terça-feira, 23 de novembro de 2010

DIÁRIO INCONTÍNUO

Praia de Atalaia

Tutoia - MA


23 de novembro

MALANDRO OCEÂNICO E ALCIÔNICAS MÚSICAS

Elmar Carvalho

Outro dia, ouvindo a cantora Alcione, lembrei-me de Renato de Paula. Num dia qualquer de 1977 ou 78, meu pai, então gerente da ECT em Parnaíba, foi abordado por esse cidadão, durante o expediente da agência, na parte da manhã. Vinha ele de Tutoia, onde fora cumprir alguma missão da diretoria regional da empresa no Maranhão. Aproveitara para conhecer o litoral piauiense. Alegando que extrapolara as diárias que recebera, pediu a meu pai que lhe emprestasse determinada importância. O velho disse não dispor no momento daquele valor, e veio com o Renato me pedir que lhe arranjasse a importância, asseverando que tão logo ele chegasse a São Luís me reembolsaria. É óbvio que eu não gostei muito da solicitação, uma vez que estava vendo aquela pessoa pela primeira vez. De qualquer sorte, respondi que dispunha da quantia apenas em minha pequena poupança, na agência da Caixa Econômica Federal. O Renato afiançou-me que não me preocupasse, que tão logo chegasse à capital maranhense remeteria o dinheiro. Um tanto contrafeito fui fazer a retirada e lhe entreguei. Era um dia de sexta-feira, pois a Caixa não funcionava no sábado. Não lhe pedi para assinar nenhum cheque, recibo ou promissória. Resolvi aceitar sua palavra.

No domingo seguinte, fomos à praia de Atalaia, em Luís Correia. Tomamos umas cervejas e comemos tira-gosto de camarão. A cantora Alcione, chamada a Marrom, estava na moda, com a sua voz vibrante, metálica, quase de trompete, a cantar os seus sambas gostosos, dengosos, românticos. A música mexeu com o saudosismo de Renato, e ele se lembrou de sua ilha de Upaon-Açu. Ficou indócil, eufórico, e pedia para repetir algumas músicas; ficava a cantarolar, acompanhando-as. Era ele um mulato de seus quarenta anos de idade, já um tanto gordo, com pinta e jeito de malandro carioca, no bom e legítimo sentido da palavra. Algumas cervejas e alciônicas músicas depois, ao entardecer, retornamos a Parnaíba. Confesso, temi pelo reembolso de meu suado dinheirinho. Mas, para meu espanto e agradável surpresa, poucos dias depois meu pai veio me entregar o dinheiro que Renato de Paula mandara. Nunca mais o revi nem ouvi seu nome. Contudo, fiquei com a alegre lembrança de um bom vivant que sabia honrar sua palavra e seus compromissos.

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