão imprescindível ao quadro histórico da arquitetura de Teresina, pois se assim o fosse todas as outras com essas características, igualmente deveriam receber o mesmo tratamento da salvaguarda oficial. Também não se sabe de movimentos pela a preservação especifica dessa edificação, enquanto componente da paisagem tradicional, senão do Club propriamente dito, enquanto lugar de lazer familiar, muito diferente dos estrondosos espaços musicais que hoje se espalham pela cidade.
Do que chegou aos dias atuais, o que me toca é um sentimento de perda - tempo de piscinas, quadras e bailes. Daquele cenário não esqueço os antigênicos vestiários, a fascinante piscina e o pitoresco restaurante aberto e coberto de palha. Nesse trajeto da Avenida Nossa Senhora de Fátima, não mais o encontro. Reformas e ampliações o levaram ao estado atual, enquanto o uso, como pátio de espetáculos, o distancia de suas antigas concentrações de convivências particularizadas.
Nesse contexto, em que o limite do tombo se restringe ao edifício sede, por si só insuficiente para caracterizar o Club, além de anunciadamente passível de adaptações comerciais, evidencia-se não só a desmemorização desse ambiente, em que pátios, piscinas, quadras e demais áreas livres deveriam ser considerados partes indissociáveis desse conjunto, mas a liberação desses espaços para novos empreendimentos. Para isso, a lei de uso do solo seria suficiente. Mas essa, ao selecionar 168 “FACHADAS”, condena mais de 1000 outros ao desaparecimento, como de fato está a ocorrer. Falso propósito que, aliado a esse dito ato de proteção, expressa a total falta de apego ou de apreço pelas raízes culturais dessa cidade.
Se o Jockey é lembrança merecedora de revivências, por que não se dizer o mesmo das históricas referências do centro antigo, tão aviltadas pelo crescimento desordenado, estimulado pela próprias políticas públicas?
Esse é o ponto que mais preocupa nessa ação de tombamento: a desproteção de tudo o mais inventariado pela Prefeitura em 1988 e 2010. O que se vê nesse ato não é uma preocupação com a memória histórica da cidade, de suas edificações tradicionais, nem mesmo com a memória desse Club. Mas o aval para novos empreendimentos, em detrimento dos valores históricos (ambientes, piscinas, quadras, equipamentos e terreno) que caracterizam o Club. Por outro lado, um clube são seus sócios. Assim, em que pese a nostalgia, só o uso compatível pode preservá-lo, a exemplos de tantos outros espalhados pelo Brasil, em franca e saudável atividade.
Essa é a chancela oficial da preservação. Esse é o selo dos que decidem o destino dessa cidade.

domingo, 20 de maio de 2012


Reginaldo Miranda
Presidente da APL

Completou noventa anos de idade o nosso ilustre confrade Celso Barros Coelho, um dos luminares da advocacia brasileira. Nasceu o notável jurista em 11 de maio de 1922, na pequena cidade de Pastos Bons, sertão maranhense, filho de Francisco Coelho de Sousa e Alcina Coelho.

Iniciou as primeiras letras em sua terra natal, sob orientação das professoras Maria de Lourdes Coelho e Heloísa de Gusmão Castelo Branco. Não demorou, porém, a passar ao Piauí, primeiro para a cidade de Uruçuí, onde em companhia de parentes prosseguiu os estudos, mudando-se, depois para a cidade de Teresina, onde deu vazão à sua sede de conhecimento. Estudou no Seminário Menor e, mais tarde, na Faculdade de Direito, onde bacharelou-se em 1952.

Iniciou no magistério desde cedo, levado pelo jovem mestre Amandino Teixeira Nunes, na Escola do Prof. Felismino de Freitas Weser. Aí conheceu a jovem Maria de Lourdes Freitas, filha do diretor-proprietário, com quem contraiu matrimônio, gerando 4 filhos, hoje todos bem situados na vida profissional. Permanecendo no magistério, mais tarde vai lecionar na mesma Faculdade de Direito, no sucedâneo Departamento de Direito da Universidade Federal do Piauí(UFPI) e nos cursos de Pós-Graduação da Escola de Magistratura do Estado do Piauí(ESMEPI) e Escola de Advocacia do Piauí(ESAPI), em cujos cursos fui seu aluno, absorvendo algumas de suas sábias lições.

Outra grande vocação do mestre Celso Barros foi a advocacia, em cuja atividade permanece em pleno exercício, por cerca de 60 anos. Civilista de largos recursos, ético e seguro, constitui-se num símbolo autêntico da advocacia piauiense, uma referência para todos nós. Nos anos de chumbo da ditadura militar, embora com seus direitos políticos injustamente cassados, presidiu a seccional piauiense da Ordem dos Advogados do Brasil(OAB-PI), transformando-a em trincheira da resistência democrática em terra mafrensina.

O seu senso de justiça, a sua intransigente luta pela liberdade e pela redenção dos povos, ele canalizou para a atividade política, outra de suas grandes vocações, militando com destaque no Partido Democrático Cristão(PDC), no Movimento Democrático Brasileiro(MDB) e em seu sucedâneo, o Partido do Movimento Democrático Brasileiro(PMDB), em cuja legenda ainda permanece, tendo se afastado em breve interregno, por divergir de algumas ações então praticadas. Orador brilhante, empolgando as multidões em grandes comícios populares, Celso Barros foi sempre bem votado na Capital e nas principais cidades, elegendo-se deputado estadual em 1962 e federal pelo Piauí, em duas legislaturas(1975 – 1979 e 1983 – 1987). Na Câmara Federal sua atuação foi brilhante, participando das grandes decisões e honrando o nome de nosso Estado. E, porque naquele tempo estava em evidência a elaboração de um novo Código Civil, o jurista e deputado Celso Barros foi convidado para relatar a parte concernente ao Direito das Sucessões, no que houve-se com distinção. A convite do governador Siqueira Campos, trabalhou assiduamente na implantação do novo Estado de Tocantins, responsabilizando-se pela elaboração do anteprojeto das principais leis.

Intelectual irrequieto, portador de vasta cultura apreendida em longas horas de estudo, Celso Barros Coelho é autor de uma dezena de livros. Na Academia Piauiense de Letras, ingressou no ano de 1967, onde é assíduo freqüentador, dando tom ao debate acadêmico, ao lado de seu colega M. Paulo Nunes e alguns outros de sua geração literária. Presidiu o sodalício no período de 1998-1999, promovendo importantes realizações, como publicação de livros, lançamento de coleções e realização de ciclos de debates e conferências, entre outras. Pertence a diversas outras instituições culturais do País e recebeu diversas homenagens e condecorações.

Celso Barros Coelho, estimado mestre de gerações, é nome de referência na política, no magistério, na literatura e na advocacia piauiense. Foi uma honra ser seu aluno na escola formal, e ainda continuo a sê-lo fora da escola. Ouvi-lo é aprender sempre. É com muito orgulho que sento ao seu lado, como um de seus pares na Academia Piauiense de Letras. Parabéns, mestre de vida escolar, colega de profissão e confrade de academia! Que nossa convivência perdure por muitos anos! Abraço fraterno.  

sábado, 19 de maio de 2012

Discurso na APL (*)


Des. Magalhães da Costa


Joseli Lima Magalhães
Professor de Direito da UFPI e Doutorando em Direito Processual PUC-MINAS 

Como transpor a barreira da saudade? Como expressar o que se sente na
mais pura forma de gratidão? Como contemplar àquele que se foi a um
tempo não mais presente? Certamente não somente com palavras, mas
forjando e sedimentando em atitudes aquilo que a poucos custa tão
caro; e a muitos se torna tão difícil – praticar o amor. E é
justamente sobre o amor que pretendo falar.
Vou começar meu discurso pelo fim. Pela morte. Afinal é ou não a morte
o começo do fim do começo do amor? Ou o fim do começo do começo do
amor? Exatamente hoje, 18 de junho de 2012, Magalhães da Costa estaria
completando 75 anos de idade, e daqui a exatos 30 dias estaria
completando 10 anos que veio a falecer. E para celebrar sua data de
nascimento, estranhamente tendo a morte como convidada especial, vou
ler o conto de sua autoria “A Morte de Frente”, onde se percebe
toda a sutileza de como brinca com a Morte, ora na narração de um
ambiente hostil, mas ao mesmo tempo alegre, ora ironizando a sua
presença. Eis o conto, que como não poderia deixar de ser, com
elementos de veracidade:
O velho Manezinho sacristão da igreja Matriz de Nossa Senhora do
Carmo de Piracuruca nunca teve medo da cara feia da morte. Assim,
quando soube que seu irmão e compadre Silvino Borges, mais conhecido
por Silvino Coxo, estava com os cotos na beirinha da cova, pegou a
bengala e foi ter na casa do homem, no outro lado do rio.
Silvino, encolhido no fundo da rede, só o bolo, o caco.
E Manezinho, parado, de pé:
Boa, compadre! Então é verdade mesmo que você está perto de embarcar?
O moribundo tomou aquele susto, e ele, sacristão:
Estive agorinha a pouco com o Dr. João Fortes, e ele me disse que
dessa você não escapa: é mal sem cura. Como o Pedro meu filho mandou
me chamar na Parnaíba e, quando voltar, na certa que não encontro mais
o mano vivo, vim logo me despedir. – Curvou-se, pegou na mão do outro
e puxou: – Adeus, meu compadre, e até Dia de Juízo. – disse, – e foi
saindo. Parou, porém, na porta de repente, coçando a cabeça. – Ah ,
sim – falou, – vigie!... Se encontrar a Binoca minha mulher por lá,
diga que mando lembrança, muitas saudades.
Conta-se que quando Manezinho tornou da viagem, o Coxo tinha batido o
vinte-e-um, e o sacristão velho orou por ele, muito contrito”.

Há 75 anos nasceu. Há 14 anos tomou posse nesse mesmo lugar na Cadeira
34 da APL, que tiveram como ocupantes Anísio Brito (Patrono), Odilon
Nunes, o Padre Cláudio Melo (o mesmo que celebrou a missa de ação de
graças quando assumiu o cargo de desembargador do TJPI) e Zózimo
Tavares, que o sucedeu. Há 13 anos lançou, aqui mesmo na APL sua
última obra – Traquinagem. Há 10 anos foi velado também aqui na APL. E
hoje lança o primeiro dos dois livros que deixou inédito. Parece ou
não parece que esses fatos ocorreram ontem? O tempo parece estreitar o
que se teima em esquecer. O que é mesmo o tempo, perguntaram para
Santo Agostinho, e ele bem respondeu em suas Confissões
Se ninguém me perguntar, eu sei; se quiser explicar a quem me fizer a
pergunta, já não sei. (...). Dizemos tempo longo ou breve, e isto só
podemos afirmar do futuro ou do passado. (...) Mas como pode ser breve
ou longo o que não existe? Com efeito, o passado já não existe e o
futuro ainda não existe. (...). Se pudermos conceber um espaço de
tempo que não seja susceptível de ser subdividido em tais partes, por
mais pequeninas que sejam, só a este podemos chamar tempo presente.
Mas este voa tão rapidamente do futuro ao passado, que não tem nenhuma
duração. Se a tivesse, dividir-se-ia em passado e futuro. Logo o tempo
presente não tem nenhum espaço. (...) O que agora claramente
transparece é que nem há tempos futuros nem tempos pretéritos. É
impróprio afirmar que os tempos são três: pretérito, presente e
futuro. Mas talvez fosse próprio dizer que os tempos são três:
presente das coisas passadas, presente das presentes e presente das
futuras. Existem, pois, estes três tempos na minha mente que não vejo
em outra parte: lembrança presente das coisas passadas, visão presente
das coisas presentes e esperança presente das coisas futuras”.
Segundo Schopenhauer, na sua tese de doutorado entitulada “A Quádrupla
raiz do princípio da razão suficiente” , o espaço e o tempo são as
intuições formais que se formam antes, correspondendo ao princípio de
razão suficiente do ser. O espaço e o tempo são puras intuições, não
empíricas. Para Shopenhauer a mais simples e primitiva das formas de
representação, o tempo, nos revela o caráter puramente relativo do
fenôneno. Ou como diz Marie Jospe Pernin, o tempo não é nada mais do
que sucesso. Passado e futuro não existem. O primeiro não existe mais,
o segundo ainda não existe. Cada instante só existe ao aniquilar o
precedente, para ser aniquilado pelo seguinte (...) Como pura relação,
o tempo é vão ou nulo. Ele imprime no coração dos fenômenos um caráter
onírico, uma marca de irrealidade” .
Para Schopenhauer “graças ao tempo, conseguimos pois conhecer o nosso
caráter, com um conhecimento fragmentário, afetado por um coeficiente
de dispersão, porduzida por esse estranho órgão. Na hora da morte,
nossa memória e nossa reflexão – verdadeiro ´espelho cônico´ -
reconstituirão essa unidade dispersa, para nos mostrar a nossa
identidade, o sentido do nosso destino .
Certamente daqui a alguns anos, ou até mesmo amanhã, o que não se
espera, alguns de nós já morreu. E o que deixamos para gerações
futuras? O que contribuímos para o engrandecimento de nossa família,
de nosso Estado, de nosso país? Qual a dimensão exata que temos e que
vamos ter a respeito do tempo. Qual o tempo de cada um de nós
presentes nessa Assembléia? O tempo de vida, o tempo de morte, o tempo
de vida dentro da morte?
Magalhães da Costa era mais escritor do que jurista, dedicava-se mais
à literatura do que propriamente à ciência jurídica. Certamente um dos
momentos mais felizes evidenciado em seu rosto foi quando tomou posse
como membro da Academia Piauiense de Letras, comparando-se com à posse
de desembargador do Tribunal de Justiça do Piauí. Muitos de seus
contos foram forjados pelas andanças em cidades do interior do Estado
do Piauí, como magistrado, e na infância que passou na cidade de
Piracuruca, norte do Estado.
Os contos selecionados para esta obra foram elaborados, a maioria
deles, depois da edição de seu último livro – Traquinagem –, em 1999,
tendo sido publicados no Jornal Meio Norte e na Revista De Repente,
ambos de Teresina, mas, de qualquer forma, considerados inéditos em
forma de livro.
Por uma questão didática, até para situar o leitor em uma melhor
compreensão da obra, os organizadores resolveram dividi-la em três
partes: i) a primeira delas designada Contos Urbanos reúne contos onde
se observa a predominância do cotidiano da vida urbana ou de tipos a
ela relacionada, ainda que os diálogos ou as histórias tenham ocorrido
em cidades do interior; ii) a segunda parte, Contos Eróticos, é
formada por apenas quatro contos, havendo forte predominância ao apelo
sexual, estando também a sensualidade presente em traços marcantes;
iii) por fim, Contos Regionais, no sentido de estórias regionalistas
mesmo, inerentes ao interior do Estado do Piauí, principalmente na
região de Sete Cidades, Piracuruca e Piripiri, em que o tipo caboclo
predomina, com diálogos inocentes e sarcásticos, irônicos e
despretensiosos. Esse perfil de narrativa, se é que assim se pode
caracterizar, foi marca predominante de Magalhães da Costa, havendo
constante resgate do modo de viver, pensar, agir e se comportar
daquele tipo de gente simples que habita não somente o norte do Estado
do Piauí, mas o nordeste do Brasil, como um todo, cada vez menos
comum, ainda, em razão dos influxos que a pós-modernidade tem
imprimido à sociedade atualmente.
É esse um dos grandes dilemas de quem escreve ficção, querer ao máximo
tornar realidade o que se encontra como ficção. Até que ponto o mundo
ficto e real se encontram separados, e até que ponto o mundo ficto e
real se encontram entrelaçados. O real imita o imaginário; o
imaginário imita o real.
Habermas, certamente um dos filósofos e sociólogos mais festejados da
atualidade, ao comentar o que Ítalo Calvino, premiado escritor cubano
do século XX, e que cedo foi morar na Itália, pensa a respeito da
relação entre ficção e realidade, entre o que escreve o autor e o que
realmente ocorre, indaga se “um texto poderia ser reflexivo ao ponto
de superar até o desnível em termos de realidade que existe entre ele,
enquanto corpus de sinais, e as circunstâncias empíricas de seu
ambiente, ou seja, absorvendo em si tudo o que é real? Em caso
afirmativo, ele ampliar-se-ia, assumindo a forma de uma totalidade
instransponível. (...) Para poder totalizar desta maneira o mundo
fictício, o texto precisa recuperar inicialmente, e de modo reflexivo,
três referências com o mundo, nas quais ele mesmo está inserido: a
referência com o mundo no qual o autor vive e escreveu o texto; a
seguir, a relação entre ficção e realidade em geral; finalmente, a
referência à realidade visada na narrativa, que precisa ter ao menos a
aparência de real” .
Abre o livro, o “Poema Testamentário (feito de lugares comuns)”,
espécie de autobiografia do autor, que no dizer de seu amigo, o
escritor e advogado Ozildo Batista de Barros, consistia num prenúncio
de sua própria existência/morte.

Gostaria de agradecer a todos aqui presentes, e também àqueles que não
puderam, por um motivo ou por outro comparecer a esse evento. Agradeço
aos Acadêmicos da Academia Piauiense de Letras, em especial ao
Herculano Morais, incentivador da concretização da obra HISTÓRIAS COM
PÉ E CABEÇA..., a seu amigo, Professor Edvaldo Moura, que na condição
de Presidente do Tribunal de Justiça do Piauí contribuiu
significativamente para ceder o parque gráfico do Tribunal de Justiça,
ainda que de forma paga, como não poderia ser diferente, e, assim,
diminuir os custos da edição da obra, à minha mãe e a meu irmão que
foram compreensíveis pela demora que levei em organizar o livro, não
justificável. E principalmente às palavras amigas do Acadêmico Oton
Lustosa, que como ele mesmo disse em texto cujo título é “Magalhães da
Costa: um nome da literatura e da magistratura piauienses”, publicado
logo depois de sua morte, se conheceram em um dia qualquer de julho de
1995. Eu, Acadêmico Oton Lustosa, recordo perfeitamente desse dia e
desse encontro que ocorreu na Colônia de Férias da Magistratura, na
nossa linda e sempre querida Luis Correia, e como você mesmo disse,
pouco falaram sobre processo, leis ou códigos, mas sim sobre
literatura, principalmente o gênero contos.
Gostaria de parar por aqui os agradecimentos, pois posso deixar de
citar alguém que certamente contribuiu para a publicação desse livro.
Só não poderia deixar de agradecer, mesmo e estranhamente, o autor do
livro, o que faço lendo uma música, “Casa Caiada”, de autoria do
cantor Diomedes, por mim ficado na lembrança por várias vezes ouvida
por meu pai, principalmente quando era magistrado em Piripiri (1974 a
1978) e em Parnaíba (1978-1983), certamente uma das músicas que ele
mais gostava e que bem reflete sua preocupação com o estado dantesco
da existência humana, e elementos plausíveis para superá-lo:
Quanta esperança guardada nascida do nada
Quanta vontade de ser o que não pode ser
Quanta maldade escondida nas lágrimas falsas
Quantos na beira da estrada e não sabem por quê
Quantos na vida se jogam por longas jornadas
Quantos na vida que vivem a se comprometer
Quantos que pensam estar certos e não sabem de nada
Quantos na vida que vivem e só sabem sofrer
Quantas crianças na porta da casa caiada
Quantos que vivem lá dentro tentando viver
Quantos que são prejuízo na certa pros outros
Quantos que estão só na vida e não sabem por quê
Você que é meu bom amigo e meu confidente
Sempre nas horas difíceis sou seu protetor
Esqueça um pouco a tristeza e se console comigo
Preste atenção no conselho que agora eu lhe dou
Meu amigo procure não sofrer
Esquisito como é que pode ser.

No começo do discurso disse que ia falar sobre o amor. Ledo engano. O
amor não precisa ser falado. Engana-se quem pensa que o tempo faz
passar o amor; só o amor faz passar o amor.
Com a publicação póstuma de História sem Pé e Cabeça espera-se que a
memória de Magalhães da Costa esteja cada vez mais presente na mente
da nova geração de pessoas que cultivam o gênero contos, e que também
não se disperse perante aqueles que já conhecem sua obra. Repito,
agora, o que disse, por ocasião do Panegírico realizado pelo Tribunal
de Justiça do Piauí, em 2002: “os discursos longos tendem a não
exprimir a verdade dos fatos e dos sentimentos; os curtos, ao menos,
tendem a ser ouvidos e são verdadeiros.
Obrigado.

(*)  Proferido por Joseli Magalhães na APL, em 18 de junho de 2012, na solenidade de lançamento do livro HISTÓRIAS COM PÉ E CABEÇA...