sexta-feira, 31 de outubro de 2014
quinta-feira, 30 de outubro de 2014
Minha admiração (um depoimento)
Elmar visto por Fernando di Castro |
"[...] Aproveito o ensejo para renovar votos de estima e
consideração."
Assim
costumamos finalizar o texto dos ofícios. Na maioria das vezes, apenas
atendendo a uma formalidade, sem representar, de fato, a verdade. Mas, neste
texto, as uso no início, tanto para retratar a expressão da verdade, como para
relembrá-lo de que o fim de uma etapa é (re)início de outra.
Lembro-me da primeira vez em que ouvi
falar a seu respeito. Eu era amigo de uma funcionária da Justiça Eleitoral da
Comarca de Regeneração, Gilvanete Vieira. Ela comentou que o novo juiz da
cidade tinha uma característica diferente de todos os juízes anteriores, este
era poeta. Ela me relatou que às vezes os colegas tinham que recorrer ao
dicionário para compreender o significado de suas palavras.
Fiquei curioso para conhecê-lo.
Entretanto, não criei nenhuma oportunidade para encontrá-lo. A oportunidade
surgiu por conta de um casamento para o qual fui convidado. Naquele dia, pelo
menos dois casais estavam no cartório, o meu primo com a noiva dele e outro
casal. O enlace matrimonial do meu primo seria o segundo daquela manhã, haja
vista que Francisco da Cruz e Maria da Cruz seriam os primeiros.
As suas palavras foram pura poesia
quando passou a fazer trocadilhos com a "cruz" presente no nome
deles. Após o casamento, lhe procurei e externei a minha admiração pela sua
eloquência. No ato, fui presenteado com sua obra Rosa dos Ventos Gerais e com
uma espécie de cartão de visitas contendo o endereço do seu blog.
Passei a ler e a comentar suas
postagens e, aos poucos, passei desenvolver meu gosto pela poesia. Posso lhe
dizer sem medo de errar que me tornei uma pessoa melhor depois do meu gosto por
poesia.
Sobre a sua atuação como magistrado,
não sei falar muito, mas posso atestar com base nos comentários que ouvi na
cidade de Regeneração e nas impressões que tive durante as audiências que
presenciei que o respeito pelo ser humano e a imparcialidade foram marcas suas.
Independente, da gravidade do crime do réu, o seu tom de voz se manteve o
mesmo. Isso deixava transparecer que o senhor não os pré-julgava e nem os "condenava".
Quero deixar registrada a enorme
admiração que tenho pelo magistrado, poeta, homem, Elmar Carvalho. Faço votos
de que não lhe falte forças para enfrentar os desafios que surgirem e usufruir
das suas merecidas "férias".
Mui respeitosamente,
Nelson Rios
Seu admirador.
terça-feira, 28 de outubro de 2014
CAMPO MAIOR E A INDEPENDÊNCIA DO PIAUÍ
CAMPO MAIOR
E A INDEPENDÊNCIA DO PIAUÍ
Valério Chaves Pinto
Desembargador inativo do TJPI
Transcorridos
mais de 190 anos da Independência do Brasil em 1822, até hoje a data da
proclamação no Piauí permanece em processo polêmico, sem se saber
verdadeiramente a quem pertence a prioridade desse fato histórico para efeito
de se fixar com exatidão a data em que oficialmente deve ser comemorado o Dia do
Piauí - 19 de outubro ou 24 de janeiro. Do pouco que se tem notícia, nem sempre
se pode afirmar de modo convincente,a que verdade comanda as esparsas e
deficientes narrativas e interpretações existentes.
Pesquisadores,
historiadores e tantos nomes ilustres das letras piauiensesdo passado e do
presente fiéis aos ensinamentos históricos tais como: Monsenhor Joaquim Ferreira
Chaves, Odilon Nunes, Arimathéa Tito Filho, Wilson de Andrade Brandão e Abdias
Neves, contribuíram de modo louvável com seus estudos, análises e pesquisas,
porém não há até hoje uma interpretação segura capaz de elucidar a verdade.
A polêmica
maior se acende entre Parnaíba, em cuja sede houve uma conspiração em 1821 visando
mudar a ordem política da província; e Oeiras então capital (1761),cada qual reivindicando para
si a primazia da Independência do Piauí,apresentando como justificativa os
acontecimentos revolucionários contra as ordens portuguesas ocorridos em 19 de
outubro de 1822 e 24 de janeiro de 1823, respectivamente.
Nos bastidores dessa polêmica há ainda aqueles
que defendem a tese de que a verdadeira independência do Piauí foi proclamada
no dia 13 de março de 1823 em Campo Maior, com a sangrenta Batalha do Jenipapo onde
brasileiros e portugueses lutaram,em campo aberto, em defesa da causa nacional
do Brasil - fato ignorado por muitos brasileiros de outras regiões.
O professor
e pesquisador Arimathéa Tito Filho, dando sua contribuição em homenagem ao debate
do tema, afirma com o fulgor de sua inteligência, em entrevista concedida à
Rádio Difusora de Teresina em 1979 que, na verdade,“houve duas proclamações da
Independência no Piauí. A primeira - diz ele, foi feita no dia 19 de outubro de
1822, em Parnaíba, quando o Major Manuel Clementino de Sousa Martins, liderando
um movimento insurgente, rapidamente sufocado, derribou os portugueses liderados
pelo Major João José da Cunha Fidié; e a segunda foi feita em Oeiras em 24 de janeiro
de 1823 pelo visconde da Parnaíba, que naquele tempo não era Visconde, era
apenas o cidadão Manuel Clementino de Sousa Martins”, (sobrinho e genro do
Barão da Parnaíba), o qual, à frente de uma conspiração em favor da secessão de
D. Pedro I como Imperador do Brasil, proclamou a independência no Piauí.
Sabe-se que
quando Fidié teve notícia de que a Independência tinha sido também proclamada em
Oeiras, marchou com sua tropa de Parnaíba no dia 28 de fevereiro para combater
os oeirenses, porém encontrou em Campo Maior a resistência de um improvisado
exército brasileiro, travando-se ali a já referida Batalha do Jenipapo,seguindo
depois para Caxias no Maranhão, donde passou a resistir durante três meses,
sendo finalmente vencido e preso, curiosamente, pelas tropas de Manuel de Sousa
Martins.
O historiador pernambucano Francisco
Augusto Pereira da Costa conta que após o entrevero do Jenipapo, parte da
bagagem de guerra de Fidié,constituída de munição, armas, dinheiro e os
despojos da vila de São João da Parnaíba, foi furtada pelos soldados das tropas
do capitão português Alexandre Pereira Nereu e levada para a cidade de Sobral no
Ceará onde foi feita a apreensão e colocada em hasta pública, em maio do mesmo
ano. Este fato fez com que Fidié,diante do enfraquecimento de seu arsenal,
decidisse ser mais prudente desistir de marchar sobre a cidade de Oeiras.
(Cronologia Histórica do Estado do Piauí, vol. II, pág. 307).
Como se pode
ver, o assunto é polêmico, naturalmente gerando nos parnaibanos e nos oeirenses,
um certo aborrecimento toda vez que se cogita de revisar a história do Piauí
para se acabar com a dúvida ou com a inverdade sobre qual data se deve
comemorar o Dia do Piauí – 24 de janeiro, 19 de outubro ou 13 de março.
O que não se pode esconder, contudo, é
que os parnaibanos foram heróis, cívicos e imbuídos de grande patriotismo ao combaterem
as forças portuguesas através de um movimento liderado pelo juiz de fora João
Cândido de Deus e Silva e pelo coronel Simplício de Sousa Dias.
Os oeirenses também foram heróis e patriotas.
Tudo é uma questão de interpretação histórica que cabe aos historiadores
proclamar a verdade.
A propósito
dessa discussão, merece destaque uma tese muito interessante defendida pelo
historiador piauiense Wilson Brandão, segundo a qual, o nosso primeiro e grande
patriota da independência foi Antônio Maria Caú, escrivão da junta de Fazenda
da Província. Caú era um desses tipos populares que as vezes pregam ideias e as
vezes levam ideias à frente. Foi ele quem chefiou uma trama revolucionária para
mudar a ordem política da Província sob o falso pretexto de jurar logo a
constituição portuguesa que simulava defender, mas o alvo principal, segundo
F.A. Pereira Costa na obra citada, página 253,“era depor o governador Elias José Ribeiro de Carvalho e a
instalação de uma Junta Provisória, da qual seria presidente o cirurgião
Francisco José Furtado”.
O
desembargador Cristino Castelo Branco, uma das maiores mentalidades do Piauí,
acha por sua vez, que a verdadeira independência se verificou no dia 13 de
março de 1823 com a Batalha do Jenipapo. O mesmo ponto de vista é defendido
pelo não menos respeitado historiador piauiense Monsenhor Joaquim Chaves e pelo
pesquisador e jornalista Arimathéa Tito Filho. Na opiniãode ambos, já
falecidos, uma terra se liberta pelo heroísmo de seu povo. E foi,efetivamente, o
heroísmo dos campo-maiorenses que deu a Independência do Piauí e do Brasil.
Abdias Neves
em sua monografia intitulada A Guerra de
Fidié, (1907, pág. 6), destaca o seguinte trecho do ofício em que o Dr. João Cândido de Deus e
Silva,acusado pelos portugueses de não punir os sediciosos em Parnaíba, enviou ao
Presidente da Junta Provisória do Governo em Oeiras, no dia 30 de setembro de
1822:
“A melhor, a
maior, a mais rica, a mais populosa parte do Brasil tem-se declarado a favor da
causa da Independência; como persuadir-nos que o resto não siga a mesma causa?
Ou quererão os povos olhar de sangue-frio o seu país dividido, seguindo o Sul
um sistema e o Norte outro? Não me persuado que tal seja possível”
Em verdade, há aqueles que
criticam o movimento patriótico dos parnaibanos, achando que a ocasião não era
propícia para se manifestar contra a ordem vigente. Há ainda os que se
insurgiram contra os reveses ocorridos às margens do riacho Jenipapo, em Campo
Maior.
Mas é o próprio Abdias Neves quem
responde tais críticas:
“...toda
reforma, seja social ou religiosa, precisa de mártires e desse batismo de
sangue para se impor e criar raízes na alma das multidões”.
De nossa
parte, longe da capacidade de análise e observação histórica que o assunto
requer, diríamos que Campo Maior, através da bravura de seu povo, heroicamente
demonstrada no episódio do Jenipapo, com certeza, está inserida no contexto desse
pensamento.
domingo, 26 de outubro de 2014
Seleta Piauiense - Menezes y Morais
outra canção da
lua
Menezes
y Morais (1951)
quantas luas
ainda verei?
espero tantas
quantas são
as fases tuas
na plenitude
das luas
que sempre amei
quantas luas
teremos de luz
ainda que os
olhos
mergulhem nas
trevas
nas terras
em que nunca
andei
? sexta-feira, 24 de outubro de 2014
Sobre o poeta Elmar Carvalho
Elmar visto por Gervásio Castro |
Sobre o poeta Elmar Carvalho
Cunha e Silva Filho
Caro leitor, saindo da formalidade de alguns artigos,
crônicas, traduções ou mesmo ensaios, me veio à mente a oportunidade de tecer
alguns comentários sobre o meu amigo, Elmar Carvalho, poeta nascido em Campo
Maior, estado do Piauí. Agora, depois de
um longo período de atividades exercidas na vida, se aposenta como juiz de
direito, merecendo, pois, seu otium cum dignitatem.
Acompanhei grande
parte de sua produção poética. Resta, aqui, desejar-lhe que, a propósito de um texto
que escreveu em seu blog de título “Enfim, a aposentadoria” (Blog do poeta
Elmar Carvalho), onde manifesta, no final, o interesse de poder, com o tempo maior
que lhe vem, agora, livre dos compromissos e horários da magistratura, dedicar-se
à condição de escritor e, quem sabe, retomar o entusiasmo de produzir poesia
como nos velhos tempos da juventude e da mocidade.
Aos 58 anos, podemos
dizer, ainda moço, tem muito chão pela frente. Há algum tempo, vem escrevendo uma
obra a que deu o título de Diário incontínuo (a citada crônica faz parte dessa
obra), no qual vem reunindo um pouco de tudo, do passado e do presente, uma
espécie de “baú de tudo,” onde cabem a crônica, a ficção, o memorialismo e
sobretudo reflexões sobre homens, paisagens, bichos, a natureza,
as histórias vividas ou inventadas na cidade ou no campo,
narradas com limpidez estilística, com um certo
acento de sabor clássico de algumas expressões
usadas nos seus textos, com relatos
de natureza sobrenatural, com
relatos de fundo onírico.
Todas essa narrativas ou relatos se referem a temática piauiense, se não incorro em erro.
O melhor disso
tudo é que Elmar escreve praticamente tudo que lhe vem das andanças por dever
do oficio. E, ao passar-lhe pelos olhos tão diferentes lugares, tantas
variedades de costumes interioranos, de seres humanos variados, de situações dramáticas,
ou até jocosas, esse material ele o transforma em prosa bem cuidada, com
domínio dos seus recursos de forma e linguagem. Não foi sem motivo que, uma
vez, denominei seu estro de ‘voz poética, histórica e geográfica do Piauí. ’
(Ver meu texto “Encontro, poesia e vida”, apud CARVALHO, Elmar. Rosa dos ventos
gerais. 2 ed. Teresina: SEGRAJUS, 2002,
p. 17-20), incluído como uma das
introduções desse livro. Para não me alongar, vejamos os comentários, em forma
de carta, já anunciados no início deste texto:
Estimado amigo Elmar Carvalho:
Ainda me lembro do meu primeiro encontro com V. em Amarante.
Era o ano de 1990. Data para mim sempre repassada de alguma tristeza, pois foi
naquele ano que para aquela cidade me dirigi com familiares a fim de visitar a
sepultura de Cunha e Silva, meu pai. Foi o encontro da crítica com a poesia,
encontro, sim, porque, de certa maneira, para mim poesia e crítica se
complementam. Foi um encontro feliz regido pelo mero acaso das circunstâncias
da vida terrena.
Quando lhe perguntei pelo nome, V. me respondeu: "Elmar
Carvalho." Lhe disse na época que tinha nome de poeta, talvez por associar
a sílaba "El" à "mar", que, para meus ouvidos, me soam
liricamente, ou seja, a natureza simbolizada pelo significante/significado
"mar" sempre me recorda o apego de alguns poetas ao mar, às ondas, à
força da natureza, bela e por vezes desafiadora. Camões, Fernando Pessoa, Vicente de Carvalho.
O encontro foi duradouro, permanece até hoje, em outra época,
a da pressa, das virtuais formas de comunicação. Porém, o verdadeiro encontro
foi com a sua poesia, uma vez que é no domínio estético que os espíritos mais
se identificam e se entendem, mesmo no silêncio, mesmo na distância. E a poesia
sua me disse o que V. talvez não me pudesse dizer no ramerrão da vida apressada
e avassaladora de tempos pós-modernos.
Li toda a sua poesia que me chegou às mãos vibrei com alguns
poemas seus e, de alguma forma, me tornei seu crítico, ou, pelo menos, quem
mais tenha escrito sobre o que produziu.
Reafirmo-lhe que logo senti em V. a força da poesia, tanto na
expressividade das metáforas, quanto na originalidade dos ritmos, das
aliterações, no jogo complexo da linguagem poética, sempre formulada com o
suporte técnico, experimental do fazer poético com a sensibilidade de nos
mostrar que se ama a natureza, a geografia poética, os fatos históricos,
através da comunicação poética. E, durante os anos de maior fervor de produzir
poesia, V. deu muito de si e procurou a companhia das musas por direito do
talento e da preparação para esse gênero literário, quiçá o mais importante de
todos porquanto é na poesia que se dá o encontro com o visível e o invisível,
com a imagem e as virtualidades, com a existência humana e suas contradições e,
sobretudo, com o encontro final, em vida, que é um ajuste de contas com o mundo
das palavras pelas palavras, pelo que possam dizer ou ocultar, afirmar e negar,
e até mesmo exprimir o indizível, o que, no caso, a leva ao hermetismo, ao
puramente estético. A leitura poética não é conduzir o leitor a conhecer uma
história, a mas a pensar os sentidos das palavras, ou as formas (metafóricas)
de tentar entender o mundo, os seres e sobretudo a magia da linguagem e dos
sons tão próximos da música.
Fico feliz porque cumpriu, na vida pessoal, as funções que
exerceu e o seu texto rememorativo o faz com a elegância e a dignidade de um
escritor que sabe respeitar-se e respeitar seus pares.
Um abraço do
Cunha e Silva Filho
quinta-feira, 23 de outubro de 2014
ENFIM, A APOSENTADORIA
Charges da autoria de Gervásio Castro |
23 de outubro Diário Incontínuo
ENFIM, A
APOSENTADORIA
Elmar Carvalho
No dia 10,
sexta-feira, após mais de 39 anos de serviço público, aos 58 anos de idade, sem
nunca ter sofrido nenhum tipo de punição, nem mesmo advertência ou repreensão,
requeri a minha aposentadoria, e imediatamente me afastei de minhas atividades,
como determina o CNJ. Silenciosa e anonimamente, bem no final do expediente,
sem nada confidenciar a quem quer que fosse, me dirigi ao protocolo.
Eram quase duas
horas da tarde, e havia no setor apenas um velho servidor, que me atendeu com
presteza, mas sem perguntas e comentários. Apenas apareceu, de passagem, o juiz
Antônio Soares, com o seu indefectível chapéu e o não menos habitual bom-humor,
que me disse ter lido o meu livro Amar Amarante, que evoca o seu torrão natal,
a terra azul do poeta Da Costa e Silva, quase uma ilha, encravada nas
confluências dos rios Mulato, Canindé e Parnaíba, e emoldurada por lindas
serras.
Cumpri um
desiderato que já me impusera alguns meses atrás, sobre o qual não emiti mais
nenhum comentário, porquanto desejei sair à francesa, da maneira mais discreta
possível. Deus me ajudou para que as circunstâncias conspirassem para isso. Um
pouco depois, viajei a Parnaíba, onde passei alguns dias, tanto na velha urbe,
como no sítio Filomena, situado na Várzea do Simão, à beira do Velho Monge.
Não recebi
nenhum e-mail ou telefonema sobre o meu pedido de aposentadoria, o que prova
que o meu desejo de discrição foi alcançado plenamente. Certamente se eu
tivesse cometido um crime ou algum fato escandaloso, as notícias na mídia e os
telefonemas dos “amigos” não me teriam faltado. Lembrei-me do velho sarcasta
Voltaire, que disse com muita verve e ironia: “Que Deus me proteja dos meus
amigos. Dos inimigos, cuido eu.”
Ingressei no
serviço público em 15 de setembro de 1975, no cargo de monitor postal, na
Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, após haver sido aprovado em curso
de três meses em Recife. Trabalhei nessa empresa federal em Teresina e em
Parnaíba, para onde me transferi a fim de fazer o curso de Administração de
Empresas na Universidade Federal do Piauí, Campus Ministro Reis Velloso.
Desliguei-me da
ECT em 9 de agosto de 1982, após aprovação, em concurso feito pelo DASP, para
assumir, no dia seguinte, o cargo de fiscal da extinta SUNAB – Superintendência
Nacional do Abastecimento (autarquia federal). Hoje eu seria auditor-fiscal da
Receita Federal, já que todos os ex-colegas fiscais, mesmo os aposentados,
conseguiram, através de ação judicial, essa transposição funcional.
Pedi exoneração
do Ministério da Fazenda, órgão para o qual fui redistribuído, após a extinção
da SUNAB, no dia 19 de dezembro de 1997. Neste mesmo dia, no gabinete da
presidência do Tribunal de Justiça do Piauí, juntamente com mais oito colegas,
tomei posse de meu cargo de juiz, às onze horas. Era presidente da Corte o
desembargador José Luís Martins de Carvalho, que me tinha grande consideração,
a que sempre procurei corresponder na mesma intensidade. Estavam presentes,
além dos colegas e familiares, vários desembargadores e outras pessoas e
funcionários.
Nessa manhã inesquecível,
fui escolhido pelos colegas para fazer a saudação de praxe. Transponho para
este texto o que já registrei alhures: “Quando tomei posse de meu cargo de juiz
junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, em solenidade singela,
contudo para mim memorável, disse que uma dúvida me assaltava naquela ocasião:
sobre o que seria mais importante, se a justiça, se a bondade. Mas eu próprio
resolvi o aparente paradoxo da equação, ao dizer que quem era bom era justo, e
quem era justo necessariamente teria que ser bom.”
Acrescentei, entre
outras coisas de que já não guardo lembrança, que o juiz deveria esforçar-se
para agir sempre com imparcialidade e justiça. Acima de uma interpretação meramente literal,
deveria o magistrado buscar uma interpretação teleológica, que realmente
alcançasse o espírito da lei, como, aliás, preconiza o Cristo, consoante o
admitem todos os grandes exegetas, sobretudo quando ele fustigava os fariseus e
o apego demasiado à lei mosaica. Disse isso para afirmar que o mero zelo
formalista não deveria ser importante para o julgador, mas sim o desiderato
maior de fazer justiça, de agir com justiça. Aos aspectos extrínsecos,
aparentes e formais, quase ritualísticos ou litúrgicos, deveria preponderar a
essência, e a essência é o primado da Justiça.
Agora que requeri minha
aposentadoria, posso dizer, com toda a sinceridade, mas também com toda a
humildade possível, que não tenho remorsos e nem arrependimentos de minhas
decisões interlocutórias e sentenças, pois sempre procurei agir com
imparcialidade e com vontade de efetivamente fazer Justiça. Dentro das
condições disponíveis, sobretudo a ostensiva falta de servidores, procurei agir
com a possível celeridade, porquanto sou consciente de que a demora muitas vezes
se transforma em clamorosa injustiça.
Posso ter errado, sim,
devo ter errado, porque sou humano, porque não tive inteligência suficiente
para alcançar certas sutilezas ou nuanças da lide ou porque a parte não
conseguiu provar o seu direito, mas jamais, propositadamente, tirei a razão de
quem tinha para dar a quem não a tivesse. Sem dúvida, sempre almejei levar em
conta a proporcionalidade, a razoabilidade, e nunca esqueci o velho brocardo de
Rui Barbosa: “A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente
aos desiguais, na medida em que se desigualam.”
Em 8 de julho de 2013,
quando me encontrava de férias, fui promovido para o Juizado Especial Cível e
Criminal da Comarca de Oeiras, de entrância final. No dia 6 de agosto tomei
posse desse cargo, e logo em seguida recebi a notícia de que fora acometido de
um segundo CA. Do primeiro, em Deus, já me considero curado. No dia 20 de
setembro do mesmo ano, deixei a amada cidade de Oeiras, que tenho exaltado em
verso e prosa, para não mais retornar.
Entrei de licença
médica, para tratamento, recuperação e acompanhamento. O procedimento
(invasivo) me causou incômodos e efeitos colaterais. Nesse ínterim, tendo idade
e tempo de serviço suficiente para me aposentar, resolvi pedir minha remoção,
por motivo de minha doença, que por lei é considerada grave, para a Comarca de
Teresina. Esse pleito teve apenas um deferimento parcial, com a minha lotação
provisória em Teresina.
Quando retornei às
minhas atividades, senti que já não tinha o encantamento, o entusiasmo e a
motivação, que sempre tive em toda a minha labuta judicante, mesmo quando atuei
em longínquas comarcas, como Socorro do Piauí, Curimatá e Ribeiro Gonçalves.
Por essas e outras razões, senti que Deus me sinalizava no sentido de
desacelerar, de levar uma vida mais light e menos estressante.
Ao pedir a minha
aposentadoria, com humildade e discrição, como disse, e consciente de que nada
mais fiz do que apenas ter tentado cumprir as minhas obrigações funcionais, não
pude deixar de me lembrar dos magistrais versos de Manuel Bandeira: “O major
morreu. / Reformado. / Veterano da Guerra do Paraguai./ Herói da ponte do
Itororó. / Não quis honras militares. / Não quis discursos. // Apenas / À hora
do enterro / O corneteiro de um batalhão de linha / Deu à boca do túmulo / O
toque de silêncio.”
Apenas assinalo, entre
outras, as seguintes diferenças: não morri, como é óbvio; não sou herói, nem
sequer de mim mesmo, e não desejo o toque de silêncio, porquanto pretendo
permanecer ativo em outras atividades, sobretudo em minhas lides literárias,
como escrevinhador e mormente como leitor, uma vez que tenho mais a aprender do
que a dizer.
terça-feira, 21 de outubro de 2014
SOLENIDADE DA ACADEMIA DE LETRAS DO VALE DO LONGÁ: POSSE E HOMENAGENS
No dia 23 de
outubro próximo, quinta-feira, no auditório da OAB-PI, às 19:30 horas, a Academia de Letras
do Vale do Longá - ALVAL, presidida pelo médico José Itamar Abreu Costa, irá
comemorar os seus 36 anos de fundação, cujo fato ocorreu no dia 23 de setembro
de 1978, tendo sido seu primeiro presidente o magistrado Geraldo Majella de
Carvalho.
A programação
consta da seguinte pauta:
1 - Mensagem do
Presidente.
2 - Posse do Dr.
Viriato Campelo, que ocupará a cadeira 02, que foi ocupada pelo seu pai, o desembargador Tomaz Gomes Campelo.
3 - Homenagem aos
acadêmicos aniversariantes do segundo semestre de 2014.
4 - Entrega do
Diploma do Mérito Cultural A. Tito Filho.
5 - Coquetel.
Serão
homenageados com o Diploma Mérito Cultural A. Tito Filho as seguintes
personalidades:
1- O.G Rego de
Carvalho (in memoriam)
2- William Palha
Dias (in memoriam)
3-Júlio Romão
(In memoriam)
4-Prof. Dr.
E. J. Zerbini (in memoriam)
5-Dr Antonio
Benicio (In memoriam)
MEMBROS DA
ACADEMIA PIAUIENSE DE LETRAS – APL:
6-Antonio
Fonseca Neto.
7-Hardi Filho
8-Humberto
Guimarães
9-Nelson Nery
Costa,
10-Hugo
Napoleão,
11-Othon
Lustosa,
12-Dra Fides
Angélica Omatti
13-Terezinha
Queirós,
14-Celso Barros,
15-Heitor Castelo Branco,
16-Jônathas
Barros Nunes,
17-Jesualdo
Cavalcanti
18-Paulo de
Tarso Mello e Freitas
19-Assis Brasil
20-R.N.Monteiro
de Santana
21-Socorro Rios
Magalhães
22- Nildomar da
Silveira Soares
23-Zózimo Tavares
23-Zózimo Tavares
PROFESSOR:
José de
Arimatéia Dantas(Reitor da UFPI)
JURISTAS:
William
Guimarães
Desembargador
Raimundo Eufrásio
Os homenageados
serão saudados por Elmar Carvalho, membro da APL e da ALVAL.
segunda-feira, 20 de outubro de 2014
Milagre do gotejamento no calorão
Milagre do gotejamento no calorão
José Maria Vasconcelos
Cronista, josemaria001@hotmail.com
Não estou nem aí para incômodo calorão da minha terra. O que
me angustia, mesmo, a inatividade e falta de criatividade de nossa gente,
especialmente dos gestores, que ainda não se libertaram da cantilena fúnebre,
cuia na mão estendida para verbas e engabelação. Por simples feijão, quiabo e
maxixe, o piauiense recorre ao empreendedorismo de outros estados. No meu
quintal, porém, a cantilena é de louvor ao Criador.
Em pleno verão tórrido, sorrio, contemplando o plantio de
feijão, maxixe, quiabo e outras delícias no sítio. Atividade prazerosa e
saudável, especialmente desenvolvida sem interesses comerciais, mas para
consumo da família.
A fita para irrigação por gotejamento faz milagres, economiza
água e energia. Trata-se de um tecido maleável, resistente, com minúsculos
furos a cada 20 centímetros, encontrada nas lojas agrícolas, a custos
convidativos: 40 centavos o metro.
Iniciei o projeto com 50 metros, apenas: estiquei cada 10
metros de fita, ligando-a aos bicos do cano central. O sistema exige água
limpa, sem granitos, para fluir pelos poros da fiação. Em cada pontinho
irrigado, perfura-se o solo, enfiam-se sementes. Meia hora de gotejamento ao
dia. Após duas semanas, já se contempla o milagre sob a canícula, calor de
rachar, e um chapéu mexicano para sombrear o corpo. Tamanha alegria que me
estimulou a comprar mais 50 metros da fita milagrosa. Lembrando que a minha
experiência foi testada em solo hostil e pedregoso. As fruteiras exigem mais
tempo de irrigação. O calorão espanta as pragas.
A irrigação por gotejamento deve-se a tecnologia israelense,
atualmente utilizada até em desertos africanos. O Nordeste brasileiro, em
geral, ainda não se libertou do miserável primitivismo de Jeca Tatu e das
malandragens de gestores públicos. Inventa-se projeto megalomaníaco, como
transposição do rio São Francisco, para desvios de verbas federais. Na última
seca, o governo prometeu recursos para perfurar mil poços tubulares. Se
contá-los, falta de vergonha jorrará copiosamente, ou alguns poços em troca de
votos. O resto das verbas o gatuno comeu.
1.400 km de rio Parnaíba, se utilizados para projetos de
agricultura irrigada, abasteceria países de alimentos. Petrolina e Juazeiro, às
margens do rio São Francisco, evoluíram graças à agricultura irrigada, cuja
fruticultura abastece o Nordeste e mercado internacional. Por aqui, barragens
construídas com dinheiro público, como a de Piracuruca, servem de deleite a
banhistas e posseiros ricos. Frutas e verduras continuam descendo a Serra da
Ibiapaba.
Tente contar os órgãos governamentais ligados à agricultura.
Pergunta-se: de onde vêm as verduras e frutas?
Enquanto você esmiúça questões e causas discrepantes,
contemple a terra, dádiva dos céus, mas servindo de cantilenas fúnebres,
choramingando miséria. De quem a culpa? Enquanto rumina uma resposta, vou
desfrutar o verde, em pleno estio, por milagroso e barato sistema de
gotejamento. Pura água benta.
quinta-feira, 16 de outubro de 2014
No Brasil, além da impunidade, da violência e da corrupção, agora, o ebola
No Brasil, além da impunidade, da violência e da corrupção,
agora, o ebola
Cunha e Silva Filho
Não é
de hoje que tenho tido notícias da
doença do ebola (em Portugal, dizem ébola). Nos meados dos anos de 1970, tinha por hábito ler uma excelente
revista americana de
orientação evangélica denominada The Plain Truth, dirigida pelo norte-americano Herbert W. Armstrong (1892-1986), Pastor e fundador da
Worldwide Church of God, autor, entre outros livros, de
Autobiography, volume 1. Não sei se chegou a publicar um segundo
volume da obra - fruto de sua
grande experiência e tirocínio
como doutrinador evangélico em
âmbito mundial. Naquela época, li inúmeros
artigos e reportagens na
mencionada revista que já divulgava
as ameaças e os perigos do
ebola, doença mortal de procedência do Congo (hoje Zaire). A revista tinha certo relevo porque,
embora de viés religioso-doutrinário, ela reservava um largo espaço para
discutir temas de alta importância para a humanidade e em clave de
discussão aberta e despreconceituosa.
Sua assinatura era gratuita, a impressão de alta qualidade e os artigos sobre
questões internacionais eram
valiosos para a época. Com a morte do seu líder Armstrong,
houve a decadência, até à extinção
da The Plain Truth.
As previsões do ebola,
ao lado de outras moléstias, como a gripe aviária ou do
frango, tinham fundamentos, mas é bem pouco
provável que o mundo
se preocupasse com ela. Por outro lado, nos inícios dos anos de
1980 iria surgir o primeiro caso de uma doença - a AIDS - que iria se disseminar mundialmente matando um grande
número de pessoas, por contato
sexual, ou por transfusão
de sangue, com grande perdas de
vidas para os hemofílicos e, no Brasil, por isso mesmo perdemos
figuras bem queridas, como
Herbert de Sousa, Henfil, Cazuza, entre tantos outras. O curioso é que essas doenças, segundo
os especialistas, estão
associadas a contaminação proveniente
de animais, como o macaco e até o
morcego, se não me engano, quando usado
para alimento do macaco.
O vírus se propaga com
facilidade, e, para
evitá-lo, cumpre usar todos os recursos atuais de que dispõe a medicina e
fornecer à sociedade a orientação
segura dos infectologistas sem alarmes
exagerados. A transmissão já
passou as fronteiras dos países onde se
identificaram as primeiras vítimas
fatais.
Num mundo que se tornou pequeno e profundamente interligado
geograficamente, não é de causar surpresa que a doença transponha
as fronteiras dos países onde foram
identificados indivíduos
infectados que, lamentavelmente, chegaram
a óbitos. Já deu sinal de ocorrência do ebola em países
adiantados, como na Espanha,
na Inglaterra, nos Estados
Unidos e, agora, ainda em termos de
uma suposta ocorrência no Brasil, onde
do Paraná, veio a notícia de uma
pessoa com alguns sinais da doença e que foi encaminhada para um centro de referência em infectologia do Instituto Oswaldo Cruz.
Desta maneira, cumpre às autoridades sanitárias
daqui envidar todos os
esforços no sentido de que
um simples caso se
transforme em muitos casos. Todo
o cuidado é pouco na vigilância
atenta dos aeroportos,
portos, fronteiras terrestres.
Não há ainda uma vacina
que seja eficiente
no tratamento da doença, ainda
que, detectada em tempo,
haja recursos de medicamentos que possam
bloquear os efeitos letais
e salvar vidas. Um dos procedimentos
é isolar-se a pessoa infectada e bem assim dotar as equipes médicas de todos os cuidados possíveis
a fim de evitar que sejam também
contaminadas.
Já há uma bibliografia médica
imensa tratando teoricamente dessa doença letal. Urge que
o combate a ela seja feito em conjunto
e em âmbito mundial, sendo para
tanto indispensáveis ações imediatas e contínuas da OMS. Somos, hoje, seres globalizados, desenvolvemos trabalhos humanitários além-fronteiras, como os
médicos que enfrentam
o alto risco de perder a própria
vida para cuidar de doentes
no mundo inteiro, especialmente
em regiões africanas de extrema pobreza e de escassos recursos da medicina, como os heroicos “médicos sem fronteiras,” os trabalhos de
missionários que também
enfrentam perigos de
doenças em regiões em confrontos
bélicos. Outras organizações
internacionais, sem fins lucrativos,
pelo mundo afora, realizam relevantes
serviços em defesa dos seres humanos,
sobretudo de crianças, que
são os mais desprotegidos e dependem tanto da ajuda dos adultos.
Do meu ponto de vista, o ebola já deveria,
a esta altura de pesquisas mundiais,
estar com um vacina
eficaz contra o vírus.
O ser humano é imprevidente em alguns casos onde
não deveria ser, por
exemplo, as doenças mortais
que podem se transformar em epidemia. O mundo, através dos países
ricos, ao invés de investir em
armas cada vez mais destruidoras, deveria
se dedicar aos avanços no campo da
infectologia. A palavra de ordem seria
“prevenção,” e isso se aplica a todas as nações desenvolvidas e em
desenvolvimento, mormente no mundo contemporâneo, no qual, segundo já
assinalei, os contatos dos
povos são quase imediatos pelas facilidades das viagens
intercontinentais.
O Brasil deve,
portanto, estar de olho atento a esse problema de saúde pública, principalmente para evitar o mal maior,
o surto de epidemia. Atenção aos
responsáveis pelo Ministério da Saúde. Não se brinca com doenças
mortais capazes de dizimar
milhares de pessoas.
RECONHECIMENTO
Reconhecimento
Luís Alberto Soares (Bebeto)
Luís Alberto Soares (Bebeto)
Posso não ser bom escritor
Mas preste atenção, por favor
Vou narrar que sou reconhecedor
De um incansável trabalhador
Trata-se do estimado educador
Bom mestre de muito valor
Que precisa de mais amor
Neste mundo de horror
Vamos festejar com fervor
O dia dedicado ao professor
Ele é grande empreendedor
Lição de dedicação e primor
Para o Piauí ser mais promissor
É necessário agir com vigor
Para cobrar de governador
As promessas ao professor
Como diz um grande doutor
Quando se fala de educador
É jus ele ser merecedor
De um salário compensador
Parabéns querido professor
Pelo seu ensino encantador
Em Amarante com muito amor
Você merece mesmo louvor
quarta-feira, 15 de outubro de 2014
DISCURSO DE UM DOIDO
DISCURSO DE UM DOIDO
Jacob Fortes
Quando, numa manhã aprilina, década de 70, transitava pela Rodoviária (que, naquela época, “valia por todas as esquinas que Brasília
não tem”), deparei-me com um homem falastrão que fazia uma pregação
desconexa. Valia-se de vocábulos e expressões que lhe emprestavam qualidades intelectuais.
Evidentemente, não me foi possível memorizar tudo o que ele dizia, mas pude
intuir o sentido da sua fala; retive a ideia central da sua elocução. Esquálido
e com esgar de louco, dizia o homem imprimindo fervor à sua verdade; que lhe
parecia redentora.
“— Sou o guardião desta cidade. Só
tenho dez minutos para apresentar o relatório sobre o paradeiro da mala. Cadê a
mala que se perdeu neste canteiro de obras? Juscelino não trouxe a mala. Trouxe
candangos, com malas e matolões; também, os “malas-sem-alça”. Procurei a mala
no porta-malas do Aero Willys do Bernardo Sayão; ele engrossou o rol das vidas
ceifadas, mas ficou o seu Aero Willis na garagem. Reconheço o meu lugar;
mantenho-me em vigília. O adversário de Juscelino não sou eu, é o Carlos
Lacerda, que não confessa, mas anseia que um buraco de construção sirva de
túmulo para JK. Agora caio em mim e percebo a loucura dos migrantes chegando
com suas malas na cabeça, apressados, desatinados. Enquanto a cidade brota
deste chão vermelho eu procuro a mala e não acho. Se eu não achar a mala irei
denunciar à oficialidade. Não interrompa minha conversa sem pedir licença. Sou
o historiador oficial desta cidade. Falo em nome do Presidente. Segundo a
unanimidade dos relatos o que fez acender o estopim da insurreição foram as
condições do acampamento....”.
Há
sobre a terra tipos de pessoas a quem não se deve reptar. Os mais conhecidos
são os acometidos de “delírium tremens”,
(beberrões) e os loucos. Da boca de
ambos brota a insânia, o furor, o desvario, o estúrdio. Mas doido, unicamente, são apenas os que,
pelas vias ou logradouros, se detém em solilóquios ou cada um de nós é
legatário do gene que afeta o controle da razão? Vamos pesquisar.
— Qual
sua opinião, Freud?
—
Guardada as devidas proporções todos somos loucos, inclusive eu, Sigmund Freud.
Não foi sem razão que prescrevi o brocardo: de
médico e louco todo mundo tem um pouco.
Sendo
assim, e já que os loucos gozam do excludente de criminalidade, deixemo-los que
se comprazam nos efeitos das suas loucuras. Afinal, tudo tem o seu sentido, inclusive
a insensatez para tonificar o discernimento.
segunda-feira, 13 de outubro de 2014
Política, a arte de dissimular
Política, a arte de dissimular
José Maria Vasconcelos
Cronista, josemaria001@hotmail.com
Cronista, josemaria001@hotmail.com
“Nunca esquecerei que na retina de
meus olhos tinha” graduado policial, acusado de crimes de pistolagem, preso. A
caminho do julgamento, levantava a Bíblia e proclamava: “A justiça divina
provará a minha inocência!” Precisa explicar o que significa o ato de
dissimular?
Agora,
semelhante teatro aberto, sem julgamento nem condenação. Divulgados os
resultados das eleições, início de noite, viam-se candidatos vitoriosos, frente
às câmeras de TV, aos berros, feições embevecidas de inebriantes talagadas de
bebida. Rolavam lágrimas, orações, louvores aos céus. Confessavam virtudes
cristãs, consideravam-se vítimas do ódio de adversários. Abraçados, rezavam Pai
Nosso, gritavam mais forte ao “assim perdoamos a quem nos tem ofendido”. Só não
erguiam a Bíblia, assim ficasse mais perfeita repetição. Agradeciam à justiça
divina as bênçãos alcançadas nas urnas, porque a humana é pífia. Em defesa dos
interesses partidários e pessoais, pesa o bom papo, retórica melosa,
embromação, hipocrisia, dissimulação e engodo. Acrescente-se velha marca de
sabonete “vale quanto pesa” sobrenome, parentesco, pedigree, dinheiro
surrupiado das verbas públicas ou do tráfico e assaltos. Levantem a Bíblia,
proclamem o nome do Senhor, em vão. Um dia, a casa cai.
Dissimular,
ato de ocultar, encobrir com astúcia, não dar a perceber, não revelar
sentimentos ou desígnios encrustados no espírito. O dissimulador nunca confessa
mea culpa de suas mazelas. Sempre se faz de vítima. Sempre encontra um vilão: a
crise internacional, as elites, golpistas, imprensa, FHC, imperialismo
americano. Ou “eu não sabia de nada”.
Conhece o
truque para adestrar um animal malabarista? Dê-lhe nacos de ração a cada
exibição. O animal fixa seu animador, porém o que lhe interessa é mais raçãozinha.
E assim o show continua, bem como a submissão por uma merreca de comida.
Eleitor ingênuo lembra animal adestrado, mas submisso a tiquinhos de
sobrevivência. Qualquer cédula de cinquentinha compra um voto. Conhecido
político confessava com cinismo, aos risos e deboche: “Povão não quer saber de
obras públicas, mas de um abraço apertado, uma cachaça de graça, 10 reais,
barriga cheia de arroz e panelada na feira. Quanto mais pinta de rico, melhor.
Até vigário se dobra. Essa história de político correto só vinga na capital.
Honesto não tem vez. Corrupto, malandro, arrebenta, tá eleito”.
Dissimulação é
a arte da sobrevivência dos mais fortes e valiosos em meio aos mais fracos. Não
existe linha religiosa que defenda tão danosa política de convivência humana. A
mensagem de Cristo é curta e grossa: “Seja o vosso sim, quando for sim; não, se
for não.” Condenou o farisaísmo da elite da época, “sepulcros caiados por fora,
mas a imundície por dentro”. Ou “dai a César o que é de César, e a Deus o que é
de Deus”. O dissimulador, imagem do Maligno, que acompanha a humanidade desde o
princípio, no jardim do Éden. Que tentou o Mestre no deserto, prometendo-lhe
poder e fortuna. E se serve, hoje, até do nome de Deus, para comover multidões,
conquistar votos. As retinas de nossos olhos não se cansam de assistir a
espetáculos que, se não cuidamos, cometemos maior pecado, o da cumplicidade.
Pelo menos, no Brasil, a política virou espetáculo da dissimulação.
sexta-feira, 10 de outubro de 2014
Será que, no Brasil, alguém merece o nosso voto?
Será que, no Brasil, alguém merece o nosso voto?
Cunha e Silva Filho
Se
política brasileira constitui uma soma de simulacros, em que as imagens dos
candidatos se constroem graças à publicidade enganosa,
a marqueteiros vendilhões, a
mentiras trocadas entre candidatos e,
agora, no segundo turno, a recomposição de candidatos que, antes se
atacavam olho no olho ou em viagens
pelo país afora,
já começam a jogar seus papéis múltiplos no ping-pong de partidos de orientações ideológicas
díspares e incompatíveis com os seus programas de governo e metas a serem atingidas
durante seus mandatos, como é que fica
a cabeça do eleitor sem
ponto de apoio seguro,
transparente, diante de
tanta balbúrdia?
O
segundo turno gerou a bipolarização pronta a vender a alma ao diabo
desde que seja o vencedor dessa segunda rodada. Os antigos inimigos
se tornam, agora, amigos de oportunismo porque, na peleja renhida,
tudo vale nas alianças feitas.
Os fundamentos ideológicos
dos candidatos se esfarelam, viram
uma salada mista, um saco de gatos, um samba do crioulo doido.
No meio desse mafuá
de novas combinações
estapafúrdias, o país continua
desatrelado das suas obrigações e compromissos assumidos da candidata-presidente:
aumento dos preços, novas revelações de corrupção,
violência calamitosa, o estado de Santa Catarina em
polvorosa, com explosões de violência, ônibus
incendiados, bandidos à solta
teleguiados por ordens de
alto crime cujas decisões partem
dos presídios. O país está em baixa,
política, moral e
eticamente. Até os
eleitores menos instruídos que,
porém, têm experiência da vida e dos homens, me dizem
em conversas na rua
que o país vai
mal, que ninguém acredita mais em políticos
nem em melhorias para a
Nação, que estão decepcionados com
todos e tudo que traz o sinete
do que chamam de política.
A crise política
é de ordem ética,
de falta de confiança nos nossos
homens públicos. Vejam-se alguns
candidatos reeleitos para a Câmara dos Deputados ou para o Senado. Vejam que os mais bem
votados nada podem representar
de útil ao país; são
oportunistas que, por
pertencerem à mídia cultural,
são feitos deputados e
senadores. O pior: esses candidatos, durante
os mandatos anteriores, nada
fizeram pelos seus estados. Fizeram, sim, para si
mesmos, ou seja, para se beneficiarem
das condições de marajás – condições
estas que não mudaram
desde os tempos do Collor
que, por sinal, foi
eleito senador.
Transformamos a eleição num espetáculo
circense, no qual os eleitores
estão presentes ao voto para
se divertirem com o próprio cinismo
e falta de auto-respeito.
Não vejo o voto nulo,
o voto em branco como
falta de atitude
cidadã. Esse comportamento do
eleitorado tem sua razão de ser: ele
espelha a náusea que cada um sente
pelo que está vendo acontecer no país. Ele sabe que, ao se eleger
um político para defender
os direitos e
atender aos anseios da sociedade,
nada se concretiza das promessas
falaciosas do que afirmou na campanha.
Foram palavras ocas, sem
substância, sem o peso da verdade.
Essa postura
negativista do eleitorado é um sinal de alerta ao sistema democrático que, assim,
é posto em dúvida no que concerne à sua validade. Quando o embuste,
a mentira, a falsidade, e mormente
o cinismo se tornam moeda corrente entre quem
abraça a política por
oportunismo e interesses
pessoais, o nível de ceticismo,
de descrença do eleitorado ascende
a proporções alarmantes e
perigosas para os alicerces da democracia e se torna
presa fácil para o arrivismo
populista ou messiânico, ou senão para lançar os incautos à fogueira
dos regimes de força
de triste memória, não só no Brasil como em outros países.
Não se pense que as
manifestações – compreenda-se, as
pacíficas - do ano passado
contra os erros da política
brasileira, contra a corrupção e
outros males nacionais foram em vão. O
futuro governante da Nação
não pode nem deve subestimá-las. Elas
permanecem como um vulcão pronto
a entrar em erupção novamente e com
mais poder de força caso
não sejam solucionados os
graves problemas do país.
O “homem cordial” brasileiro tem suas complacências, seu
lado pacífico e
ordeiro, mas, se sentir aviltado,
esbulhado em suas justas reivindicações, saberá como agir sem violência nem
depredações, mas com a firmeza
da massa indignada contra os
desmandos do poder arbitrário. E o mesmo vale para todos
os três poderes
constituídos. Lembrem-se os futuros
governantes que o mero fato de
conquistar mandatos
políticos não lhes faculta o
uso do autoritarismo, da prepotência, da enganosa
ilusão que, no exercício do poder,
possa arvorar-se em donos” do poder. A soberania da nação
é apanágio do povo, não
de políticos de plantão.
O merecimento de nosso
voto está em estreita dependência dos valores
morais, da integridade , competência
e do real desejo de os políticos propiciarem
o bem-estar da sociedade.
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