quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Minha admiração (um depoimento)

Elmar visto por Fernando di Castro


"[...] Aproveito o ensejo para renovar votos de estima e consideração."

       Assim costumamos finalizar o texto dos ofícios. Na maioria das vezes, apenas atendendo a uma formalidade, sem representar, de fato, a verdade. Mas, neste texto, as uso no início, tanto para retratar a expressão da verdade, como para relembrá-lo de que o fim de uma etapa é (re)início de outra.
Lembro-me da primeira vez em que ouvi falar a seu respeito. Eu era amigo de uma funcionária da Justiça Eleitoral da Comarca de Regeneração, Gilvanete Vieira. Ela comentou que o novo juiz da cidade tinha uma característica diferente de todos os juízes anteriores, este era poeta. Ela me relatou que às vezes os colegas tinham que recorrer ao dicionário para compreender o significado de suas palavras.
Fiquei curioso para conhecê-lo. Entretanto, não criei nenhuma oportunidade para encontrá-lo. A oportunidade surgiu por conta de um casamento para o qual fui convidado. Naquele dia, pelo menos dois casais estavam no cartório, o meu primo com a noiva dele e outro casal. O enlace matrimonial do meu primo seria o segundo daquela manhã, haja vista que Francisco da Cruz e Maria da Cruz seriam os primeiros.
As suas palavras foram pura poesia quando passou a fazer trocadilhos com a "cruz" presente no nome deles. Após o casamento, lhe procurei e externei a minha admiração pela sua eloquência. No ato, fui presenteado com sua obra Rosa dos Ventos Gerais e com uma espécie de cartão de visitas contendo o endereço do seu blog.
Passei a ler e a comentar suas postagens e, aos poucos, passei desenvolver meu gosto pela poesia. Posso lhe dizer sem medo de errar que me tornei uma pessoa melhor depois do meu gosto por poesia.
Sobre a sua atuação como magistrado, não sei falar muito, mas posso atestar com base nos comentários que ouvi na cidade de Regeneração e nas impressões que tive durante as audiências que presenciei que o respeito pelo ser humano e a imparcialidade foram marcas suas. Independente, da gravidade do crime do réu, o seu tom de voz se manteve o mesmo. Isso deixava transparecer que o senhor não os pré-julgava e nem os "condenava".
Quero deixar registrada a enorme admiração que tenho pelo magistrado, poeta, homem, Elmar Carvalho. Faço votos de que não lhe falte forças para enfrentar os desafios que surgirem e usufruir das suas merecidas "férias".

Mui respeitosamente,
Nelson Rios

Seu admirador.

terça-feira, 28 de outubro de 2014

CAMPO MAIOR E A INDEPENDÊNCIA DO PIAUÍ


CAMPO MAIOR E A INDEPENDÊNCIA DO PIAUÍ

Valério Chaves Pinto
 Desembargador inativo do TJPI              


            Transcorridos mais de 190 anos da Independência do Brasil em 1822, até hoje a data da proclamação no Piauí permanece em processo polêmico, sem se saber verdadeiramente a quem pertence a prioridade desse fato histórico para efeito de se fixar com exatidão a data em que oficialmente deve ser comemorado o Dia do Piauí - 19 de outubro ou 24 de janeiro. Do pouco que se tem notícia, nem sempre se pode afirmar de modo convincente,a que verdade comanda as esparsas e deficientes narrativas e interpretações existentes.
            Pesquisadores, historiadores e tantos nomes ilustres das letras piauiensesdo passado e do presente fiéis aos ensinamentos históricos tais como: Monsenhor Joaquim Ferreira Chaves, Odilon Nunes, Arimathéa Tito Filho, Wilson de Andrade Brandão e Abdias Neves, contribuíram de modo louvável com seus estudos, análises e pesquisas, porém não há até hoje uma interpretação segura capaz de elucidar a verdade.
            A polêmica maior se acende entre Parnaíba, em cuja sede houve uma conspiração em 1821 visando mudar a ordem política da província; e Oeiras então capital (1761),cada qual reivindicando para si a primazia da Independência do Piauí,apresentando como justificativa os acontecimentos revolucionários contra as ordens portuguesas ocorridos em 19 de outubro de 1822 e 24 de janeiro de 1823, respectivamente.
 Nos bastidores dessa polêmica há ainda aqueles que defendem a tese de que a verdadeira independência do Piauí foi proclamada no dia 13 de março de 1823 em Campo Maior, com a sangrenta Batalha do Jenipapo onde brasileiros e portugueses lutaram,em campo aberto, em defesa da causa nacional do Brasil - fato ignorado por muitos brasileiros de outras regiões.
            O professor e pesquisador Arimathéa Tito Filho, dando sua contribuição em homenagem ao debate do tema, afirma com o fulgor de sua inteligência, em entrevista concedida à Rádio Difusora de Teresina em 1979 que, na verdade,“houve duas proclamações da Independência no Piauí. A primeira - diz ele, foi feita no dia 19 de outubro de 1822, em Parnaíba, quando o Major Manuel Clementino de Sousa Martins, liderando um movimento insurgente, rapidamente sufocado, derribou os portugueses liderados pelo Major João José da Cunha Fidié; e a segunda foi feita em Oeiras em 24 de janeiro de 1823 pelo visconde da Parnaíba, que naquele tempo não era Visconde, era apenas o cidadão Manuel Clementino de Sousa Martins”, (sobrinho e genro do Barão da Parnaíba), o qual, à frente de uma conspiração em favor da secessão de D. Pedro I como Imperador do Brasil, proclamou a independência no Piauí.
            Sabe-se que quando Fidié teve notícia de que a Independência tinha sido também proclamada em Oeiras, marchou com sua tropa de Parnaíba no dia 28 de fevereiro para combater os oeirenses, porém encontrou em Campo Maior a resistência de um improvisado exército brasileiro, travando-se ali a já referida Batalha do Jenipapo,seguindo depois para Caxias no Maranhão, donde passou a resistir durante três meses, sendo finalmente vencido e preso, curiosamente, pelas tropas de Manuel de Sousa Martins.
O historiador pernambucano Francisco Augusto Pereira da Costa conta que após o entrevero do Jenipapo, parte da bagagem de guerra de Fidié,constituída de munição, armas, dinheiro e os despojos da vila de São João da Parnaíba, foi furtada pelos soldados das tropas do capitão português Alexandre Pereira Nereu e levada para a cidade de Sobral no Ceará onde foi feita a apreensão e colocada em hasta pública, em maio do mesmo ano. Este fato fez com que Fidié,diante do enfraquecimento de seu arsenal, decidisse ser mais prudente desistir de marchar sobre a cidade de Oeiras. (Cronologia Histórica do Estado do Piauí, vol. II, pág. 307).
            Como se pode ver, o assunto é polêmico, naturalmente gerando nos parnaibanos e nos oeirenses, um certo aborrecimento toda vez que se cogita de revisar a história do Piauí para se acabar com a dúvida ou com a inverdade sobre qual data se deve comemorar o Dia do Piauí – 24 de janeiro, 19 de outubro ou 13 de março.
O que não se pode esconder, contudo, é que os parnaibanos foram heróis, cívicos e imbuídos de grande patriotismo ao combaterem as forças portuguesas através de um movimento liderado pelo juiz de fora João Cândido de Deus e Silva e pelo coronel Simplício de Sousa Dias.
 Os oeirenses também foram heróis e patriotas. Tudo é uma questão de interpretação histórica que cabe aos historiadores proclamar a verdade.
            A propósito dessa discussão, merece destaque uma tese muito interessante defendida pelo historiador piauiense Wilson Brandão, segundo a qual, o nosso primeiro e grande patriota da independência foi Antônio Maria Caú, escrivão da junta de Fazenda da Província. Caú era um desses tipos populares que as vezes pregam ideias e as vezes levam ideias à frente. Foi ele quem chefiou uma trama revolucionária para mudar a ordem política da Província sob o falso pretexto de jurar logo a constituição portuguesa que simulava defender, mas o alvo principal, segundo F.A. Pereira Costa na obra citada, página 253,era depor o governador Elias José Ribeiro de Carvalho e a instalação de uma Junta Provisória, da qual seria presidente o cirurgião Francisco José Furtado”.
            O desembargador Cristino Castelo Branco, uma das maiores mentalidades do Piauí, acha por sua vez, que a verdadeira independência se verificou no dia 13 de março de 1823 com a Batalha do Jenipapo. O mesmo ponto de vista é defendido pelo não menos respeitado historiador piauiense Monsenhor Joaquim Chaves e pelo pesquisador e jornalista Arimathéa Tito Filho. Na opiniãode ambos, já falecidos, uma terra se liberta pelo heroísmo de seu povo. E foi,efetivamente, o heroísmo dos campo-maiorenses que deu a Independência do Piauí e do Brasil.
            Abdias Neves em sua monografia intitulada A Guerra de Fidié, (1907, pág. 6), destaca o seguinte trecho do ofício em que o Dr. João Cândido de Deus e Silva,acusado pelos portugueses de não punir os sediciosos em Parnaíba, enviou ao Presidente da Junta Provisória do Governo em Oeiras, no dia 30 de setembro de 1822:
                “A melhor, a maior, a mais rica, a mais populosa parte do Brasil tem-se declarado a favor da causa da Independência; como persuadir-nos que o resto não siga a mesma causa? Ou quererão os povos olhar de sangue-frio o seu país dividido, seguindo o Sul um sistema e o Norte outro? Não me persuado que tal seja possível”

                Em verdade, há aqueles que criticam o movimento patriótico dos parnaibanos, achando que a ocasião não era propícia para se manifestar contra a ordem vigente. Há ainda os que se insurgiram contra os reveses ocorridos às margens do riacho Jenipapo, em Campo Maior.
            Mas é  o próprio Abdias Neves quem responde tais críticas:
            “...toda reforma, seja social ou religiosa, precisa de mártires e desse batismo de sangue para se impor e criar raízes na alma das multidões”.

            De nossa parte, longe da capacidade de análise e observação histórica que o assunto requer, diríamos que Campo Maior, através da bravura de seu povo, heroicamente demonstrada no episódio do Jenipapo, com certeza, está inserida no contexto desse pensamento.

domingo, 26 de outubro de 2014

Seleta Piauiense - Menezes y Morais


outra canção da lua

Menezes y Morais (1951)

quantas luas
ainda verei?

espero tantas
quantas são
as fases tuas

na plenitude
das luas
que sempre amei

quantas luas
teremos de luz

ainda que os olhos
mergulhem nas trevas

nas terras
em que nunca andei
?      

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Sobre o poeta Elmar Carvalho

Elmar visto por Gervásio Castro

Sobre o poeta Elmar Carvalho

Cunha e Silva Filho

       Caro leitor, saindo da formalidade de alguns artigos, crônicas, traduções ou mesmo ensaios, me veio à mente a oportunidade de tecer alguns comentários sobre o meu amigo, Elmar Carvalho, poeta nascido em Campo Maior, estado do Piauí.  Agora, depois de um longo período de atividades exercidas na vida, se aposenta como juiz de direito, merecendo, pois, seu otium cum dignitatem.


        Acompanhei grande parte de sua produção poética. Resta, aqui, desejar-lhe que, a propósito de um texto que escreveu em seu blog de título “Enfim, a aposentadoria” (Blog do poeta Elmar Carvalho), onde manifesta, no final, o interesse de poder, com o tempo maior que lhe vem, agora, livre dos compromissos e horários da magistratura, dedicar-se à condição de escritor e, quem sabe, retomar o entusiasmo de produzir poesia como nos velhos tempos da juventude e da mocidade.

         Aos 58 anos, podemos dizer, ainda moço, tem muito chão pela frente. Há algum tempo, vem escrevendo uma obra a que deu o título de Diário incontínuo (a citada crônica faz parte dessa obra), no qual vem reunindo um pouco de tudo, do passado e do presente, uma espécie de “baú de tudo,” onde cabem a crônica, a ficção, o memorialismo e sobretudo reflexões sobre    homens,  paisagens, bichos,  a natureza,  as histórias   vividas ou  inventadas na cidade ou  no campo,  narradas com  limpidez  estilística, com um  certo  acento  de sabor  clássico de algumas  expressões  usadas nos seus textos,   com  relatos    de natureza   sobrenatural,   com  relatos  de fundo  onírico.  Todas essa narrativas ou relatos se referem a temática  piauiense, se não incorro em  erro. 

     O melhor disso tudo é que Elmar escreve praticamente tudo que lhe vem das andanças por dever do oficio. E, ao passar-lhe pelos olhos tão diferentes lugares, tantas variedades de costumes interioranos, de seres humanos variados, de situações dramáticas, ou até jocosas, esse material ele o transforma em prosa bem cuidada, com domínio dos seus recursos de forma e linguagem. Não foi sem motivo que, uma vez, denominei seu estro de ‘voz poética, histórica e geográfica do Piauí. ’ (Ver meu texto “Encontro,   poesia  e vida”, apud CARVALHO, Elmar. Rosa dos ventos gerais.  2 ed. Teresina: SEGRAJUS, 2002, p. 17-20),  incluído como uma das introduções desse livro. Para não me alongar, vejamos os comentários, em forma de carta, já anunciados no início deste texto:
    
Estimado amigo Elmar Carvalho:

Ainda me lembro do meu primeiro encontro com V. em Amarante. Era o ano de 1990. Data para mim sempre repassada de alguma tristeza, pois foi naquele ano que para aquela cidade me dirigi com familiares a fim de visitar a sepultura de Cunha e Silva, meu pai. Foi o encontro da crítica com a poesia, encontro, sim, porque, de certa maneira, para mim poesia e crítica se complementam. Foi um encontro feliz regido pelo mero acaso das circunstâncias da vida terrena.

Quando lhe perguntei pelo nome, V. me respondeu: "Elmar Carvalho." Lhe disse na época que tinha nome de poeta, talvez por associar a sílaba "El" à "mar", que, para meus ouvidos, me soam liricamente, ou seja, a natureza simbolizada pelo significante/significado "mar" sempre me recorda o apego de alguns poetas ao mar, às ondas, à força da natureza, bela e por vezes desafiadora. Camões, Fernando Pessoa, Vicente de Carvalho.

O encontro foi duradouro, permanece até hoje, em outra época, a da pressa, das virtuais formas de comunicação. Porém, o verdadeiro encontro foi com a sua poesia, uma vez que é no domínio estético que os espíritos mais se identificam e se entendem, mesmo no silêncio, mesmo na distância. E a poesia sua me disse o que V. talvez não me pudesse dizer no ramerrão da vida apressada e avassaladora de tempos pós-modernos.

Li toda a sua poesia que me chegou às mãos vibrei com alguns poemas seus e, de alguma forma, me tornei seu crítico, ou, pelo menos, quem mais tenha escrito sobre o que produziu.

Reafirmo-lhe que logo senti em V. a força da poesia, tanto na expressividade das metáforas, quanto na originalidade dos ritmos, das aliterações, no jogo complexo da linguagem poética, sempre formulada com o suporte técnico, experimental do fazer poético com a sensibilidade de nos mostrar que se ama a natureza, a geografia poética, os fatos históricos, através da comunicação poética. E, durante os anos de maior fervor de produzir poesia, V. deu muito de si e procurou a companhia das musas por direito do talento e da preparação para esse gênero literário, quiçá o mais importante de todos porquanto é na poesia que se dá o encontro com o visível e o invisível, com a imagem e as virtualidades, com a existência humana e suas contradições e, sobretudo, com o encontro final, em vida, que é um ajuste de contas com o mundo das palavras pelas palavras, pelo que possam dizer ou ocultar, afirmar e negar, e até mesmo exprimir o indizível, o que, no caso, a leva ao hermetismo, ao puramente estético. A leitura poética não é conduzir o leitor a conhecer uma história, a mas a pensar os sentidos das palavras, ou as formas (metafóricas) de tentar entender o mundo, os seres e sobretudo a magia da linguagem e dos sons tão próximos da música.

Fico feliz porque cumpriu, na vida pessoal, as funções que exerceu e o seu texto rememorativo o faz com a elegância e a dignidade de um escritor que sabe respeitar-se e respeitar seus pares.

Um abraço do

Cunha e Silva Filho

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

ENFIM, A APOSENTADORIA

Charges da autoria de Gervásio Castro


23 de outubro   Diário Incontínuo 

ENFIM, A APOSENTADORIA

Elmar Carvalho

No dia 10, sexta-feira, após mais de 39 anos de serviço público, aos 58 anos de idade, sem nunca ter sofrido nenhum tipo de punição, nem mesmo advertência ou repreensão, requeri a minha aposentadoria, e imediatamente me afastei de minhas atividades, como determina o CNJ. Silenciosa e anonimamente, bem no final do expediente, sem nada confidenciar a quem quer que fosse, me dirigi ao protocolo.

Eram quase duas horas da tarde, e havia no setor apenas um velho servidor, que me atendeu com presteza, mas sem perguntas e comentários. Apenas apareceu, de passagem, o juiz Antônio Soares, com o seu indefectível chapéu e o não menos habitual bom-humor, que me disse ter lido o meu livro Amar Amarante, que evoca o seu torrão natal, a terra azul do poeta Da Costa e Silva, quase uma ilha, encravada nas confluências dos rios Mulato, Canindé e Parnaíba, e emoldurada por lindas serras.

Cumpri um desiderato que já me impusera alguns meses atrás, sobre o qual não emiti mais nenhum comentário, porquanto desejei sair à francesa, da maneira mais discreta possível. Deus me ajudou para que as circunstâncias conspirassem para isso. Um pouco depois, viajei a Parnaíba, onde passei alguns dias, tanto na velha urbe, como no sítio Filomena, situado na Várzea do Simão, à beira do Velho Monge.

Não recebi nenhum e-mail ou telefonema sobre o meu pedido de aposentadoria, o que prova que o meu desejo de discrição foi alcançado plenamente. Certamente se eu tivesse cometido um crime ou algum fato escandaloso, as notícias na mídia e os telefonemas dos “amigos” não me teriam faltado. Lembrei-me do velho sarcasta Voltaire, que disse com muita verve e ironia: “Que Deus me proteja dos meus amigos. Dos inimigos, cuido eu.”

Ingressei no serviço público em 15 de setembro de 1975, no cargo de monitor postal, na Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, após haver sido aprovado em curso de três meses em Recife. Trabalhei nessa empresa federal em Teresina e em Parnaíba, para onde me transferi a fim de fazer o curso de Administração de Empresas na Universidade Federal do Piauí, Campus Ministro Reis Velloso.

Desliguei-me da ECT em 9 de agosto de 1982, após aprovação, em concurso feito pelo DASP, para assumir, no dia seguinte, o cargo de fiscal da extinta SUNAB – Superintendência Nacional do Abastecimento (autarquia federal). Hoje eu seria auditor-fiscal da Receita Federal, já que todos os ex-colegas fiscais, mesmo os aposentados, conseguiram, através de ação judicial, essa transposição funcional.

Pedi exoneração do Ministério da Fazenda, órgão para o qual fui redistribuído, após a extinção da SUNAB, no dia 19 de dezembro de 1997. Neste mesmo dia, no gabinete da presidência do Tribunal de Justiça do Piauí, juntamente com mais oito colegas, tomei posse de meu cargo de juiz, às onze horas. Era presidente da Corte o desembargador José Luís Martins de Carvalho, que me tinha grande consideração, a que sempre procurei corresponder na mesma intensidade. Estavam presentes, além dos colegas e familiares, vários desembargadores e outras pessoas e funcionários.

Nessa manhã inesquecível, fui escolhido pelos colegas para fazer a saudação de praxe. Transponho para este texto o que já registrei alhures: “Quando tomei posse de meu cargo de juiz junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, em solenidade singela, contudo para mim memorável, disse que uma dúvida me assaltava naquela ocasião: sobre o que seria mais importante, se a justiça, se a bondade. Mas eu próprio resolvi o aparente paradoxo da equação, ao dizer que quem era bom era justo, e quem era justo necessariamente teria que ser bom.”

Acrescentei, entre outras coisas de que já não guardo lembrança, que o juiz deveria esforçar-se para agir sempre com imparcialidade e justiça.  Acima de uma interpretação meramente literal, deveria o magistrado buscar uma interpretação teleológica, que realmente alcançasse o espírito da lei, como, aliás, preconiza o Cristo, consoante o admitem todos os grandes exegetas, sobretudo quando ele fustigava os fariseus e o apego demasiado à lei mosaica. Disse isso para afirmar que o mero zelo formalista não deveria ser importante para o julgador, mas sim o desiderato maior de fazer justiça, de agir com justiça. Aos aspectos extrínsecos, aparentes e formais, quase ritualísticos ou litúrgicos, deveria preponderar a essência, e a essência é o primado da Justiça.

Agora que requeri minha aposentadoria, posso dizer, com toda a sinceridade, mas também com toda a humildade possível, que não tenho remorsos e nem arrependimentos de minhas decisões interlocutórias e sentenças, pois sempre procurei agir com imparcialidade e com vontade de efetivamente fazer Justiça. Dentro das condições disponíveis, sobretudo a ostensiva falta de servidores, procurei agir com a possível celeridade, porquanto sou consciente de que a demora muitas vezes se transforma em clamorosa injustiça.

Posso ter errado, sim, devo ter errado, porque sou humano, porque não tive inteligência suficiente para alcançar certas sutilezas ou nuanças da lide ou porque a parte não conseguiu provar o seu direito, mas jamais, propositadamente, tirei a razão de quem tinha para dar a quem não a tivesse. Sem dúvida, sempre almejei levar em conta a proporcionalidade, a razoabilidade, e nunca esqueci o velho brocardo de Rui Barbosa: “A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam.”

Em 8 de julho de 2013, quando me encontrava de férias, fui promovido para o Juizado Especial Cível e Criminal da Comarca de Oeiras, de entrância final. No dia 6 de agosto tomei posse desse cargo, e logo em seguida recebi a notícia de que fora acometido de um segundo CA. Do primeiro, em Deus, já me considero curado. No dia 20 de setembro do mesmo ano, deixei a amada cidade de Oeiras, que tenho exaltado em verso e prosa, para não mais retornar.

Entrei de licença médica, para tratamento, recuperação e acompanhamento. O procedimento (invasivo) me causou incômodos e efeitos colaterais. Nesse ínterim, tendo idade e tempo de serviço suficiente para me aposentar, resolvi pedir minha remoção, por motivo de minha doença, que por lei é considerada grave, para a Comarca de Teresina. Esse pleito teve apenas um deferimento parcial, com a minha lotação provisória em Teresina.

Quando retornei às minhas atividades, senti que já não tinha o encantamento, o entusiasmo e a motivação, que sempre tive em toda a minha labuta judicante, mesmo quando atuei em longínquas comarcas, como Socorro do Piauí, Curimatá e Ribeiro Gonçalves. Por essas e outras razões, senti que Deus me sinalizava no sentido de desacelerar, de levar uma vida mais light e menos estressante.

Ao pedir a minha aposentadoria, com humildade e discrição, como disse, e consciente de que nada mais fiz do que apenas ter tentado cumprir as minhas obrigações funcionais, não pude deixar de me lembrar dos magistrais versos de Manuel Bandeira: “O major morreu. / Reformado. / Veterano da Guerra do Paraguai./ Herói da ponte do Itororó. / Não quis honras militares. / Não quis discursos. // Apenas / À hora do enterro / O corneteiro de um batalhão de linha / Deu à boca do túmulo / O toque de silêncio.”


Apenas assinalo, entre outras, as seguintes diferenças: não morri, como é óbvio; não sou herói, nem sequer de mim mesmo, e não desejo o toque de silêncio, porquanto pretendo permanecer ativo em outras atividades, sobretudo em minhas lides literárias, como escrevinhador e mormente como leitor, uma vez que tenho mais a aprender do que a dizer.    

terça-feira, 21 de outubro de 2014

SOLENIDADE DA ACADEMIA DE LETRAS DO VALE DO LONGÁ: POSSE E HOMENAGENS


No dia 23 de outubro próximo, quinta-feira, no auditório da OAB-PI, às 19:30 horas, a Academia de Letras do Vale do Longá - ALVAL, presidida pelo médico José Itamar Abreu Costa, irá comemorar os seus 36 anos de fundação, cujo fato ocorreu no dia 23 de setembro de 1978, tendo sido seu primeiro presidente o magistrado Geraldo Majella de Carvalho.

A programação consta da seguinte pauta:

1 - Mensagem do Presidente.
- Posse do Dr. Viriato Campelo, que ocupará a cadeira 02, que foi ocupada pelo seu pai, o desembargador Tomaz Gomes Campelo.
3 - Homenagem aos acadêmicos aniversariantes do segundo semestre de 2014.
4 - Entrega do Diploma do Mérito Cultural A. Tito Filho.
5 - Coquetel.

Serão homenageados com o Diploma Mérito Cultural A. Tito Filho as seguintes personalidades:

1- O.G Rego de Carvalho (in memoriam)
2- William Palha Dias (in memoriam)
3-Júlio Romão (In memoriam)
4-Prof. Dr. E. J. Zerbini (in memoriam)
5-Dr Antonio Benicio (In memoriam)

MEMBROS DA ACADEMIA PIAUIENSE DE LETRAS – APL:

6-Antonio Fonseca Neto.
7-Hardi Filho
8-Humberto Guimarães
9-Nelson Nery Costa,
10-Hugo Napoleão,
11-Othon Lustosa,
12-Dra Fides Angélica Omatti
13-Terezinha Queirós,
14-Celso Barros,
15-Heitor Castelo Branco,
16-Jônathas Barros Nunes,
17-Jesualdo Cavalcanti
18-Paulo de Tarso Mello e Freitas
19-Assis Brasil
20-R.N.Monteiro de Santana
21-Socorro Rios Magalhães
22- Nildomar da Silveira Soares
23-Zózimo Tavares 

PROFESSOR:

José de Arimatéia Dantas(Reitor da UFPI)

JURISTAS:

William Guimarães
Desembargador Raimundo Eufrásio


Os homenageados serão saudados por Elmar Carvalho, membro da APL e da ALVAL. 

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Milagre do gotejamento no calorão


Milagre do gotejamento no calorão

José Maria Vasconcelos
Cronista, josemaria001@hotmail.com

Não estou nem aí para incômodo calorão da minha terra. O que me angustia, mesmo, a inatividade e falta de criatividade de nossa gente, especialmente dos gestores, que ainda não se libertaram da cantilena fúnebre, cuia na mão estendida para verbas e engabelação. Por simples feijão, quiabo e maxixe, o piauiense recorre ao empreendedorismo de outros estados. No meu quintal, porém, a cantilena é de louvor ao Criador.

Em pleno verão tórrido, sorrio, contemplando o plantio de feijão, maxixe, quiabo e outras delícias no sítio. Atividade prazerosa e saudável, especialmente desenvolvida sem interesses comerciais, mas para consumo da família.

A fita para irrigação por gotejamento faz milagres, economiza água e energia. Trata-se de um tecido maleável, resistente, com minúsculos furos a cada 20 centímetros, encontrada nas lojas agrícolas, a custos convidativos: 40 centavos o metro.

Iniciei o projeto com 50 metros, apenas: estiquei cada 10 metros de fita, ligando-a aos bicos do cano central. O sistema exige água limpa, sem granitos, para fluir pelos poros da fiação. Em cada pontinho irrigado, perfura-se o solo, enfiam-se sementes. Meia hora de gotejamento ao dia. Após duas semanas, já se contempla o milagre sob a canícula, calor de rachar, e um chapéu mexicano para sombrear o corpo. Tamanha alegria que me estimulou a comprar mais 50 metros da fita milagrosa. Lembrando que a minha experiência foi testada em solo hostil e pedregoso. As fruteiras exigem mais tempo de irrigação. O calorão espanta as pragas.

A irrigação por gotejamento deve-se a tecnologia israelense, atualmente utilizada até em desertos africanos. O Nordeste brasileiro, em geral, ainda não se libertou do miserável primitivismo de Jeca Tatu e das malandragens de gestores públicos. Inventa-se projeto megalomaníaco, como transposição do rio São Francisco, para desvios de verbas federais. Na última seca, o governo prometeu recursos para perfurar mil poços tubulares. Se contá-los, falta de vergonha jorrará copiosamente, ou alguns poços em troca de votos. O resto das verbas o gatuno comeu.

1.400 km de rio Parnaíba, se utilizados para projetos de agricultura irrigada, abasteceria países de alimentos. Petrolina e Juazeiro, às margens do rio São Francisco, evoluíram graças à agricultura irrigada, cuja fruticultura abastece o Nordeste e mercado internacional. Por aqui, barragens construídas com dinheiro público, como a de Piracuruca, servem de deleite a banhistas e posseiros ricos. Frutas e verduras continuam descendo a Serra da Ibiapaba.

Tente contar os órgãos governamentais ligados à agricultura. Pergunta-se: de onde vêm as verduras e frutas?

Enquanto você esmiúça questões e causas discrepantes, contemple a terra, dádiva dos céus, mas servindo de cantilenas fúnebres, choramingando miséria. De quem a culpa? Enquanto rumina uma resposta, vou desfrutar o verde, em pleno estio, por milagroso e barato sistema de gotejamento. Pura água benta.              

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

No Brasil, além da impunidade, da violência e da corrupção, agora, o ebola


No Brasil, além da impunidade, da violência e da corrupção, agora, o ebola


Cunha e Silva Filho


Não é de hoje que tenho  tido notícias da doença do ebola (em Portugal, dizem ébola). Nos meados dos  anos de 1970, tinha por hábito ler uma  excelente  revista  americana de orientação   evangélica denominada  The Plain Truth,  dirigida pelo norte-americano Herbert W.  Armstrong (1892-1986), Pastor e fundador da Worldwide Church of God, autor, entre outros livros,  de    Autobiography, volume 1. Não sei se chegou a publicar um segundo volume  da obra -  fruto de sua  grande experiência e tirocínio  como   doutrinador evangélico em âmbito mundial. Naquela  época,  li inúmeros  artigos  e reportagens na mencionada  revista que já  divulgava   as ameaças e os perigos  do ebola,  doença  mortal de procedência  do Congo (hoje Zaire). A revista  tinha certo relevo  porque,  embora   de viés  religioso-doutrinário,  ela reservava um largo espaço  para  discutir temas   de alta  importância para a humanidade e em clave de discussão   aberta e despreconceituosa. Sua assinatura era gratuita, a impressão de alta qualidade e os artigos  sobre  questões internacionais  eram valiosos  para a  época. Com a morte do seu líder Armstrong, houve a decadência, até à extinção  da  The Plain Truth.

As previsões do ebola,  ao lado de outras moléstias, como a gripe aviária ou  do  frango,  tinham  fundamentos, mas é bem  pouco  provável  que  o mundo   se  preocupasse com  ela. Por outro lado, nos inícios dos anos de 1980 iria surgir  o primeiro caso   de uma doença - a AIDS -  que iria se disseminar mundialmente matando   um grande  número  de pessoas, por contato sexual,  ou por  transfusão  de sangue, com grande   perdas de vidas  para  os hemofílicos e, no Brasil,  por isso mesmo  perdemos  figuras  bem queridas,  como  Herbert de Sousa,  Henfil,  Cazuza, entre tantos  outras. O curioso  é que essas doenças,  segundo  os especialistas,  estão associadas   a contaminação   proveniente  de animais, como  o macaco e até o morcego, se não me engano,  quando   usado  para alimento   do macaco.

O vírus se propaga com  facilidade,  e, para evitá-lo,  cumpre  usar todos os recursos atuais  de que dispõe a medicina  e  fornecer à sociedade  a orientação segura  dos infectologistas sem  alarmes  exagerados. A transmissão  já passou as fronteiras dos países onde  se identificaram  as primeiras vítimas fatais.

Num mundo que se tornou pequeno e profundamente   interligado   geograficamente,   não  é de causar surpresa que a doença  transponha  as fronteiras   dos países  onde foram  identificados  indivíduos infectados  que, lamentavelmente,  chegaram  a óbitos. Já deu  sinal  de ocorrência do ebola em  países  adiantados,  como   na Espanha,  na Inglaterra,   nos Estados Unidos e, agora,  ainda em  termos de  uma suposta ocorrência   no  Brasil, onde  do Paraná,   veio a notícia de uma pessoa com alguns  sinais  da doença e que foi  encaminhada para  um centro de referência  em infectologia do Instituto  Oswaldo Cruz.

 Desta maneira,   cumpre às autoridades  sanitárias  daqui  envidar todos os esforços  no sentido  de que  um simples   caso  se   transforme em   muitos casos. Todo o cuidado é pouco na vigilância  atenta  dos aeroportos, portos,  fronteiras  terrestres. 

Não há ainda uma vacina  que  seja   eficiente  no tratamento  da doença, ainda que,    detectada  em tempo,   haja  recursos   de medicamentos    que possam   bloquear    os efeitos   letais    e salvar vidas. Um dos procedimentos  é isolar-se  a pessoa   infectada e bem assim   dotar as equipes médicas de    todos os cuidados  possíveis   a fim de evitar que  sejam  também  contaminadas.

Já há uma bibliografia médica  imensa  tratando    teoricamente    dessa doença letal.   Urge que  o combate  a ela seja feito   em conjunto   e em âmbito mundial, sendo para  tanto   indispensáveis ações  imediatas e contínuas  da OMS. Somos, hoje, seres globalizados,  desenvolvemos   trabalhos humanitários além-fronteiras,   como os  médicos  que  enfrentam  o alto  risco de perder a própria vida para cuidar  de  doentes   no mundo inteiro,  especialmente em   regiões africanas  de extrema pobreza e de escassos  recursos da medicina, como os heroicos  “médicos sem fronteiras,” os trabalhos de missionários   que  também  enfrentam   perigos de doenças  em regiões  em confrontos  bélicos.  Outras  organizações  internacionais, sem fins lucrativos,     pelo mundo afora,   realizam   relevantes   serviços  em defesa dos seres   humanos,  sobretudo   de crianças, que são    os mais desprotegidos   e dependem tanto da ajuda dos adultos. 

Do meu ponto de vista, o ebola  já deveria,  a esta altura de  pesquisas  mundiais,   estar  com um   vacina  eficaz  contra  o vírus.  O ser humano é imprevidente em alguns casos  onde  não deveria ser,  por exemplo,  as doenças  mortais  que  podem  se transformar em  epidemia. O mundo, através dos países ricos,  ao invés de  investir em  armas  cada vez mais  destruidoras,   deveria   se dedicar  aos avanços  no campo da  infectologia. A palavra de ordem seria  “prevenção,” e isso se aplica a todas as nações desenvolvidas e em desenvolvimento, mormente no mundo contemporâneo, no qual,  segundo já  assinalei, os contatos  dos povos   são  quase imediatos  pelas facilidades  das viagens  intercontinentais.


O Brasil deve,  portanto,  estar  de olho atento a esse   problema de saúde pública,  principalmente para evitar  o mal maior,  o surto de   epidemia. Atenção aos responsáveis pelo Ministério da Saúde. Não se brinca com  doenças   mortais capazes de dizimar  milhares   de pessoas.        

RECONHECIMENTO



Reconhecimento

Luís Alberto Soares (Bebeto)

Posso não ser bom escritor
Mas preste atenção, por favor
Vou narrar que sou reconhecedor
De um incansável trabalhador

Trata-se do estimado educador
Bom mestre de muito valor
Que precisa de mais amor
Neste mundo de horror

Vamos festejar com fervor
O dia dedicado ao professor
Ele é grande empreendedor
Lição de dedicação e primor

Para o Piauí ser mais promissor
É necessário agir com vigor
Para cobrar de governador
As promessas ao professor

Como diz um grande doutor
Quando se fala de educador
É jus ele ser merecedor
De um salário compensador

Parabéns querido professor
Pelo seu ensino encantador
Em Amarante com muito amor
Você merece mesmo louvor      

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

DISCURSO DE UM DOIDO


DISCURSO DE UM DOIDO

Jacob Fortes

Quando, numa manhã aprilina, década de 70, transitava pela Rodoviária (que, naquela época, “valia por todas as esquinas que Brasília não tem”), deparei-me com um homem falastrão que fazia uma pregação desconexa. Valia-se de vocábulos e expressões que lhe emprestavam qualidades intelectuais. Evidentemente, não me foi possível memorizar tudo o que ele dizia, mas pude intuir o sentido da sua fala; retive a ideia central da sua elocução. Esquálido e com esgar de louco, dizia o homem imprimindo fervor à sua verdade; que lhe parecia redentora.
“— Sou o guardião desta cidade. Só tenho dez minutos para apresentar o relatório sobre o paradeiro da mala. Cadê a mala que se perdeu neste canteiro de obras? Juscelino não trouxe a mala. Trouxe candangos, com malas e matolões; também, os “malas-sem-alça”. Procurei a mala no porta-malas do Aero Willys do Bernardo Sayão; ele engrossou o rol das vidas ceifadas, mas ficou o seu Aero Willis na garagem. Reconheço o meu lugar; mantenho-me em vigília. O adversário de Juscelino não sou eu, é o Carlos Lacerda, que não confessa, mas anseia que um buraco de construção sirva de túmulo para JK. Agora caio em mim e percebo a loucura dos migrantes chegando com suas malas na cabeça, apressados, desatinados. Enquanto a cidade brota deste chão vermelho eu procuro a mala e não acho. Se eu não achar a mala irei denunciar à oficialidade. Não interrompa minha conversa sem pedir licença. Sou o historiador oficial desta cidade. Falo em nome do Presidente. Segundo a unanimidade dos relatos o que fez acender o estopim da insurreição foram as condições do acampamento....”.
Há sobre a terra tipos de pessoas a quem não se deve reptar. Os mais conhecidos são os acometidos de “delírium tremens”, (beberrões) e os loucos.  Da boca de ambos brota a insânia, o furor, o desvario, o estúrdio.  Mas doido, unicamente, são apenas os que, pelas vias ou logradouros, se detém em solilóquios ou cada um de nós é legatário do gene que afeta o controle da razão? Vamos pesquisar.
  — Qual sua opinião, Freud?
— Guardada as devidas proporções todos somos loucos, inclusive eu, Sigmund Freud. Não foi sem razão que prescrevi o brocardo: de médico e louco todo mundo tem um pouco
Sendo assim, e já que os loucos gozam do excludente de criminalidade, deixemo-los que se comprazam nos efeitos das suas loucuras. Afinal, tudo tem o seu sentido, inclusive a insensatez para tonificar o discernimento.        

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Política, a arte de dissimular


Política, a arte de dissimular

José Maria Vasconcelos
Cronista, josemaria001@hotmail.com

             “Nunca esquecerei que na retina de meus olhos tinha” graduado policial, acusado de crimes de pistolagem, preso. A caminho do julgamento, levantava a Bíblia e proclamava: “A justiça divina provará a minha inocência!” Precisa explicar o que significa o ato de dissimular?

         Agora, semelhante teatro aberto, sem julgamento nem condenação. Divulgados os resultados das eleições, início de noite, viam-se candidatos vitoriosos, frente às câmeras de TV, aos berros, feições embevecidas de inebriantes talagadas de bebida. Rolavam lágrimas, orações, louvores aos céus. Confessavam virtudes cristãs, consideravam-se vítimas do ódio de adversários. Abraçados, rezavam Pai Nosso, gritavam mais forte ao “assim perdoamos a quem nos tem ofendido”. Só não erguiam a Bíblia, assim ficasse mais perfeita repetição. Agradeciam à justiça divina as bênçãos alcançadas nas urnas, porque a humana é pífia. Em defesa dos interesses partidários e pessoais, pesa o bom papo, retórica melosa, embromação, hipocrisia, dissimulação e engodo. Acrescente-se velha marca de sabonete “vale quanto pesa” sobrenome, parentesco, pedigree, dinheiro surrupiado das verbas públicas ou do tráfico e assaltos. Levantem a Bíblia, proclamem o nome do Senhor, em vão. Um dia, a casa cai.

         Dissimular, ato de ocultar, encobrir com astúcia, não dar a perceber, não revelar sentimentos ou desígnios encrustados no espírito. O dissimulador nunca confessa mea culpa de suas mazelas. Sempre se faz de vítima. Sempre encontra um vilão: a crise internacional, as elites, golpistas, imprensa, FHC, imperialismo americano. Ou “eu não sabia de nada”.

         Conhece o truque para adestrar um animal malabarista? Dê-lhe nacos de ração a cada exibição. O animal fixa seu animador, porém o que lhe interessa é mais raçãozinha. E assim o show continua, bem como a submissão por uma merreca de comida. Eleitor ingênuo lembra animal adestrado, mas submisso a tiquinhos de sobrevivência. Qualquer cédula de cinquentinha compra um voto. Conhecido político confessava com cinismo, aos risos e deboche: “Povão não quer saber de obras públicas, mas de um abraço apertado, uma cachaça de graça, 10 reais, barriga cheia de arroz e panelada na feira. Quanto mais pinta de rico, melhor. Até vigário se dobra. Essa história de político correto só vinga na capital. Honesto não tem vez. Corrupto, malandro, arrebenta, tá eleito”.

         Dissimulação é a arte da sobrevivência dos mais fortes e valiosos em meio aos mais fracos. Não existe linha religiosa que defenda tão danosa política de convivência humana. A mensagem de Cristo é curta e grossa: “Seja o vosso sim, quando for sim; não, se for não.” Condenou o farisaísmo da elite da época, “sepulcros caiados por fora, mas a imundície por dentro”. Ou “dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”. O dissimulador, imagem do Maligno, que acompanha a humanidade desde o princípio, no jardim do Éden. Que tentou o Mestre no deserto, prometendo-lhe poder e fortuna. E se serve, hoje, até do nome de Deus, para comover multidões, conquistar votos. As retinas de nossos olhos não se cansam de assistir a espetáculos que, se não cuidamos, cometemos maior pecado, o da cumplicidade. Pelo menos, no Brasil, a política virou espetáculo da dissimulação.        

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Será que, no Brasil, alguém merece o nosso voto?


Será que, no Brasil, alguém merece o nosso voto?

Cunha e Silva Filho

            Se política brasileira constitui uma soma de simulacros, em que as imagens dos candidatos  se constroem   graças à publicidade  enganosa,  a marqueteiros   vendilhões, a mentiras  trocadas entre candidatos e, agora,  no segundo turno,   a recomposição de candidatos que, antes   se   atacavam olho no olho  ou em  viagens  pelo  país  afora,  já começam  a  jogar seus papéis múltiplos    no ping-pong de partidos   de orientações   ideológicas  díspares e incompatíveis com os seus programas  de governo e metas a serem   atingidas  durante  seus mandatos, como  é que fica  a cabeça do eleitor sem  ponto  de apoio  seguro,  transparente, diante   de tanta   balbúrdia?
        O segundo  turno   gerou a bipolarização pronta  a vender a alma  ao diabo  desde que seja  o vencedor   dessa segunda rodada. Os antigos  inimigos  se tornam, agora,   amigos de  oportunismo porque, na peleja  renhida,  tudo vale  nas alianças feitas. Os  fundamentos   ideológicos  dos candidatos  se esfarelam,  viram   uma salada  mista,   um saco de gatos,  um samba do crioulo doido.
           No meio  desse mafuá  de  novas   combinações   estapafúrdias,   o país  continua  desatrelado das suas obrigações e compromissos  assumidos da candidata-presidente: aumento  dos preços,  novas revelações de  corrupção,  violência  calamitosa,   o estado de Santa Catarina  em  polvorosa,  com  explosões de violência,  ônibus   incendiados,  bandidos  à solta  teleguiados  por  ordens de   alto crime  cujas decisões  partem  dos presídios. O país está em baixa,  política, moral  e eticamente.  Até  os  eleitores menos instruídos  que, porém,  têm   experiência da vida e dos homens, me  dizem   em conversas  na  rua  que   o país  vai  mal,  que ninguém  acredita mais em  políticos  nem  em melhorias para a Nação,  que estão decepcionados  com  todos e tudo  que  traz o sinete  do que  chamam de política.
           A crise  política  é de  ordem  ética,  de falta  de confiança nos nossos homens  públicos. Vejam-se alguns candidatos  reeleitos para  a Câmara dos Deputados ou para o Senado.  Vejam que os mais  bem  votados   nada podem  representar   de útil  ao país; são oportunistas  que,  por  pertencerem  à mídia  cultural,  são feitos   deputados e senadores. O pior: esses candidatos, durante  os mandatos   anteriores,   nada  fizeram  pelos  seus estados. Fizeram, sim,   para si  mesmos, ou seja,  para se   beneficiarem  das condições de marajás – condições  estas   que  não mudaram  desde os tempos   do Collor que,  por sinal,   foi  eleito  senador.
                   Transformamos a eleição  num  espetáculo  circense, no qual os eleitores  estão  presentes ao voto  para  se divertirem   com o próprio  cinismo  e falta   de auto-respeito.
        Não vejo  o voto nulo,  o  voto em branco  como  falta  de  atitude  cidadã.  Esse comportamento do eleitorado  tem sua razão de  ser: ele  espelha  a náusea que  cada um sente  pelo que  está  vendo acontecer no país. Ele sabe que,   ao se eleger  um   político para defender os   direitos  e  atender   aos anseios  da sociedade,  nada se concretiza das promessas   falaciosas  do que afirmou  na campanha.  Foram palavras ocas,  sem substância,  sem  o peso da verdade.
       Essa postura negativista  do eleitorado  é um sinal de alerta  ao sistema democrático  que, assim,  é posto  em dúvida  no que concerne à sua  validade. Quando  o embuste,  a mentira,  a falsidade,  e mormente  o cinismo   se tornam  moeda corrente entre  quem   abraça   a política  por  oportunismo   e interesses pessoais,  o nível de   ceticismo,  de  descrença do eleitorado   ascende  a proporções  alarmantes e perigosas  para   os alicerces da democracia  e se torna  presa fácil  para o arrivismo populista  ou messiânico, ou senão para  lançar os incautos  à fogueira  dos  regimes  de força  de triste  memória,  não só no Brasil como em outros  países.
         Não se pense  que as manifestações –  compreenda-se, as pacíficas -  do ano  passado  contra   os erros da  política  brasileira, contra a corrupção  e outros  males nacionais foram  em vão. O  futuro  governante   da Nação  não pode nem deve subestimá-las. Elas  permanecem como um vulcão   pronto a entrar em  erupção novamente e com mais  poder de  força caso  não sejam   solucionados  os  graves  problemas   do país.
          O “homem cordial”  brasileiro tem suas complacências,  seu   lado  pacífico  e  ordeiro, mas,  se sentir   aviltado,  esbulhado em suas  justas  reivindicações,    saberá como agir sem violência nem depredações,  mas com a  firmeza  da massa  indignada contra os desmandos  do poder   arbitrário. E o mesmo vale para  todos  os  três poderes constituídos.   Lembrem-se os futuros governantes que  o mero  fato de  conquistar mandatos  políticos  não  lhes faculta    o  uso  do autoritarismo,  da prepotência,   da  enganosa  ilusão que, no exercício do poder,  possa arvorar-se  em   donos” do poder. A soberania  da nação  é apanágio  do  povo, não  de   políticos   de plantão.
         O merecimento de nosso  voto  está  em estreita dependência  dos valores  morais, da integridade , competência  e do  real  desejo de os políticos   propiciarem  o bem-estar da   sociedade.