Pádua Santos
Presidente da APAL
Alcenor, em charge de Fernando Castro
Danilo Melo, Zé Hamilton, Assis Brasil e Alcenor Candeira Filho
Frederico Garcia Lorca, o extraordinário poeta espanhol, nos legou o seguinte ensinamento: “Todas as coisas têm seu mistério, e a poesia é o mistério que todas as coisas têm.”
Talvez por ser misteriosa seja a poesia uma das mais antigas e importantes formas literárias. Na mais remota antiguidade já existiam poetas que, por meio dela, contavam extravagantes histórias de deuses e heróis. Todos sabem que a poesia tem tanta importância no meio literário a ponto de fazer com que alguns nomes passem a ter grande e imorredouro respeito, como é o caso de Castro Alves, Olavo Bilac e Carlos Drummond, apenas para citar três exemplos brasileiros de diferentes épocas e escolas.
Não somente a poesia composta de versos metrificados, alinhados ou dispostos nas mais diversas formas presentes nos poemas, mas também aquela que podemos encontrar embutida em importantes textos em prosa, aqueles que exatamente por sua força tornaram-se imortais e conhecidos no Brasil inteiro, como é o caso de alguns escritos do nosso Humberto de Campos.
E por falar em poesia escrita, tenho em minha biblioteca, com um oferecimento datado do dia 23 de maio de 1979, mais de trinta anos, portanto, uma obra poética que a guardo com muito carinho e cuidado ao lado de outras que me foram ofertadas por seus autores. Tem esta obra o título de “Rosas e Pedras” e é da lavra do amigo e poeta Alcenor Candeira Filho. Relendo-a pude observar, logo na primeira página e abaixo do oferecimento, o seguinte quarteto da autoria de Drummond:
“Lutar com palavras
é a luta mais vã.
Entanto lutamos
mal rompe a manhã.”
Ocorre que Alcenor, depois da feitura deste livro - arte mimeográfica do ano de 1976 - continuou, como continua até hoje, a lutar com as palavras, com os versos e com as letras, e a luta não tem sido vã. Pelo contrário, tem sido luta gloriosa. Não é luta vã como insinuou o poeta itabirense, no verso citado, nem mesmo “A vida é vã como a sombra que passa...” como disse Manuel Bandeira na sua “Estrela da Vida Inteira”. Lutar com palavras é lutar pela própria vida. É como ensina Mário Qintana, no seu belo soneto “Ah! Os Relógios”:
“Porque o tempo é uma invenção da morte:
não o conhece a vida – a verdadeira-
em que basta um momento de poesia
para nos dar a eternidade inteira.”
É verdade: a luta de Alcenor Candeira com as palavras tem sido profícua em todos os sentidos.
Há em meu poder, e também com oferecimento de mais de trinta anos, o que vem demonstrar a longevidade de nossa amizade, exemplar da primeira edição de seu livro “Das Formas de Influência na Criação Poética”. Obra que nos ensina, de forma simples e objetiva, a diferenciação existente entre as oito formas de influência na criação poética. Influência que todo poeta é capaz de receber de outro. E não há nenhum demérito nisto, basta dizer que até mesmo a genialidade de Castro Alves fora influenciada pela grandiosidade de Victor Hugo.
Sendo que a luta maior de Alcenor Candeira com as palavras tem como palco principal a encantação da poesia. Até mesmo nos seus momentos mais difíceis - quando se trata do “tom fortemente elegíaco”, no dizer de Manuel Paulo Nunes, em texto inserido na Antologia Poética do autor, página 110 - surge o bem elaborado poema “Passando em Revista”, o que vem comprovar a veracidade do pensamento esposado pelo já citado poeta gaúcho Mário Quintana:
“Sofrendo é que se faz coisa boa.”
Coisa boa no sentido de sensibilizar as pessoas através da força do encantamento poético. Força que foi muito bem observada por Affonso Romano de Sant´Anna, ao lecionar com propriedade:
“A poesia sensibiliza qualquer ser humano. É a fala da alma, do sentimento. É preciso ser cultivada.”
Todavia, o que há de mais vigoroso no poetar de Alcenor Candeira Filho, a meu ver, não é o elegíaco nem tampouco outros temas por ele invocados. O mais forte, o mais marcante, o que flui sistematicamente do seu culto poetizar é o apego que sempre demonstrou à sua terra natal.
“A cidade
é o cimento
que concreta
a vida.”
É isto que se lê no poema “A Vida Civilizada”- página 14 do livro “Rosas e Pedras”, já aqui citado.
A cidade é a Parnaíba muito bem evocada na primeira página do seu livro “Memorial da Cidade Antiga” – COMEPI, 1998:
“Parnaíba
berço – casa – mesa,
beira rio beira vida,
Parnaíba
desejo de nunca, jamais, partir!
A mesma Parnaíba lembrada no bronze furtado da parede principal do natimorto Jardim dos Poetas:
“Parnaíba não é uma palavra fluvial
a martelar-me a memória.
É uma cidade inteira
dentro de mim,
latejando em mim...”
Sempre a Parnaíba. Daí o esclarecimento na página 07 da Seleta hoje lançada:
“... quanto maior a intimidade com o torrão natal mais ampla a visão do universo,...”
Anton Tchecov, mestre do conto russo, já previu esta realidade ao enfatizar:
“Escreva sobre a tua aldeia e descreverás o mundo.”
Por tudo isso é acertado dizer que Parnaíba é o mistério previsto por Garcia Lorca na poesia de Alcenor Candeira Filho. O Alcenor que é - sem dúvida e sem qualquer ressaibo de agressão a tantos outros que por aqui passaram ou que estão passando - aquele que se pode denominar de “O legítimo poeta Parnaibano.”
Parnaíba, 20 de abril de 2010.
Data do lançamento da Seleta em Verso e Prosa, do poeta aqui comentado.
Edição comemorativa de 40 anos de sua atividade literária
NOTAS DO AUTOR: (1)-Esta crônica será incluída no livro “Crônicas Ilustradas”,
elaborado com a participação do artista plástico Fernando
Castro, a ser brevemente lançado nesta cidade.
(2)-A charge que acompanha foi encomendada pelo autor
da crônica e entendeu o artista que o poeta retratado,as-
sim como o monumento que serve de fundo, têm intima
ligação com Parnaíba.
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